Nem Todo Mundo Odeia O Chris - 1ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 5
Todo Mundo Odeia O Mikão


Notas iniciais do capítulo

*Sem ideias para notas de capítulo*



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POV. CHRIS (Brooklin – 1982)

                Quando eu tinha treze anos, a coisa mais legal de se ter era uma bike. Eu tinha uma antiga, mas roubaram. Então, quando eu ganhei a nova meu pai baixou uma lei: não empreste pra ninguém. Minha mãe também baixou a lei dela: só podia andar no quarteirão. Mas tinha vezes que eu só ficava dando voltas na frente da casa. Bed-Stuy não era o melhor bairro, mas também não era o recanto da marginalidade como todo mundo dizia. Era tudo igual a todo bairro do Brooklin. Eu era roubado quase todo dia porque eu não estudava na escola do bairro, então o pessoal não me conhecia. O cara que mais me roubava era o Jerome, mas pelo menos ele só me roubava um dólar. Mas, pensando bem, um dólar todo dia dava pra fazer fortuna.

                Um dia eu tava dando um rolé na minha bike e o Jerome foi me roubar, mas tinha um cara com ele. Ele perguntou se a minha bike era nova, eu disse que era, então ele pediu pra dar uma volta. Em Bed-Stuy isso significa: ‘posso roubar tua bike?’. Dei a desculpa que meu pai disse pra não emprestar, mas eu vi que ele ia insistir. Mas aí apareceu um garoto chamado Mikão, ele tava de bike também. Ele disse que me conhecia e que eu morava no final do quarteirão. Com essa, a gente saiu na boa e os caras foram roubar outro.

                A gente conversou um pouco, ele me perguntou onde eu estudava e eu perguntei onde ele estudava. Foi um papo legal. Ele era legal.

                “Aí, te vejo amanhã?”

                “Amanhã não vai dar. Tenho que ir a Jersey visitar meu pai.”

                “Então a gente se vê.”

                “Falô.”

                Como os caminhoneiros estavam em greve, meu pai tinha que ficar em casa. O problema é que ele não conseguia ficar sem trabalhar, então ele começou a arrumar a casa. Ele lavou o banheiro, limpou a casa inteira até que não sobrasse nem um cantinho sujo. Eu não sei como ele fez, mas ficou realmente bom.

                Em outro dia o Mikão apareceu.

                “Aí cara, vamos dar uma volta no parque?”

                “Não posso sair do quarteirão.”

                “Então, posso dar uma volta na sua bike?”

                “É que eu não posso emprestar pra ninguém.”

                “Eu só vou até a esquina.” Eu não queria desobedecer ao meu pai, mas o Mikão tava sendo tão legal... Ele tinha me salvado de ser roubado, então eu deixei. Vacilo. Ele disse que ia até a esquina, mas não disse QUAL esquina.

                Quando minha mãe chegou em casa naquela tarde, meu pai tinha feito tudo. E quando eu digo tudo, é tudo mesmo. Até o jantar estava pronto. Ele tinha arrumado a mesa como minha mãe NUNCA fazia e até tinha dobrado os guardanapos de um jeito engraçado. A única coisa que não encaixava era a reação da minha mãe. Em vez de ficar feliz por ele ter encontrado algo pra fazer que não fosse assistir TV, minha mãe não gostou por ele ter feito o trabalho DELA. É que apesar de sempre reclamar das tarefas de casa, minha mãe sempre gostou de fazer tudo do jeito dela. E ela não gostou nadinha dele se meter no serviço dela.

                Pela manhã, a eficiência do meu pai ainda tava enchendo minha mãe. Então o único jeito que ela encontrou de colocar a frustração pra fora foi criticar tudo o que ele fazia. Como minha vó fazia com ela. Meu pai também não gostou nadinha disso. E, digamos que, não intencionalmente ele ‘jogou’ na cara dela que as tarefas domésticas não eram tão difíceis. E mesmo que fossem, ele não tinha que falar isso alto. É óbvio que ela ficou chateada e o chateado da minha mãe não é nada legal. Eu poderia dizer o que ela disse, ou melhor, gritou, mas não me sinto tão à vontade assim, então podem imaginar o que quiserem. Depois de uma hora, ela saiu batendo a porta. Essa era a minha mãe.

