Mestre e Comandante escrita por americangods


Capítulo 10
Capítulo 9 - Garrus




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/209394/chapter/10

– – –

Garrus

Os dois cientistas, marido e mulher e monstros cruéis ainda eram uma morte quente, fresca e com cheiro de líquido vermelho da vida esvaindo-se dela própria, da vida. O sangue deles ainda escorria na imagem que não parava de perseguir Andromeda.

É simples, disse ela, segurando John pelo braço, impedindo-o de ir até a baia médica por alguns segundos. Precisava se justificar para ele. John precisava saber porque aqueles dois tiros foram disparados. Ou nós matamos os Reapers, ou nos tornarmos eles. Eu não vou permitir isso. O espartano apenas olhou para ela longamente através daqueles olhos julgadores ou não, cobertos pelo capacete, finalmente assentindo após julgá-la e condená-la.

Eu entendo, comandante.

Ou absolvê-la.

Que bom que John entendia, pensou Shepard. Porque a própria não tinha certeza se fez a coisa certa.

Perdoe-me, doutora. Mas não posso deixar que sua ideia caia nas mãos da Aliança. Eles acharem que é uma alternativa válida, que é nossa única esperança. Não é. Isso foi depois do primeiro tiro, enquanto olhava para a mulher com os braços tomando o marido morto.

Você, soluçava a mulher, está acabando com a única chance que nós temos.

A maneira como olhou para aquela mulher foi... assustadora. Ainda bem que a vida não lhe concedia a chance de assistir a si mesma nesses momentos, ou ela teria hesitado e deixado a cientista viva. Não consegue imaginar o que Irina poderia fazer com a Aliança, plantando e disseminando aquelas experiências horríveis. Ela tinha cara de vítima também, provavelmente do marido. Ainda assim, não podia deixar aquilo acontecer. Vítima ou não, ela tinha de morrer.

– Não! – Repete em voz alta as palavras que dissera a Irina, sozinha no seu quarto e aguardando a chegada à Palaven, tentando não pensar em Liara, Kaidan e agora mais um problema para sua vida particular, Garrus Vakarian, em algum lugar lá em seu planeta natal, morto ou vivo. – Eu estou apenas preservando a humanidade que vocês tanto amam – o tom de voz frio que não lhe era característico. Os olhos da Vostok fechando, antecipando seu fim.

O gatilho pressionado e o corpo da mulher perfurado e manchando todas as coisas a sua volta. E só agora, revendo a cena e pronunciando as palavras numa reprise de uma de suas mais monstruosas apresentações, que ela realiza que os tiros não foram para Ivan e Irina Vostok. Foram para Illusive Man.

Vai até o banheiro. A parte inferior de sua armadura ainda sobre seu corpo. Não sabe se perde tempo tirando-a, gastando cinco minutos do seu relógio da vida que cada vez mais se aproximava das últimas voltas.

Tira a parte superior da underarmor, deixando só a skin preta e colada que cobria a parte de cima do seu corpo. Tira ela também. Seu corpo parcialmente nu, mas só da cintura para cima. As cicatrizes de seu retorno à vida cobrindo toda aquela pele branca. Rachaduras, cortes e desenhos de implantes, sua pele como a terra seca e rachada no mais quente dos sóis. Apoia suas mãos que apertam gatilhos e tiram vidas nas paredes do chuveiro que joga água quente sobre seus fios ruivos.

– Frio, – ela pede, arqueada, e o chuveiro atende.

Água gelada escorrendo pelos seus cabelos, descendo pelo pescoço, costas, seios e barriga. O líquido impedido de entrar abaixo de sua cintura. A armadura vermelha, mais underarmor e legging inferior repelindo as milhares de gotinhas, negando à ela a chance de se banhar completamente e livrar-se totalmente do sangue invisível, nojento e sujo que lhe cobrira completamente na última hora.

