Acordei aos gritos no meio da noite. Algo que já era completamente normal para mim, mesmo que eu não gostasse da sensação, mesmo que me machucasse.

Em meus pesadelos, eu sempre via a morte das pessoas que amava, ou então estava sozinha em uma floresta sem fim. Mas meu subconsciente era tão tomado de um desespero tão devastador, que tudo se tornava real demais. As perdas eram revividas em minha mente, mesmo depois de horas acordada. Meus pensamentos eram assombrados constantemente por pedidos de ajuda de pessoas que eu não podia ajudar.

Então eu me virava na cama, depois dos gritos, e me embolava em meu edredom, rezando para que o sono viesse novamente e que se o fizesse, fosse sem sonhos.

Naquela noite, porém, algo chamou minha atenção antes que eu pudesse voltar á meu tormento noturno. Eram gritos.

Assustei-me ao perceber que não eram os meus.

Eu os conhecia. Em muitos de meus sonhos eu podia ouvi-los, sempre tão tomado de desespero que algo parecia me rasgar por dentro.

Belisquei meu braço, querendo ter certeza de que não era mais nenhum sonho, e desci da cama, a urgência me tomando ao caminhar pelos corredores em direção ao quarto que agora ele ocupava.

—-X—

Eu sabia que já estava acordado, mas eu não conseguia me forçar a parar de gritar. Sentia meu corpo tremer ao lembrar os detalhes vividos do pesadelo.

O sonho havia sido diferente dos que estava acostumado. Normalmente, eu apenas revivia as lembranças que o Capitol havia modificado em mim, recordando-as novamente, fazendo parecer como se estivessem queimando minha mente, gravando aquelas imagens para nunca esquecê-las.

Mas naquela noite, o sonho era algo que eu sabia ser real. Uma imagem de uma caverna, onde eu acordava e encontrava Katniss dormindo em uma poça de sangue. Em suas mãos uma seringa que eu sabia ter contido o remédio que salvara minha vida na primeira arena. Senti novamente o desespero aterrador daquele momento. Ela não podia morrer, eu não a deixaria morrer. Mas, ao contrário do que aconteceu na realidade, em meu sonho, não havia nada que eu fizesse que a trouxesse de volta. Seu corpo continuava inerte em minha frente, sem respiração, batimentos cardíacos. Então eu gritava, completamente louco, pedindo para que ela voltasse para mim. E eu sabia que ela não voltaria. Foi neste momento em que acordei, gritando a plenos pulmões...

Meus gritos continuavam, mesmo que eu soubesse que o sonho havia passado.

— Peeta? – ouvir sua voz, tão próxima de mim, foi o suficiente para que meus batimentos cardíacos triplicassem de velocidade. – Deus, você está chorando? – ela se aproxima de minha cama, vestida apenas com uma camisola e o casaco de caça de seu pai. Eu sabia que ela o usava para se sentir mais segura durante à noite.

Não havia percebido as lágrimas quentes que desciam por meu rosto.

E mesmo que em meus sonhos eu chorasse pela vida dela, soavam sinos de alarme em sua mente ao vê-la tão perto. Algum tempo atrás, a mera presença da garota me fazia entrar em colapso, devido às grotescas alterações em minha mente pelo Capitol. Somente depois de muito tratamento psicológico eu havia sido capaz de entender que ela não tinha culpa.

O medo que sentia, não era dela e sim por ela. Medo de machuca-la por algum momento de descontrole.

— Eu estou bem – consegui dizer, tentando aparentar a normalidade que eu não sentia.

—-X—

Ele estava mentindo, era óbvio. As lágrimas desciam por seus olhos e eu sabia que precisava fazer algo, acalmá-lo. Salvá-lo do que o fazia sofrer.

Dei mais alguns passos em sua direção, sentando na beira de sua cama, tomando o cuidado de não ficar próxima demais.

Eu podia ver o alarme em seus olhos, como se tivesse medo.

E aquilo me matava, porque eu queria que ele voltasse a confiar em mim, queria que ele soubesse que jamais faria nada para machuca-lo. Que eu estava ali, com ele. Para sempre.

Porque eu sabia, mais do que tudo naquele momento, que eu nunca o deixaria ir. Que não desistiria dele.

As palavras simplesmente escaparam de minha boca, formando uma melodia doce e desconhecida.

Coloquei meus pés para cima da cama, meus olhos sem nunca desviar dos dele. As palavras simplesmente apareciam em minha mente, como se eu conhecesse a musica à muito tempo.

