-Ótimo, pessoal! Amanhã, no mesmo horário, certo? – Mesmo com o sorriso no rosto que as fãs mais amavam, o baterista não escondia os traços de cansaço. 

-Ok. – Respondemos em uníssono.

     Reita foi guardar o baixo, enquanto Ruki discutia a setlist do próximo show com Kai. Eu já havia guardado minha guitarra, então... me ocupei em observar Uruha dedilhar silenciosamente algumas notas na guitarra.

-Música nova? – Sentei ao seu lado, e vasculhei todos os cantos da minha memória de nossos 10 anos de banda tentando achar alguma música que tivesse aqueles acordes.

-Ahn... mais ou menos. Yuu, preciso de um favor seu. - O loiro me olhava de forma ansiosa, talvez insegura. 

     A primeira e última vez que vi esse tipo de olhar refletido nos olhos chocolate foi na noite de nosso primeiro live. 

-Pode falar. 

-Você pode ficar aqui até depois de todos terem ido embora? Há algo que quero te mostrar. 

     Meu coração disparou com uma frase simples dessas.

     Um turbilhão de pensamentos passou pela minha cabeça.

     Fazia algum tempo que eu passei a olhá-lo de um outro jeito. Reparava como os fios loiros caíam graciosamente pelo rosto bonito e delicado, ou como ele mordia os lábios quase inconscientemente quando tocava alguma música complicada. E não podia deixar de prestar atenção no brilho que aqueles olhos adquiriam quando as garotas da platéia cantavam, gritavam e nos acompanhavam nos lives.

     Tinha coisa errada ali.

     Eu não devia estar prestando atenção nessas coisas.

     Uruha podia estar me dando a oportunidade para que eu finalmente parasse de sonhar com algo que tinha chances de acontecer. Aquela era a hora. 

     Só não queria perder a amizade que demorei tanto tempo para conquistar.

-Yuu? Acorda!

-Oi? – Falei, totalmente desatento. – O que eu perdi?

-Cara... eu achava que era só isso - Disse Reita, apontando para Kouyou e rindo - que era distraído assim.

-Isso? - O loiro arqueou a sobrancelha, parecendo incomodado com a brincadeira.

-Calma, loirinha. Tava brincando. Ruki e Kai foram na frente, e me pediram pra lembrar vocês do ensaio amanhã às...

-Nove horas, já sabemos. - Suspirei, e fiz um gesto para que ele saísse de lá logo. Pára, nós não éramos mais crianças que precisavam ser lembrados toda hora dos compromissos.

     Akira sorriu de uma forma que me indicou que ele sabia de algo. Algo que eu não sabia o que era, mas iria descobrir.

-Yuu?

-Hm?

-O que houve? Você não costuma ficar distraído assim, de uma hora para outra.

-Eu só tava pensando. – Respondi, sorrindo constrangido. – O que você queria me mostrar?

-Ah. Era isso.

     Pegou a guitarra que estava encostada na parede, e a apoiou no colo. Conectou o cabo no amplificador, ajustou algumas cordas e... passou a tocar uma melodia que eu nunca tinha ouvido na vida.

     Mas era linda e agradável, exatamente como ele.

     A concentração com que Kouyou tocava, e a ansiedade refletidas em seus olhos era algo que eu não sabia se deveriam me deixar feliz ou triste.

-E então, o que achou?

-É perfeita. - Respondi, sincero. 

-Obrigado. Eu a compus durante todos esses dias. – E sorriu, orgulhoso com o próprio trabalho.

-Já mostrou para os outros?

-Ah não, não. Não é pra banda. - De repente, o olhar dele desviou do meu, se concentrando em um ponto totalmente aleatório.

-É para o que, então?  - A expressão do loiro mudou, como se estivesse esperando que eu perguntasse isso.

-Bem... estou saindo com uma garota, e talvez ela irá à minha casa nesse final de semana. Daí, decidi fazer isso para ela.

     Isso doeu. Doeu demais.

     A dor física passa. Vai ficar vermelho ou pode até sangrar, mas vai cicatrizar. Já a dor emocional não é tão simples assim.

     Um soco me machucaria menos do que aquelas palavras.

     Todo aquele empenho e dedicação eram para uma jovem sortuda que tinha ganhado o coração dele. E eu entendi isso como um “Sai dessa e vai pagar alguém pra dormir com você, porque com ele não vai dar certo.”

