Os Clichês de Rosemary escrita por Gabriel Campos


Capítulo 22
Se tudo der certo é porque estou sonhando


Notas iniciais do capítulo

Escutem Coldplay - Ink (quem quiser). É o tema (fofíssimo) da Rose e do Sebastian.
https://www.youtube.com/watch?v=cbixLt0WBQs



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Música - Coldplay - Ink

Depois de passar tanto tempo longe de casa, percebi enfim que gostava de ficar ao lado da minha mãe: fosse assistindo TV com ela ou até mesmo ajudando nas tarefas da casa. Na mansão do meu pai só faltavam mastigar a comida e colocá-la minha boca: tinha empregado para tudo. Eu nunca na minha vida fui molenga; o ócio estava me tornando uma dondoca. Lavar as louças ou descascar os vegetais me mantinha distraída do mundo lá fora; pensar que Sebastian, contudo, poderia estar chateado comigo me tirava do sério.

Alguém apertou a campainha, mamãe assustada, pegou a vassoura e foi atender a porta com ela em mãos. Não havia algo mais raro na casa de minha mãe do que o fato de recebemos visitas.

— Quem tá aí? — questionou mamãe, cutucando as venezianas da forte porta de madeira da nossa casa.

Silêncio... Quem seria?

— Fala, condenado de uma figa! — dona Solange ordenou — Eu vou chamar a polícia, ouviu?

Corri até a janela, segundo minha mãe eu estava arriscando minha vida, pois se fosse um assassino em série ele poderia atirar em mim. No entanto, não era nenhum maníaco, e sim Dóris que, com medo, já se encaminhava para o lado da rua.

— Dóris, espera! — berrei, destrancando a porta e correndo pelo singelo jardim da casa até alcançá-la. Ela ajeitou a bolsa por cima do ombro e esgueirou seu corpo magro para cima de mim, me abraçando bem forte.

— O Rubem me ligou hoje cedo e me contou que você estava aqui.

Estava feliz em ver a Dóris depois daquela noite traumatizante cuja eu nem tinha coragem de lembrar. No entanto, confesso que queria que Sebastian estivesse ali presente também.

— Me desculpa, Dóris. Não sei o que deu em mim, Mas não podia ficar lá. As pessoas são ruins! O mundo parece ser cruel... Eu não estou preparada para enfrentá-lo!

— Calma, Rose. — ela percebeu que eu estava aflita — Por que não me conta o que houve?

Nós entramos. Mamãe, que há tempos não recebia uma visita, serviu café a Dóris. Ela gostava de café com leite, como eu. Leite em pó.

Contei a ela sobre as garotas de nariz empinado da escola, sobre as aflições do vestibular, assim como os meus medos antes e durante o baile da noite passada. Quando, por fim, toquei no assunto do dinheiro da cirurgia de Sebastian, ela me fitou um tanto quanto seria, dizendo, em seguida:

— Eu acho muito legal e fofo da sua parte, e te agradeço imensamente por pensar no meu irmão... mas não precisa mais.

Fiquei com cara de bocó. Será mesmo que Sebastian estava com raiva de mim? Será que ele não queria mais me ver? Teria algo pior do que isso? Eu não aguentaria ficar longe dele. Ele, em pouco tempo, conquistou um pedaço de mim e não poder mais vê-lo era como jogar tal pedaço fora.

— Ele não precisa mais porque ontem à noite ele recebeu uma ligação. Talvez a ligação mais esperada por ele em vinte anos. — continuou ela — parece que conseguiram um doador compatível e o meu irmão vai poder fazer a cirurgia de transplante de córnea.

— Isso é uma maravilha! — exclamei — quando ele vai?

— Ele está internado desde ontem à noite, Rosemary. Ontem, quando eu te liguei, era para te avisar o que aconteceu. Era pra avisar que ele não iria ao baile. — Dóris explicou — e sabe o que é mais curioso?

— O quê? — O Sebastian ficava o tempo todo dizendo que não queria ir para o hospital, porque não queria te deixar sozinha no baile. Eu acho que ele te ama também Rose... — Dóris sorriu e suspirou — Ele te ama tanto a ponto de se preocupar mais com você do que com ele mesmo.

Então as borboletas que viviam fazendo cócegas na minha barriga começaram a fazer o trabalho delas. Eu também me importava com ele. Eu nunca quis deixa-lo na mão, tampouco humilha-lo ou mostra-lo para as víboras da minha escola como se ele fosse um troféu; eu só queria a tê-lo por perto, pois quando ele estava ao meu lado eu ficava feliz. E eu queria apenas que todos soubessem que eu estava feliz, e não sendo a rebelde sem causa sem motivos que sempre fui.