                Longe disso, eu tava boladão com o Mikão, ele afanou a minha bike, mas eu ia atrás. Perguntei pro Jerome, mas ele disse que não sabia. Deixei um recado com eles pro Mikão me procurar, mas eu sabia que não ia dar resultado.

                Apesar de tudo tinha uma coisa que tava mexendo com a vizinhança: vizinhos novos. O assunto era o seguinte: o casal que morava no 604 se mudou pra Califórnia, então colocaram o lugar pra alugar. Até aí não tinha nada de mais. Começa a ficar interessante quando o boato de que um casal de brancos e a filha vinham se mudar pra lá. Até onde eu sabia só tinha dois homens brancos em Bed-Stuy, o Sr. Lavigne e um tal de Mike. O Sr. Lavigne era um velho esquisito que não saia de casa e não falava com ninguém. Diziam que era o morador mais antigo de lá. O Mike era só um branquelo que continuava morando lá por não ter dinheiro pra se mudar.

                Eu tava sentado na escada da porta da minha casa quando eles chegaram. Eu achava que o pessoal tava de zoeira quando disseram que eram brancos, mas eram brancos mesmo. Era a primeira vez em anos que brancos se mudavam PRA Bed-Stuy e não DE Bed-Stuy, então era algo que chamava a atenção. Um monte de cabeças apareceu na janela pra espiar, mas eu tava mais preocupado era com a minha bike que o Mikão tinha que me devolver. Vacilo. Minha preocupação sumiu quando eu vi a filha do casal. Eu tinha a impressão que eu conhecia ela de algum lugar. Peraí! ERA A LIZZY! Cara, eu não acreditei na hora. Quando a garota se virou pra pegar as malas eu tive certeza. Ela tava vestida do mesmo jeito de sempre: camisa, jaqueta, botas e jeans. ERA MESMO A LIZZY! Mesmo não conhecendo os pais dela, eu criei coragem e fui lá.

                “Lizzy!” ela virou.

                “Chris? O que tá fazendo aqui?”

                “Eu MORO aqui!” eu tava tão feliz de ver ela ali.

                “Sério? Eu não acredito! Você mora em qual?” ele parecia tão feliz quanto eu.

                “No 606! Vou ser seu vizinho de parede! Espera só o Greg saber disso!” Eu não sei explicar o que aconteceu, mas ela me ABRAÇOU! Não, eu não to tirando onda. Ela me ABRAÇOU! Foi rápido, mas meu coração atrasou uma batida. Ela nem pareceu notar.

                “Lizzy!” Era a mãe dela. Ela rolou os olhos.

                “Chris, eu preciso entrar agora, mas assim que eu arrumar minhas coisas eu vou te ver, ok? Tem pouca coisa pra arrumar, já que a maior parte veio de noite há três dias. Hoje a gente só foi buscar o resto mesmo.”

                “Tá bem.” Falei sem graça. Eu ainda não entendia essa garota. Nunca ninguém tinha se importado comigo assim. Eu nunca recebi tanta consideração, principalmente de uma pessoa que eu conheço há tão pouco tempo. Ainda mais uma garota.

                Ela entrou e eu fiquei parado igual um idiota olhando os pais dela levarem as coisas pra dentro. Tinha esquecido até do Mikão e da minha bike. Mas eu sabia que eu tinha que pegar minha bike de volta ou minha mãe ia me dar uma bifa que eu ia passar uma semana em órbita.

