Diabolus Simia Dei escrita por PotedeMel


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/20204/chapter/1

Não somos heróis, nem temos pretensões disso. Somos pessoas a que caiu na louca lógica do destino esta tarefa de destruir, estes seres nada mais do que bestas.

Somos, fazemos parte de uma organização constituída nos primórdios do Renascimento quando o Mundo cresceu e os Homens quiseram ser mais inteligentes e puros que o próprio Deus. Assim desafiaram aquele que eles acharam ser malditos por sete vezes e juraram não descansar até que essa raça dita inferior seja destruída. Mas por eles mesmo aprenderam que é esta a raça dos sete vezes malditos que está e sempre esteve destinada a reinar sobre este mundo e que nós os protegidos de Deus somos só um espinho cravado nos protegidos pelo Diabo.

 

Trish

A povoação chamava-se Woodley. Localizava-se num maciço de cumes arredondados na região oeste de Connecticut, a cerca de noventa minutos de carro de Nova Yorque. Entre os seus quatro mil e quatrocentos habitantes, contavam-se meia dúzia de administradores executivos de algumas das 500 empresas mais bem cotadas na Fortune, inúmeros advogados e médicos e estava a ficar com uma população cada vez mais jovem.

A família Jones viajava, agora nessa direcção prontos a se tornarem os mais novos habitantes de tal cidade modelo, sendo que a família Jones se constituía de quatro membros e um desses membros era eu. Trish Jones, 13 anos, olhos cinzentos comuns a toda a família, um espesso cabelo encaracolado, vindo da minha simpática mãe, e de cor castanha tal como os outros três normalmente chamados de “minha família”. Muito prazer em conhecer-vos.

E neste momento, quando viajamos da dita perfeita Woodley trava-se uma conversa banal. Ou não. Acho que depende do vosso ponto de vista.

- E o vosso trabalho é ficarem amigos deles e mais nada! De acordo? – Neste momento é o meu pai que fala, Benjamin Jones 39 anos, olhos cinzentos, cabelo castanho liso que nos dá este aviso a mim e ao meu irmão. Já agora o meu irmão, normalmente dá-se pelo nome de Mark Jones 16 anos quase uma cópia miniaturizado do meu pai.

- Acho que neste caso até vamos ter que pedir ajuda. – Comentou a minha energética mãe de 37 anos, Jilian uma cópia aumentada de mim.

- Mas como é que os outros deixaram que a população deles crescesse tanto? – Perguntou o meu irmão levantando os olhos do livro que estava a ler.

- Crescesse? Nós nem sabemos quantos são. Podem ser 3 como 50. – O meu pai abanou a cabeça – Malditos vampiros são demasiado hábeis para o seu próprio bem...

É verdade esqueci-me de referir. Somos caçadores e vamos à caça em Woodley.               

 

 

O meu irmão fez um sorriso amarelo acto contínuo ao facto de uma rapariga loira tentar pela que me parecia pela milionésima vez, leva-lo à pista de dança onde a escola em peso dançava entusiasmada na milionésima festa do ano. Sim, esta gente de Woodley pode ser muito divertida. Durante o tempo que estive lá morri várias vezes de tanto me rir. Ahahah. Puro entusiasmo.

Assim que o meu irmão conseguiu afastar a lesma loira, alguém, provavelmente um dos muitos clones de meninas da claque que proliferavam naquela terra, desencantou um microfone e fez saber à escola inteira que naquele fim-de-semana ela estaria sozinha em casa e que por isso daria uma “fabulosa e estrondosa festa”.

Muito bem, agora vamos pôr tudo em pratos limpos. Convidar a escola em peso e desconhecidos, incluindo o velhote asqueroso do canto, para ir à nossa casa não é sensato. Acreditar que todos naquela escola são humanos como tu e eu, e pouco ou nada nos podem fazer de pavoroso não é o melhor raciocínio quando não conhecemos metade do mundo. E, eu conhecendo metade dessa metade que a maioria não conhece fico realmente parva quando alguém convida uma multidão onde não conhece metade.

O ginásio explodiu em palmas e assobios de alegria. Senti o olhar do meu irmão atrás de mim e quando me virei para trás, no meio dos festejos, vi-o sozinho, uma face sombria no meio de gargalhadas e soube que pensávamos o mesmo. Quantos deles iriam morrer?

