A Tempestade escrita por hgranger


Capítulo 12
Capítulo 12 - A estrada vai para o sul


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas o número de coisas que preciso resolver é enorme, e não tenho encontrado espírito nem tempo para escrever com mais frequência. De qualquer forma é sempre um prazer para mim voltar a este mundo, e espero que seja um prazer para vocês também.

Beijão.



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Route 66

 

 

"We've been far, far away from here
Put on a poncho, played for mosquitos
And everywhere in between
Well, o.k. we get along
So what if right now everything's wrong?

If it makes you happy
It can't be that bad
If it makes you happy
Then why the hell are you so sad?"

 

If it makes you happy, Sheryl Crow

 

 

Ela era tão mais forte do que eu. Era este o pensamento que me perseguia enquanto eu observava a vampira loira coberta por um sobretudo de couro marrom, calças justas, botas negras. Ela conversava com Axel em sussurros, e ele sorria levemente enquanto olhava para ela com uma expressão que eu não tinha muita dificuldade em reconhecer. Encantamento, amor. Olhei para o céu estrelado salpicado por algumas nuvens, não querendo me intrometer naquele momento entre eles. Ela falava baixinho, em uma língua estranha. Gaélico, ele me explicara. Marian era inglesa de nascimento, mas fora criada por muitas décadas na escócia, e aquela língua rude, porém sonora, era uma língua praticamente morta. O vento frio do outono castigava os mortais lá embaixo, e aqui em cima era ainda mais frio. Estávamos na cobertura de um prédio residencial em Manhattan, aparentemente um lugar onde Axel recebia hóspedes mais íntimos. Aqui não havia a formalidade do escritório de Glove, ou do lugar onde ele me recebia no subsolo do Waldorf Astoria. Era uma casa, que transparecia a personalidade do vampiro; amável, jovial, refinado. Estávamos ao ar livre, num pátio com uma piscina iluminada por lâmpadas azuladas, um jardim de inverno amplo com uma fonte, algumas estátuas de pedra retratando figuras da mitologia clássica. Uma murada baixa separava o pátio da imensidão de prédios ao nosso redor. Marian estava sentada na murada; ela parecia gostar de ficar tão próxima da beira; olhava para baixo com freqüência, com um certo fascínio. Por vezes me vi passeando por seus pensamentos, ela era tão transparente, tão descuidada... E quando ela olhava ao redor, para a cidade gigante, iluminada, ela se lembrava de campos verdejantes, rebanhos de ovelhas, montanhas áridas, noites contando histórias perto da fogueira, passeios a cavalo na escuridão. A vida de Marian era sempre escura, sempre noite. Dela e dos outros vampiros desta sociedade. Me perguntei porque isso acontecia, o que me fazia diferente deles. Eu perguntei a Glove, certa vez, mas a resposta também lhe escapava. Simplesmente era assim, os vampiros eram diferentes uns dos outros, e nenhum estudioso ainda conseguira determinar com precisão de onde as diferenças surgiam.

E essa diferença que me perseguia era a mais gritante. Ela era tão mais forte do que eu. Estava no sangue, ela me disse. Conversamos um pouco depois que eu recuperara o controle, uma semana atrás, na casa de shows de Suzanne, depois de ser exposto ao cheiro de seu sangue... Ao delicioso cheiro de seu sangue. Eu perdera completamente o controle, era como sentir novamente o cheiro do sangue de Bella, mas dessa vez o sangue me atraía para ele, me prometendo poderes infinitos, e eu não conseguia mais raciocinar, apenas me joguei para frente, em direção a ela, como um animal, enxergando tudo vermelho, até sentir que alguém me segurava, e esse alguém era Marian. E não adiantara, toda a força que tentei exercer contra seu abraço fora em vão. Ela tinha braços de ferro, e me segurava sem muito esforço. Me debati contra ela, tentei derrubá-la, tentar tirar seu equilíbrio para que caísse e me soltasse, tentei até mordê-la, mas ela era uma oponente habilidosa, e escapava de minhas tentativas com movimentos fáceis, enquanto me mantinha preso. Depois de duas tentativas, ela conseguiu me imobilizar sob seu corpo – que era tão leve! - e eu vi o mundo clareando gradativamente enquanto o corpo de Suzanne se desfazia e virava pó, devagar, diante dos meus olhos. Quando não restavam mais vestígios de seu sangue, Marian me soltou. Eu estava sob controle novamente.     

