Os Clichês de Rosemary escrita por Gabriel Campos


Capítulo 12
Como uma deusa


Notas iniciais do capítulo

Gente, vou dar os créditos pela ideia da SrtaWadeLerman. Acabei incrementando o capítulo com o que ela me disse num review e eu adorei. Então, obrigado e espero que vocês gostem.
Outra coisa, na parte em que a Rose está estudando química, não liguem se vocês não entenderem o que ela está dizendo.
Na parte que ela estiver na sorveteria, coloquem "Ink - Coldplay" pra tocar, quem quiser, claro.
Boa leitura ;3



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Depois daquele fim de semana maluco, eis que chegou a segunda-feira e, com ela, chegou a semana cujo sábado seria o temido dia do vestibular.

Talvez o curso de arquitetura estivesse cada vez mais próximo de mim. E como!

Marjorie estava um amor comigo: ofereceu-se para ir me deixar na escola. Papai disse que seria uma ótima ideia e que, seu eu quisesse, poderia pagar autoescola para mim. Eu jurei para ele que pensaria sobre o assunto, pois depois daquele dia fatídico que custou o carro antigo do meu irmão, pensei em nunca mais chegar perto de um volante.

— Tem certeza de que não quer que eu entre lá com você? — a esposa do meu pai indagou, quando estávamos em frente à escola.

— Como assim? — abracei meus livros e fiquei com o corpo entre o carro e a porta, impedindo esta última de fechar. Estranhei, pois nem minha mãe, por incrível que pareça, fez isso.

Marjorie fez um sinalzinho de “vem cá” com a mão direita e sussurrou, delicadamente.

— Rosemary, queridinha... Olha pra como você está hoje e compara com como você estava semana passada. Hello, darling! — ela estalou os dedosSe antes ninguém te notava, talvez fosse porque você não chamasse atenção.

Pensando bem, a minha chegada à escola naquela segunda-feira poderia ser bem divertida.

👯♡ 👯♡ 👯

Quando eu era mais nova, mamãe colocava no seu velho toca discos um LP que tinha uma música que eu adorava. Enquanto a música rolava, eu pegava alguns lençóis e ficava rodopiando com eles pela sala, dançando como se fosse a Giovanna Antonelli naquela novela com temática árabe que Dona Solange adorava.

Eu só queria aquela música naquele momento em que eu abri as portas da escola e o vento, vindo por trás, fazia com que os meus cabelos esvoaçassem. Eu, sem jeito, parada frente à porta, sacudi a levemente cabeça, de olhos fechados, para arrumar os meus cabelos.

“A música na sombra,
O ritmo no ar
Um animal que ronda
no véu do luar...”

Comecei a caminhar pelos corredores. Eu percebia a faceta de surpresos de todas aquelas pessoas do colégio, mas dava a entender a eles que eu não estava nem aí. Eu sabia o nome de cada um, no entanto, eles não sabiam o meu. Só sabiam que eu era a garota que nunca falava com ninguém, que se vestia como se fosse uma senhora de setenta anos e que tirava notas razoavelmente boas.

Eu continuava sendo a mesma, no entanto, sendo notada por aqueles babacas.

“Eu saio dos seus olhos
eu rolo pelo chão
Feito um amor que queima
magia negra
Sedução”

O quicar do meu salto ecoava por aquele corredor. Os garotos ficavam de boca aberta enquanto suas namoradas tentavam chamar suas atenções para elas. “Rosemary, olha pra frente, não deixa eles perceberem que você está dando bola.”

Aquela música do LP de mamãe ecoava na minha mente. Eu sabia que não tinha nada a ver com aquele momento tosco, mas se eu tivesse um lençol naquele momento, com certeza minha vontade seria a de ficar rodopiando com ele ali, como uma diva.

“Como uma deusa
você me mantém
E as coisas que você me diz
Me levam além...”

Então, antes que eu alcançasse a maçaneta da sala de aula, minha sandália grudou em um chiclete (e ele parecia ser hiper-mega-super-grudento) que fez com que minha sandália ficasse fixada no chão, me impedindo de continuar andando.

Resultado: por causa do impulso, acabei me desequilibrando e dando de cara no chão.

De repente a Rosanah parou de cantar “Como uma Deusa¹” na minha cabeça, as lembranças rodopiantes com o lençol na casa da minha mãe desapareceram, bem como deixei de ouvir os comentários sobre eu estar linda diva e poderosa daqueles que estavam nos corredores do colégio.