Mas então, do meio das raparigas coquetes saiu uma cabeça ruiva, que se aproximou sorridente do meu irmão. Instintivamente aproximei-me dela, desconfiando da sua pele branca e sem conseguindo ver os seus olhos. Mas automaticamente relaxei quando vi a expressão do meu irmão, o primeiro sorriso verdadeiro da noite inteira. Sorri matreiramente aproximei-me, puxando-lhe o braço e gritando no meio da música:

- Mark? Anda, dançar! – Vi-o a olhar distraído para mim, dois holofotes cinzentos que me sorriam automaticamente.

- Trish, tu não gostas de dançar. – Aborrecida revirei os olhos, notando pelo canto do olho, a rapariga ruiva de olhos castanhos com salpicos dourados a rir-se.

- Gosto de dançar, quando estou aborrecida…- Fiz o meu olhar de menina coquete, a combinar com a minha roupa fofa e os meus caracóis delicadamente arranjados. A minha mãe tinha um talento inato para os disfarces e tentava sempre fazer-nos enquadrar o mais possível na comunidade em que nos inseríamos. Claro que com o Mark isso era praticamente impossível, já que ele parecia não conseguir vestir mais nada além do preto e cinzento e decididamente não deixava de ser um rapaz retraído que evitava a todo o custo ser tocado pelas outras pessoas, digamos normais.

- Trish, esta é a Amanda. Amanda esta é a Trish a minha irmã mais nova. – Imediatamente soube quem era ela. Já a tinha visto em duas ocasiões. Na primeira vez foi quando eu estava dentro do carro à espera do meu irmão, que saía da escola e da minha mãe que estava a “socializar”. Quando finalmente o meu irmão atravessou os portões, Amanda vinha com ele e durante alguns minutos falou com a minha mãe. Lembro-me disso perfeitamente, porque quando eles finalmente entraram no carro eu fartei-me de gozar com o meu irmão. Há segunda vez foi quando há uns meses estava sentada na mesma mesa que umas raparigas personificação do cor-de-rosa e de elas terem apontado uma rapariga mais velha, ao mesmo tempo que se riam e diziam algo que agora não me recordava. A informação que elas me deram sobre os alunos daquela escola foi preciosa, até um dia em que elas tiveram a infelicidade de desapreciarem o meu irmão chamando-o estranho e infeliz. Só caíram em si quando o Mark passou por mim nessa mesma altura sorrindo e com a mão despenteando os meus caracóis. O meu irmão nunca entendeu porque é que me levantei bruscamente, e sorrindo docemente:

- Minhas queridas, adorei – prolonguei suavemente a última palavra e vi-as a virarem-se para mim com sorrisos falsos de açúcar – estes últimos meses, mas sinceramente vocês não têm nada na cabeça além dos vossos cabelos! - Lembro-me perfeitamente das bocas delas formaram um O perfeito, enquanto o meu irmão ria-se a altas gargalhadas.

Apesar daquele tempo em que consegui saber tudo sobre uma grande parte dos alunos, aquela escola tinha quase 2 mil alunos. E todos nós tínhamos a certeza que se houvesse vampiros infiltrados de certeza que não chamariam atenção.

Agora, sabíamos com certeza que a hora H tinha chegado e ainda não sabíamos quem eram os nossos inimigos.

 

- Muito bem. Tentem o mais depressa possível localiza-los a todos e tentarem atrai-los para fora da casa. Se não conseguirem, tirem toda a gente de lá de dentro. – O meu pai olhou para trás, e sorriu nervosamente enquanto estendia as armas. – Não chamem atenção, não corram riscos desnecessários, não deixem nenhum Humano ver um vampiro.

- Sim, já sabemos pai. – Respondemos em coro, respirando fundo.

– Entrar, localizar, atrair, sair, afastar-nos. Como sempre. – Respondeu o meu irmão, abrindo a porta do carro e a sair segurando a porta do carro para mim que sorri para os meus pais e saí lentamente. O meu irmão debruçou-se, acenou e fechou a porta do carro.

Ocorreu-me, então que nós não tínhamos ordem na nossa Vida. Os meus pais aliaram-se a Organização, também muito jovens levados pelos meus avós que morreram há muito. Quando eu e o meu irmão nascemos foi natural que desde pequenos tenhamos sido treinados para matar Vampiros. Máquinas de guerra. Sem vida. Tudo para destruir uma raça que supostamente é a razão do todo mal. Dizem que eles são em tudo os filhos do Diabo. Mas se é assim, onde estão os Filhos de Deus? Nós somos simplesmente Humanos, jovens que abdicam das suas vidas só para lutar contra aqueles que dizem que são os Vilões. Sem Vida. Máquinas de Guerra. Prontos para morrer sem sermos chorados.

