A Tempestade escrita por hgranger


Capítulo 3
Capítulo 3 - Adeus, Bella


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é muito longo, e eu tentei ao máximo descrever o sofrimento que eu achava que o Edward estaria sentindo, mas é realmente difícil pôr isso em palavras. Me perdoem qualquer falha nesse sentido. Fiz uma revisão exaustiva do texto original da Stephenie para casar as duas narrativas, até ficar com dor de cabeça, portanto me perdoem também eventuais erros de revisão, pretendo rever o texto ainda mais uma vez.



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“I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything
What have I become?
My sweetest friend
Everyone I know
Goes away in the end
You could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt”

Hurt - Nine Inch Nails

 

Quando saí da mansão para me encontrar com Bella naquela manhã, o mundo estava escuro ao meu redor. Não era apenas o clima horrível de Forks. Era tudo. O mundo estava sem vida, e se ela continuava lá eu simplesmente não conseguia perceber. Não naquele dia. Não no dia em que eu daria as costas para a coisa que eu mais amava nesse mundo. Não no dia em que eu daria adeus a ela. Não dizem que sempre chove nos funerais? Mesmo que faça sol? Era verdade.

Dar adeus talvez não fosse o mais difícil de tudo. Dar adeus era simples, o difícil mesmo era fazê-la acreditar no que eu estava dizendo. Era Bella, e ela não aceitava explicações simples. Nunca aceitara. Então, a única forma que eu conseguia enxergar para fazê-la acreditar no que eu estava dizendo era machucá-la. Esse pensamento ainda conseguia mandar tremores por todo o meu corpo, enquanto eu andava naquele mundo cinza-escuro que era meu estado permanente desde a noite do aniversário dela. Eu não ouvia nada ao meu redor, eu não sentia cheiros. Dirigi até a casa dela mecanicamente, como vinha fazendo nos últimos dias. Ao vê-la saindo da casa de Charlie com uma aparência ainda pior do que no dia anterior, eu senti meu coração afundar nele mesmo, cerrei os lábios e olhei para o horizonte. Ela se sentou ao meu lado em silêncio, e eu precisei de todas as minhas forças para não abraçá-la. Para não fazer o que eu realmente queria. Ao invés disso dei a partida no carro, e tentei como pude ignorá-la. O fato de não poder ler seus pensamentos ajudava. Eu duvidava que conseguisse levar aquilo adiante se eu pudesse ouvir sua agonia. Não olhar para ela era mais fácil do que ignorar seus pensamentos.

O mundo continuou escuro ao longo da manhã. A agonia dela era palpável no ar, densa, vibrante. Eu vibrava junto com ela, em silêncio. E como se as coisas não pudessem piorar, o professor de Inglês conseguiu escolher a pior das histórias para discutir naquele dia e destruir totalmente a última migalha de humor que poderia restar em mim. Romeu e Julieta. Tive que sufocar uma risada amarga, afinal, era bem apropriado, mas o motivo da separação no meu caso era eu, o próprio Romeu, com seu amor proibido. Bella não conseguia prestar atenção na aula, e mesmo quando a ajudei com a resposta certa a uma pergunta do Sr. Berty, a sensação de afundar se intensificou. Antes aquilo era motivo de divertimento para nós. Agora, era só uma lembrança de tudo que eu estava deixando para trás.

Cada minuto parecia trazer algo para piorar a situação. Na hora do almoço tive que ficar aturando os pensamentos de todos ao nosso redor. Não só a ausência dos meus irmãos pairava sobre mim como um mau agouro; os pensamentos mesquinhos de Jessica, que se deliciava com a hipótese de nós estarmos brigados, eram quase insuportáveis. Mike, obviamente, também estava satisfeito, pois aquilo significava que talvez ele um dia pudesse ter uma chance com ela. Ele já se imaginava confortando Bella após a nossa separação, abraçando-a num momento de fraqueza. Antigamente eu teria cerrado os punhos de raiva, tentando me controlar. Hoje eu simplesmente não tinha nenhuma energia; o mínimo que me restava era para tentar evitar enxergá-la através de seus pensamentos, as olheiras fundas, o olhar triste e angustiado, o corpo curvado em uma postura de defesa, as mãos perdidas, sem saber o que tocar, o cabelo castanho caindo sobre os olhos, como se eles pudessem escondê-la... O desânimo... Nem mesmo eles percebiam tudo aquilo; estava superficial em suas mentes, apenas uma imagem, mas eu conseguia decodificar de outra forma. Para eles, era apenas tristeza. Para mim, era desespero.

