Sendo Aline escrita por Bruna Carreira


Capítulo 26
Capítulo 26




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            Marcelo agora saía mais do que nunca.

            Não que ele estivesse mudando e tudo o mais, só que ele precisava ver o Igor quantas vezes ele pudesse, caso tudo que não queríamos acontecesse.

            Eu não sabia como o Igor estava se sentindo sobre tudo isso, não o conhecia tão bem assim. Resolvi mandar uma mensagem pra ele e pedi pra nos encontrarmos em algum lugar.

            "Claro, Aline! Adoraria te encontrar. Que tal no dia 27, lá na pracinha?" ele me perguntou logo após eu ter enviado a minha mensagem. Eu respondi com um "Por mim está ótimo. Só não conte pro Marcelo, tá bom?". Ele respondeu de volta com um "tudo bem, te vejo lá!", apesar de eu achar estranho ele não ter perguntado porque disso.

            Eu nunca tinha saído com o Igor antes, então eu estava insegura por não saber me soltar rápido com as pessoas. A gente poderia chegar lá, bater papo por nada e simplesmente sair sem que eu dissesse o que realmente tivesse vontade de falar. Por isso, resolvi ligar pra Débora.

            O telefone tocou no mesmo segundo em que o peguei, e tomei um susto. Atendi achando que era ela, lendo meus turbulentos pensamentos.

- Alô? - Eu disse.

- Olá, querida! - Tia Gertrudes gritava do outro lado da linha. - Tudo bem?

- Tudo ótimo tia - Respondi meio de má vontade, enquanto deixava o telefone meio longe do ouvido, pra não ficar surda. - E a senhora?

- Tudo maravilhoso! - Ela continuava. Enquanto ela falava com a mesa, fui na cozinha pegar água.

- Legal tia.

- Sua mãe está em casa, querida?

- Não tia, ela está trabalhando - Como ela sempre está fazendo já que você liga sempre no início da tarde, já que a senhora é aposentada e dorme às oito.

- Que pena, Alinezinha! - Ela disse, desapontada, como todas as outras vezes que ela ligava. - Depois eu ligo, mil beijos!

            Desliguei o telefone e tive que pensar no que ia fazer. Me lembrei que ligaria para Débora.

- Ah, Aline! - Ela exclamou - Você tem que relaxar e deixar tudo fluir. Tenho certeza que ele vai te deixar o mais confortável possível.

- Você acha mesmo?

- Aline! Eu tenho certeza! - Ela continuou - Ele deve querer tanto quando você ficar próximo por vocês adorarem o Marcelo.

- Mas e se ele me detestar por eu tomar o tempo dos dois?

- Se fosse assim, seria mais fácil ele ter dado uma desculpa ao invés de aceitar na hora seu convite.

            Tomei aquele conselho com uma verdade muito própria e fui com a cara e a coragem encontrar com ele. Ele estava com o mesmo estilo de sempre quando nos encontramos: a calça jeans escura, o tênis de palhaço em seus pés gigantes. Acenou quando me viu e eu retribui com um sorriso.

            Me aproximei dele e dei um abraço no gigante.

- Oi, Igor! Quanto tempo!

- Não é? - Ele disse, e sorriu.

- Como você está?

- Estou... Bem - Senti que ele hesitou um pouco ao considerar a escolha dessa palavra. - E você?

- Estou bem também - Respondi, séria.

- Você me convidou pra sair pra conversarmos sobre o que eu acho que vamos conversar, não é?

- Também.

- O que mais? - Ele parecia indagar internamente.

- Bom... Queria saber como você estava. O que você pensa disso, de modo geral.

- Bom... Quer saber de uma coisa? - Ele falou, como quem iria pôr tudo pra fora ali mesmo.

- Diga.

- Estou... Perdido - Ele suspirou. - Eu normalmente sei o que fazer, mas agora eu... Eu acho que não quero de forma alguma que ele vá. Eu acho que gosto demais dele.