 

Rapidamente, encontramos a casa. Estava rodeada de carros de alta cilindrada, jovens a rirem-se no relvado e música. Mas no meio daqueles jovens de faces coradas, estariam alguns de olhos pretos esfomeados, faces brancas e frias como mármore de uma beleza sinistra prontos para tornar aquela casa na casa dos horrores.

O meu irmão debruçou-se sobre mim.

- Trish, tu vês aqui embaixo não te esqueças de ver a cave. Eu vou ver os andares de cima. Se encontrares um manda-me uma mensagem a dizer-me onde estás – entregou-me um telemóvel – afasta-te, mas sem o perderes de vista. Ok?

- Como sempre, sim. Se tu os encontrares lá em cima, chamas-me? – Imediatamente senti o olhar vago dele a afastar-se.

-Sim, claro. – Disse ele murmurando. – Se não encontrares nada suspeito daqui a meia hora na sala. – Sorriu e endireitou-se, despenteando-me o cabelo. Afastou-se um bocado e olhou para mim por cima do ombro, com a face sombria. Acenei ligeiramente com a cabeça e ambos pusemos as nossas máscaras, sorrindo alegremente.

 

Encontrar alguém numa festa é difícil. Teres que olhar para os olhos de toda a gente da festa, quando és mais baixa que a maioria é uma tarefa quase impossível. É cansativo, mas mesmo assim é mais seguro porque não corremos o risco de o vampiro nos fitar directamente nos olhos e ler a nossa mente, descobrindo a nossa identidade.

Olhei em volta da sala onde tinha acabado de entrar. Não era bem uma sala mas sim três salas ligadas entre si que davam directamente à porta de saída, com um enorme cravo a um canto e com montes de adolescentes a entrar e a sair da sala alguns sentando-se nos sofás, outros no chão rindo-se. Aproximei-me sorrindo a algumas pessoas que reconhecia vagamente, vindo à minha volta faces rosadas e olhos desde o azul até ao castanho, mas sem encontrar nenhum preto faminto ou um branco doentio.

Repentinamente, alguém arrancou umas notas ao cravo, ouvindo-se uma música tenebrosa a ressoar durante alguns segundos pela sala. Ouviu-se alguns gritos pela sala e risadas. Virei-me e vi uma rapariga a afastar-se do cravo só conseguindo ver o cabelo loiro e a face branca. Imediatamente segui-a atravessando a sala, até à porta do fundo a única ligação ao resto da casa. Ao mesmo tempo que atravessava essa porta, o telemóvel tocou quase não se ouvindo com a música de fundo. Atendi ao mesmo tempo que olhava de um lado para o outro do corredor vendo a rapariga loira a subir as escadas.

- Diz.

- Trish, vem ter comigo à entrada. Temos que sair daqui. – A voz de Mark parecia estar tensa tentando sobrepor-se à música.

- O quê? Porquê? Ainda não passou uma hora. E além disso eu estou a seguir uma rapariga suspeita. Vêm tu ter comigo.

  - Não Trish, é melhor deixar o pai e a mãe tratarem disso. Além disso encontrei aqui a Amanda. Tenho que tira-la daqui.

- Estás a brincar, não? – Parei no meio das escadas perplexa, sentindo vagamente as pessoas a passarem por mim. – Ela é uma civil, Mark. Além disso enquanto vamos buscar o pai e a mãe, eles podem atacar. E depois, Mark? Como é que explicamos que nenhum de nós ficou aqui enquanto íamos chamar o resto da organização a impedi-los?

- Então, anda aqui ter comigo e tu e a Amanda vão chamar os outros.

- Mas aí vou perder a rapariga loira. E a Amanda é uma civil, ela não pode saber de nada!

- Trish…- Mas então houve um silêncio endurecedor. A música calou-se e as gargalhadas extinguiram-se, ouvindo-se alguns protestos por a música ter acabado. Ouviu-se um estrondo, uma porta a fechar-se com força provocando alguns gritos de susto.

Eu estava perto da porta que tinha fechado com estrondo. A porta de ligação a sala e a porta de saída. E agora, ouvia-se o estalido da porta a fechar-se à chave suavemente. Mas não se via ninguém perto da porta, nem no corredor. O silêncio continuava e eu estava sozinha. E então os primeiros acordes de uma música sinistra ressoaram na casa. A mesma música que eu tinha visto e ouvido a rapariga loira a dedilhar no cravo. Ouvi a voz do meu irmão, ao fundo, a gritar ao telemóvel e soube que tínhamos caído todos numa grande e perversa armadilha.

