Família De Aparências escrita por SaraMendes15


Capítulo 4
Hogsmead




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Version:1.0 StartHTML:000000235 EndHTML:000054894 StartFragment:000000344 EndFragment:000054862 StartSelection:000000344 EndSelection:000054862 SourceURL:https://www.fanfiction.net/story/story_download.php?storytextid=26220056

Draco nem tinha reparado no estado de Lexie até ela se separar ligeiramente dele. Depois do abraço ambos estavam constrangidos, mas Lexie não conseguia deixar de fitar Draco nos olhos. O silêncio era incomodativo mas, ao mesmo tempo, agradável.

— Estás assim por causa da Charlotte Broad? – Draco perguntou com a voz rouca e arrastada.

— Não, mas também não ajuda muito. – disse Lexie num sussurro.

— Da Broad eu trato, Lexie. Mas em relação ao resto tens de me dizer para eu te poder ajudar… - Draco estalava os dedos das mãos, infantilmente, tentando não parecer nervoso.

Lexie fechou os olhos com força, evitando deixar as lágrimas rolarem-lhe pela face novamente. Não queria chorar mais, principalmente diante do irmão. Como é que lhe podia dizer que estava com saudades de casa? Ou que queria ser amiga de Hermione e que ele não podia fazer nada para a impedir? Que queria contar à Charlotte que era filha de uma feiticeira e tinha o irmão a estudar em Hogwarts também? Draco repudiaria qualquer uma das hipóteses pelo que seria melhor manter-se calada.

— Lexie, ouve… - Draco agarrou os ombros da irmã, baixando-se ligeiramente para ficar da mesma altura, mas Lexie não abriu os olhos por um segundo. – Depois de amanhã eu vou falar com a minha… com a mãe… - corrigiu, mantendo um semblante sério – queres que lhe diga alguma coisa?

Lexie abriu os olhos com brusquidão e não foi preciso procurar os olhos de Draco, pois estavam mesmo diante dos seus. Tentou transmitir-lhe o quanto magoada estava por ele estar a perguntar-lhe se queria que transmitisse algum recado, em vez de lhe perguntar se queria ir com ele.

— Não, eu não a conheço. Não há nada que lhe possas dizer. – disse, formando um sorriso sarcástico de lado.

Draco ficou praticamente sem reacção, apenas fitou o sorriso amargo de Lexie, identificando-se plenamente com ele. Desviou o olhar e virou-lhe costas. Desejou repreendê-la e sobretudo desejou defender a mãe. Sabia perfeitamente que naquela afirmação de Lexie havia acusação, ela acusava Narcisa por nunca a ter conhecido, por nunca ter demonstrado qualquer tipo de interesse por ela.

Se ao menos Draco pudesse dizer-lhe que estava errada, que Narcisa gostava de conhecê-la e tê-la-ia tratado tão bem quanto a Draco se Lucius não estivesse por perto. Mas ele simplesmente não podia dizer-lhe que o pai era idiota que estava prestes a aliar-se, sem qualquer hipótese de retorno, ao feiticeiro mais temido por todos. Lexie nunca sequer tinha ouvido falar de Voldemort.

Deixou-se ficar de costas viradas para Lexie, ouvindo a respiração irregular da irmã que esperava que ele explodisse e dissesse as coisas que ela não queria ouvir. Mas como ele não disse nada, Lexie aproximou-se ainda mais dele, observando-o colocar as mãos no parapeito, numa posição rígida. Lexie pousou a cabeça sobre as costas de Draco, enlaçando-lhe a cintura e sussurrou:

— Desculpa, eu sei que amas a mãe e é por ela que estás a cuidar de mim. Da próxima vez, vou tentar lembrar-me disso para não te magoar.

Draco não conseguiu virar-se para fitar a irmã e só quando já não conseguia ouvir os passos de Lexie a afastar-se é que ele se sentiu descontrair. Às vezes ela era tão madura que custava-lhe a acreditar que só tinha onze anos. No entanto, quando era sentimentalista, Draco não conseguia dizer nada, sentia um nó prender-lhe a garganta. Talvez ela fosse assim porque em casa era tratada assim pelo pai.

Estava cansado de não poder dizer-lhe a verdade. Tinha a certeza que, apesar dos onze anos, Lexie iria perceber melhor o contexto das coisas. Seria mais fácil de aceitar os comportamentos de Draco se soubesse que era para sua segurança. Sentou-se numa das escadas do corujal e ficou a fitar o vazio pensativamente. Já conhecia este lugar desde o seu primeiro ano, onde tantas vezes se dirigia para enviar cartas a Narcisa. Estava exactamente igual e o piar constante das corujas já era tão familiar que parecia distante. Era um espaço aberto, de onde se poderia observar o céu escurecido com grande facilidade. Era fresco e o cheiro das corujas não era incomodativo, pois era um espaço asseado. Draco percorreu com o olhar as corujas que o fitavam inexpressivamente com olhos bem abertos, eram muitas e todas elas diferentes.

O corujal era um bom espaço para meditar. Pelo menos para Draco que por várias vezes se deixava estar sentado nas escadas a sentir a brisa tocar-lhe o rosto e despentear-lhe os cabelos. Por vezes empoleirava-se nas amplas aberturas da torre e observava a altura estupenda a que estava. Quase que esquecia os problemas que ameaçavam avizinhar-se quando estava neste local, era como se tudo fosse possível.

Levantou-se calmamente após fitar o relógio de pulso e perceber que estava atrasado para a monitoria com Pansy. Não estava minimamente preocupado por deixar Pansy à espera dele, impacientemente, na sala comum dos Slytherin. Contudo, dirigiu-se em passos acelerados, até porque quanto mais depressa começassem a monitoria também mais depressa a acabariam. E só de imaginar que teria de ficar cerca de uma hora com Pansy a falar incessantemente fez Draco sentir-se entediado.

Estava precisamente a virar a esquina em direcção ao corredor principal quando o seu ombro foi contra alguém. O impacto fez com que a pessoa deixasse cair o livro que carregava nos braços. Estava escuro pelo que não conseguiu distinguir com facilidade a silhueta.

— Não vês por onde andas? – a voz ríspida de Draco ecoou por todo o corredor vazio.

Olhou primeiro para os sapatos, depois para as pernas bronzeadas e, por fim, viu o distintivo de chefe de equipa. Os cabelos volumosos a caírem-lhe nos ombros em perfeitos caracóis.

— Granger? - era apenas um sussurro.

Hermione levantou a face para encarar os olhos cinzentos de Draco. Ambos encararam-se e apesar da pouca luz conseguiram distinguir bem todos os pormenores das faces. O loiro fitou os lábios carnudos de Hermione, desconcertado. Os olhos doces de Hermione procuraram os de Draco com alguma relutância e depois fitou toda a face perfeita dele. O tom de pele claro a contrastar com os lábios finos e os cabelos despenteados tornavam-no ainda mais perfeito. Após breves segundos, Draco viu Hermione morder levemente o lábio inferior e pareceu acordar do transe em que se encontrava.

