Chuva escrita por Hiranyakashipu


Capítulo 1
A chuva


Notas iniciais do capítulo

A despeito do que muitos podem pensar, "Enlil" não éo nome de ninguém nessa trama. Mas é um nome de alguém, para maiores esclarecimentos, nada que um Google e uma Wiki não resolvam.



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Era sua última chuva. Não aguentava mais o peso daquilo que via, daquilo que sentia. A força dos ventos fazia com que inúmeras gotas de chuva ricocheteassem em seu corpo, em sua face, em seus olhos. Algumas penetravam em sua carne, como que atirados por Enlil em sua mais completa alucinação.Apesar de tudo, continuava, parada, um cântaro para onde escoavam as lágrimas dos céus.

Cada gota um universo. Cada gota uma história. Cada gota… uma vida. Milhares de luzes bruxuleavam à altura de seus olhos, outras balouçavam abaixo deles – nada tomava necessariamente uma forma, ao passo que, ironicamente, tudo parecesse fazer sentido. A realidade descobria-se muito mais falha do que lhe parecera a princípio.Fechou os olhos. Decidiu que somente ouviria um barulho por vez, e nada mais.

O primeiro que lhe veio foi o som da própria chuva: dos pingos amigos encontrando lugar em meio a toda caoticidade da vida – aos seus pés, na sacada do prédio vizinho, entre os carros nas ruas, entre as pernas do mendigo afogado na fonte. Relaxou.
Abriu. Fechou.

Segundos sons… as rodas dos carros esbarrando rapidamente na rua respingando sonhos solenes daqueles que sozinhos secos – inúteis – tentam se manter. Pobres coitados, mal sabem que não há glória maior do que ter de seus lábios o gosto do beijo roubado da chuva, um amante fiel que vela sua noite sem nada exigir.

… . … . lll sons: Vozes distantes há muito caladas se rebelando. Vozes de ordens dadas, ignoradas, esquecidas. Todas as vozes presentes na chuva, ou talvez o contrário – não se sabe, não se importa.

Quartos sons: se afogam antes de serem ouvidos.

Os quintos sons: Sons do silêncio que lhe precedia a queda. Sons do infindável a pouco mais de dez passos de distância. Sons daquilo que em pouco estaria calado, fazendo coro ao seu amante que já diminuía a intensidade.

Sextos sons eram os de passos. Seus passos. Um. Dois. Três. Quatro. Passos pousando pesados pelo piso para a profundidade do não-ser. Passos calados após os dez. Um uivo sibilante cortou o ar verticalmente. De cima do prédio – onde estava a menina – nada se ouvia, se via.

Agora ela, também, imitando as lágrimas de seu amor, estava lá, a sete palmos.


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