Os Clichês de Rosemary escrita por Gabriel Campos


Capítulo 30
Só me arrependo das tampinhas de iogurte que joguei fora sem lamber


Notas iniciais do capítulo

Um título grande para um capítulo relativamente grande



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Sebastian tomou minhas mãos e as apertou contra seu rosto. Senti suas bochechas macias tocarem a minha pele, sua barba rala pinicando por entre as linhas dos meus dedos. Eu olhei bem dentro dos seus olhos e tive a certeza de que era correspondida; Sebastian estava me enxergando. E ele viu meu sorriso, viu meus olhos marejados de emoção e me viu ficar vermelha, mesmo que ele não soubesse muito bem as cores, apenas as formas das coisas.

O que me importava naquele momento era que eu estava com ele. E, como nos últimos capítulos de novelas, parecia ser um final feliz. Tais finais felizes só servem para mostrar que os personagens irão ser felizes para todo o sempre, eternizados nas nossas mentes.

O primeiro sentido, a visão: nós nos observamos por alguns segundos, enquanto utilizávamos outro sentido, o tato, para nos tocarmos. Continuei sentindo suas bochechas macias e sua barba no dorso da minha mão. Aquele simples toque se transformou em um abraço forte e quente. Então nosso olfato - o dele, mais apurado - foi despertado. Ele sentiu o cheiro de xampu provindo dos meus cabelos enquanto o aroma típico de capim-limão de seu perfume penetrava minhas narinas. Com a audição, ouvimos as batidas fortes dos nossos corações acelerados e nossas respirações ofegantes, de certa devido àquele reencontro. Por fim, o quinto sentido: o paladar. Senti seu gosto em minha boca e vice-versa. Era incrível como ele beijava bem. Eu estava com medo de lhe decepcionar de alguma forma, mas a presença daquele garoto amenizava meu pânico. Então a saudade se transformou em amor, e os nossos cinco sentidos se sincronizaram, naquela recepção calorosa.

— Eu estou aqui Rosemary. Você disse que tudo iria dar certo. E tudo deu certo. — Sebastian sussurrou em meu ouvido, nós ainda abraçados.

— Senti tanto a sua falta. — confessei — O tempo parecia não passar.

— Mas estamos juntos novamente. — nós desfizemos o abraço e ele deu um beijo na minha testa — E agora eu quero que você me ajude a conhecer a vida.

Sebastian não sabia ler, já que era acostumado com os livros em braile. Ele não conhecia as cores, tampouco como eram as estrelas do céu. Sebastian só sabia como era a forma, o sabor e o aroma das coisas e eu estava disposta a fazê-lo descobrir o mundo. E já que eu mal conhecia o mundo também, um ajudaria o outro nesta nova aventura.

Eu não gosto de climas de despedidas. Eu sei que estes clichês já estão no fim. Vocês, leitores e leitoras, podem puxar a orelha do autor da história. Vontade de chamar a minha mãe, Dona Solange, para que ela dê uns belos sopapos nele, como ela deu na Marjorie.

Gente, por falar da Marjorie, vocês não acreditam no (como diz o meu irmão) babado que aconteceu! Papai se separou dela. Acreditam que, em um belo dia, quando ele foi visitá-la no hospital, Zeferino pegou sua adorada esposa aos beijos, abraços e amassos com um dos enfermeiros. Foi gritaria, chororô, com direito a músicas do Pablo do Arrocha* a noite toda lá na mansão.

— Mãe, o papai tá mal. — disse Rubem, em certo fim de tarde, quando ela lavava as louças e eu descascava as batatas para fazer uma sopa.

— Tá me achando com cara de babá de velho? — Dona Solange tirou o avental e o pendurou num preguinho próximo a pia.

— Poxa, mãe! É que, sei lá, apesar dos pesares, eu tô com pena do pobre Zeferino.

— Ah, é? E como é que cê acha que eu posso ajudar seu pai? Não tenho remédio pra dor de cotovelo, nem pra dor nos chifres, então, me deixa aqui no meu cantinho, tá Rubem?

Rubem esperou que mamãe se distraísse e me puxou até o lado de fora da nossa casa. Abriu a porta do carro e, como se fosse num sequestro, pediu que eu entrasse.

— Pra onde a gente vai? — indaguei.

— Resolver um problema que já está me incomodando há meses. E você querida, vai me ajudar, Pelo bem da família Maldonado.

Fazia tempo que não ouvia isso: "família Maldonado", como um todo. Esquisito, pois a nossa família sempre fora Rubem, mamãe e eu. Papai não fazia mais parte dos nossos planos desde que deixou mamãe; mas Rubem porém, parecia estar pensando em algo que eu achei ser impossível.