Os Vostok morrendo e a água quase congelando sobre seu corpo. Doía. Mas ela merecia isso. Preservar a alma de uma espécie tinha que doer terrivelmente em alguém.

Esse alguém era, claro, Andromeda.

– – –

Estava atrás dos vidros da baia médica. Traynor lá, de novo, fazendo o que pode – não é muita coisa – por uma mulher que não conhece, tentando tranquilizá-lo e oferecendo palavras de conforto pelo rádio. Ela está bem, senhor.

Uma presença única é sentida por ele. Só uma pessoa na galáxia... não, verdade seja dita, só uma pessoa em todas as galáxias e realidades que ele conhecia tinha esse poder de mudar o ar que havia a sua volta e o silêncio pairar sobre as mais altas e animadas conversas da tripulação que estava ali próxima na mess hall.

– Agora você sabe como eu me senti – diz Shepard.

– Perdão, comandante? – Volta-se para ela, que focava o olhar em Traynor e Jack.

– Impotente. Sem ter o que fazer, só esperar o inevitável, podendo ele ser algo muito bom ou muito ruim.

– Ela voltou, comandante – tenta explicar a ela.

– Eu... espero que sim. Ou então terei que... Deus, com ela não. Com a Jack não, por favor – a ruiva diz isso muito baixo, tão inaudível que ele quase não escuta.

– Ela voltou, Andromeda – nunca havia chamado a Comandante pelo nome. Espera que isso faça-a voltar de seja qual buraco escuro tenha se permitido entrar – você não vai precisar fazer nada.

É claro que ele não pode garantir isso.

Nada se fala durante minutos. Traynor pousa um pano molhado sobre a testa da mulher desacordada. Provavelmente estava com febre. Shepard vai até a janela, se encosta ali, as duas mãos suplicando apoio para o vidro.

– Eu tive que fazer aquilo – diz ela.

O que? Se pergunta John, até finalmente entender.

– Não podia deixar que a pesquisa deles contaminasse a Aliança. Essa tecnologia não ia nos permitir a vitória. Só ia acelerar a nossa derrota.

Ela abaixa a cabeça, agora evitando o olhar de qualquer pessoa a sua volta. Nem mesmo Traynor podia ver seus olhos e seja qual fosse o brilho que eles emanassem

– Nós somos seres horríveis, John. Somos fracos, gananciosos e impressionáveis. Aquela pesquisa não podia cair nas mãos humanas mais poderosas da galáxia, a Aliança. Não há honra, coragem e instinto protetor que aguente perante a sedução do poder.

– Eu não julgo você, Comandante, mas não faria o mesmo que você na situação.

Aquilo não à ofende, mas surpreende mesmo assim. O olhar dela é de súplica, como se ele tivesse a resposta que ela tanto tentou encontrar para aquele desafio, mas que falhou em conseguir.

– E o que você faria?

Ela dá tempo o bastante para ele buscar a resposta que não existe. Quando finalmente se sente derrotado, volta-se para ela e diz:

– Eu... não sei.

– Se nem eu nem você sabemos, John, então eu devo ter tomado a única decisão possível – um alívio naqueles olhos tristes. Um conformismo macabro, quase doentio, mas que ele compreendia. Realmente não conseguia pensar em outra possibilidade.

A guerra, as vezes, não dá muitas alternativas. Duas ou três no máximo. A pior delas é quando dá apenas uma. Essa uma geralmente é a mais terrível das alternativas.

– Nós temos outra escolha se Jack acordar... louca?

Ele não responde. Permite-se o silêncio, como em tantos outros momentos em sua vida.

– – –

– Eu nunca vi você assim, John – diz Cortana.

Ela está projetada ao lado dele, seu corpo miniatura passeando pela cama, atravessando o corpo físico e real de Jack vez ou outra. Parece mais curiosa do que normalmente era. Seus lábios não se mexem. A voz é projetada diretamente no capacete de John, e ela cortou toda e qualquer comunicação dele com a nave, como também o indutor externo de som. O que ele falasse, não passaria de um som abafado pelo titânio com tintura verde do seu capacete.