 

Amanda

- Amanda? Que estás aqui a fazer? Tinhas dito que não vinhas. – Olhei para trás e vi Mark, à beira das escadas, olhando para mim de sobrancelha franzida. Sorri e aproximei-me notando logo que ele parecia cansado e nervoso.

- Eu mudei de ideias…Mark, estás bem? – Ele olhou para mim, parecendo distraído.

-Anda temos que sair daqui.

- Hum? Porque? O que se passa? – Ele não me ligou nenhuma, e agarrou-me a mão, puxando-me indelicadamente descendo as escadas apressadamente e entrando na enorme sala a tempo de ouvir a alguém a dedilhar uma musica sinistra no Cravo. Mark puxou-me, andando rapidamente até a entrada, onde parou subitamente tirando um telemóvel do bolso.

- Desculpa, Amanda mas isto está com um ambiente pesado e eu não quero a minha irmã aqui. Podíamos ir até a um café, ou coisa parecida. - Sorriu e afastou-se um bocado, pondo o telefone ao ouvido.

E eu fiquei ali parada ficando a cada minuto mais irritada. Primeiro ele podia ter perguntado antes de me arrastar e segundo notava-se que ele estava a mentir. Notava-se ainda mais isso, quando estavamos numa festa que durava há uma hora, ainda ninguém tinha desmaiado/magoado/caído por uma janela e/ou outro. Rolei os olhos inconscientemente e encostei-me à parede, vendo-o a ficar cada vez mais zangado enquanto discutia com a irmã. Subitamente, como quem não quer a coisa, a música parou. Ouviram-se alguns protestos que foram silenciados quando a porta do fundo bateu com uma força descomunal. No silêncio que se seguiu, ouviu-se claramente a porta a fechar-se à chave. Vi alguns rapazes a levantarem-se e a tentarem abrir a porta sem sucesso. Começaram-se a ouvir murmúrios e eu virei-me para a porta de entrada, tentando abri-la também sem sucesso. Senti atrás de mim a fúria e o medo de Mark e quando me virei vi-o a olhar para o fundo da sala com os maxilares cerrados, as mãos a apertarem o telemóvel.

 Então, ouviu-se os primeiros acordes de uma música assustadora, que tínhamos ouvido quando entramos na sala a ser dedilhada no Cravo. Senti um arrepio, enquanto todos se juntavam no centro da sala a discutir, tentando que as suas vozes se ouvisse sobre a música sinistra que ressoava, excepto Mark que gritava para o telemóvel, atirando-o repentinamente contra a parede com um rugido de fúria fazendo todos se calarem e olharem para ele com espanto.

Aproximei-me dele, que entretanto se tinha baixado e apanhado o telemóvel, carregando agora nas teclas furiosamente.

- Mark, o que…? – Ouvi um gemido baixo e olhei para o lado a tempo de ver uma rapariga de cabelos pretos a agarrar-se ao meu braço desesperadamente e a gritar:

- Ela não respira! – Senti todos a suster a respiração, a aproximarem-se uns dos outros institivamente. Mark agiu imediatamente o seu rosto pálido mais sério que nunca, acercando-se da rapariga.

- Quem? Onde ela está? – A rapariga fungou silenciosamente vendo-se uma lágrima a escorregar no seu rosto moreno.

- Ali…- sussurrou ela, tremendo abraçando-se a mim. Apontava, para uma cortina onde se via a forma de uma cadeira posta à beira da janela onde alguém se podia sentar e não ser visto por ninguém. A rapariga mais próxima dessa cortina, respirou fundo e suavemente afastou-a, mostrando a todos nós, uma rapariga que se encontrava sentada com a cabeça deitada sobre o braço no parapeito da janela. Parecia simplesmente desmaiada, não fosse a quantidade de sangue que se via na sua camisola vermelha, outrora branca. A sala explodiu, ouvindo-se gritos abafados. Mark aproximou-se na mesma, pondo-lhe a mão no pescoço a ver se ela estava viva e quase que imediatamente, abanou a cabeça parecendo atordoado.

.

A sala entrou num silêncio profundo, com a música sinistra de fundo.

Então Mark, abanou a cabeça e afastou-se da rapariga morta, dirigindo-se para a enorme porta da entrada ao mesmo tempo que retirava uma pistola de trás das calças, que estava escondida pelo cinto e pela camisola larga. A música silenciou nesse momento e ouviu-se a pistola a ser engatilhada, ressoando pela sala.