Chegamos. Nosso pai estava arrasado. Zeferino, sentado em sua poltrona, um charuto em mãos, uma taça de vinho em cima da mesinha de centro. Algumas garrafas da mesma bebida empilhdas ao seu lado, indicando que ele já vinha bebendo há dias. Barubudo, cheirava mal, aquele era Zeferino depois de descobrir um terço sobre o que sua ex-mulher, Marjorie, era.

— Vieram dizer "eu te avisei"? — perguntou papai, sarcástico.

— Na verdade, papai, queremos que você volte conosco, para nossa casa. — falei.

— É... queremos o senhor de volta. Mesmo que o senhor... Já não sinta mais por mim o que sentia antes. — falou Rubem.

Então papai largou a taça de vinho e começou a chorar. Como um bebê. Seu cotovelo doía tanto por causa da Marjorie! Eu estava com pena. Pena porque não vale ter todo o dinheiro do mundo quando se é sozinho. O dinheiro vai embora; o amor, não.

— Então... vocês querem que eu volte? — ele olhou para nós, seus filhos. Os olhos cheios de lágrimas — Depois de ter os abandonado? Eu sei como é estar abandonado. — seus olhos miraram o chão, depois ele tornou a olhar para gente. — Você, Rubem? Até você quer que eu volte?

— Apesar de o senhor ter dito por aí que não sou mais seu filho... — meu irmão cruzou os braços contra seu peito e flexionou o pescoço para cima.

Então levamos papai para casa. Mamãe quase surtou quando o viu, mas eu sabia que, por dentro, ela ainda sentia alguma coisa por ele. Não, eu nunca acreditei nessa história de feitos um para o outro (até então) mas seu sabia que minha mãe e meu pai, na juventude, quando se conheceram e casaram cedo, se amaram e alguma forma. E o amor é como uma chama infinita: ela pode sofrer, mas nunca apaga.

Zeferino se ajoelhou diante de Solange, Rubem e eu. Já nem mais parecia aquele homem tomado pela arrogância herdada da sua segunda esposa.

— Quando a gente morre, não adianta levar o dinheiro para dentro do caixão, ele seria consumido pela terra, assim como as nossas carnes. É o que eu sempre disse, Zeferino: chegaria o dia em que você veria que sua verdadeira família é a gente.

— Eu só peço que me perdoem. — disse ele — Sempre achei que, mandando dinheiro para vocês, todo mês, estaria fazendo meu dever de pai. Mas sei que perdi muita coisa na vida de vocês, meus filhos. Mas queria recompensar o tempo perdido. Vocês me perdoam Rosemary... e Rubem?

Papai acabou vendendo sua cadeia de supermercados, a mansão e outros bens e, acreditem se quiser, doou boa parte do dinheiro para instituições de caridade. Seu objeitvo era mostrar a mamãe que poderia voltar a ser um homem humilde e, com isso, reconquisá-la. Já não sei se Zeferino ainda é capaz de amansar mamãe pois eu sei que, por mais que ela o ame, ainda há um escudo de amargura revestindo seu coração. Só o tempo e as atitudes do meu pai podem desgastá-lo. Ah, ele está deixando de ser preconceituoso. Pelo menos está tratando meu irmão muito bem.

Claaaaaaro que eu não iria deixar de falar sobre a Dóris e o Rubem. Eles se divorciarm, óbvio, mas as más línguas dizem que ela aproveitou ao máximo as semanas de casada com ele para, digamos, tirar uma casquinha.

— Qual é o motivo do divórcio? — indagou o juiz, no dia em questão.

Rubem fitou Dóris nos olhos, depois o juiz e disse, sem rodeios:

— Da fruta que minha esposa gosta... bom, o senhor já sabe. — ele desfilou pelo fórum — Agora que estou livre, posso sair do armário. E, querido, venhamos e convenhamos, estava cansado de mofar lá dentro. Agora, preciso ir — ele beijou Dóris no rosto — Beijos de luz.

Após a realização do divórcio, meu irmão entrou numa kombi cheia de Drag Queens (as mesmas penetras do seu casamento) e foi ser feliz. De vez em quando ele manda uns cartões postais, posta fotos no seu Instagram e Facebook vestido como uma de suas amigas Drags em vários lugares do mundo. Se ele está feliz, eu também estou. Meu pai também, do jeito dele, mas está.

Música - Lana del Rey - Sad Girl

Então, você, leitor, do meu coração, levanta sua mãozinha e me pergunta: "Rose, e a faculdade?" E então eu respondo: "Ah, miga, está lá, né.". Bom, eu sempre quis cursar arquitetura e urbanismo e, enquanto as mocinhas da minha escola tinham seus ídolos sertanejos endeusados, meus mestres eram Oscar Niemeyer, Michelangelo, da Vinci. Enquanto elas se engajavam para chamar a atenção do professor de Educação Física, eu caía de amores por História, Artes e Literatura. Me sacrificava pelas exatas para cursar uma boa faculdade e hoje eu estou aqui. Meus esforços valeram a pena e não foi por causa de um prêmio em dinheiro oferecido por meu pai (que acabou ajudando meu irmão) que eu me esforcei um pouco mais. Foi porque eu queria acreditar em mim mesma, queria que aquela garotinha apagada do começo de tudo se destacasse em algum momento.