– Assim como?

– Preocupado. Eu posso ver dentro da sua armadura, você sabe. Os movimentos nos seus olhos, as pequenas contrações musculares e o batimento cardíaco mais elevado do que o normal.

– O que você está sugerindo?

– Estou com ciúmes, John – lábios pequeninos dela arqueados, meio provocativos, meio sinceros.

– Não entendo, Cortana.

– Você nunca entende – ela dá as costas para ele de novo – analisei os relatórios que os scans conseguiram tirar de Jacqueline Nought. É o nome dela, ou ao menos, o nome que ela quer usar agora. O verdadeiro não existe. Nem eu nem EDI conseguimos achar. Enfim, os dados realmente batem com aqueles de uma pessoa doutrinada.

– Você acha que...

– Não, embora exista essa possibilidade. Diria que é pequena. Irrisória, até. Quando eu falei sobre os relatórios, quis dizer os que conseguimos retirar da própria armadura dela. Eles provam que ela sofreu um processo similar ao da doutrinação, embora não esteja completo. Não sei se porque não tinham essa intenção ou se porque o processo é longo e realmente demorado. Ela esteve doutrinada por pouco mais de uma hora. Os casos relatados pela Aliança falam apenas de pessoas que foram doutrinadas durante muito mais tempo do que isso. E os scans que fizemos aqui, na Normandy, indicam apenas estresse pós-traumático. É provável que ela tenha vencido a doutrinação.

– Você tem certeza?

– Nunca há certeza absoluta, John. Você viu as coisas que te enviei sobre a doutrinação, não? É a maior arma dos Reapers. Maior ainda que o seu poder destrutivo, na minha opinião. A doutrinação coloca seres vivos contra aqueles que mais amam. Não há maneira pior de acabar com a vida de alguém do que dessa maneira. Bombas e tiros são mais rápidos, menos dolorosos.

– Como ela venceu isso, Cortana? A doutrinação.

– Diz-se que indivíduos com extraordinária determinação são capazes de combater a doutrinação – volta a olhar para Chief – mas não vencê-la. As mentes fracas padecem quase que instantaneamente. As fortes, são torturadas até ceder.

– Jack cedeu?

– Não sei. Ela parou de atacar quando viu Shepard. E você. A mente dela é forte, mas frágil. Ela pode ter se deixado dominar rapidamente pela doutrinação, mas não deixou a influência ir muito longe porque ela tem... John, pessoas como Jacqueline possuem... barreiras quase que impenetráveis dentro de suas mentes. É algo extraordinário, e triste. São partes da mente tão, mas tão fortes, que são quase impossíveis de serem transpostas. Mas guardam segredos e dores terríveis. Talvez a doutrinação estivesse prestes a vencer essas barreiras dela, só que ao mesmo tempo, você e Shepard chegaram. Ela estava fraca, suscetível a qualquer influência externa. Poderia ter deixado a doutrinação ou vocês passarem, deixarem-na indefesa perante uma vontade muito maior que a dela, já esgotada de tanto defender-se de influências externas. Ela precisava escolher quem passaria por essa barreira. Ela escolheu vocês.

– Espero que sim – a resposta demorou. Ficou absorvendo, depois refletindo todas aquelas palavras de Cortana.

Jack escolheu os seus alunos. Escolheu Shepard, sua amiga, por mais que Jack talvez jamais admitisse. E escolheu ele, John. Mas o que era John para ela?

A IA se aproxima dele novamente, senta-se na cama, ao lado de Jack. Quase uma boneca velando o sono de uma menina. A mãozinha minúscula dela toca a grande e humana de John, coberta pela armadura. Sente um arrepio toda vez que ela faz isso. Não há o feedback do toque, então seria como se ele nunca houvesse acontecido, afinal o toque é a ação e reação que seu corpo sente à algo externo e físico. Cortana é incorpórea, mas mesmo assim o toque dela parece ter um efeito em John. Sempre.