— Vê lá por onde andas, Granger… - disse num tom ríspido, afastando com o pé o livro que ainda estava no chão.

Hermione bufou de impaciência e baixou-se para agarrar o livro. Quando olhou para trás Draco já tinha desaparecido na escuridão.

x.x.x

Após o almoço, Harry insistiu com os dois amigos para irem à sala das necessidades. Precisavam de ter uma conversa que andavam há muito a adiar. Através do seu pensamento, Harry fez com que a sala das necessidades se tornasse num espaço com três cadeiras confortáveis de um tom avermelhado, uma mesa com penas, tinta e pergaminhos, pois para que se pudesse encontrar aquela sala era necessário ter-se um forte pensamento. Além disso, a existência daquela sala não era conhecida por todos os que os três se sentaram, Harry procurou na mochila o mapa do salteador, um pergaminho rabiscado e um livro de capa dura.

— Qual é o plano? – perguntou Hermione, semicerrando os olhos na direcção de Harry.

Ron, que estava comodamente sentado, bocejou e espreguiçou-se dramaticamente.

— Harry, qual é a tua de nos trazeres para aqui após um almoço daqueles? Estas cadeiras são confortáveis para dormir.

Hermione repreendeu-o com o olhar e Harry pareceu ignorar o comentário do amigo, pois pousou o livro de capa dura com alguma brusquidão em cima da mesa.

— Nós temos de espiar o Malfoy…

— Como se não houvesse mais nada de interessante para fazermos... — Ron revirou os olhos eparecia indignado com este interesse súbito de Harry por Draco, o que fez com que perdesse a vontade de dormir, pois já estava desperto.

Hermione abanou a cabeça inúmeras vezes, não querendo acreditar no que estava a ouvir. Harry ainda não tinha tirado da cabeça que Draco se iria tornar num devorador da morte.

— Como se não houvesse alternativa, Ron… - disse Harry num tom irritado por nenhum dos dois o estar a perceber. – Ouçam, eu sei que vos pode parecer ridículo, mas temos de tentar.

— Eu ontem cruzei-me com ele no corredor…

— Viste-o a fazer alguma coisa de sinistro? – Harry queria que a resposta fosse afirmativa para que os dois pudessem concordar em espiar Draco.

— Não. – disse, suspirando. – Ele estava estranho, mas não o vi fazer nada de sinistro.

Harry ficou com um ar de derrotado. No entanto, não desistiria tão facilmente de tentar convencê-los.

— Vejam isto – disse, retirando do meio do livro um Profeta Diário amarrotado. – "Família de Muggles assassinada por um seguidor do Senhor das Trevas"— disse, frisando bem o título. – "Ao que consta, na noite de 13 de Agosto, um feiticeiro matou quatro membros de uma família Muggle que circulava pelos arredores de Londres. A única testemunha do ocorrido é uma feiticeira que preferiu manter o anonimato por questões de segurança. A feiticeira diz que a família de Muggles estava a passear quando avistou o assassino ameaçar um ex-seguidor de Quem-nós-sabemos caso este não voltasse a servir o seu mestre. Como estava escuro, a feiticeira não conseguiu avistar na perfeição o assassino, mas deu três nomes: Lucius Malfoy, Jack Phillbrick ou Ernest Growan."

— Aí não fala no nome do Draco Malfoy, Harry. – disse Hermione de braços cruzados, fingindo não perceber onde ele queria chegar.

— Mas fala do Lucius Malfoy… e se o Lucius ainda serve o Voldemort é mais do que óbvio que pretende que o filho também o sirva.

— Harry! – protestou Hermione, irritada. – A testemunha nem tem a certeza se foi o pai do Malfoy que matou a família de Muggles. Além disso, se leste o Profeta Diário posterior devias saber que ele foi considerado inocente, pois tem um forte álibi.

— A Hermione tem razão, Harry. Não estejas sempre a bater no assunto…

Harry suspirou pesadamente.

— Tudo bem, eu faço isto sozinho. Consigo tomar conta do Malfoy… Só pensei que me quisessem ajudar! – disse, fazendo com que eles se sentissem na obrigação de ajudá-lo.

Hermione e Ron trocaram um olhar. Preferiam ajudar Harry, mesmo que achassem que não era um plano muito bom.

— Nós ajudamos-te com a condição de não ficares obcecado com isto. – disse Hermione com um ar sério e até mesmo ameaçador.

Harry sorriu como uma criança que acaba de ganhar uma guloseima. Beijou a testa de Hermione e continuou a sorrir para Ron.

— Obrigado. Eu sabia que podia contar convosco.

— Mas eu não percebi qual é o plano… não podemos entrar na sala dos Slytherin nem arranjar alguém que o faça por nós.

— Eu não disse que ia ser fácil. Mas podemos começar por consultar o mapa… – disse, erguendo-ona mão comose de um troféu se tratasse– por turnos. Se ele anda a tramar alguma tem de ter comportamentos estranhos. E ir a sítios estranhos.

— Estamos de acordo. – disse Hermione.

— Eu começo… - disse Ron, abrindo o mapa e procurando com o olhar um pontinho que dissesse "Draco Malfoy".

— Aqui! – apontou Harry com euforia.

Draco estava a caminhar pelo corredor que dava acesso à sala comum dos Slytherin. Os três pares de olhos fixavam o ponto com alguma ansiedade. Contudo, Draco ficou parado no meio do corredor durante vários segundos.

— Porquê que ele parou? – perguntou Ron, desviando o olhar do mapa.

— Talvez esteja a ver se está a ser seguido… - Harry parecia convicto.

— Ou então está simplesmente à espera de alguém… - disse Hermione, revirando os olhos.

A discussão não se desenrolou mais, pois um professor aproximou-se do pontinho de Draco. Os três pareciam esperar que eles saíssem do corredor e entrassem para uma das salas, mas nada aconteceu. Draco Malfoy e Severus Snape continuaram parados no corredor.

— De quê que eles estarão a conversar? – Hermione parecia curiosa pela primeira vez.

— Vamos lá ouvir a conversa? – atirou Ron que por momentos viu em Harry uma possível aliança.

Contudo, a expectativa de Harry rapidamente se desvaneceu quando sentiu o olhar mortífero de Hermione.

— E dizemos o quê se formos apanhados? – perguntou Hermione, tentando trazer Ron à razão. – "Oh, olá professor Snape. Oh, Malfoy, estás aqui? Nós estávamos aqui a passar no corredor dos Slytherin por pura coincidência. Mas afinal, o que é que vocês têm assim de tão importante para conversar? Não é sobre as aulas de poções, suponho…" – Hermione encarnou uma personagem teatral que fez Harry e Ron rirem às gargalhadas, pois não estavam à espera. Hermione juntou-se a eles e quando finalmente pararam para observarem o mapa, já Draco e Snape seguiam em direcções opostas.