Ok, aquela seria a última semana na escola, depois viria o vestibular e nunca mais eu teria de ver aquele pessoal rindo de mim novamente.

👯♡ 👯♡ 👯

Cheguei em casa e, mesmo me lembrando do mico que eu havia pagado no início da manhã, continuei de cara nos livros, estudando principalmente as tolices de química orgânica, com todos os seus carbonos e ligações com hidrogênios. A professora de química, aliás, era a mais chata de todas e eu admito que já enfiei mentalmente vááááários carbonos dentro da goela dela, já que ela gostava tanto deles.

Ok, vamos lá, Rosemary, o vestibular é sábado, você sabe tudo, mas não decorou direito essa droga de nomenclatura. Você sabe que sempre o que você não estudou acaba caindo na prova.

Vamos decorar os prefixos usando carneirinhos: primeiro carbono: “met-”. Ok, ele pulou. Vamos ao próximo: “et-” (e então eu vi uma mosca passando pelo quarto da casa do meu pai. Sempre achei que em casa de gente rica não houvesse moscas e... FOCO ROSEMARY!) Mais um carneirinho pulando, ele representa três carbonos na cadeia principal: prefixo “prop-”. Quatro carbonos (achei melhor fechar os olhos, ficaria mais fácil imaginar os carneirinhos) carneirinho de número quatro se apresente: prefixo “but-”.

E então, de tanto contar carbonos e carneirinhos, eu dormi, babando no livro de química.

👯♡ 👯♡ 👯

Acordei com o meu pai batendo na porta do quarto. Eu, descabelada, fechei o livro que eu usava como apara-baba enquanto tirava aquela soneca da tarde e o joguei debaixo da cama.

— Pode entrar, pai.

Ele pôs o rosto pela porta entreaberta e disse:

— Rose, um amigo seu está querendo falar com você ao telefone.

Amigo? Telefone? Alguém querendo falar comigo?

Saí correndo, desci as escadas daquela mansão e atendi o telefone na sala de estar.

— Alô?

Oi, não sei se você tá lembrada de mim, mas eu sou aquele menino que você bateu no provador de roupas naquele dia, lembra?

Sebastian...

— Ah, érrrrr... oi, como vai?

Bem, mas eu meio que estou com muita vontade de tomar sorvete. Minha irmã, a Dóris, vai me levar numa sorveteria que tem aí perto mais tarde. Bem que você poderia encontrar com a gente por lá, né?

— Bom, eu acho que posso ir com vocês sim. — respondi. Era a primeira vez que alguém me chamava para sair.

Então, daqui a uma hora, quando a gente estiver indo, passamos por aí e vamos todos juntos, combinado?

— Combinado.

Eu teria um encontro dali a uma hora. Que roupa vestir? Como se comportar longe dos pais? Seria como na escola?

Uma hora depois, Dóris buzinou com o seu carro simples, porém espaçoso, em frente à mansão. Papai me deu um beijo no rosto, disse para eu me comportar e me deu dinheiro. Fiquei com medo por tamanha liberdade.

Sebastian estava no banco detrás. Cumprimentei-o com um aperto de mãos.

— Olha, Rose. Este aqui é o Puff, meu cão-guia. — disse Sebastian, afagando os pelos de um lindo golden retriever amarelo, que estava ao seu lado, sentado como se fosse até gente — Puff, essa é a Rosemary.

Puff me cumprimentou dando dois leves latidinhos.

Acenei para Dóris, me posicionei no banco do carona e pus o cinto de segurança. Cinco minutos depois, estávamos numa sorveteria. Eu nunca tinha ido a uma sorveteria.

No entanto, eu amava sorvetes pois, poucas vezes, tive a oportunidade de experimentar quando Rubem levava para casa um pote.

— Bom, eu vou ao banco aqui perto pagar uma conta. Se cuidem, volto daqui a pouco. — Dóris disse, após Sebastian, Puff e eu descermos do carro. — E Sebastian, não vá se perder!

— Não se preocupe, mana. O Puff está comigo. — Sebastian tateou o ar e achou meu ombro, pôs a mão nele — e a Rosemary também.

O cão-guia farejava tudo, concentrado no seu trabalho. Ele era como os olhos que Sebastian não tinha. Puff era um cão especial, não era como os outros. Algumas crianças que ali estavam tentavam chamar a atenção dele, brincando, mas ele era como um daqueles guardas ingleses que não tinham reação nenhuma quando perturbados.