- Eu sei, também não quero, mas...

- Mas seria burrice ele ficar aqui com... Ele - Ele revirou os olhos ao pronunciar a palavra "ele", como pude perceber.

- Eu sei - Continuei. - Ele chegou a mencionei a ideia dele pedir pra morar com André durante algum tempo?

- Sim, mencionou - Ele disse, mas não parecia muito feliz.

- Não gostou de ideia? - Perguntei, já sabendo da resposta.

- Não é exatamente isso, Aline - Ele disse. - O problema é que essa solução é a curto prazo. E depois? Tudo bem, ele vai fazer 18 anos e não vai mais ter a guarda de ninguém, mas isso também quer dizer que ele não vai ganhar pensão de ninguém e não vai ter pra onde ir de novo.

- Eu acho que... - Fiquei sem palavras. Me sentei, e era como se não tivesse nada onde meus olhos seguiam - Não pensei exatamente sobre isso.

- Desculpe se pareceu que desmereci, é que...

- Não, eu sei.

- É só que eu quero muito uma solução, entende? - Ele sentou do meu lado - Mas parece que minha cabeça fica me traindo com as respostas erradas.

- E se ele trabalhasse?

- E se ele entrar na faculdade?

- E se ele arrumasse um estágio? Ou trabalhasse meio período.

- E daria pra morar sozinho só com isso?

            Era muita informação, era como se tivessem me jogado um tijolo no meio da cabeça. Eu estava me sentindo o máximo há dias atrás, e agora me sentia um lixo novamente.

- Aline, você está me ouvindo? - Ele disse, e eu percebi que ele estava falando há um tempão sem que eu estivesse ouvindo.

- Igor me... Igor me perdoa. Eu preciso ir.

- Aline, eu não queria... - Ele viu a expressão no meu rosto e sentiu culpa.

- Não, não é culpa sua... Sou eu.

- Deixa pelo menos eu te acompanhar até a sua casa.

- Não, de verdade - Eu disse, já me levantando - Eu realmente tenho que ir.

- Eu sei mais... Eu só...

- Tudo bem. Não precisa se sentir assim. Eu só preciso ficar sozinha um pouco, tudo bem?

- Tudo bem.

            Me despedi dele com um abraço super rápido e andei até virar a rua, para que ele não me visse correr enquanto chorava.

            Quando cheguei em casa, fechei a porta, encostei nela e escorreguei até o chão. Simplesmente não conseguia chegar até o quarto. Dobrei os joelhos e apoiei a cabeça sobre eles.

            Me assustei quando senti um toque sobre minha cabeça, e quando olhei pra cima, vi que meu pai já tinha chegado em casa.

- Querida, o que houve?

- Nada, pai - Eu tentava dizer, enquanto as fungadas me traiam.

- Pode contar pra mim, filha. Sua mãe é fofoqueira, mas eu não sou! - Ele fazia graça, tentando me deixar melhor.

- Para, pai! - Eu disse, segurando o riso.

- Sério filha!

            Ficamos nessa por mais algum tempo, e depois o convenci de que precisava ficar um tempo sozinha no meu quarto. Eu não inclui a parte do chorar, mas estava implícita. E com isso queria dizer implícita pra mim, o que era o suficiente naquele momento.

            Depois de ficar lá olhando para o teto durante tanto tempo, acabei dormindo um pouco. Quando acordei, vi meu pai lendo um dos livros dele num banquinho, do lado da minha cama. Não sei dizer porque não me assustei quando o vi ali.

- Pai? O que você tá fazendo aqui?

- Estava esperando você acordar pra passar um tempo com você.

- Isso que dizer que você está curioso pra saber o que se passa na minha cabeça?

- Morrendo - Ele afirmou com a cabeça -, mas como ando cheio de trabalho, já queria passar mais tempo com você também.