— Acho que devíamos fazer uma pausa para lanchar. – disse Ron, guardando o mapa no bolso do manto.

— Se tu não estivesses com fome é que eu me admirava, Ronald Weasley.

x.x.x

Lexie estava concentrada a fazer a composição para a aula de Transfiguração quando foi interrompida pela entrada de vários colegas na sala comum. Assim que acabou de jantar, Lexie retirou-se do salão principal, pois não queria ter de encarar o olhar frio de Draco nem mais um segundo. Além disso, queria aproveitar o agradável silêncio que estaria na sala comum dos Gryffindor enquanto os restantes alunos estavam a jantar animadamente.

A composição já estava quase completa, à excepção de um dos pontos que a professora tinha pedido. Tinha ainda dois dias pela frente para terminá-la, mas quanto mais cedo a fizesse melhor. Prometeu não deixar que o barulho a atrapalhasse, mas a verdade é que o burburinho das raparigas do terceiro e quarto ano a falar de Harry Potter a incomodava profundamente. Como é que conseguiam achá-lo um príncipe? O que teria ele feito de tão importante para o acharem um herói? Abanando a cabeça em negação, pegou na mochila e nos livros e subiu para o quarto das raparigas.

Contava encontrar o quarto vazio, pois estavam todos lá em baixo. No entanto, deu pela presença de mais uma rapariga de cabelos cor de mel com belas ondas a caírem-lhe pelos ombros. Não lhe conseguia ver a face, porque estava virada de costas para a porta, sentada na beira da cama.

— Olá. – disse Lexie. – Prometo não estragar o teu silêncio, tenho trabalhos de casa para fazer.

A rapariga virou-se de frente para Lexie com um urso de peluche na mão. Tinha olhos castanhos e a pele clara. O nariz era comprido e as maçãs do rosto salientes. Lexie comparou-a imediatamente a uma boneca de porcelana.

— Não tem problema em fazeres barulho.

— Está tudo bem contigo? Pareces triste. – disse Lexie, pousando a mochila e aproximando-se da rapariga.

— Eu estou triste. – disse, limpando as lágrimas à camisola do pijama. – A minha mãe mandou-me uma carta a dizer que não vou passar o Natal a casa. – disse, começando a soluçar.

Lexie achou que era tão cedo para ela estar a chorar por isso, afinal ainda estavam em Setembro e se o Natal fosse como no mundo dos Muggles só era celebrado em Dezembro. Quis dizer isso à rapariga, mas achou que ela podia ficar a pensar que ela não sabia nada sobre feiticeiros e afastar-se como Charlotte fez.

— Mas ainda falta algum tempo, pode ser que as coisas mudem.

— Não mudam… - disse, esboçando um sorriso fraco. - Já sei que não vou ver os meus pais até ao próximo ano. O meu pai tem de ir para a América por causa do trabalho dele.

— Ah… - disse simplesmente Lexie, desejando poder dizer algo mais.

Como não falaram mais e o silêncio era constrangedor, Lexie abriu o livro de transfiguração para rever o feitiço que tinha praticado na aula anterior.

— És do primeiro ano, não és? – perguntou subitamente a rapariga que já tinha parado de chorar.

— Sim, sou do primeiro ano. A propósito acho que já te vi nas aulas. – disse Lexie, perdendo rapidamente o interesse pelo exercício.

— Sim, sentei-me na carteira atrás de ti na aula de poções.

— Sou a Lexie Allison. – disse com um sorriso genuíno.

— Naomi Night. – disse também a sorrir.

Ouviu-se um barulho nas escadas e ambas se viraram para fitar Hermione Granger. Vestia umas calças de ganga escuras e uma camisola de seda salmão. Hermione parecia pedir desculpa com o olhar e sorriu especialmente para Lexie. Embora não lesse pensamentos, Lexie teve a certeza que Hermione estava feliz por ela estar a conviver com alguém do mesmo ano.

— Não queria interromper… venho só buscar os apontamentos.

— Não estás a interromper, Hermione. Aliás, achas que depois tens tempo de me ver uma composição que fiz para Transfiguração?

— Quando é que tens de entregar?

— Daqui a dois dias.

— Não te preocupes. Eu agora tenho reunião com os chefes de equipa…

— Com os chefes de equipa? – a interrupção de Lexie estava carregada de curiosidade.

Hermione abanou a cabeça em sinal de afirmação. Deve ter percebido que Lexie tinha ficado subitamente curiosa, mas não lhe fez perguntas. Pegou num bloco castanho de capa maciça e saiu a sorrir.

— Falas com a Hermione Granger? – perguntou Naomi num tom de segredo.

— É minha amiga. Porquê? – Lexie frisou a palavra amiga com orgulho. Tal como desejava dizer que Draco era seu irmão.

— Então também deves falar com o Harry Potter…

— É o melhor amigo dela… mas não falei muito.

— Oh por Merlin… - disse Naomi, achegando-se para mais perto de Lexie. - Achas que me podias apresentar ao Harry Potter?

x.x.x

Na sala comum dos chefes de equipa já se encontravam todos os monitores das quatro equipas. Hermione estava sentada ao lado de Ron e observava o espaço com atenção. As cortinas de veludo tapavam as janelas amplas que Hermione sabia darem vista para o lago de Hogwarts, os sofás eram espaçosos e castanhos, não evidenciando nenhuma das cores das equipas, havia uma mesa grande no meio e ao lado estantes carregadas de livros poeirentos.

Hermione olhou à volta e viu todos os chefes de equipas prontos para começarem a reunião. O monitor-chefe, Liam Stevens, pigarreou para chamar a atenção de todos. A Gryffindor não pôde deixar de reparar que o rapaz dos Hufflepuff estava nervoso e preferiu evitar olhá-lo com muita frequência. Contudo, notou que era um rapaz atraente de olhos verdes e pele morena.

— Antes de mais quero agradecer a todos pela vossa presença. – começou com a voz tremida. – Temos alguns pontos a acertar e espero poder contar com a disponibilidade de todos. – sorriu amigavelmente. – Bem, antes as monitorias faziam-se sozinhos ou então com os membros da mesma equipa…

— Antes? – a voz de Ron interrompeu despropositadamente o discurso tão bem ensaiado de Liam. – O que queres dizer com antes?

— Quero dizer que agora vai passar a ser diferente. Vamos organizar-nos em pares mas com todos os membros do conselho de monitores. – disse, terminando com um sorriso pomposo.

— Como? Isso quer dizer que vamos fazer monitoria com os Slytherin? – perguntou Ron numa oitava acima.

Hermione sentia a fúria dele que por tantas vezes já a envergonhara. Teve vontade de lhe sussurrar que se calasse, mas Ron já tinha atraído as atenções todas para cima deles os dois. Se tivesse um buraco para se enfiar, Hermione não pensaria duas vezes.

— Sim, Weasley, dois mais dois são quatro. – disse Draco com um sorriso sarcástico desenhado na face.

Hermione revirou os olhos e sentiu-se uma completa traidora por estar no fundo a concordar com Draco.