— Bem, eu quero um sundae de caramelo — Sebastian pediu ao atendente, que logo trouxe o seu pedido. — E você, Rosemary?

— Eu quero de chocolate, brigadeiro, beijinho e chocolate branco. Ah, e põe bastante. — falei, meio sem jeito, mas minha vontade de tomar sorvete era quem falava por mim.

Então começamos a conversar. Eu não tirava o olho daquela pilha de sorvete de quase um metro enquanto Sebastian falava da vida dele. Com certeza deveria ser mais interessante que a minha.

— É engraçado, Rosemary. Eu fiquei sabendo do que aconteceu com você e tudo isso é irônico.

— Como assim? — indaguei, lambendo a colher.

— Você tem os olhos, mas nunca viu o mundo. E eu não tenho olhos, mas sempre tive a oportunidade de vê-lo.

— Mas, Sebastian, você tem olhos. Eles só não... funcionam. — merda, falei merda. Enfiei duas toneladas de sorvete na minha boca.

— Eu sou o trigésimo segundo na fila de espera por um transplante de córnea. Talvez com a cirurgia eu volte a enxergar — ele disse, um pouco contente.

— Poxa, legal! — exclamei — Mas, Sabastian, como você perdeu a visão?

— As pessoas dizem que foi num acidente de ônibus. Eu era recém-nascido, um ônibus tombou, muita gente morreu, inclusive meus pais. Eu fui um dos poucos sobreviventes. No entanto... o impacto do acidente fez com que minhas retinas, e principalmente as córneas ficassem meio que danificadas.

— Eu sinto muito... — murmurei, tristonha — Então quer dizer que você e a Dóris são... órfãos?

— Não, menina! — ele riu — Depois do acidente, eu fui parar num orfanato, e então eu virei irmão da Dóris. Os meus pais de coração sabiam da minha limitação e isso não os impediu de me adotarem.

— Eles devem ser uns fofos.

— E são. — falou, empolgado — Eles não são tão ricos, me falam isso todos os dias, como se eu me importasse. Sempre dizem que, se tivessem dinheiro, pagariam para adiantar essa cirurgia que eu espero há tempos. Vinte anos, para sermos mais exatos.

Terminamos de tomar sorvete e Sebastian resolveu sair da sorveteria sozinho com Puff. Segui-os, mesmo sabendo que Dóris pediu que nós a esperássemos lá.

— Eu conheço um lugar muito bacana. — Puff guiava Sebastian rapidamente pela calçada; eu os seguia.

Minutos depois, estávamos num lugar mágico: era um parque, as folhas das árvores, amareladas, caíam devido ao outono. A grama, no entanto, continuava verde, parecia que ela havia acabado de nascer, de tão nova.

O sol já se punha e o céu, alaranjado, anunciava que o ele já ia embora. Eu conhecia aquela cor quando eu me despedia do sol, todos os dias, pela janela do meu quarto, na casa de Dona Solange. Sebastian, porém, nunca havia visto aquela cor, nem o verde da grama, nem o amarelado das folhas das árvores caindo no chão. E eu me senti um pouco egoísta, mesmo sabendo que eu não tinha culpa.

— Como é aqui? — perguntou ele, sentando-se na grama.

— É lindo — respondi, sentando ao seu lado e ao lado de Puff.

— Eu sempre achei que fosse. Quando vinha aqui, com minha família, me sinto bem. Deve ser um lugar colorido, mesmo que eu não sabia muito bem o que é isso.

Eu percebi que Sebastian estava um pouco tristonho enquanto murmurava aquelas palavras, então, instintivamente coloquei minha mão sobre a sua, que estava espalmada sobre a grama verde do parque.

Ele pousou sua cabeça no meu ombro e lá ficamos, em silêncio. Decidi fechar os olhos e ver o mundo como ele via. Eu ouvia levemente o vento passando por nossos corpos, o barulho da grama quando nos mexíamos sobre ela e, principalmente ouvia o chacoalhar das folhas caindo das árvores e despencando no chão.


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Notas finais do capítulo

¹ - O Nome real da música é "O Amor e o Poder", mas muitos a conhecem por "Como uma Deusa".

O que acharam? A fic tá meio cut-cut esses dias. rsrsrs
Beijos!