Olhei para o chão, um pouco envergonhado de meu comportamento, sem conseguir encará-la. Ela andou até as cinzas no chão do salão, ajoelhou-se e tocou-as com a ponta dos dedos. Suspirou. A voz estava um pouco rouca.

“Ah, Edward. Você não sabe o quanto eu sonhei com esse momento. O momento em que ela pagaria por tudo o que fez.”

Eu ainda estava sem palavras.Fiquei olhando a imortal, enquanto seu olhar vagava até o infinito, lembrando. Eu peguei de relance algumas de suas memórias. O ódio por Suzanne queimava em sua mente, brilhando em vermelho. Ferro em brasa.

Depois de alguns momentos em silêncio, a curiosidade me venceu e encontrei minhas palavras novamente. Ainda trêmulas, mas compreensíveis.

“Eu pensei que fosse forte, Marian. Mas sua força supera a minha em termos que não consigo sequer quantificar. Como é possível?” Eu estava assombrado. Pensei em Emmet e sua força de urso. Comparado com a loira, ele pareceria uma criança.

Ela veio até minha direção com passos vagarosos. “Está no sangue, Edward. No sangue dos vampiros que são meus antepassados. Há quem diga que todos os vampiros descendem de Caim, o filho amaldiçoado de Deus, o fratricida, e que a existência vampírica é sua maldição. Porém Caim teve filhos, e a cada um de seus filhos ele deu um dom. Este dom é passado através do sangue, ficando mais fraco a cada nova geração. Mas aquele que me criou estava a apenas sete passos de Caim, segundo os registros, e o sangue ainda é forte nele. Esta força a que você se referiu, física, aumenta com o passar dos anos, através de prática e concentração, se o vampiro assim quiser. Axel me contou que sua família e outros vampiros que vocês conhecem pertencem a uma linhagem diferente, que não consegue ser rastreada até Caim. E que vocês não queimam sob o sol.”

Senti nos pensamentos de Marian que ela estava me dizendo coisas que eram proibidas, coisas que não deveria me contar. Mas ela estava sob um momento de intensa emoção, e pelo que eu percebi, Marian era um ser bastante impulsivo. Ela pensava e as palavras saíam de seus lábios, sem muita preocupação. Como se tivesse notado que eu estava pensando sobre isso, ela deu um meio sorriso. “Axel não vai gostar de eu ter te falado essas coisas. Mas acho que você merece sabê-las. Esteve do nosso lado na cidade durante esses meses. Era justo.”

 “O que você presenciou aqui hoje não foi apenas justiça imortal sendo feita. Foi um passo a mais na conclusão de uma Vendetta. A relação de minha família com a de Suzanne é tumultuada há séculos. Ela era culpada, sim, mas haviam problemas pessoais entre nós. E... Acho que este é o caminho que está seguindo, não?”

Ela não lia mentes – segundo Axel – mas era bastante perceptiva. Eu não conversava com alguém sobre o que acontecera há muito tempo, e resolvi me abrir para aquela mulher que me falava de tantas coisas desconhecidas. Porém falar sobre o passado abria uma porta para sentimentos que eu estava enterrando desde que chegara na cidade, para protegê-los. E naquele momento, toda a dor, todo o vazio, toda a paixão sufocada voltaram ao meu peito, e senti que meu olhar transbordava em desespero.

A voz saiu embargada, uma mescla de frustração, raiva, amor. “Há alguém que preciso proteger, alguém que tive que deixar para trás para seu próprio bem. Mas ainda há riscos que ela corre, vinda de vampiros. Eu precisava de Suzanne para descobrir como chegar até aqueles que poderiam fazer mal a ela, por vingança.”

Ela sorriu discretamente.

“É uma mortal, não é?”

“É assim tão óbvio?” Perguntei, de forma um pouco irônica.

“Bastante. Mas sinto lhe informar que você é a única pessoa que pode protegê-la. Eles são frágeis demais.”

Aquela constatação, dita de forma tão direta, causou uma dor profunda em meu peito. Senti que tudo que havia feito até agora, todos os esforços, eram em vão. Uma pergunta, no entanto, me veio à mente.

“É verdade que você é acompanhada por mortais que vivem através dos séculos?”