Imediatamente, como uma onda juntaram-se todos a um canto da sala afastando-se de Mark que simplesmente sorriu trocista. Eu simplesmente fiquei petrificada no meio da sala, pensando estupidificada “Mark trouxe uma arma de plástico” . Vi aparvalhada Mark a fazer pontaria à fechadura da porta e a disparar duas vezes, fazendo a fechadura partir-se e a porta abrir-se com um rangido.

- Vá, depressa saiam…-disse, abrindo a porta. – Corram para a Vila e chamem a polícia. – Saíram todos em fila indiana, olhos assustados e vermelhos que olhavam em volta atordoados. Excepto eu. E Mark.

- Amanda – disse ele num tom cansado, baixando a cabeça. – Vai com eles.

Inconscientemente abanei a cabeça.

- Não. Temos que ir buscar a tua irmã e a minha melhor amiga está lá em cima. Não sei o que se passa mas quero ir contigo.

- Se não saíres agora, podes esquecer tudo o que foi a tua vida até agora.

Se ele pudesse dizer uma frase mais errada, ficaria surpreendida. Em vez de me meter medo o que essa frase fez foi simplesmente despertar a minha curiosidade. A curiosidade que eu tinha mantido fechada desde há três meses. Quando os Jones chegaram a cidade toda a gente sentiu uma curiosidade enorme. Apesar dos dois filhos, vinham no meio do ano escolar e e tinham o que podemos chamar uma aura estranha. Os pais que pareciam só ligeiramente mais velhos que os filhos, que não trabalhavam e que passavam o dia, segundo a cozinheira e a empregada de limpeza, a estudarem livros antigos. E os filhos com notas acima da média, sérios, com ataques de melancolia e também pelo que parecia adoradores de livros antigos, capazes de passar com os pais serões inteiros a estudar livros prestes a desfazerem-se em pó. Foram alvos de mexericos estes meses todos com teorias estranhas desde ex-espiões a ex-historiadores que tinham descoberto um grande segredo. Nos registos da escola não constava profissão dos pais e quando eu perguntei ao Mark ele só se riu e respondeu “Milionários”.

Então, naquela altura, com o cadáver daquela rapariga a alguns passos de nós, eu senti que bastava uma palavra para eu descobrir o segredo que os rodeava e os atormentava.

Mark respirou fundo e abanou com a cabeça, a arma descontraidamente encostada à coxa.

- Espero que não te arrependas. – Encostou a porta, e mordendo os lábios aproximou-se de mim, os nossos narizes quase a se tocar e eu a ver pela primeira vez as marcas escuras que marcavam o contorno dos olhos dele.

- Acreditas em Vampiros? – Senti um choque ao ouvi-lo a fazer aquela pergunta num tom suave, com o cadáver a alguns metros de nós.

-Estás a brincar?

- Quem me dera. – A angústia passou pelos seus olhos, mas ele sempre descontraidamente, simplesmente tirou algumas balas do bolso e colocou-as na arma, engatilhando-a, sempre a olhar-me directamente. – A minha família pertence, já a várias gerações, a uma Organização que se ocupa de caçar e dizimar os Vampiros. - Naquele momento um botão foi premido na minha cabeça e eu simplesmente relacionei tudo. Os modos estranhos da família, a curiosidade sobre toda a gente da escola, a insistência em manter-me a mim e a irmã debaixo de olhos. A arma. Comecei a tremer e ele simplesmente agarrou-me no braço, abanando-me ligeiramente e mantendo os olhos nos meus.

- Amanda, presta atenção. Os Vampiros não são como os vossos mitos contam. Eles podem andar durante o dia, só não podem estar muito tempo em exposição directa ao sol, não têm medo de alhos, cruzes e essas tretas todas. A única diferença entre eles e nós são a sua pele extremamente branca e os seus olhos pretos. Conseguem ver no escuro e só podem entrar em casa de quem os convida. – Mark mordeu outra vez os lábios. – Aqui em Woodley, não sabemos quem eles são, quantos são e principalmente não sabemos quantos estão agora aqui.

Abanei a cabeça, tentando sair do torpor para onde caía lentamente.

- Mas...então se eles estão na escola...eles são como nós, não é? Pensam, sentem...

- Não. Eles são simples animais. Não sentem. E quando pensam, é para planear o próximo assassinato.

No meio daquele torpor, a única coisa que eu conseguia pensar era que aquilo podia ser um mal-entendido e que aqueles seres não podiam existir. Simplesmente era...impossível.