                Minha mãe ainda tava estressada por que meu pai fazia as coisas em casa melhor do que ela. O Drew e a Tonya não ajudavam muito. Eles ficavam pedindo tudo pro papai e isso deixava minha mãe ainda mais estressada com o meu pai. Então, ela continuava criticando, mas no fundo ela tava bem triste. Meu pai percebeu isso e decidiu o que fazer. Foi a coisa mais estranha que eu já vi ele pedir. Ele pediu pra gente bagunçar tudo. Exatamente! Ele mandou a gente desarrumar a casa. Foi a tarde mais divertida da minha vida. Eu desarrumei a cama joguei as roupas no chão, pulei na cama e joguei as gavetas no corredor. Depois que terminei tudo, fui lá pra fora.

                Eu tava um pouco chateado, mas nem era tanto por causa da bike. A Lizzy disse que ia me ver ontem e nem foi. Minha mãe chegou e disse pra eu guardar a bike e entrar. Pensei que era melhor eu contar a verdade pra minha mãe ali na rua, assim um assassinato seria menos provável. Quando eu abri a boca pra falar, eu vi o Mikão dobrar a esquina com a minha bike. Disse que não era nada e ela entrou.

                “Onde você se meteu? Levou minha bike por dois dias.”

                “Foi mal. É que você disse que não podia emprestar a bike então eu guardei ela pra você não se encrencar. E você ficou com a minha, então por que eu ia querer a sua.”

                “Eu achei que tinha roubado.”

                “Pois não roubei.” Ele ficou chateado.

                “Aí!”

                “O quê?”

                “Eu só não sabia onde você estava.”

                “Tudo bem. Vai sair amanhã?”

                “Vou sim.”

                “Te vejo amanhã, então.” Essa é a amizade em Bed-Stuy: eu não roubo tua bike.

                Quando me virei pra entrar, vi a Lizzy saindo. Ela tava com cara de pouquíssimos amigos.

                “O que houve?”

                “Meus pais! Eu odeio o racismo deles! É tão injusto e irracional! Chega a me dar asco!”

                “Nossa! Calma! Não precisa ficar com raiva. Foi por isso que não pôde vir ontem?”

                Ela confirmou. “Minha mãe me viu falando com você e não deixou eu sair depois. Disse que eu não devia falar com você por que você era negro. AAHH!!”

                “Eu ainda não entendo porque você defende tanto os negros.”

                “Eu não gosto de injustiças, Chris, e o que os brancos fazem com os negros É injustiça. É uma idiotice achar que uma pessoa é melhor do que a outra por causa da cor da pele. Eu já não gostava antes, agora que eu sou sua amiga eu detesto ainda mais.” Ok. Eu vou deixar pra pensar nisso quando eu for dormir.

                “Tá bom. Mas não fica com raiva não. Depois você se entende com eles.”

                “Ok. Agora eu tenho que entrar. Eu saí escondida só pra te explicar por que não fui ontem. Tchau, Chris. Até amanhã.” Mais um assunto pra eu pensar antes de dormir.

                “Até amanhã, Lizzy.” Eu to cheio de assunto para pensar antes de dormir.

                Quando minha mãe subiu ela pensava que a casa estava em ordem, mas ela descobriu que estava uma perfeita desordem. Meu pai tava fingindo que tava dormindo no sofá e quando ela começou a gritar com todo mundo, ele soube que todo estava em seu perfeito lugar, menos a casa. Ele também descobriu que voltaria a trabalhar no dia seguinte: a greve tinha acabado.

                E eis que tudo estava de volta ao normal: meu pai trabalhando e minha mãe na cozinha.

                “Chris, quem era o menino com quem você estava falando ontem?”

                “O Mikão?” A Tonya abriu a boca. “E antes que alguém pergunte, esse é o nome dele, não é um apelido.” Ela me deu língua.

                “Tenha cuidado e não empreste a bicicleta, foi assim que roubaram a outra.”

                “Mãe, a senhora sabe quem se mudou pra casa ao lado?” Com essa do Drew, minha mãe animou.