- Entendi - Cerrei os olhos, meio cética.

- Toma - Ele voltou a ler o livro, enquanto me dava uma barra de chocolate que tinha ido na rua comprar pra mim.

- Você foi na rua comprar meu chocolate favorito porque se preocupou comigo?

- Já tinha trazido antes.

            Era mentira. Eu sabia porque sempre fuço a geladeira antes de ir dormir pra ver se ele trouxe algo pra mim - minhas disputas de chocolate com a minha mãe eram sempre acirradas e ela normalmente ganhava por desleixo meu.

- Pai - Eu finalmente quebrei o silêncio, depois de algum tempo ali.

- Sim?

- O que você faria se tivesse que escolher entre guardar o que você sente pra que um amigo seu não sofra ou falar pra ele apesar de isso pesar mais na decisão dele?

- Aline.

- O que foi pai?

- Eu não entendi porra nenhuma do que você quis dizer agora, filha - Ele fez aquela cara de bobão, e eu não aguentei e ri.

            Algo me dizia pra contar toda a história para o meu pai, e assim o fiz. Eu tinha certeza que ele teria a cabeça aberta pra ouvir aquilo. A única coisa que tinha me impedido antes era... Bom, era que ele era meu pai.

            Contei toda a história sobre o Marcelo ter divulgado para os pais que era homossexual, sobre a reação do pai dele e todo o resto. Incluindo a parte dele ter um namorado - E essa nem foi a parte que mais chocou ele.

- Aline, ele pode ser preso por isso, eu acho até que sei o número da lei... - O lado "advogado" do meu pai voltou a ativa mesmo fora do escritório.

- PAI! - Exclamei.

- Desculpa, continue.

- Então agora ele está entre ficar com a mãe, no sul, longe de todo mundo. E talvez até da faculdade, se ele passar...

- E se ele ficar aqui, vai ser que aguentar as loucuras do Carlos e as imposições dele, por mais irracionais que sejam - Ele completou.

- Isso. E eu queria muito poder pensar em algo pra ajudar. Eu inclusive pensei no primo dele, o André, lembra?

- Sim, o garoto que está tentando te tirar do papai.

- PAI! - Exclamei de novo. O ar quase me fugiu - COMO você sabe disso?

- Eu posso não estar sempre perto, mas você sabe como a sua mãe descobre essas coisas.

- Na verdade não faço ideia como ela descobre!

- Nem eu, filha. Imagine se eu já tivesse traído a sua mãe? Com certeza eu já estaria na prisão!

- Pai, foco aqui no problema.

- Sim, continue.

- Eu falei com o Marcelo pra morar um tempo com André. Mas hoje mesmo o Igor, o namorado do Marcelo, me fez pensar sobre um monte de coisas que não deixariam ele aguentar por muito tempo lá. Tipo financeiramente.

- Mesmo que ele fosse com a mãe dele, não haveria como saber se ele vai voltar tão cedo, pelo que você disse. E perder a faculdade depois de tanto sacrifício pra passar... - Ele refletia.

- Seria péssimo.

- Falando nisso, filha, você já escolheu o que vai cursar?

- PAI! - Exclamei novamente - Foca no problema!

- Desculpa.

- Pai, eu vou sentir muita falta dele.

- Eu sei, vocês estão juntos desde sempre. Mas acho que talvez o melhor seja ele trancar a faculdade ou pedir transferência pra onde a mãe dele for - Ele disse o que meus ouvidos não suportavam ouvir. - Pelo menos até dar um jeito de voltar.

- Eu não quero ficar sem ele aqui - Eu me forçava a não chorar. - Imagina se quando você e mamãe ainda estavam gostando um do outro, sem saberem, ela tivesse que ir pra outro estado e largar tudo aqui?

            Por um segundo, não entendi porque meu pai me encarava com aquele olhar sem dizer nada. Depois a ficha caiu. 


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