- Amanda, foi um deles que matou aquela rapariga - disse ele, virando-me de costas para ele, na direcção dela, continuando-me a segurar nos braços com a cabeça ao lado da minha. – Não pensam. Não sentem. E neste momento a minha irmã e a tua amiga estão lá em cima com eles.

Como para dar veracidade aquela história os primeiros gritos começaram-se a ouvir.

Nunca tinha visto Mark tão zangado, cansado e desesperado como naquele momento. Largou-me subitamente, e disparou contra a fechadura, da porta do fundo, que saltou, fazendo a porta a abrir-se rangendo. Ele virou e uma sombra de um sorriso apareceu nos seus lábios.

- Tens duas escolhas.

Olhei para trás e imaginei-me a virar-lhe costas, a sair por aquela porta e a não querer saber nunca mais daquela família. Imaginei-me a continuar a ir á escola, a confrontar pessoas de pele branca e olhos negros e finalmente percebi que...Nunca mais a minha vida seria a mesma.

Com a música sinistra a ressoar, corri em direcção ao corredor escuro que agora era a minha vida em jogo.

 

- Mantêm-te perto de mim, não grites, segue o que eu te disser, mesmo se te disser para fugir e deixares tudo para trás.

- Não vos deixo aqui sozinhos. – Ouvi a mim mesma a sussurrar enquanto subíamos as escadas, já sem se ouvir um grito, uma palavra, um suspiro dos jovens que se encontravam ali em cima. Era como se todos eles tivessem desaparecido, ou então como se eles todos estivessem agora caídos no chão o seu sangue a espalhar-se lentamente, olhos negros a sorrir para eles, sangue vermelho a contrastar numa face branca.

A casa dos pais da Emily, a rapariga que tinha organizado a festa, era uma casa antiga de três andares, com várias divisões, pequenas ou grandes, corredores escuros e sombrios. Percorre-los há procura da irmã do teu melhor amigo e de uma amiga tua, enquanto por trás de uma daquelas portas esconde-se um pesadelo, é algo de chocante e desnorteante. Sentia Mark atrás de mim, a mão direita na minha cintura, a esquerda a segurar a arma.

- Eles podem, de alguma maneira, encontrar e saber quem a tua irmã é? – A mão de Mark crispou-se sobre a arma, os ombros tensos.

- Sim, podem. – Rapidamente olhei para ele, deixando o choque transparecer. – Eles podem ler os pensamentos de qualquer pessoa que se atravesse no seu caminho. Se Trish fizer alguma coisa que chame a atenção, como ela certamente fará mais cedo ou mais tarde, eles não hesitarão em ler a sua mente. E aí…

- Aí, não há esperança.

Quase que podia jurar, que Mark sorriu.

 

Trish

A chamada de Mark tinha caído, o telemóvel tinha-se desligado e eu encontrava-me presa no andar de cima de uma casa dos horrores. A música ouvia-se por toda a casa como para nos lembrar, a cada nota, que estávamos ali para morrer e nada mais.

Ouvi então vozes de jovens que desciam as escadas dos terceiro andar e que sorridentes passavam por mim, dirigindo-se ao corredor do rés-do-chão.

- Ei, Trish! Ouviste o estrondo que esta porta deu? E minha nossa que música é esta? – Perguntou uma rapariga extremamente morena, de quem eu não me lembrava do nome, parando a minha frente e sorrindo. – A Emily esmerou-se desta vez. – Acenei, sorrindo falsamente e olhei para baixo, para o grupo de jovens que agora se aglomeravam à volta da porta tentando abri-la.

- Estão a tentar sair? – Perguntou uma voz doce, vinda do canto mais escuro do corredor, que se aproximou suavemente. Era uma rapariga loira. Era a rapariga que eu tinha estado a seguir. Uma rapariga loira, de olhos negros, pele de mármore. Rapariga que agora sorria para as suas presas.

- Olá, Mirach. – Disse um rapaz a acenar. – Sim, estávamos a tentar sair, para encontrar a Emily. Mas parece que a porta está perra ou coisa assim. – A rapariga, Mirach sorriu mais uma vez e disse na sua voz calma.

- Porque é que não vamos lá para cima? Há uma sala muito confortável, onde podemos estar até este assunto estiver resolvido. – Todos concordaram e sorrindo avançaram sorridentes, subindo as escadas, muitos deles à volta de Mirach.

Mantive-me tapada pela rapariga morena e deixei-os passar, retraindo-me quando Mirach passou mesmo ao meu lado, sem me notar. Respirei fundo e olhei mais uma vez para baixo tentando tomar uma decisão.