Eu não ia conseguir.

Mas eu tinha que conseguir.

Notei vagamente Bella pedir a Jessica que tirasse fotos dos colegas, e aquilo causou uma reação em cadeia de brincadeiras que me perturbava. Como eu estava longe daquilo tudo. Longe, universos de distância. O mundo andava ao meu redor, mas por dentro eu estava parado. Parado na minha decisão. Parado na dor que eu estava causando... E que era ainda pequena comparada ao que viria. Carlisle estava certo. Eu estava sendo egoísta, mas... Eu não conseguia parar. Eu não tinha coragem de colocá-la mais uma vez em risco. Egoísta e covarde, apenas por amar uma mulher e não querer que ela morresse, porque eu era perigoso demais. E então... Eu me dei conta de que não conseguiria. Não hoje. Não com ela tão próxima, tão indefesa, tão... Inocente. Eu precisava de tempo. Eu precisava me afastar.

Não fui à casa dela de noite. Fiquei sentado sob as árvores, vendo a mansão de noite, enquanto todos carregavam malas com seus pertences pessoais para os carros. Alguns seriam nosso meio de locomoção para Nova York. Outros seriam transportados por empresas especializadas em mudanças. Por mim eles todos podiam ser deixados para trás, vendidos, não me importava. Eram apenas mais lembranças das risadas que eu dera com ela. Eu ouvia os pensamentos vagos de todos na mansão, pensamentos tristes e confusos, hesitantes. E como sempre, essa percepção me causava uma velha pontada de culpa, que ia crescendo, latejando, até renovar minha decisão de ir embora. Nós não éramos humanos, não éramos normais. E estávamos em risco, naquela situação. Nós, Bella... Se fôssemos descobertos, os Volturi viriam atrás de nós, e nada mais seria como antes.Mas já não era, de qualquer jeito.

Em um certo momento Alice se sentou ao meu lado.

Você já falou com ela?” A voz em sua mente era cristalina, límpida.

“Não, Alice. Eu não tive coragem.”

E você vai ter?”

“Eu preciso.” Era um diálogo-monólogo.

Ela mordeu os lábios. Parecia indecisa, e de alguma forma conseguiu esconder de mim o que estava pensando, dessa vez deixando a mente vazia ao invés de pensar em alguma outra coisa; aquilo era sério, e não apenas uma brincadeira que ela fazia para esconder algo de mim.

“O que, Alice?” Ergui a sobrancelha minimamente. Minhas reações estavam severamente limitadas naquele mundo escuro.

Me surpreendi, pois dessa vez ela realmente falou; aquilo me doeu mais do que muitas coisas que haviam acontecido até aquele momento. Me senti rejeitado de seus pensamentos.

“Eu não quero ir.” A voz estava tremida. “Não quero deixá-la, ela vai ficar em perigo sozinha.”

Aquilo me angustiou mais ainda. Como era possível que isso acontecesse, eu não sabia. “O que você viu?”

“Nada ainda. Mas eu sinto que vai.”

Baixei a cabeça e murmurei, baixo. “Não é suficiente, Alice.” Eu não podia deixar que ela me manipulasse.

Ela ficou me olhando por alguns instantes; eu sentia o peso de seu olhar sobre mim. Depois ela voltou para a mansão com seu passo leve característico, mas sem a vitalidade costumeira, e sem olhar para mim.

Quando o sol raiou, eles haviam partido. Carlisle já entrara em contato com Edward Glove, que lhe providenciara uma casa grande, de muros altos e um gramado extenso, próximo à universidade de Cornell. Havia uma pequena floresta espremida entre as casas e prédios, próxima àquela região. Seria ruim para caçar, eles teriam que ir mais para o interior do estado ou mais perto do Canadá. O Canadá era uma opção melhor, com seu inverno constante e vastas áreas desabitadas. Eles iriam resolver as coisas de um jeito ou de outro, não seria a primeira vez, nem a última.