Ela pareceu surpresa com a mudança de rumo da conversa. Depois pareceu compreender.

“Eles se alimentam do meu sangue. O sangue dá a eles imortalidade enquanto puderem bebê-lo. E passa a eles a mesma força que eu tenho, embora de forma mais sutil. Eles são rápidos, fortes, resistentes. Não adoecem. Simplesmente param no tempo. Mas seus inimigos sempre tentarão usá-los contra você. Por isso tem que estar sempre com eles. É um laço eterno. Mas eu não sei se isso funcionaria com vocês, pelo que Axel me disse, o sangue de vocês é diferente, e tem propriedades diferentes. Ele acha que vocês têm o sangue muito fraco, e por isso estão mais próximos dos humanos do que de Caim. Assim, podem andar no sol, talvez possam até mesmo se reproduzir com humanos.”

Dei uma risada amarga. Não acreditava naquilo, eram antigos mitos bíblicos, histórias para aterrorizar crianças.

“Quer um conselho, Edward? Volte para sua mortal. Antes ou depois de caçar e matar a vampira que está procurando, não importa. Mas uma vez que eles sejam tocados pelo nosso mundo, eles sempre estarão em perigo. Se quiser realmente salvá-la, traga-a para nosso mundo.”

“Não quero esta maldição para ela.”

Marian sorriu de forma um pouco condescendente, e me senti incomodado. Era como se ela estivesse ouvindo um adolescente falar contra algo que ele não compreendia completamente.

“Às vezes não temos poder de escolha.”

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Essa conversa ressoava em minha mente enquanto eu esperava Marian e Axel conversarem na cobertura. Dei as costas para eles e mais uma vez escaneei com os olhos a cidade lá embaixo. Haviam tantos segredos escondidos de nós, então? A origem dos vampiros, e o porque  de nós sermos mais diferentes, mais humanos? Marian falava sobre essas coisas tão à vontade... Seriam essas lendas de conhecimento dos Volturi também? Resolvi que depois de acertar as contas com Victoria eu iria me aprofundar nessas histórias. Talvez elas fossem importantes no futuro. Talvez me ajudassem a lidar com o que eu sentia por Bella. Talvez me dessem um rumo, uma solução. Ela me acompanhava em todos os momentos, fazia parte de mim, e eu já não estava mais conseguindo negar essa verdade. Ou eu conseguia arrancar ela de dentro de mim, ou talvez a solução seria aquela que Marian me sugerira... Marian e os outros... Trazê-la para o meu mundo. E se sua alma não estivesse realmente em perigo? E se não havia céu ou inferno, nem purgatório? Senti que haviam tantas coisas do mundo que eu ainda não compreendia que talvez alguém, em algum lugar, tivesse as respostas que eu procurava. Talvez até mesmo Glove ou Axel. Eu não me esquecia do aviso final de Suzanne. Não poderia confiar em ninguém. Eu sentia que não podia confiar.

Eu me despedira de Glove no dia anterior. Ele agradecera polidamente pela ajuda na defesa da cidade durante o tempo em que eu permanecera ali, e me perguntou se eu não queria continuar. Percebi que era uma sugestão formal, ele sabia que eu não ficaria, mas queria que eu soubesse que as portas estavam abertas. Mas de repente aquele ambiente parecia me sufocar, e eu queria sentir o ar, o chão, a estrada, o céu, a amplidão. Eu queria estar sozinho, longe de intrigas. Eu queria... Na verdade eu queria estar em Forks. Me perguntava com cada vez mais freqüência o que teria acontecido com Bella, como ela estaria se sentindo, se já tinha encontrado um outro alguém para ocupar o lugar que eu deixara. Por diversas vezes eu peguei o telefone e cheguei a discar o número de sua casa, mas não concluia a ligação. Pensei em ligar para Alice, e perguntar se ela sabia de algo, mas não me atrevia. Desde que eu chegara em New York praticamente não dera notícias. Mas ela saberia se algo tivesse acontecido comigo, então me despreocupava.

Guardei as perguntas que tinha para Glove, sabendo que não era o momento. Talvez depois. Talvez... Ele me desejou boa sorte em meu caminho, e disse que eu sempre seria bem-vindo na cidade, enquanto ele estivesse no comando.