– Outra coisa, John. Sobre você, agora. Seus implantes.

– O que tem meus implantes?

– Alguns deles estão falhando. Não os essenciais, esses estão bem. Mas quanto os secundários e terciários não posso dizer a mesma coisa. Quando eu te toquei, agora, você sentiu um arrepio. Você não deveria sentir isso, deveria ser bloqueado pelos implantes. O soldado perfeito não precisa sentir isso. Mas nós dois sabemos que você sempre sentiu isso comigo. Nossa relação é complicada, não é? – É estranho ouvir a risada que se seguiu, porque a boca dela continua fechada, a comunicação silenciosa via radio. – Mas você está cada vez mais suscetível à estímulos externos. Os implantes hormoniocondutores estão quase a ponto de deixar de funcionar.

– Nós podemos arrumar isso?

Os hormoniocondutores, apesar do nome, não ajudavam ou auxiliavam a condução de hormônios em seu corpo, ou ao menos, não o de todos eles. Apenas alguns específicos. Adrenalina, por exemplo. Os implantes os mantinham numa dosagem maior e mais contínua do que em um corpo humano normal. Outros hormônios podem ser prejudicados de sua produção em prol da manutenção do soldado perfeito, que é alguém que não tem tempo para coisas mundanas, afinal não foi feito para isso.

– Podemos. Acho que é possível. Mas essa não é a questão, John. A questão é se você quer que eles sejam arrumados.

Anos atrás seus implantes falharam. Nas primeiras gerações de Spartans foi comum de acontecer. Isso o levou a conhecer sensações extremamente novas e diferentes, que ele não tinha o menor conhecimento de sua existência antes. Reach, antes da guerra com os Covenant. Os seus implantes e os de Kelly deram problema. A produção de hormônios em seus corpos ficou descontrolada, e por consequência, eles também. Alguns hormônios que não deveriam ser produzidos o foram, exatamente aqueles que os forçaram a encontrar um lugar secreto, quieto e longe de todos os outros. Eles demoraram três semanas para relatar isso, depois de uma longa conversa sobre honra e dever.

Outra vez, após destruir o primeiro Halo, na Estação Espacial Cairo-2, com Miranda Keyes. Boas lembranças, mas também doloridas.

Miranda estava morta e Kelly desaparecida.

Se seus implantes não tivessem falhado, talvez nunca tivesse sentido tanto a morte de ambas – desaparecimento, ele se corrige. Ao menos o de Kelly.

Sentir o impacto da morte era horrível. Mas para senti-lo, precisava sentir o impacto da vida. E sem os implantes foi quando ele se sentiu mais vivo.

– Não – responde finalmente – não quero esses implantes funcionando.

– Agora eu estou realmente enciumada, John – o sorriso mais belo que já vira em Cortana.

– – –

Menae era como a Lua da Terra. Só que parcialmente terraformada, permitindo que não precisassem de equipamento de oxigênio para respirar. Só tiveram de tomar uma pílula que os protegeria da concentração maior de hidrogênio e carbono da atmosfera turian. Mas ainda mantinha a semelhança acinzentada da Lua terrestre, assim como sua superfície rochosa e areiosa. Seguiram um grupo de soldados da Hierarquia que os escoltaram até o quartel general.

Andromeda sempre ouvira o quão militarmente organizada era a sociedade turian, mas o que via a sua volta era uma mera resistência pobre e improvisada com sucatas e ferro-velho. Pequenas estruturas pré-fabricadas servindo de postos de comando, torres pronta de 3 a 4 metros levantadas rapidamente, sem muita segurança no apoio ao chão. Mas mesmo assim os turians pareciam mais competentes do que qualquer outro grupo de combatentes que ela já conhecera.