- Trish! Não vais ficar aí, pois não? – A rapariga morena obrigou-me a tomar uma decisão rapidamente. Virei costas ao corredor escuro e subi as escadas a correr. Desta vez era por minha conta.

 

Mirach riu suavemente e abriu a porta de uma sala, entrando confiante de ser seguida por todos. Rapidamente todos entraram, comigo a pensar cada vez mais que aquilo era uma má ideia.

Estávamos numa biblioteca, com estantes a forrar quase todas as paredes, sofás espalhados e uma grande lareira. Um rapaz, tão branco como Mirach, levantou-se de um dos sofás e sorriu para eles, que agora tagarelavam espalhando-se pela sala, enquanto eu tentava passar despercebida.

- Olá, Ace. Também por aqui? – Cumprimentavam eles o rapaz de face de alabastro que sorria, sinistro.

- Tudo bem convosco? Acho que vamos ficar aqui um bocado, meus amigos. – Como para dar veracidade aquela frase, todos ouviram Mirach a fechar a porta às chaves. – Percebam que isto é só uma medida de…segurança. Tanto para vocês, como para nós.

- Ace, que raio de brincadeira é esta? – Perguntou um dos rapazes levantando-se, repentinamente furioso. – Abre essa porta! Isto já não tem piada!

Nenhum de nós o viu mexer-se. Foi como se ele simplesmente num momento estivesse à beira da lareira e do outro estivesse atrás do rapaz, abraçando-o, os fortes braços a rodear-lhe o peito, os lábios de um tom pálido a aproximar-se suavemente do pescoço, enquanto o rapaz horrorizado tentava se soltar e os outros se afastavam gritando em pânico.

- Larga o rapaz. – Sabia que aquilo estava errado. Sabia que ele agora ia virar todas as suas atenções para mim. Sabia que o meu sacrifício só ia adiar por alguns minutos o que já era um facto. Sabia que era exactamente o que eu ia fazer quando entrei naquele quarto. Morrer. Por isso, rapidamente, tirei a arma de dentro do casaco, corri até eles e encostei-a à cabeça de Ace, rezando para que ele se afastasse do rapaz.

- Larga-o. – Repeti, vendo-o a erguer lentamente a cabeça e a empurrar o rapaz, que caiu de joelhos aos nossos pés chorando compulsivamente.

Ace suspirou e passou a mão pelo cabelo castanho lentamente. Então, num gesto brusco, baixou a mão e como se varresse uma folha moveu a mão.

Senti como se um bloco de cimento tivesse batido contra mim. Foi projectada pela sala, a arma a saltar das minhas mãos, o meu corpo a bater com estrondo contra uma das prateleiras, os livros a saltarem por todos os lados, gritos, o cheiro do meu sangue e ele à minha frente mantendo-me suspensa, encostada à prateleira. Os seus olhos negros encostados aos meus.

- Uma caçadora…Estou surpreendido. Vocês parecem cada vez mais novos. Ou será que vocês são só carne para o canhão?

Só olhei para ele desdenhosamente, a pressão contra os meus pulmões mal me deixando respirar, o sangue a escorrer lentamente pelos cantos da boca.

- Não te preocupes pequena. Não vai ser necessário falar.

Senti como se milhares de pequenos alfinetes estivessem a ser espetados na minha cabeça, enquanto ele sondava a minha mente. Retorci-me, gritei, chorei mas ele só parou quando conseguiu o que queria. O meu irmão.

Deixou-me cair com estrondo e virou-se para a irmã que se encontrava calmamente deitada no sofá observando os rapazes e raparigas que agora estavam encolhidos a um canto, horrorizados.

- Esta noite vai ser…interessante, afinal de contas Mirach.

Olhou para baixo, para mim enrolada aos seus pés e pegou no telemóvel que estava caído ao meu lado. Sorriu para mim e deixou que a mão acariciasse suavemente o meu cabelo ao mesmo tempo que com a outra carregava no botão de chamada.

- O teu irmão chegará em breve, pequena.

 

Amanda

Quase mandei um berro quando de repente um rapaz apareceu ao nosso lado. Senti, Mark a apertar-me o braço e olhando para o lado vi a arma a desaparecer com por magia.

- Mark, Amanda! O que se passa? – Respirei fundo quando reconheci Gabriel, um rapaz da escola. Imediatamente desconfiei da pele extremamente branca, mas então vi os olhos azuis límpidos dele e rapidamente relaxei. – O que se passa? Encontramos Emily desmaiada e uma outra rapariga… - Seguiu-se um silêncio desconfortável, enquanto Gabriel passava a mão pelo cabelo, a voz a tremer. – Ela está morta. Há sangue espalhado por todo o quarto, como se uma besta a tivesse atacado.