                “Foi um casal e a filha, e eu soube que são brancos.” Meu pai estranhou.

                “Brancos se mudando pra Bed-Stuy?”

                “É a Lizzy.” Eu disse. Era melhor eu falar logo mesmo.

                “Quem?” Parecia até um coral.

                “É uma amiga minha da Corleone.”

                “Você tem uma amiga branca?” Drew.

                “Você tem uma amiga?” Tonya.

                “Quem é essa menina? Tô avisando, não vou criar bebê de ninguém.” Mãe.

                “É a menina de quem você me falou, filho?” Pai.

                “É sim, pai. E, esclarecendo todas as perguntas: O nome dela é Lizzy e ela morava no Queens.” Olhei pra minha mãe. “Não se preocupe, ela é só minha amiga.” Olhei pra Tonya. “Sim, ela É minha amiga.” Olhei pro Drew. “Sim, ela É branca.”

                “Depois eu quero conhecer essa garota.”

                “Tá bem, mãe. Já terminei, vou me deitar.”

                “Tá. Não se esquece de escovar os dentes.”

                Quando me deitei eu tava eufórico demais pra dormir e uma coisa não largava do meu pensamento: A LIZZY AGORA ERA MINHA VIZINHA! Ia ser irado ver ela todo dia. Eu sei que sou amigo do Greg, mas ele mora mais distante de mim do que eu do colégio. Então eu só via ele lá. Ia ser ótimo ter alguém com quem conversar. E o perfume dela é tão bom. Eu senti quando ela me abraçou. PERAÍ! PODE PARAR POR AÍ! Ela é minha AMIGA. SÓ!

POV. LIZZY

                Quando eu escutei chamar meu nome, eu não acreditei. ERA O CHRIS! Ele, então, me disse que morava no apartamento ao lado do que eu ia morar agora.              Cara, vai ser muito irado ser vizinha dele! A gente vai viver conversando. Vai ser como se eu tivesse minha irmã de volta, só que em forma de garoto. Eu não sei por que, mas eu abracei ele. Eu senti que ele prendeu a respiração. Me arrependi depois, eu não queria deixar ele constrangido. Também vou admitir que meu coração acelerou um pouquinho, mas só um POUQUINHO! Mas aí meus pais me chamaram e começaram com o aquele discurso racista ridículo. Eu sei que eu sou meio esquisita, mas eu sempre respeitei meus pais, por menos que eles gostem de mim. Mas na hora eu tive que me controlar ferozmente pra não gritar com eles e falar um monte. E eles gostando ou não, eu vou continuar sendo amiga do Chris. Não quero nem saber. E eles me proibiram de sair, por que pensavam que eu ia ver ele. Ok, eles estavam certos, mas não podiam me impedir, e eu não achei nenhuma brecha pra sair. Sorte que eu não falei que a gente é da mesma escola. Era capaz de eles me tirarem da Corleone.

                No dia seguinte, eu passei o dia inteiro tentando achar uma brecha pra eu ver o Chris e explicar por que não pude falar mais com ele ontem. A bendita brecha só foi aparecer lá pela hora do jantar. Ele tava na calçada e eu saí de fininho e falei com ele. Acho que ele não tá muito acostumado a ter alguém se explicando pra ele. Ele ficou supersurpreso. Por essa, eu acho que nenhum amigo trata ele com consideração. Talvez nem o Greg.

                Outra coisa, eu to curiosíssima pra conhecer a família do Chris. Dizem que o pai dele tem dois empregos, a mãe grita pra caramba, a irmã é o demônio com ele e que o irmão dele é um gato. Hummmmm! Vou querer checar tudo! Acho que vou arranjar um jeito de almoçar na casa dele, mas depois eu vejo isso. Aventura a caminho: conhecendo o mundo dos negros, o mundo do meu pai.

...

Por: LivyBennet


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Notas finais do capítulo

*Continuo sem ideias pras notas de capítulo*