Evitava de olhar para Palaven, o planeta ao qual aquela lua estava presa em órbita. Era a terra natal dos Turians, e de Garrus. Fora azul, como a Terra, ou alguma outra cor bem clara. Diziam que havia muitos metais lá, principalmente prata. O planeta brilhava agora, só que vermelho. O rastro de destruição deixado pelas máquinas ceifadoras. Cipritine, a capital, era um grande círculo disforme vermelho. Uma megalópole inteira em chamas, um fogo tão brilhante que podia ser visto do espaço.

– General Corinthus está no HQ a frente, senhora. Não podemos escoltá-la até lá – disse um turian. Marcas tribais azuladas em seu rosto escuro. Lembrava Garrus.

Foco, Shepard.

– Obrigada, oficial – olha para frente. Um grupo de husks toma conhecimento da presença deles. Os turians começam a preparar suas armas – nós assumimos aqui. Voltem para seus postos.

Talvez tenha sido o olhar dela que os afastou do desejo de matar aqueles monstros que invadiam e destruíam o seu lar. Eles abaixaram suas armas e fizeram o caminho de volta, deixando Shepard, Master Chief e Kaidan Alenko.

Ele insistiu, e como ela não queria mais atrito resolveu permitir sua vinda. Quem sabe poderiam conversar, quem sabe, em meio a tiros, explosões e morte. O cenário comum dela e sua tripulação.

– Que os espíritos à protejam, Matadora de Reapers – disse aquele soldado, antes de sumir num túnel.

Do que ele me chamou? Shepard decide guardar o rifle. A Lancer de munição quase infinita se prende na trava magnética da armadura da mulher, recolhendo-se ao seu modo compacto. Suas duas mãos são cobertas por esferas de energia biótica. A luz azulada emanando em todo o seu corpo.

Exceto, claro, aqueles dois pontinhos vermelhos em seu rosto.

– Matem todos eles – diz ela quando o grande grupo de husks fica muito próximo deles.

– – –

Faz um ano, mais ou menos, que ele teve essa mesma dança sendo apresentada na lente de seu rifle de precisão. Na época, estavam em Omega e ele tinha acabado de perder toda a sua unidade. Era chamado de Arcanjo. Um nome dado pelos colonistas humanos e que acabou pegando. Quanto a ela, a dançarina, procurava, quem diria, exatamente por ele, o Arcanjo, que diziam ser um justiceiro implacável, sem aliança ou amarras a qualquer organização. Alguém que fazia o impossível acontecer.

Shepard, em Omega, na mira de seu rifle. Um mech atrás dela, ele atirando e incapacitando o robô. A graça que ela tinha durante a batalha era uma coisa surreal. Ela o encontra minutos depois, um turbilhão de memórias e sensações tomam o corpo do então Arcanjo, que a tiraria da linha de tiro e levaria uma rajada de tiros no rosto, deixando aquelas cicatrizes e queimaduras que nunca sairiam.

Shepard, em Menae, agora, de novo na mira de seu rifle. Não precisa fazer nada, salvá-la de mech algum. Está acompanhada de Master Chief e outra pessoa que ele não consegue identificar ainda. Cabelo negro. Está de costas para sua mira. A armadura da ruiva lembra muito a de Chief, só que completamente vermelha. O terceiro humano se vira e ele reconhece na hora. Kaidan Alenko. Pensou que Shepard e ele tinham se afastado definitivamente.

Um cemitério de corpos é deixado por eles, que vão em direção ao quartel general turian naquela lua, certamente atrás do Primarch. Ainda não sabem que está morto e a linha de comando fora passada para outro turian.


Garrus desce da grande cadeia de pedras que formava aquele posto avançado que clamara para si. Perde o equilíbrio algumas vezes, mas nada demais acontece. A queda não era tão grande assim, de qualquer maneira. Com os dois pés no chão, o rifle de precisão guardado e o de assalto em mãos, ele começa a bater caminho entre o vale agora esvaziado pela Matadora de Reapers.

Corpos de alguns companheiros pelo caminho, nada que ele já não tenha visto antes. Os espíritos deles agora se juntavam ao grande espírito de Manae, e guiariam ele e sua comandante para a vitória. Ou a morte gloriosa.