A despedida de Axel era mais triste para mim. Ele me ensinara muitas coisas, e era uma pessoa que eu aprendera a respeitar e apreciar. Era realmente tentador pensar em ficar, mas eu tinha que cumprir aquilo que me prometera. Eu tinha que me certificar de que Bella estaria a salvo. Isso me dava uma sensação de urgência, e eu estava inquieto. Queria partir o quanto antes, mas Marian solicitara Axel, e eu esperava educadamente que ela terminasse a conversa com ele. Eu sabia que ela estava falando sobre mim, mas não queria invadir sua mente. Depois de alguns minutos, ouvi o som da voz de Axel me chamando. Virei-me para encará-lo, e a Arconte não estava mais à vista. Ele andou até mim, com um sorriso no olhar.

“Sei que deve partir. É uma pena, no entanto. Sinto que nossa cidade tem muito a lhe oferecer, e vice-versa.”

Estudei o rosto pálido, e encontrei sinceridade. Me doía ir embora; de alguma forma o contato que eu tinha com vampiros diferentes aqui me davam uma espécie de paz; ajudava a anestesiar a angústia e o sofrimento. E eu sabia que tinha muito a aprender, realmente. Mas eu tinha minhas obrigações, sempre elas. E mais uma vez eu daria as costas a algo que me fazia bem. Quantas vezes mais eu teria que seguir em frente deixando coisas importantes para trás? Não importava; o que tinha que ser feito seria feito, quer eu gostasse ou não.

“Você precisa de algo? Qualquer coisa. Armas, contatos, um lugar seguro para ficar no Texas?”

“Não, obrigado, Axel. Prefiro fazer isso do meu jeito.”

Ele sorriu levemente, em concordância. “Compreendo e respeito sua vontade, Edward. Desejo-lhe boa sorte, então. Venha, irei acompanhá-lo até os limites da cidade. Espero que volte em breve, com boas notícias e  em circunstâncias melhores.”

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Depois, durante o dia, já na estrada, eu me lembrei muitas vezes das conversas que tive com Marian e Axel naquelas últimas noites. Seria um dia inteiro de viagem, atravessando a Pennsylvania, Virginia, Tenessee e o Arkansas, até chegar ao Texas. Não liguei para Carlisle, não queria que eles tivessem muitas informações sobre o que eu estava fazendo ou onde estava. Não queria conexões, tentativas de me convencer a voltar. Eu queria fazer aquilo sozinho. Axel me explicara que a área desértica próxima ao Texas era território de lobisomens, e que eu deveria ter muito cuidado ao atravessá-la. Disse a ele que já tinha tido um certo contato com lobisomens antes, e expliquei sobre o tratado com os Quileutes. Ele pareceu um pouco assustado, e me recomendou que não me descuidasse; os lobisomens do deserto eram extremamente selvagens e atacavam vampiros em bandos grandes; muitos haviam perecido. Até mesmo me recomendou que viajasse de avião, mas recusei. No íntimo, acho que eu buscava encontrar algo diferente, algo que me aprofundasse mais no meu próprio mundo, no mundo invisível do qual os mortais não se davam conta. Aquilo me aproximava de minha natureza sombria, e me ajudava a não esquecer de quem e o que eu era; e do porque eu havia decidido estar longe de Bella. Eu era um monstro. Aquele era meu lugar.

Olhei o mapa mais uma vez, e não consegui evitar de olhar para o oeste, para a região verdejante e úmida de Forks. O nome da cidade dançava sob meus olhos. Desviei o olhar e joguei o mapa por cima do ombro. Acelerei e deixei Nova York para trás, rumo a mais uma etapa de coisas desconhecidas, e talvez de mais surpresas e conhecimentos importantes. De alguma forma eu conseguiria controlar o desejo de vê-la; talvez, até mesmo, se eu conseguisse resolver o assunto Victoria, eu voltasse até Forks.

Para dizer a ela ao menos que ela poderia estar para sempre a salvo.

Para sempre. A expressão soava doce aos meus ouvidos.  Eu sabia que minha resolução estava enfraquecendo a cada dia. Tudo que eu ouvia me fazia querer voltar para ela.

Bem, eu teria um dia inteiro para pensar sobre isso até chegar a Austin.

Eu só esperava não fazer uma curva para oeste no meio do caminho.

 


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Notas finais do capítulo

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