Naquela manhã, na escola, a escuridão era ainda maior. Mais fechada, mais abafada. Tudo parecia se mover em câmera lenta, os sorrisos, as brincadeiras, o mundo inteiro. A única coisa que brilhava no meu campo de visão era ela. Bella estava diferente, e fiquei com medo do que aquilo podia significar. Ela parecia um pouco mais determinada, o que significava que talvez eu tivesse mais trabalho do que imaginava para terminar com ela. Para destruir seu coração e tornar sua vida um inferno. Sacudi os pensamentos da cabeça; parecia que as conversas com Alice tinham se impregnado em mim mais fortemente do que eu imaginara. E então eu percebi que tinha que ser hoje, breve. Antes que ela fizesse algo e toda a minha determinação falhasse. Eles já tinham ido embora. Seria fácil.

Pedi para conversarmos, mas antes levei uma carta dela para Renee até o correio. A reação de Bella foi estranha; ao mesmo tempo em que ela queria conversar, estava com medo. Consegui arrancar do fundo de minha alma um sorriso para ela. Talvez o último mais ou menos genuíno que eu seria capaz de lhe dar. Cheguei na casa de Charlie antes dela e fiquei esperando. Quando ela chegou, a insegurança e fragilidade de suas feições, a dor e a tristeza, faziam o mundo inteiro derreter à minha volta. Senti a raiva voltar, a raiva que estava tão bem controlada nos últimos dias. Tudo ficou escuro por um segundo e voltou ao foco num piscar de olhos. O controle surgira numa onda, e eu me senti esvaziar completamente. Não era eu quem estava ali, era uma máscara. Não sei como, saí do carro, e não sei como, peguei os livros em sua mão e enfiei dentro do carro. E não sei como, consegui pegar em sua mão. Estava quente e um pouco úmida. Nervosa. Trêmula. Como eu, por dentro.

“Venha dar uma volta comigo”, eu disse, numa voz sem nenhuma tonalidade. Senti sua respiração de início suspensa, e depois voltando num ritmo intenso. Ela estava hiperventilando. Mau sinal. Como? Como eu ia conseguir fazer aquilo? Eu a amava, ela era tudo para mim! Mas eu consegui. Para meu próprio pesar, eu continuei andando. Puxei-a pela mão em direção à borda da floresta. Eu pretendia levá-la mais para dentro, mas não consegui. Iria me lembrar demais outras cenas com ela, nós cercados pelas árvores, seu sorriso, sua risada, seus olhares, o cheiro intenso e denso da floresta, misturado com o dela... Minha mente já se desviava. Eu voltei ao foco, e parei perto de um tronco de árvore. A máscara se adensou em meu rosto, parecia que ela repuxava minha expressão, se solidificava. ‘Para ela continuar viva’, eu pensei comigo mesmo. ‘Você está fazendo isso para que ela continue viva’. Era verdade. Continuei, então. Mas eu precisava de apoio.

Me encostei no tronco de uma árvore, meus braços se cruzaram involuntariamente. Para não abraça-la? Talvez. Ela quebrou o silêncio.

“Okey, vamos conversar”. E nela havia uma ponta de desafio. Céus, como era tão mais corajosa do que eu. Sempre fora. Sempre seria. E por isso, sempre estaria em perigo. Inspirei profundamente, buscando o ar do qual já não precisava, apenas para poder articular as palavras que eu precisava dizer.

“Bella, nós estamos partindo”. Mas o outro Edward, aquele que estava no fundo da minha mente, gritou. O barulho me machucava. Não consegui pensar direito. Mas ouvi vagamente quando ela me perguntou, controladamente:

“Por que agora? Em mais um ano...”

O Edward em minha mente continuava rugindo, mas as explicações saíram com facilidade de meus lábios, e eu me odiei por isso. Já tinha ensaiado as respostas antes, e idéias, de certa forma, eram meu dom.

“Bella, já é hora. Quanto tempo mais nós podemos permanecer em Forks, depois de tudo? Carlisle mal consegue passar por alguém de trinta anos, e ele já está com trinta e três, agora. Nós teríamos que recomeçar em breve, de qualquer forma.”

