Olhou-se no grande espelho de prata ao lado da porta. Seus cabelos negros caíam perfeitamente por cima de seu vestido de seda cor de leite, que destacavam com perfeição seus olhos cinzentos. Seu colar de safira com pingente de floco de neve reluzia sobre sua pele pálida. Ela estava em casa. Grécia. O único lugar em que poderia ficar longe de Zeus e ao mesmo tempo, em casa. Mas não se sentia bem, não como a princessa que era de fato. O rei dos deuses a proibira de voltar ao Olimpo novamente. Maldito fosse. Não queria ir para lá, de qualquer maneira. Não para ver Deméter e suas plantas idiotas que cortavam a neve, perfurando-a, deixando-a com pontos aqui e ali. Maldito fosse também Apollo e sua carruagem solar imbecil. Madito fosse Hefesto. Quem precisava de fogo? 

Encarou o espelho friamente e colocou uma mecha de cabelo para atrás do ombro, depois pegou um xale de renda e cobriu sua pele macia. Alguém bateu à porta.

- Entre. 

Uma senhora curvada entrou lentamente no enorme cômodo da deusa. Sorrindo fracamente, a moça se curvou diante da patroa.

- E-ele chegou.

Esta era a senha. Sabia exatamente quem era antes mesmo de a empregada anunciar. Sentia sua presença ali, como em qualquer outro lugar. Era algo chamativo, poderoso. Mas como Justine o deixara entrar? Justamente ele? Lançou um olhar frio para ela. Era sua especialidade. Então relaxou, pensando sobre como uma reles mortal o impediria de vir. Ao menos ele fora educado e não parara no quarto dela.

- Agradecida. Avise que estou indo.

Justine se curvou novamente e saiu com passinhos leves e rápidos. Quione foi atrás, mais lentamente, adiando o encontro. E ali estava ele.

Com pequenas endrenagens no colo, ele consertava seu relógio, suas mãos rápidas e habilidosas. Sentado no pequeno sofá cor de creme, concentrado em seu trabalho, quase parecia um burguês. Ela deixou escapar um sorriso e agradeceu aos céus que ele não a ouviu chegar.

Pigarreou. Ele a olhou e guardou tudo no bolso do paletó, sem tirar os olhos dela.

- Sim, Hefesto?

- Não pude deixar de vir. Fiquei preocupado.

- Sei me cuidar muito bem, agradeço. - ela encarou a lareira que nunca era acesa. Se ele estava ali para lembrá-la...

- Por que não fazes nevar?

- Não obedeço mais à ordens diretas. Eu faço o que vier à minha mente.

- Sabes que não podes ignorá-lo deste jeito. Ele descobrirá e se zangará.

- Pois deixe que se zangue, então saberá como estou!

- Quione... - ele se levantou, andou até a deusa e tocou sua face com suas mãos quentes. Não era feio, nem um pouco. Era até diferente de todos os outros. Quione não pôde deixar de notar uma pequena ruga surgindo no meio de sua testa, de tanto franzí-la.

- Interrompo? - uma voz fraquinha surgiu da porta de entrada do salão principal. Era Justine - Desejam chá?

Quione virou de costas para Hefesto e encarou a mortal por interrompê-los. Depois percebeu que fora a coisa certa a fazer. 

- Na verdade, Justine, o senhor aqui já estava de saída. Muito agradecida pela visita, milorde.

Hefesto olhava para Quione abismado. Piscou algumas vezes, fechou a boca e curvou-se educadamente para as damas, depois atravessou o caminho e parou na porta de entrada, segurando-a aberta. Olhou para a lareira e acendeu uma chama, depois passou pelo portal.

Quione dirigiu-se para o quarto rapidamente e trancou a porta. Ele não tinha o direito de lembrá-lo de quem ela deveria ou não confiar ou respeitar, principalmente Zeus. Não depois do que ele fizera. Bufando, jurou a si mesma se vingar, mesmo que de algum modo, de todos os descendentes de Hefesto, um por um.