— E eu não falei contigo, Malfoy. – Ron estava com ar de quem ia amaldiçoar o Slytherin.

— Era óptimo se pudéssemos prosseguir com a reunião, colegas. – interrompeu Liam com um ar absolutamente profissional.

Hermione levantou o braço e sentiu novamente os olhos dos colegas presos em si.

— Sim, Granger.

— Como é que vão ser organizados os pares e durante quanto tempo? – tentou manter a voz firme, apesar de estar com vontade de matar o ruivo que teimava em comportar-se como uma criança amuada.

— Sempre um passo à frente. – o comentário de Liam deixou Hermione incomodada. – Eu já ia falar nisso. Então decidi, juntamente com os professores, que vamos fazer uma tabela de sete semanas com os pares. A cada semana trocam-se os pares, o que significa que ao final dessas sete semanas o processo reinicia-se e voltam-se a repetir os pares. – Liam completou o seu raciocínio com vaidade na voz.

— A mim parece-me bem. – disse Hermione, vendo que ninguém abria a boca para falar e o sorriso de Liam se começava a desvanecer.

— Parece-te bem que a cada sete semanas tenhas de aturar o Malfoy? – perguntou entre dentes Ron.

Hermione preferiu ignorar o comentário do melhor amigo e lançou-lhe apenas um olhar que era fácil de interpretar como "contigo eu falo depois".

— Escusam de estar a discutir como se tivessem alternativa. Já está decidido, colegas. Para começarmos esta semana os pares vão ser constituídos pelos membros das próprias equipas. Escrevam o nome da equipa… - disse Liam, entregando um pedaço de pergaminho a um dos membros de cada equipa.

Liam não parecia estar a conseguir convencer todos que as suas novas ideias eram as melhores. Contudo, manteve-se firme e confiante como um verdadeiro chefe de monitores. Hermione admirou essa atitude de Liam, pois tinha a certeza que se fosse com ela, provavelmente dar-se-ia por vencida. Enquanto cada um escrevia o nome da equipa no papel, Ron inclinou-se para Hermione.

— Não sei como podes achar isto uma boa ideia. – a voz sussurrada de Ron soou perto do ouvido de Hermione que escrevia concentrada no papel.

— Depois falamos, Ronald… - disse Hermione num timbre que mostrava claramente estar chateada.

Liam recolheu os pergaminhos e colocou dentro de um saco preto de pano. Ergueu o olhar para os monitores e apreciou os semblantes variados: os Slytherin e os Gryffindor, excepto Hermione Granger, pareciam frustrados com o novo método de monitoria, enquanto que os Ravenclaw e o rapaz que fazia parte dos Hufflepuff juntamente com Liam ofereciam-lhe sorrisos de incentivo. Levou o saco até Hermione para que ela retirasse um papel. O primeiro papel a sair foi com uma letra bem desenhada que Hermione identificou logo como sendo de Pansy Parkinson.

— Slytherin. – disse Hermione com a voz a fugir-lhe ligeiramente.

Automaticamente virou-se para Ron que estava vermelho de irritação. Parecia culpá-la pelo papel que lhe tinha calhado.

— Pronto… - continuou Liam num tom conclusivo. - Como já devem ter percebido primeiro fazem ronda com as vossas equipas e logo na semana a seguir os Slytherin ficam com os Gryffindor e os Hufflepuff com os Ravenclaw. Vamos agora ver quem ficará com quem e também as próximas rondas.

Cada um dos monitores saiu da reunião com uma tabela perfeitamente desenhada num pergaminho. Os primeiros a saírem da sala foram os Slytherin, abandonando a sala com semblantes furiosos. Draco parecia frustrado por ter de fazer monitoria com qualquer um dos monitores.

Lexie estava deitada na cama a falar com Naomi Night. As luzes estavam apagadas, pois muitas das raparigas já estavam a dormir. As velas eram a única fonte de luz, o que permitia que se distinguissem as silhuetas e pouco mais do que isso.

Como é que podia não ter reparado que a cama da rapariga era praticamente em frente à dela? Pôs esse pensamento de parte, pois o que importava era que agora já não se iria sentir tão sozinha. Isto se Naomi não se viesse a revelar uma pessoa má como Charlotte.

— Como é que começaste a falar com a Hermione? – perguntou Naomi, bocejando de seguida.

— Não consigo perceber de onde vem todo o teu interesse pela Hermione… - disse Lexie com um tom de voz um pouco agressivo. – Desculpa, mas a sério que gostava de perceber. – acrescentou quando percebeu que estava a ser tão agressiva quanto Draco.

— É só porque eu acho o Harry Potter fantástico. – confessou num tom ainda mais baixo.

Lexie revirou os olhos. Achava irritante que as miúdas idolatrassem Harry Potter como se fosse um deus na terra. O que é que ele podia ter assim de tão especial?

— Acho que é isso mesmo que eu não consigo perceber. – disse por fim.

Entretanto Naomi não respondeu mais, levando Lexie a concluir que tinha acabado por adormecer. Pegou no livro "Hogwarts: uma história" e recomeçou a ler, desfolhando as páginas amareladas com vivacidade. Adorava descobrir coisas novas sobre Hogwarts e queria conhecer a magia ainda mais a cada dia que passava. Só o facto de ver as imagens mexerem-se nos livros a deixava fascinada.

Um pouco mais tarde já não conseguia ler mais e optou por guardar o livro, tendo o cuidado de marcar a página em que ficara. Queria adormecer, mas apesar de os olhos se fecharem não conseguia deixar de pensar no irmão. Sempre que pensava nele sentia um misto de emoções, não tinha dúvidas que adorava o irmão e que adorava poder dizer a toda a gente que era irmã do Draco Malfoy. No entanto, também sentia inveja dele, pois tinha sido educado pela mãe e sempre soube tudo sobre a magia. Tinha nascido no meio de feiticeiros e da magia, sabendo desde sempre que se tornaria num feiticeiro. Além disso, não tivera que passar por uma escola de Muggles, onde era rejeitado por ser um anormal.

Ron e Hermione estavam a sair da sala das reuniões a passo rápido. Hermione estava a fazer os possíveis para se controlar e não explodir de imediato. Ficava chateada quando Ron acusava os Slytherin por serem preconceituosos e, no entanto, era o maior preconceituoso do grupo. Era absolutamente anti-Slytherin e não acreditava que houvesse alguma pessoa que prestasse naquela equipa.

— Como é que concordaste com isto, Hermione? – o tom de acusação que Ron usou fez Hermione suspirar alto.

— Concordar? Ronald, o Liam nem pediu sequer a nossa opinião. A decisão já estava tomada independentemente de tu ou eu querermos. – respondeu Hermione sem paciência, gesticulando com as mãos agressivamente.

— Mas se todos discordássemos ele podia ter mudado de opinião. Por Merlin, Hermione! Não percebes que… - Ron parou no corredor de forma bruta, fitando a amiga directamente nos olhos. – … que pode ser perigoso? – continuou numa voz excessivamente baixa que Hermione só conseguiu ouvir por estar demasiado perto.