— Tenho uma surpresa para você, Sebastian. — coloquei uma venda no meu namorado. Era a primeira vez que alguém colocava uma venda nele, afinal, Sebastian nunca precisou de uma.

Guiei-o como se ele fosse deficiente visual novamente até um local em particular, mais precisamente próximo a uma árvore que, tadinha, foi danificada por mim através de um veículo há alguns meses atrás. Estávamos em frente à antiga mansão do meu pai.

— Pode tirar a venda, amor. — pedi, gritando ao longe.

Sebastian o fez e me logo me viu de frente ao volante de um carro, um pouco humilde, mas que eu havia comprado com o dinheiro que eu recebi de papai, depois que entreguei para Tereza para livrar a barra do meu irmão e, que no final, acabou voltando para mim.

— Vamos dar uma volta, Sebastian?

Meu namorado se assustou, deu dois passos para trás. No banco de trás do carro, ele viu seu Golden Retriever, Puff que, como cão guia, foi seus olhos por tanto tempo, chamando-o através de seus latidos agudos.

— Espera, Rose... a sua fama como motorista não é a das melhores.

— Queria te fazer uma surpresa, bobo. — abri minha bolsa e dela tirei um documento recém-impresso. Na minha foto, eu bem que queria estar sorrindo: MINHA HABILITAÇÃO, novinha em folha. Desculpa, sociedade, mas naquele momento eu era uma motorista, de carteirinha, literalmente.

Sebastian se sentou no banco do carona e pôs o cinto, com toda a segurança do mundo. Beijei de leve seus lábios e me concentrei para começar a dirigir. Puff pôs a cabeça para fora da janela e deixou que o vento batesse na sua fronte e levasse suas orelhas para trás, fechando os olhos. Eu bem que pedi que Sebastian relaxasse, mas demorou alguns quilômetros para que ele percebesse que eu mereci realmente aquela habilitação, após ralar tanto tempo na Auto Escola.

Eu queria que coisas tão simples quanto estas tornassem a ser clichês: um passeio de carro, ver o pôr-do-sol com a pessoa que você ama, o perdão, a felicidade. O que você entende por clichê? Será o que você vê pelas fanfics sites afora e que acaba se tornando comum (a garota de cabelo azul que vive no Brasil, tem nome americano e fala francês)? Ou será que clichê é tudo o que você, caro leitor, vive? Quais são os seus clichês? Estes são os meus.

— Sabe, Sebastian... acho que essa foi a maior prova de amor que alguém poderia fazer por mim. — contei, entrelacei meus dedos nos seus. O sol estava começando a se pôr

— Como assim? — ele indagou, assustado.

— Você foi a primeira pessoa que andou de carro comigo dirigindo.

Nós demos risada.

— Apesar de tudo, minha linda... — ele colocou uma mecha do meu cabelo por trás da minha orelha — Eu confio em você. Amar é isso, não é?

— Eu confio em você. E eu te amo.

— Também confiei em você quando não podia ver, Rose. Mas meu coração te enxergava. E me dizia que você era a pessoa certa.

— E hoje estamos aqui de novo, nesse parque. Você se lembra quando disse que um dia você iria ver o pôr-do-sol?

— E não poderia ser mais maravilhoso se você não estivesse aqui.

Nossos rostos se colaram. Deitamos na grama e deixamos que os últimos raios de sol alaranjados daquele dia contemplassem nossos beijos.

FIM


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Notas finais do capítulo

Não sei se consegui terminar a fic bem. Digo isso porque foi difícil, para mim, escolher como seria a última cena, a última fala, a última frase. Não sei por que, mas foi pior escrever este último capítulo, quando eu já sabia de tudo, do que o primeiro, quando eu não sabia nem o que pôr no Word.
Sabe aquela fic que você começa a escrever só por escrever? Prazer.
Gente, iria ser apenas uma one-shot, e olha, concluímos no capítulo 30!

Eu sou MUUUUITO GRATO a vocês, mesmo, por me fazerem acreditar que ainda existem sim bons leitores, que participam, que opinam, que criticam de maneira construtiva. Essa fic é especial porque foi ela que me fez não sair do Nyah depois de ter me decepcionado ao postar outra, que acabei excluindo.
Obrigado por terem me esperado quando demorava a postar, ou perdoado meus erros de digitação, enfim. Thanks!

Mil beijos pra vocês e espero os encontrar nos reviews ou em outras fics. Quem quiser...
http://fanfiction.com.br/historia/605601/Enquanto_o_Sol_Brilhar/