Ela me olhou, confusa. Eu daria tudo para poder ler seus pensamentos, mas podia ter uma idéia. Ela não estava entendendo que o ir embora era sem ela. Barulho no fundo da minha mente. Dor no centro do meu peito. Como mesmo eu estava conseguindo fazer aquilo? E no meio de toda aquela confusão, eu encontrei frieza e objetividade. Era para o bem dela. Era para o bem dela. ERA PARA O BEM DELA! O barulho em minha cabeça aumentava na mesma proporção que a frieza em meu rosto, em meu corpo. O mundo todo se tornou uma coisa negra borrada e indistinta. Eu ouvi quando o coração dela acelerou, quando ela começou a entender. E então, ela percebeu onde eu queria chegar. E eu vi em seu rosto o horror que eu estava causando a ela. Mas eu havia passado a um ponto muito além da dor. Eu não existia mais.

“Quando você diz nós...” A voz dela era quase um sussurro. Como podia haver tanta dor em uma voz? Como eu conseguia levar isso adiante? Eu era capaz de tudo. E não queria ser. Aquilo era uma maldição. Me vi respondendo sem pensar.

“Estou querendo dizer minha família e eu”. Pronto. Eu tinha dito. Como? Ainda não sabia. A simples idéia de que isso podia mantê-la viva e segura no final das contas me fazia seguir adiante. Mas não seria tão fácil, seria? Não. Claro que não. Não seria um castigo suficiente para o que eu estava fazendo. As palavras de Carlisle soaram no fundo da minha mente. Egoísta. Covarde. Mas eu fazia aquilo por amor. Eu matava o amor, por amor. Era incoerente e estúpido. Mas era verdade.

Ela ficou sem palavras, o que já era esperado. Olhei para ela, mas não a via, não queria vê-la. Eu via as palavras de Carlisle, e tudo que havia acontecido entre nós nos últimos meses. Cada beijo. Cada gesto. Cada olhar. Por fora eu era estátua, por dentro eu era transe. Até que sua voz e sua decisão, também já esperada, me tiraram das minhas divagações.

“Okey. Eu irei com você”. Ah, Bella, não! Porque você tinha que insistir? Mas é claro que ela iria insistir, ela o ama, seu idiota. E agora tudo seria mais difícil. Teria que tentar convencê-la sem machucá-la demais? Mas oh, Deus, isso seria possível? Percebi que estava pela primeira vez invocando uma entidade espiritual superior, buscando algo. Realmente eu havia chegado em um ponto crítico.

“Você não pode, Bella. Para onde estamos indo... Não é o lugar certo para você.” Mentira. A primeira mentira. O lugar certo para ela era ao meu lado. Mas ela não podia saber que eu achava isso, que eu queria isso. E pareceu ler meus pensamentos.

“O lugar certo para mim é onde você está.” Inferno! Como eu pude pensar que conseguiria fazer aquilo? Eu queria fugir, queria abraçá-la, queria... Eu preferia estar morto. Mas a realidade era outra. Eu estava vivo, e machucando-a a cada frase. Eu via isso em seus olhos, em seu corpo, em seu cheiro.

“Eu não sou bom para você, Bella.” Verdade e mentira. Verdade, porque ela sempre estaria em risco ao meu lado. E mentira... Porque eu podia ser tudo, menos idiota ao ponto de não entender a profundidade dos sentimentos dela. E amor era uma coisa boa... Não era? Naquele momento eu estava começando a duvidar. Mas eu sabia que ela era feliz comigo de uma forma que nunca fora antes. E que nem mesmo ela compreendia.

“Não seja ridículo. Você é a melhor parte da minha vida.” Novamente ela parecia ler meus pensamentos. E percebi que cada segundo se dilatava, cada pausa entre nosso diálogo me permitia um milhão de conjecturas. Aquilo tinha que terminar logo. Eu não agüentava mais. Estava com raiva de tudo.

“Meu mundo não é para você,” rosnei, sem conseguir me controlar. Me lembrei dos dentes afiados de Jasper a poucos centímetros dela.

“O que aconteceu com Jasper – não foi nada, Edward, nada!” Eu sabia que ela ia fazer isso. Tentar diminuir a seriedade da situação. Ela sempre era assim. Devia ser parte da disfunção cerebral que fazia sua mente imune à minha, que fazia com que ela fosse um ímã de perigo. Mas dessa vez eu não podia deixá-la vencer.