— Ou benéfico para o plano do Harry. – disse simplesmente, continuando a andar em frente.

— Se o plano do Harry tiver razão de ser então estás na armadilha do diabo. – disse Ron, segurando no pulso da Gryffindor.

— Ele não nos vai fazer nada dentro de Hogwarts. – a voz de Hermione era desprovida de emoção quase como se estivesse em transe.

Ron riu-se sem qualquer vontade e mordeu o lábio inferior.

— Se ele te toca com um dedo…

— Não me parece que o Draco queira respirar o mesmo ar que essa… - interrompeu a voz de Pansy, aguda e estridente. - … sangue de lama… quanto mais tocar-lhe. – fitou Hermione com um ar enojado.

Draco apareceu imediatamente atrás de Pansy com um ar absolutamente descontraído. O sorriso sarcástico a dançar-lhe nos lábios a combinar com a expressão da face.

— Não te atrevas a chamar-me isso… - ameaçou Hermione entre dentes.

— Porquê, vais aplicar-me uma detenção, Granger? – perguntou Pansy numa voz de menina mimada e de braços cruzados.

Durante segundos Hermione não a desfitou e o olhar de profundo ódio não surpreendeu ninguém.

— Sangue de lama. Sangue de lama. Sangue de lama. – cantarolou Pansy, lançando olhares a Draco como se esperasse que ele a acompanhasse na infantilidade.

Numa fracçãode segundos Hermione já tinha dados dois passos à frente e agarrou Pansy pela camisa, pronta para iniciar uma briga. Contudo, Ron pegou nos cotovelos de Hermione e puxou-a para si, fazendo com que esta se debatesse de raiva.

— Hermione! – resfolegou Ron.

— Estúpida! Olha o que fizeste! – exclamou Pansy que olhava para a camisa amarrotada.

Pegou na varinha com ferocidade, mas Draco colocou a mão por cima do braço dela. O semblante divertido tinha desaparecido para dar lugar à repreensão. Fez a colega de equipa guardar a varinha e fitou Hermione.

— Não vale a pena estares a ganhar uma detenção por causa dela. – disse numa voz distante, concentrando-se apenas em fitar Hermione com atenção.

— Sabes, Granger, apetecia-me mesmo lançar-te uma maldição daquelas que ias desejar nunca ter vindo para Hogwarts. – a expressão arrogante misturada com o ódio patente na voz era motivo para causar medo, embora Hermione não tivesse. – Mas o Draco tem razão.

— Nem sabes o que te acontecia se lhe tocasses com um dedo! – Ron estava com tanta raiva que praticamente cuspiu as palavras para a cara de Pansy.

Duas gargalhadas sonoras fizeram-se ouvir por todo o corredor escuro e vazio. Hermione deixou de fitar Pansy pela primeira vez para analisar Draco Malfoy. Os outros dois seguiram-lhe o exemplo.

— E eras tu que ias fazer alguma coisa, Weasley? – a voz rouca carregada de ironia fez com que Hermione se arrepiasse involuntariamente.

Hermione sentiu o sangue subir-lhe as bochechas, deixando uma tonalidade rosa nas faces quando viu que, embora Draco falasse para Ron, o olhar estava fixo em si.

— Tu nem te metas, Malfoy! – disse Ron quase num rugido.

— Vamos embora. – sussurrou Hermione, agarrando o braço do ruivo.

Draco ainda encarava Hermione com a sua tão típica expressão de nojo. O sobrolho estava franzido e parecia preparado para a atacar a qualquer instante se esta mexesse um músculo.

Hermione fez os possíveis para aguentar firme, mas sentia-se a fraquejar e teve medo que isso acontecesse naquele exacto momento. Não seria nada agradável que Pansy, Draco e até mesmo Ron assistissem a um ataque de choro.

Quando Ron enrolou os dedos nos de Hermione, ela pôde ver o olhar de Draco baixar para as mãos deles, como se se interrogasse se eles estavam juntos. Por instinto, Hermione apertou ainda mais a mão de Ron e ainda de frente para eles recuou alguns passos.

— Espero ver-te na terceira semana de monitoria, Granger! – gritou Pansy quando eles já estavam longe. – Sem o Weasley para te defender. – guinchou seguido de um riso estridente.

Hermione teve vontade de girar os calcanhares e gritar que não precisava de Ron para se defender e que tinha a certeza que num duelo a varinhas ganhar-lhe-ia. Quando já estavam minimamente longe soltou a sua mão da mão de Ron e sentiu-o enrijecer o corpo ao seu lado.

— Já concordas comigo que não vai ser tão boa ideia aquela treta de monitoria? – perguntou Ron numa tentativa falhada de manter a voz calma.

— Não. – disse Hermione numa voz abafada.

— Como é que podes ser tão orgulhosa? A Parkinson vai-te fazer a vida num inferno e o Malfoy nem se fala. – a voz de Ron poderia acordar meio mundo. Estava tão indignado que nem se apercebia que estava a fazer demasiada força para que Hermione o encarasse.

— Eu sei defender-me sozinha, Ronald! – a voz de Hermione era baixa mas ainda assim repreensiva, o que o fez afastar-se dela.

— Notou-se. – disse Ron ironicamente. Hermione semicerrou o olhar na direcção dele, esperando a barbaridade que ele ia dizer a seguir. – Ainda agora ficaste vulnerável e frágil que eu pensei que ias chorar a qualquer momento. Vá lá, Hermione, não há mal nenhum em mudarmos de opinião. Admite que também não achas boa ideia.

— Cala-te, Ron! E para que saibas eu não tenho medo nenhum do Malfoy, muito menos da Parkinson. E não vou mudar a minha opinião só porque sei que as coisas não vão ser um mar de rosas. – os olhos cor de mel de Hermione estavam marejados de lágrimas.

Ron riu-se tristemente.

— Tu não percebes as coisas horrendas que eles são capazes de fazer? Tu não passas de um verme para eles! Quase que jurava que eles te odeiam mais do que ao Harry.

As palavras de Ron foram a gota de água para Hermione. Doía ouvir algumas coisas, principalmente vindas de Ron que não tinha um pingo de consideração por ninguém nem tentava dizê-las de maneira a parecerem menos más.

— Às vezes odeio-te tanto, Ron Weasley. – disse Hermione com dificuldade em falar de tão entalada que estava.

De seguida virou costas ao amigo e esforçou-se para caminhar com firmeza. Nem quis olhar para trás e ver a cara de confuso com que Ron ficou. Sentiu as lágrimas caírem, mas não se preocupou minimamente em limpá-las. Desejou não encontrar ninguém na sala comum e Merlin pareceu ouvi-la, pois a sala estava às escuras. Subiu as escadas e respirou fundo antes de entrar no dormitório das raparigas.