-Aoi, você está bem?

-Tô sim, Kou. Só to cansado. – Respondi, com um sorriso falso.

-Nem vem, você também disse isso quando terminou com aquela mulher estranha de um tempo atrás. Só depois de insistir muito, você me disse o que houve.

-Observador, huh? – E ri sem vontade. Fui atrás das chaves de meu carro, com a intenção de sair dali o mais rápido o possível. 

-Aoi... tem a ver comigo, né? - Eu nunca tinha o ouvido falar de um jeito... manso daquele. 

-Kou... não me faz ter que responder isso.

     Não consegui virar e encará-lo nos olhos.

     Não queria que ele me visse à beira das lágrimas. Não queria que ele me visse desmoronando, bem ali. E realmente não queria estragar tudo entre nós.

     Não queria demonstrar fraqueza na frente dele.

     Por que tudo sempre acabava assim? 

     Enquanto tentava organizar meus pensamentos e me preparar psicologicamente para prosseguir, senti uma mão segurar gentilmente a minha. 

-Não adianta tentar esconder, eu já percebi há um tempo. Você não me olhava mais nos olhos como antes, e ainda, não ficava sozinho comigo. Sabe, não tem nada de errado nisso.

-Como sabe? Não é você que...

-Quieto. Se quer saber, tô na mesma situação que você, a única diferença é que eu consegui esconder bem o suficiente para você não perceber nada.

O que tá acontencendo?

-Olha pra mim.

     Respirei fundo, e dei meu melhor para esconder as lágrimas que queriam cair. Por fim, me virei e arrumei coragem para fitá-lo. Kouyou me olhava de forma carinhosa e dócil. Ele parecia saber perfeitamente do conflito interno que eu passava naquele momento. 

-Você confia em mim?

-Confio.

-Então fecha os olhos.

     Obedeci.

     Quando menos esperei, senti os lábios dele encontrando os meus. Não pediu passagem nem nada; Era apenas um carinho. A boca do loiro era macia e quente, exatamente como eu esperava que fosse. Então, senti a outra mão dele tocando delicadamente minha nuca, e acariciando ali. 

     A sensação? Foi quase como a do meu primeiro beijo. Uma onde de felicidade percorria meu corpo, e pude sentir meu coração disparar - exatamente como um adolescente apaixonado. 

     Nos separamos. Ele ainda permaneceu com o nariz encostado ao meu, e... céus, como ele era lindo. O sorriso que eu sabia que era só meu, e aqueles lábios que eu acaba de descobrir que eram macios e tentadores, como sempre esperei. 

     Seria tudo lindo, mas ainda tinha uma coisa que me incomodava.

-Kou, isso tá errado! Você está lá saindo com ela e me beija assim, do nada e...

-Yuu... calma. Não tem “ela”. – Ele sorria novamente, mas dessa vez, era um sorriso diferente. Um sorriso de quem venceu.

-Hm?

-Não tem nenhuma garota na história. A única coisa que tem é essa música, que fiz com a intenção de chegar em você e saber se eu era correspondido ou não.

     Como falam que esse cara é o mais lerdo da banda? Isso tá errado, muito errado.

-Deu certo.  – Respondi, sem saber se ficava feliz por ter sido enganado por uma boa causa.

-Espero que não tenha ficado bravo, mas é que eu não pensei em outro jeito. – Desviou o olhar, parecendo envergonhado.

-Você devia ter me falado.

-E o medo de perder a sua amizade? Nem fodendo que ia falar assim, na lata! – Comentou, rindo.

-Foi por isso que não tive coragem de te dizer. - Me afastei dele, e sentei no sofá que ficava naquela pequena sala. Fiz um gesto para que ele se sentasse ao meu lado.

     Uruha veio, e pegou a minha mão.

-Eu sei. E sei também que fui quem tomou a iniciativa, agora é a sua vez.

     Kouyou estava pedindo para que eu o beijasse, é isso?

     Afastei as mechas loiras que caíam em seu rosto, e afundei minha mão naqueles cabelos tão macios. Aproximei meu rosto, e pela segunda vez, nossos lábios se juntaram em um beijo que significaria muito mais do que apenas uma carícia.

     Era o início de algo novo.  

     Para ser sincero, nunca gostei de mudanças, mas essa seria muito bem vinda.