“Você está certa,” contra-argumentei. “Era exatamente o que devíamos ter esperado.” Ela viu que eu permaneceria inflexível. O desespero foi aumentando dentro de mim, enquanto ia aumentando em sua expressão. Seu rosto era um retrato da angústia. Evitei que a imagem que entrava por meus olhos chegasse a meu coração, gritando que assim era o único jeito; assim ela permaneceria viva. Tinha que me agarrar a esse argumento, pois não possuía mais nenhum. E então ela começou a cobrança que eu já esperava. A voz estava muito alterada, dois tons acima do normal, e ela não percebia.

“Você prometeu! Em Phoenix você prometeu que ficaria - ”

“Enquanto fosse o melhor para você.” As palavras brotaram dos meus lábios ligeiras, ensaiadas. E então ela percebeu que não iria vencer dessa vez, e a fúria veio à tona. Eram as etapas da reação à rejeição. Por quantas coisas mais eu teria que fazê-la passar? Cada frase minha quebrava uma parte de mim. Eu me sentia dolorido e anestesiado ao mesmo tempo. Queria acabar logo, ir embora logo. Queria estar sozinho para dar vazão à minha própria fúria, quebrar mais alguma coisa. E então ela começou a gritar.

Não! Isso tem a ver com a minha alma, não tem? Carlisle me falou sobre isso, e eu não me importo, Edward! Eu não me importo! Você pode ficar com a minha alma. Eu não a quero sem você – ela já é sua!”

O mundo girou ao meu redor, enquanto eu respirava pesadamente. Ela não queria ser protegida, ela não queria ser salva, ela não queria viver sem mim. Ela queria me dar tudo. Ela já me dera tudo, na verdade, eu estava apenas rejeitando sua doação. Olhei para baixo, sem palavras durante alguns instantes, enquanto minha mente ia à deriva, sem saber o que pensar, o que dizer. Senti meu corpo começar a dar sinais de fraqueza, e lutei contra ela com tudo que me restava. Eu não podia desistir. Não era seguro. Eu já fizera estrago demais em sua vida. Um dia ela me agradeceria por eu tê-la poupado. E ela estava certa. Eu temia por sua alma. Eu era um ser da noite, um ser de sangue, um morto-vivo. Ninguém como ela merecia aquele destino. Aquilo me deu uma dose extra de resolução, e eu enfim fiz a última coisa que me restava. A última mentira.

“Bella, eu não quero que você venha comigo.”

‘Bella, eu quero você por toda a eternidade. Eu quero que você me ame, e que me deixe amá-la por toda a sua vida. Me deixe protegê-la, me deixe ser seu escravo, me deixe fazer com que pertença a mim. Case-se comigo’. Esse era o outro Edward, o verdadeiro, o que estava trancado lá no fundo. Sua voz era baixa e fraca, desesperada, solitária. Essa era a voz que estava calada em mim, dizendo as coisas que eu queria dizer, apenas para deixar bem clara sua vontade. Para depois poder me culpar pelo que eu estava fazendo, e me fazer sofrer ainda mais.

Eu olhava para ela, e as palavras do verdadeiro Edward soando dentro de mim enquanto eu via a verdade afundar sobre ela lentamente, causando modificaçôes sequenciadas em seu rosto. Confusão, temor, solidão, tristeza, fragilidade, pânico. Como ela era transparente. Antes eu adorava aquilo, e agora queria  que fosse diferente.

“Você... Não... Me quer?” Ela perguntou, ainda sem compreender completamente o que eu estava dizendo. Era a minha deixa. Eu tinha que me agarrar àquilo. A resposta foi automática.

“Não.” E eu sabia que eu estava mentindo suficientemente bem para que ela acreditasse, e odiei cada fibra do meu ser por isso. Mas eu não esperava a reação dela.

“Bem, isso muda as coisas.” Eu não podia acreditar em como ela estava calma, e razoável. Eu devia ter percebido que algo estava errado, mas eu estava usando toda a minha capacidade de fazer qualquer coisa para manter a farsa.  Desviei o olhar e continuei trabalhando na mentira.

“É claro, eu sempre amarei você... De uma certa forma.”