Aparentemente ninguém estava acordado e Hermione suspirou de alívio por não ouvir os burburinhos habituais das raparigas a conversarem. Viu a cabeça de Ginny toda despenteada e por breves momentos desejou que ela estivesse acordada. Deitou-se na cama por cima dos cobertores e deixou-se ficar a chorar de forma silenciosa. Estava sufocada e sentia-se entalada pelas coisas todas que ouvira de Ron. As palavras repetiam-se constantemente na sua mente, fazendo com que ela fechasse os olhos com força para afastar a voz dele.

— Hermione! – a voz de Lexie soou baixo perto do ouvido de Hermione. – Estás a chorar?

Hermione abriu os olhos e fitou a figura loira com pijama vestido. Não queria que ela a estivesse a ver no estado em que estava: descabelada, olhos inchados e certamente muito vermelhos e com a face toda marcada das lágrimas salgadas.

— Está tudo bem. – disse Hermione também baixinho.

Lexie deixou escapar uma pequena gargalhada sarcástica. Mordeu o lábio inferior e arrastou Hermione de modo a que se pudesse também deitar na cama. A morena fungou o nariz e fitou Lexie.

— Acredito mais depressa que o Pai Natal exista. O que se passa, Hermione? – perguntou num tom autoritário que teria feito Hermione rir se não estivesse tão deprimida.

— Foi o Ron. Ele é tão… idiota!

A fúria estava completamente contida nas palavras de Hermione. Contudo, o olhar era de puro ódio quase como se odiasse mesmo o melhor amigo. Lexie estremeceu levemente e respirou fundo.

— O que é que ele te fez? – perguntou num sussurro.

Os olhos cinzentos de Lexie estavam próximos dos olhos de Hermione, transportando imediatamente Hermione para o cerne da questão: Draco Malfoy.

— Isto tudo por causa das monitorias que vão passar a ser com todos os chefes de equipa. O Ron não acha boa ideia fazer monitoria com o Malfoy. – Hermione já tinha o choro controlado e a sua voz já estava mais calma.

Lexie evitou demonstrar qualquer tipo de emoção ao ouvir o nome do irmão ser proferido pela morena. Amenizou a raiva que sentia dentro de si e controlou a vontade de lhe contar que era a irmã mais nova de Draco.

— Porquê? – optou por ser o mais simples possível, pois assim não havia hipótese de reflectir alguma das emoções.

Hermione hesitou, lembrando-se que estava a falar com uma criança de apenas onze anos, a quem certas coisas deviam ser escondidas. Só implorou a Merlin que ela não fosse tão curiosa quanto ela própria na mesma idade.

— Porque o Ron é um preconceituoso. – respondeu depois de rajada. Era sempre mais fácil colocar as culpas em cima de Ron. – O Malfoy sempre se deu mal connosco. E agora o Ron meteu na cabeça que vai correr mal se eu ficar sozinha com ele.

— Ele não te vai fazer mal. – disse Lexie com segurança. – Quer dizer, eu acho que não era capaz de fazer nada dentro do castelo. – acrescentou imediatamente, evitando levantar suspeitas. Era tão aborrecido ter de esconder coisas a Hermione.

— O Ron diz que eu não passo de um verme para o Malfoy e para a Parkinson. E embora eu saiba que é verdade eu não gosto de ouvir o Ron dizer isso. A maneira como ele fala tão natural aborrece-me, sabes? – perguntou, limpando uma lágrima com as costas da mão.

Lexie supôs que Parkinson fosse a rapariga de cabelos pretos com quem via Draco frequentemente.

— Porquê que o Malfoy e a Parkinson te odiariam tanto? – perguntou a menina, tendo o cuidado de acrescentar Parkinson, embora o seu interesse se resumisse a Draco.

Hermione suspirou pesadamente como se lhe custasse o que ia dizer a seguir.

— Eles acham que eu não passo de uma… pessoa que não merece ser feiticeira. Tudo porque não tenho antecedentes mágicos.

— É como se tivesses o teu sangue sujo, não é? – os olhos cinzentos arregalaram-se com óbvia curiosidade.

— Isso. – disse Hermione com o sobrolho franzido.

— Eles chamam-te isso? – perguntou Lexie com cara de enojada.

— Sangue de lama é a expressão que eles usam com mais frequência quando se referem a mim.

Lexie levantou-se ligeiramente com uma expressão indignada desenhada na face.

— Também já me chamaram isso. A Charlotte Broad do primeiro ano dos Slytherin. – disse com um sorriso triste desenhado nos lábios.

Durante minutos ficaram em silêncio e Lexie acabou por fechar os olhos e adormecer. Conseguia perceber que Hermione tinha dado a conversa e o desabafo por terminados. Por sua vez, Hermione demorou mais algum tempo até afastar as palavras duras de Ron e adormecer.

Lexie acordou com os escassos raios de sol a entrarem pelo dormitório. Espreguiçou-se e abriu os olhos. Estava ainda na cama de Hermione e lembrou-se que a amiga tinha entrado no dormitório a chorar por causa de Ron… ou de Draco. Procurou Hermione e encontrou-a a arranjar o cabelo em frente ao espelho.

— Hermione? – chamou numa voz ensonada.

— Já acordaste? – Hermione deixou de se fitar ao espelho e encarou Lexie. – Podes ficar a dormir, hoje é sábado…

Lexie levantou-se de repente e bocejou demoradamente.

— Tu é que devias ficar a dormir, porque estás com umas olheiras de meter pena. – o tom repreensivo fez Hermione rir baixinho para não acordar as outras raparigas que ainda dormiam tranquilamente.

— Não consigo dormir mais e tenho uns trabalhos para fazer.

Lexie dirigiu-se até à mala e pegou numa saia de pregas cinzenta e uma camisa branca com mangas. Começou a vestir-se enquanto falava com Hermione sobre a composição que tinha feito para Transfiguração.

— Honestamente… estou a adorar a disciplina de Transfiguração. – a voz empolgante de Lexie era contagiante.

— Lembro-me que foi das minhas favoritas também juntamente com História da Magia. – disse colocando um travessão básico a apanhar uma madeixa de cabelo. – Estou pronta. Vamos tomar o pequeno-almoço?

Hermione vestia uma saia justa um pouco acima do joelho e uma camisola fina de algodão extremamente básica. Os sapatos pretos completavam na perfeição juntamente com a mala preta.

Desceram juntas para o salão principal numa conversa animada sobre as matérias do primeiro ano e também com Lexie a fazer perguntas sobre feitiços avançados.

— Achas que depois me podes ensinar a atordoar? – perguntou Lexie, agarrando no braço de Hermione com força. – Eu prometo que só o uso em caso de perigo iminente.

— Vou pensar nisso. – disse Hermione sorridente.

Ao chegarem perto do corredor que dava acesso ao salão principal, Lexie abaixou-se e fingiu estar a arranjar o sapato. Hermione parou um pouco mais à frente.

— Podes ir indo, Hermione. Vou esperar pela Naomi.

— Naomi?

— Oh, desculpa. É o nome da rapariga com quem estava a falar ontem.