— Eu preciso ir até lá, então, Dóris! — falei, procurando meu velho par de sandálias havaianas para calçar em meus pés. — Por favor, me diz onde é que o seu irmão está? É o mínimo que eu posso fazer depois de quase ter dado um gelo nele.

Dóris me alcançou e me puxou pela mão.

— Calma Rose... — ela olhou no relógio — Sebastian nesse momento deve estar começando a fazer os primeiros procedimentos cirúrgicos. Não adianta ir até lá. Fica calma, agora é só ter fé, vai tudo dar certo.

Dóris me acalmou. Eu mal a conhecia, mas sabia que ela tinha o poder de abrandar qualquer situação. Sendo assim, resolvi passar o dia deitada em minha cama, olhando para o teto. Percebi que pássaros construíram um ninho no telhado da minha casa, parecia até que os ovinhos haviam acabado de chocar. Os passarinhos recém-nascidos piavam, o clima daquele dia estava começando a melhorar.

A irmã de Sebastian ficava o tempo todo olhando o celular. Eu sabia que, dentro dela, havia um turbilhão de emoções, o qual ela não queria colocar para fora. Estava inquieta, e pelo jeito ela não gostava de se abrir com os outros. O que estaria ela pensando naquele momento?

👯♡ 👯♡ 👯

(por Sebastian Freitas)

Eu pedi para que minha irmã mentisse para Rosemary. E foi melhor assim.

Era verdade que eu faria a cirurgia para voltar a enxergar, no entanto, mal sabia Rosemary que era em outro país. Embarquei com papai às pressas no início daquela manhã. Nós nunca havíamos andado de avião e, somado ao meu medo de altura, tinha aquele receio de me sentir como um ratinho de laboratório.

— É uma oportunidade única, senhor Freitas — ouvira um homem com um sotaque profundamente americano conversando com papai pelo celular, no viva voz — Estamos trabalhando em um novo método e temos cem por cento de certeza de que seu filho poderá voltar a enxergar.

Papai me fitara. Percebi isso porque senti sua respiração ofegante. Ele queria saber o que se passava na minha mente e, sinceramente eu só estava pensando em não chegar atrasado ao baile daquele dia com Rosemary. Ela havia me convidado com tanto carinho! Eu não queria decepcioná-la.

— É uma chance em mil, Sebastian. — mamãe passava a mão nos meus cabelos enquanto conversava comigo. Eu já estava pronto para entrar no carro de Dóris e me encontrar com Rosemary no baile da escola. Sempre era ela quem resolvia as coisas, quem mantinha a família unida e quem cuidava de conversar conosco quando estávamos num impasse, como naquele momento — O Dr. Smith é um homem bom, foi ele quem nos procurou, ele escolheu seu caso, dentre milhares. Ele quer testar esse novo método meu filho. Vá, você não tem nada a perder.

Dóris havia colocado minha história num blog, o qual ela atualizava sempre. Este médico, Dr. Lionel Smith, era um cirurgião oftalmologista renomado dos Estados Unidos, que trabalhava em pesquisas e avanços sobre o assunto, que poderia mudar a vida de pessoas como eu. Lionel, assim, navegando pela internet, acabou conhecendo o blog de Dóris e, com isso, a minha vida.

— O Dr. Lionel Smith já cuidou de tudo, Sebastian. Você vai embarcar amanhã cedinho, com tudo pago, pros Estados Unidos. Em pouco tempo você está de volta. E vai poder enxergar, meu irmão! — Dóris exclamava.

Então eu me lembrei da Rose. Do jeito que ela descrevia para mim as coisas que ela enxergava. Ela era meus olhos, até mais do que meu cão-guia Puff. Ela me fez, pela primeira vez, achar que valeria a pena sim deixar que a luz me iluminasse e me fizesse enxergar.

Então eu fui. Fui pela Rosemary, porque eu queria compartilhar com ela as coisas bonitas de se ver quando eu voltasse. Meu pai me acompanhava, sério, calado. Meu coração ia a mais de mil, pensando no futuro, pensando em como minha vida poderia mudar a partir de então; era um futuro incerto, porém eu o enfrentaria, apenas para poder enxergar. Pela Rosemary. Com a Rosemary.


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