‘De todas as formas,’ disse o outro Edward dentro de mim, fazendo a correção. Mas continuei. Eu sempre conseguia continuar. A raiva me movia.

“Mas o que aconteceu na outra noite me fez perceber que é tempo de mudança. Porque eu estou... cansado de fingir ser algo que eu não sou, Bella. Eu não sou humano. Eu deixei isso ir muito longe, e eu sinto muito por isso.” Aquela parte era verdade.  Mas por ela, eu poderia continuar fingindo pelo resto da vida.

Olhei para ela novamente e vi que dessa vez os fatos estavam entrando em perspectiva, e ela estava enfim compreendendo o que eu dizia. E então veio a pior parte. Ela implorou. Com o coração. E eu tive que permanecer duro, e frio. Percebi que depois disso eu seria capaz de qualquer coisa, das maiores atrocidades. Tudo pareceria minúsculo diante do que eu estava fazendo.

“Não. Não faça isso.” Sua voz me feria, a cada palavra; me senti ainda mais fraco. Comecei a pensar em desistir, desistir era tão mais fácil, ficar com ela, fazê-la minha para sempre.

Mas eu ainda tinha uma última carta na manga. E era hora de usá-la, se eu queria realmente evitar que ela viesse atrás de mim. Se eu quisesse fazê-la me odiar, e me esquecer.

“Você não é boa para mim.” Eu conhecia a personalidade de Bella. Eu sabia que aquilo seria o gatilho para que todas as inseguranças dela voltassem à tona, e isso faria com que ela se retraísse. Isso faria com que ela duvidasse do que eu sentia por ela. Talvez até mesmo fizesse com que ela começasse a se culpar. Contanto que ela ficasse longe de mim, e viva. Então, porque eu não sentia algo mais parecido com triunfo por estar sendo bem-sucedido em meu intento? Porque o tempo inteiro eu permanecia com a sensação de que estava comentendo o maior erro da minha longa existência?

Ela ia dizer algo, mas as palavras morreram engasgadas em seu peito, enquanto o meu se fragmentava lentamente. Se eu pudesse, juntaria todos os pedaços e estenderia a ela, e diria ‘tome, são seus. Tudo que restou de mim, e agora tenho que partir.’ Mas eu não podia. Corações infelizmente eram de certa forma invisíveis e matafóricos. E não sobrara mais nada inteiro do meu. Suas palavras hesitantes me arrancaram novamente de meu devaneio. Eu conseguia enxergar todos os sentimentos que ela deixava escapar, embora estivesse tentando esconder tudo de mim, ser forte, orgulhosa, corajosa. Tudo que eu não era. E naquele momento horrível, eu a amei ainda mais.

“Se... é isso que você quer.”

Eu acenei mais uma vez, enquanto o outro Edward rugia em desespero. Tentei ignorar o rugido, para pedir a ela o que eu queria... E que na verdade era todo o motivo daquela conversa, daquele momento.

“Eu gostaria de pedir um favor, no entanto, se não for demais.”

E o rosto dela se iluminou, como se a esperança de que tudo aquilo fosse um pesadelo que estivesse prestes a acabar tivesse plantado um sol em suas feições. Aquilo me fez ficar um pouco tonto. Felizmente estava chegando ao fim. Algo deve ter transparecido em mim, pois ela ficou mais atenta. Me recompus rapidamente.

“Qualquer coisa.” Ela estava um pouco mais confiante, e não tive coragem de continuar com a farsa naquele momento. Eu precisava dela, precisava de sua promessa, era para isso que eu estava aqui, era para isso que estava virando as costas para ela. Deixei que todo o meu amor, toda a minha preocupação, tudo que eu sentia por ela se transferisse para seus olhos através dos meus. Era algo parecido com o que eu fazia para hipnotizar os humanos. Mas dessa vez não era um comando, Nem uma sugestão. Eu estava implorando.

“Não faça nada descuidado ou estúpido. Você está entendendo o que estou dizendo?” Eu estava falando em suicídio.

Ela acenou, mas eu não tinha certeza ainda se ela iria cumprir a palavra. Então liguei sua promessa a algo que a faria se responsabilizar realmente por ela. Charlie.

“Eu estou pensando em Charlie, claro.” A dureza havia voltado à minha voz, ela tinha que fazer aquilo por ele, não por mim. “Ele precisa de você. Se cuide – por ele.”