— Hermione? – chamou Harry do outro lado do corredor.

Lexie não conseguiu evitar rir-se da figura do moreno a acenar-lhe com um sorriso de orelha a orelha.

— Vou então ter com o Harry.

Lexie fez um sorriso de incentivo e olhou para o fundo do corredor, procurando Draco. Só queria ter a certeza de que ele não a tinha visto com Hermione.

Durante a manhã Hermione aproveitou para adiantar umas composições e estudar as poções mágicas das aulas da semana seguinte. Queria ter a certeza que mantinha as boas notas e que estava preparada para fazer a tão difícil poção dos mortos-vivos. Snape arranjava sempre um motivo para implicar com as suas composições e também com as poções práticas.

Harry e Ron estavam também na sala comum dos Gryffindor, pois Hermione quase os tinha obrigado a irem buscar as mochilas para fazerem os trabalhos de casa. Embora Hermione ainda não falasse com Ron, tinha insistido com Harry para que Ron lhe seguisse o exemplo e fosse para lá estudar.

Harry fingia estar a ler a poção da aula anterior para saber onde tinha errado, mas na verdade estava com o mapa salteador pousado nas pernas e consultava-o constantemente. Por sua vez, Ron escrevia uns rabiscos para logo de seguida os riscar com ferocidade. O ruivo pigarreou para chamar a atenção de Hermione que escrevia incessantemente numa folha de pergaminho amarela. Molhava a pena e não se deixava distrair com os burburinhos que Harry e Ron faziam.

— Her… Hermione? – chamou Ron com a voz tremida.

Hermione bufou de impaciência e não encarou o amigo com quem ainda estava muito magoada.

— Achas que me podes ajudar na composição?

— Não. – apesar de Hermione se sentir despedaçada a sua voz soou forte e firme.

Ron grunhiu qualquer coisa que escapou tanto a Hermione como a Harry que fingia mais do que nunca estar atento ao que lia.

— Acho que estás a ser exagerada. Não concordas comigo, Harry?

— Não me metam nisso. – respondeu imediatamente Harry com uma voz arrastada de quem já estava farto de ver os dois amigos a discutirem todos os anos.

— Eu cá sou assim, Ronald. E agora se parassem de fingir que estão empenhados no estudo e fossem dar uma volta? – Hermione estava tão furiosa que nem reparara que estava a falar rudemente com os dois melhores amigos.

Ron semicerrou o olhar na direcção de Hermione, chateado pelo raspanete. Respirou fundo e começou a arrumar a pena, a tinta e os pergaminhos à sorte dentro da mochila. Estava a pôr a mochila às costas, pronto para sair da sala comum com mais um dos frequentes amuos, quando Harry soltou um rugido.

— Eu sabia! Eu sabia! – repetiu com a mão fechada.

— O que se passa, Harry? – perguntou Hermione, pousando a pena com brusquidão na mesa.

— O Malfoy acabou de sair de Hogwarts.

— E o que tem? – perguntou Ron que se tinha acabado de sentar novamente.

— E o que tem?Vocês já se esqueceram que nos primeiros três fins-de-semana ninguém sai de Hogwarts nem para ir a Hogsmead? – Harry estava ainda com os olhos postos no mapa que se encontrava agora em cima da mesa.

De seguida, Harry correu até ao andar de cima com o mapa na mão, deixando tanto Hermione como Ron confusos com a atitude.

— Vai ver o que ele foi fazer ao dormitório. – disse Hermione num tom autoritário que fez Ron revirar os olhos.

— Agora já falas para mim?

— O teu melhor amigo vai querer ir atrás do Malfoy e, caso não saibas, pode ser expulso por isso. – disse por entre os dentes cerrados.

Ron subiu as escadas de duas em duas e desceu cinco minutos depois com Harry. Hermione estava no fundo das escadas a encarar os dois como se fosse capaz de os matar se eles fugissem dela.

— Passa isso para cá, Harry. – disse Hermione, apontando para o manto.

— Hermione! – resfolegou Harry sem tirar os olhos da amiga.

— Não percebes que se sais do recinto escolar podes ser expulso? Dá-me isso, Harry Potter! – insistiu com a mão estendida.

— Ninguém ia descobrir.

Houve um momento de tensão entre Harry e Hermione que foi interrompido por alguém que acabava de entrar na sala comum.

— O que é que ninguém ia descobrir? – perguntou Ginny que se sentava na poltrona descuidadamente.

Nenhum dos três respondeu imediatamente, mas Ginny pareceu não reparar de imediato que Harry e Hermione estavam a discutir antes de ela os interromper.

— Será que alguém me pode responder? – a voz de Ginny estava numa oitava acima, tentando em vão chamar a atenção dos amigos e do irmão.

— É que… é que o teu irmão queria ir à cozinha roubar biscoitos de manteiga e chocolate quente. E o Harry estava já pronto para ajudar.

— Ah… boa! Boa ideia! – gritou Ginny agarrada ao braço de Harry entusiasmada.

Hermione ficou com a boca aberta em sinal de admiração e de braços na cintura fina. Revirou os olhos e voltou a focar-se em Harry. Ginny já lhe tinha roubado o manto da mão e cobria-se com ele, ficando completamente invisível.

— Leva o Ron contigo. – disse Hermione já de costas para os amigos.

— E o Harry não vem? – perguntou a voz de Ginny algures do lado esquerdo de Harry.

— O Harry tem de terminar a composição e eu vou ajudá-lo. – respondeu rapidamente Hermione, ignorando um Harry que abria e fechava a boca inúmeras vezes.

— Sempre culpa minha. – disse Ron para que só Hermione o ouvisse.

Hermione bufou de impaciência e Harry dirigiu-se para a cadeira onde estivera sentado minutos antes. Pegou na pena e viu Ron ficar oculto no manto que herdara do seu pai. Deixou a porta bater e certificou-se que estava sozinho com Hermione que escrevia como se não se tivesse passado absolutamente nada.

— Afinal o que se passa contigo, Hermione?

— O que se passa comigo? – uma gargalhada sarcástica fluiu pela garganta de Hermione. – Harry, ultimamente tens passado as horas a olhar para o mapa e agora queres perseguir o Malfoy? Pões-te em risco para descobrires os podres da vida dele?

— Eu preciso de saber se ele se tornou num deles…

Hermione olhou para o tecto e voltou rapidamente a fitar Harry com um ar suplicante.

— Nós vamos descobrir, Harry. – a voz distante de Hermione levou Harry a pensar que talvez ela não estivesse tão interessada assim em descobrir. Contudo, na verdade, Hermione tinha receio de descobrir que Draco Malfoy se tinha tornado num devorador da morte. Era chocante imaginar a marca negra tatuada no braço pálido de Draco.

— Não pareces estar a fazer esforços nesse sentido.