Ele prefere a vitória, sinceramente. Agora que viu a ruiva com aquele cabelo um pouco mais comprido do que da última vez, mas um estranho espectro vermelho em seu rosto.  Começava a pensar que as chances de vitória eram maior do que todos poderiam esperar.

Pode-se dizer, aproveitando que ele estava um pouco sentimental hoje, que vê-la fez com que alguma esperança surgisse dentro de si. Os próprios espíritos canalizando esse sentimento em todas as coisas. Pode jurar ver alguns Reapers sendo destruídos lá sobre a órbita de Palaven. Os espíritos de seu povo respondendo à força etérea que Shepard trazia para onde quer que andasse.

Não tarda a chegar ao acampamento que Shepard entrara. Usou uma das entradas laterais, ignorando as continências que lhe dirigiam, como também os dois turians que vieram lhe mostrar relatórios. Não agora, disse ele quase ríspido, se apressando para ir atrás da humana que emanava esperança em meio a tanta morte.

A casa pré-fabricada que era usada como centro de comando está próxima. Consegue ouvir vozes conhecidas. Uma delas levemente exaltada.

– Eu preciso de alguém. Não me importa quem seja o Primarch, desde que consiga os recursos e força militar que me prometeram!

Aquela voz suave como de todos os humanos, mas que demanda, exige, mais forte e intimidadora que de muitos turians. Shepard tinha um talento natural para aquilo, como se fosse agraciada pelos espíritos – deuses, corrige-se ele – de seu povo, embora ela negue essa influência. Você está louco, Garrus. Minha voz é horrível, você nunca me viu cantando. Disse ela um tempo atrás.

Eles bebiam alguma coisa, drinks próprios para cada organismo. Geralmente faziam isso, saiam os dois para beber na Cidadela, Omega, Illium, ou fosse lá onde a Normandy parasse em suas missões.

Ela não o viu ainda. Está bela, como nenhuma humana jamais lhe pareceu. Não era simplesmente beleza, concluiu ele uma vez, mas um misto disso com respeito que tinha por ela, pela força que demonstrava ter. Mas os cabelos vermelhos, ele tem de admitir, são uma coisa que ele sempre admirou verdadeiramente.

– Estou com você – ele faz o maior esforço para não mostrar o cansaço da corrida do pico de assalto até ali – vamos encontrar o Primarch, Shepard.

Um sorriso no rosto da humana.

– Garrus? – a voz dela soa como a de muito tempo atrás, quando a guerra ainda não havia começado.

– Vakarian? Senhor, desculpe-me, não sabia que estava aqui! – Diz o general.

– Relaxe, general – guarda o rifle e se aproxima da humana. Ela vem para cumprimentá-lo com um aperto de mão mas desiste no meio do caminho. Ela pega as duas mãos dele – você parece bem, Shepard.

Só agora que percebe o olhar dela. Os implantes, lembra ele. Shepard explicou na época da missão suicida que eles poderiam fazer isso à ela, caso ela fosse exposta a muito estresse. Era esperado que isso acontecesse, dada a ocasião em que eles se encontram. Guerra em ambos os planetas natais. Isso o assusta um pouco, aquela visão da comandante diferente da que ele conhecia e esperava, mas também o deixava igualmente preocupado. Não era só estresse que fazia aquilo com ela, mas também raiva, confessou ela certa vez. Tinha que fazer alguma coisa pela sua comandante.

– E você está vivo – diz apenas ela, após a longa troca de olhares.

– Deixou o cabelo crescer um pouco – isso meio que pega ela de surpresa. O turian gosta de vê-la assim, desarmada completamente. Mas não vulnerável. Isso ela jamais seria.

– Botei lentes de contato também – responde, brincando com a sua própria sina.

– Prefiro os originais, comandante.

Isso era verdade.