Ela acenou mais uma vez. “Eu vou.”

Acreditei nela. Tendo conseguido que ela prometesse, e tendo acreditado nela, me permiti relaxar um pouco. Poderia ter sido pior? Acho que se ela tivesse feito um escândalo seria mais fácil de lidar com ela do que com aquele vazio que estava vindo à tona. Tentei não prestar atenção, desviar a mente.

“E eu vou lhe prometer algo em retorno.” Era a última coisa que eu precisava deixar clara, para que ela não ficasse esperando. Para que ela não perdesse sua vida correndo atrás de um sonho impossível. “Eu prometo que essa será a última vez que você irá me ver. Eu não irei voltar. Eu não irei fazê-la passar por nada parecido novamente. Você pode continuar com sua vida sem nenhuma interferência minha. Será como se eu nunca tivesse existido.”

Ela começou a tremer, e eu vi seus olhos saírem de foco. Segurei minha mão que estava quase se erguendo para alcançá-la, e forcei o sorriso em meu rosto, enquanto o outro Edward era todo garras, dentes e rugidos dentro de mim, tentando atingir a superfície. Empurrei-o mais para dentro, e ouvi minha voz distante, como se me atingisse através de um vidro espesso.

“Não se preocupe. Você é humana – sua memória não é mais do que um filtro. O tempo cura todas as feridas para os seus.”

Ainda sufocando, ela me fez uma pergunta para a qual eu também já estava preparado. Era a deixa para o estrago final.

"E as suas memórias?"

“Bem -“ eu hesitei, como se estivesse pensando nisso apenas naquele momento. “Eu não vou esquecer. Mas nós… Somos facilmente distraídos.”

Não sei como consegui dizer aquilo tranquilamente, enquanto havia tanto tumulto dentro de mim. Dei um passo para longe, eu queria ir embora, sentir a minha dor livremente.“Isso é tudo, suponho. Nós não a incomodaremos de novo.”

Uma centelha de vida cintilou em seus olhos. Ela entendeu o que eu queria dizer, e compreendi que estava adicionando o insulto à injúria. Eu havia me enganado pensando que ela estava além de mais um choque.

“Alice não vai voltar.” Sua voz era um fiapo de sons, quase ininteligível. Precisei de toda a minha percepção para entendê-la.

Balancei a cabeça, respondendo sua pergunta. “Não. Todos eles partiram. Eu fiquei para trás para lhe dizer adeus.”

“Alice foi embora?” Ela estava em choque mesmo. O mundo escureceu ainda mais. Como aquilo era possível? Como era possível que eu ainda não tivesse explodido de tanto sofrimento?

“Ela queria dizer adeus, mas eu a convenci que um término mais objetivo seria melhor para você.” Mais uma mentira. Alice sequer cogitara isso. Ela ficara deprimida demais para tentar argumentar qualquer coisa comigo. E de repente eu não agüentava mais.

“Adeus, Bella.” Minha voz estava tranquila demais. Irreconhecível. Fiz menção de ir em direção ao carro.

“Espere!” Seria um grito, se não estivesse sufocado. Ela estava correndo em minha direção, braços estendidos.

Eu não podia. Aquilo destruiria toda a minha resolução. Aquilo tornaria tudo aquilo impossível, sem sentido. Segurei-a pelos pulsos antes que me alcançasse, sentindo sua pele quente, trêmula e febril sob a minha, fria. Aquilo acentuava nossas diferenças, me fazendo enxergar novamente porque aquilo tudo era necessário. Consegui manter suas mãos presas ao lado de seu corpo, enquanto me inclinava para beijar sua testa levemente. Porque eu fizera aquilo? Seu cheiro me invadiu mais uma vez, uma última vez, tão perto, tão longe. Ela era tudo que eu queria, e eu mesmo a rejeitava. Ela havia sido feita para mim…

Mas era errado.

Inspirando ainda mais profundamente, querendo carregar seu cheiro comigo para sempre, consegui dizer minhas últimas palavras.

“Se cuide.”

E então eu desapareci, deixando toda a minha vida para trás.  

 


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Notas finais do capítulo

Minha cabeça dói... :)

Mas eu espero que gostem.

Por favor, me digam o que acharam.



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