— Não sejas injusto! Sou a tua melhor amiga e tenho o direito de me preocupar contigo. Não quero que andes a deambular e saias prejudicado por causa dele. Além disso, não sabes onde ele foi e podias dar contigo num sítio perigoso. – as palavras saíram de rajada numa voz tremida e ressentida.

Harry desviou o olhar de Hermione e encarou o mapa pela milésima vez. Depois voltou a encarar a amiga e pediu desculpa com os olhos verdes e com um sorriso fraco de derrotado.

— Além disso, tu sabes que não cabemos os três debaixo do manto.

— Eu garanto-te que vou apanhá-lo a tramar alguma… - disse Harry com a raiva patente na voz.

Hermione suspirou, demonstrando alguma impaciência. Tinha prometido ajudar Harry para espiar o Draco com a condição de que ele não ficaria obcecado com isso. No entanto, Harry não estava a cumprir a sua parte. Durante as aulas que não eram em conjunto com os Slytherin, espreitava para o mapa para se certificar que Draco não estava a faltar às aulas para ir a sítios estranhos e nas refeições, se não via Draco na mesa, procurava o mapa que andava sempre no bolso do uniforme.

Hermione não teve tempo de lhe dizer o que ia na sua mente, pois duas mãos taparam-lhe os olhos e um risinho ecoou perto do seu ouvido.

Draco saiu pelo portão principal de Hogwarts em direcção às carruagens que todos os anos os transportavam do comboio até ali. À sua espera já se encontrava alguém, um vulto magro e de estatura média, com uma gata de olhos vivos ao redor das suas pernas que miava muito queixosamente. O loiro agradeceu a Merlin por ver Mr. Filch e não o meio gigante Hagrid no seu lugar. Assim que lá chegou, Mr. Filch pegou em Mrs. Norris ao colo e praguejou qualquer coisa que ele não conseguiu perceber.

— Preciso de ir a Hogsmead ter com a minha mãe. – disse Draco sem qualquer expressão desenhada na face.

— Eu já sei que sim, só não consigo perceber por que diabos se abrem excepções nesta escola. Todos os alunos estão proibidos de sair de Hogwarts nos primeiros fins-de-semana e…

— E eu sei disso tudo, Mr. Filch. – disse Draco agressivamente. – O professor Snape não me deu a autorização para ir a Hogsmead?

— Claro que ele deu a autorização se não o que achas que eu estava aqui a fazer, rapaz? – o tom monocórdio de Mr. Filch quase que fez Draco bocejar.

Sem dar hipóteses para mais diálogo, Draco subiu para a carroça e sentou-se desajeitadamente. A carroça começou a andar e a voz perturbante de Mr. Filch aos poucos deixou de se ouvir. A viagem era curta mas também demasiado entediante. Draco quase desejou ter Pansy a tagarelar sobre os feiticeiros japoneses em vez daquele silêncio aterrador.

A carroça parou perto do Três Vassouras já que o cheiro a cerveja e a whiskey de fogo era intenso. Andou pouco até entrar no estabelecimento já tão conhecido de todas as visitas escolares. Não precisou de procurar muito para encontrar Narcisa sentada numa das mesas do canto com um copo vazio à sua frente. Imediatamente um sorriso abriu-se no rosto pálido e preocupado de Narcisa assim que viu Draco.

— Oh querido! – disse Narcisa, envolvendo Draco num abraço forte. – Estou tão preocupada…

— Não tens de te preocupar, está tudo bem… - a voz rouca de Draco era apenas um sussurro.

Narcisa colocou a mão por cima da mão de Draco. Era tão bom sentir o toque familiar que lhe fazia doer o coração. A face de Narcisa estava carregada de preocupação e os seus olhos meigos transbordavam de tristeza. Ver a mãe assim tão triste deixou Draco furioso com Lucius, pois sabia que era culpa dele. Lembrou-se que o pai já tinha agredido a mãe e a fúria era visível no modo como levava a mão à cara e evitava o olhar de Narcisa.

— Tu é que não me pareces nada bem. – disse Draco por fim.

— Como é que ela se está a adaptar, Draco?

— A Lexie é uma miúda esperta. Desenrasca-se bem sozinha, mas parece-me demasiado sentimentalista.

— Ela está em que equipa?

— Isso é que me dificulta mais as coisas. Ficou nos Gryffindor. – Draco disse o nome da equipa da irmã com desprazer. – Temo-nos encontrado no corujal.

— Parece-te feliz por ser dos Gryffindor?

Draco suspirou.

— Parece-me. – a mentira fluiu com alguma naturalidade. Draco sabia perfeitamente que Lexie estava desiludida por não estar nos Slytherin e principalmente por ter desiludido o irmão.

— Draco… - Narcisa baixou ainda mais o volume da voz, pois não queria que ninguém a ouvisse. – Avizinham-se tempos difíceis para nós. Tens de proteger a Lexie mais do que nunca. Oh, querido, eu sinto tanto por te estar a pedir isto. Se eu tivesse outra solução… eu… desculpa-me, Draco.

— Ela acha que não gostas dela. – disse Draco de rajada numa tentativa de fugir do assunto anterior.

Narcisa contorceu o rosto em dor. Mas no fundo não esperava outra coisa, não tinha sido nenhuma figura maternal para a filha. Não podia desejar que ela a amasse como amava John. Assim como não podia esperar que Lexie acreditasse que ela a amava se nunca a quis conhecer. Contudo, esperava um dia poder-lhe dizer que teria gostado de educá-la e ter dado todo o amor e afecto que nunca tinha faltado a Draco.

— Não esperava outra coisa.

— Ela tem muita curiosidade em saber como tu és.

Narcisa arregalou os olhos e suspirou pesadamente. Sentia uma angústia tão grande por nunca ter conhecido a filha.

— Eu… eu ainda não me sinto preparada para conhecê-la.

— A Lexie é parecida contigo.

Narcisa deixou um pequeno sorriso formar-se no canto dos lábios. Sabia que podia confiar plenamente em Draco. Mas tinha de lhe avisar o que o esperava.

— O Lucius tem reunido vários apoiantes do Senhor das Trevas. Daqui a uns meses, ele irá se sentir preparado para iniciar a batalha. O teu pai não pode descobrir, Draco. Mas algo me diz que não vamos conseguir esconder muito mais tempo. Quando eu fui falar com o Dumbledore sobre a Lexie… ele garantiu-me que ia fazer os possíveis para manter em segredo, mas que tinha de contar aos teus professores. Se algum dos alunos descobre…

— Ninguém vai descobrir, mãe. – Draco tinha inclinado o corpo para a frente e fitava Narcisa nos olhos.

— Draco? O teu pai tenciona que te tornes num seguidor do Senhor das Trevas. Faz planos para que saias de Hogwarts antes do início da batalha.

Draco sentiu o pânico apoderar-se dele e quis gritar para aliviar a tensão que sentia. Como é que poderia sair de Hogwarts e deixar Lexie tão disposta a perigos? Teve a certeza que faria qualquer coisa para proteger a irmã, mesmo que isso implicasse ir contra Lucius e Lord Voldemort.


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