– – –

John vê a ruiva relaxar seu corpo. As duas mãos para trás, nas costas, se encontrando na altura da linha da cintura. Ela dá alguns passos para um lado, depois para o outro. O rosto abaixado, ponderando alguma coisa. Volta quase que à posição inicial. O holograma da Dalatrass à sua frente. É a líder política do povo salarian, o mesmo do Dr. Mordin Solus que ele conheceu meses atrás.

A câmera que enquadrava ela e Chief enviando a imagem para a mulher salarian há milhares de anos luz deles, impossibilitada de filmar aqueles rápidos movimentos lépidos dos dedos da Comandante. Uma pequena esfera alaranjada da omnitool em sua mão. Uma rápida digitação cega ali, mas precisa.

– Você quer que eu engane os krogans? Que omita a informação da sabotagem? Você tem ideia do que está me pedindo, senhora? Isso é enganar um povo inteiro.

– É exatamente o que eu estou pedindo, Comandante.

– A senhora sabe que o mais próximo que eles tem de um líder hoje é Urdnot Wrex.

– Como também sei que ele é um antigo aliado seu. Mas ele é um krogan, comandante. A história e o universo nos ensinaram a não dar liberdade àquele povo. A genophage é necessária para a nossa própria segurança.

– Ela é? – Aquele sorriso malicioso de Shepard. Ela tira as mãos de trás das costas, ativa sua omnitool.

Você quer que eu engane os krogans, que omita a informação da sabotagem? Você tem ideia do que está me pedindo, senhora? Isso é enganar um povo inteiro.

É exatamente o que eu estou pedindo, Comandante.

Uma gravação. Os olhos grandes e negros da mulher salarian não poderiam ficar mais abertos e assustados que aquilo.

– Eu vou até Tuchanka, vou curar a genophage e conseguir o apoio de Wrex e seu povo. E depois, sabe o que eu vou fazer, dalatrass?

– Você não ousaria, Shepard! Você vai criar um conflito dentro da própria guerra! Os krogans não irão ajudar vocês sabendo dessa informação. Eles vão atacar meu povo com toda a sua força! Você vai condenar um povo inteiro, Shepard!

– Mas foi exatamente isso que você me pediu, dalatrass.

– Os krogans já estão condenados!

– Não mais. A senhora vai dar o suporte total de Surkesh e suas colônias após eu voltar de Tuchanka. E se não o fizer, eu liberarei essa gravação após a guerra contra os Reapers estiver acabada, porque nós a venceremos com ou sem vocês.

– Você não faria isso, Comandante! Você não ousaria!

– Espere para ver, dalatrass. Volto a falar com a senhora dentro de algumas horas, quando os krogans e Tuchanka estiverem livres. EDI, corte a comunicação com Surkesh.

Shepard continua a olhar para o projetor mesmo depois da salarian e sua imagem terem sumido. Quando vira para Chief, aqueles olhos vermelhos parecem, quem sabe, um pouco menos brilhante e mais fracos do que antes. Pequenos traços de jades naquela vermelhidão já não mais tão assustadora.

– Não vai falar nada? – Pergunta ela.

– Você chantageou uma política – responde, e ela faz que sim com a cabeça. O sorriso é malicioso, mas livre de qualquer maldade de fato.

– Acha que eu fiz a coisa certa?

Ele aponta para o reflexo das vidraças da sala de reunião.

– Me diga você.

As cicatrizes parecem menores.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Essa transição entre o bem em mal de Shepard nessa história é uma consequência de algo que sempre achei excessivo em Mass Effect: o maniqueísmo.

Por isso que Andromeda, a Shepard dessa história transita tanto entre o certo e o errado, como também é atormentada por isso.

Peço desculpas a quem acompanhou a história e viu esse hiato de meses entre os últimos capítulos. Não posso prometer que ela continuará, embora eu tenha vontade de finalizar Mestre e Comandante.

Agradeço pelos reviews e por terem lido essa história até aqui.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mestre e Comandante" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.