I remember tears streaming down your face

When I said, I'll never let you go

Eu lembro das lágrimas escorrendo pelo seu rosto

Quando eu disse que nunca deixaria você ir

Eu não pude deixar de me sentir surpreso ao ouvi-la cantar para mim. As palavras da canção parecendo penetrar dentro de mim, fazendo-me acalmar.

When all those shadows almost killed your light

I remember you said, Don't leave me here alone

But all that's dead and gone and passed tonight

Quando todas aquelas sombras quase mataram sua luz

Eu lembro de você dizer não me deixe aqui sozinho

Mas tudo isso está morto e enterrado e hoje à noite passou.

E então, as lembranças, não as dolorosas de meus sonhos, e sim aquelas que estavam enterradas em algum canto de minha mente, perdidas por causa das modificações... Elas pareceram deslizar em meus olhos, fazendo-me lembrar do dia em que estávamos fazendo a apresentação para o publico de Capitol, e eu pedi á ela para não largar minha mão.

E ela não largou...

Just close your eyes

The sun is going down

Apenas feche seus olhos,

O sol está se pondo.

Minha mão impulsivamente foi até os olhos dele, fazendo-o fechar as pálpebras, enquanto deitava ao seu lado. A música se tornava a cada palavra mais viva dentro de mim, e eu percebi que ela era nossa. Apenas nossa.

You'll be alright

No one can hurt you now

Você vai ficar bem,

Ninguém pode feri-lo agora.

Eu podia sentir a verdade em suas palavras, sentindo-me seguro pela primeira vez em muito tempo.

Ela estava comigo, afinal.

Come morning light

You and I'll be safe and sound

Venha luz da manhã,

Você e eu vamos estar são e salvos.

Peguei sua mão de meus olhos, colocando-a sobre meu coração antes de voltar a encará-la. Ela parecia linda à luz da lua que entrava pela janela aberta. Seus cabelos iluminados pela luz prateada, sua pela resplandecente. Porém nada disso escondia a tristeza em seus olhos. E eu sabia que ela vinha sofrendo tanto quanto eu por causa de nossa convivência precária.

Don't you dare look out your window darling

Everything's on fire

Não se atreva a olhar pela janela, Querido

Tudo está pegando fogo.

Podia sentir as batidas aceleradas do coração dele, enquanto em seus olhos eu podia ver o brilho voltar. Um brilho que eu pensava à muito estar perdido. E só então percebi o quanto sentia sua falta. De suas palavras reconfortantes.

Eu precisava dele, para minha segurança, para meu bem.

Mesmo estando convivendo com ele e Haymitch todos os dias, conversando amigavelmente, não era o suficiente. Eu queria meu Peeta de volta. O garoto que conseguia me fazer sorrir mesmo quando tudo era morte e trevas.

The war outside our door keeps raging on

Hold into this lullaby

Even when the music's gone (gone)

A guerra à nossa porta continua,

Segure-se a esta canção de ninar.

Mesmo quando a música se for

Não eram apenas os pássaros que paravam ao ouvi-la cantar, eu também não conseguia fazer nada a não ser me perder em sua voz, seu tom. Seus olhos cinzentos que nunca desviavam dos meus.

Just close your eyes

The sun is going down

Apenas feche seus olhos,

O sol está se pondo.

Sim, eu fechei meus olhos por algum tempo, absorvendo o momento, percebendo que nada, nenhuma lembrança manipulada, nenhum sentimento de confusão poderia sobreviver diante de meus sentimentos.

Eles sempre estiveram ali, é claro, mas eles apenas aumentaram com o tempo. O amor – porque era isso que eu sentia por ela – era algo denso, quente. Algo que me fazia perceber que não havia nenhum outro lugar que eu quisesse estar exceto ali, com ela.

You'll be alright

No one can hurt you now

Você vai ficar bem,

Ninguém pode feri-lo agora.

Eu observei dentro de seus olhos, de suas palavras, achando algo que me fazia duvidar. Sim, eu amava Katniss, mas e ela. Era capaz de me amar? Depois de tudo, depois de todas as loucuras que havia feito, não acreditando em sua inocência, colocando-a em risco...

Encostei minha testa à dela, fazendo-a pausar a música por um momento.

— Você me ama. Real ou não? – perguntei, sabendo que aquele era o momento certo.

Os olhos dele pareciam ferver, fazendo-me ficar paralisada por algum tempo.

Então eu percebi que eu não precisava dele porque não poderia sobreviver sem. Eu precisava dele porque o amava.

— Real – respondi, a certeza presente em minha afirmação.

Come morning light

You and I'll be safe and sound

Venha luz da manhã,

Você e eu vamos estar são e salvos.