- No salão, no andar de baixo também havia uma rapariga morta…- Respondeu Mark, encostando-se à parede. – Os outros foram até há vila, mas eu e a Amanda tivemos que ficar. A minha irmã e a melhor amiga dela estão aqui em cima.

- Isso não foi uma boa ideia se não estão armados. – Com um sorriso estranho, Gabriel levantou a mão esquerda mostrando uma enorme caçadeira que ele tinha mantido atrás da perna. Com um sorriso semelhante, Mark levantou a mão mostrando o revólver de cano comprido.

- Os meus pais são maníacos.

- O pai da Emily é coleccionador.

 

Entrámos os três numa sala cheia de jovens sentados, deitados, de pé, a discutir, a falar, a chorar.

- Mark, como é que eles transmitem a doença? – Perguntei, vendo Gabriel a dirigir-se para o fundo da sala. Ele virou-se para mim com um sorriso trocista.

- Doença?

- Tu percebeste-me. – Sibilei.

- Pelo sangue deles. Se um humano ingerir sangue de um vampiro, irá se transformar em vampiro. Mas existe um tempo, cerca de uma hora, em que se esse humano der o seu sangue, nem que seja uma gota, a uma pessoa que tenha sido morta por um vampiro, essa pessoa irá quase miraculosamente sobreviver. Há quem diga que os vampiros também podem fazer isso mas usando outro, digamos, método. Mas sinceramente nunca vi nenhum vampiro a morrer por um Humano.

- Morrer?

- Sim. Parece que essa pessoa, ou vampiro a partir do momento em que dê o seu sangue, seja a cem mil pessoas ou a uma, morrerá depois dessa hora. É como se a alma da pessoa, o que a mantém viva, fosse também misturada com o sangue.

- Um sacrifício. Mas e se agora estivesse aqui alguém que tivesse bebido o sangue de vampiro. O que farias?

- O que tu achas, Amanda? – Senti um arrepio e olhei em volta, imaginando Mark a matar alguém.

Gabriel aproximou-se de nós, passando-me discretamente um pequeno revólver de punho de madrepérola.

- São alunos. – Gabriel parecia possesso. – Alguns dos que viram os ataques sabem quem eles são. Ace e Mirach. Caramba, eu já falei com eles! Emily viu Ace a …atacar e a matar Joan, a amiga dela.

- Ace e Mirach? Os irmãos que andam no 11º? São eles? – Vi Gabriel a acenar e a vociferar, ao mesmo tempo que eu relacionava tudo e acenava a Mark, confirmando o que ele procurou durante três meses.

Eles eram alunos da escola. Eles eram iguais a nós. E estavam a matar-nos.

 

- Olhem, eu tenho uma ideia. – Imediatamente vi os dois rapazes a virarem-se para mim. Estávamos os três no quarto ao lado a tentar decidir o que fazer a seguir. – Eles são só dois. Se nós os três tentarmos… - Foi interrompida pelo toque do telemóvel de Mark que imediatamente atendeu.

- Trish! – Quase automaticamente tirei-lhe o telemóvel da mão pondo-o em alta voz e pousei-o numa mesa afastando-me, como por instinto, dele.

- Olá, caçador. Daqui fala o teu conhecido, Ace. Como vais? – Senti um arrepio ao ouvir aquela voz fria. Ao meu lado, Mark estremeceu e sentou-se na cama, com as mãos a taparem – lhe os olhos. A voz fria e controlada continuou – Espero que continues aqui nesta linda mansão, caçador. Afinal a tua irmã espera por ti, não é assim pequena? - Houve um compasso de espera. - Parece que ela não quer falar, caçador. Mas isso resolve-se. – A voz suave de Ace foi substituída por um grito de dor que destruía toda a esperança que nós ainda podíamos ter de sair daquela noite inteiros. Senti uma lágrima a escorregar no meu rosto e abafei um grito de protesto, levando a mão à boca. Gabriel estava encostado à parede a morder os lábios, o cabelo loiro a esconder os olhos. Mark tinha-se levantado e estava debruçado na mesa, viam-se os nós dos dedos brancos com a força que ele apertava a mesa. – Muito bem, chega. Acho que já te mostrei caçador que não estou para brincadeiras. Quero-te na ala leste, 3º andar, na 5º porta à tua esquerda daqui a quinze minutos, Mark. E sem brincadeiras. Se não aqui a pequena, vai sofrer mais um bocado. Seria um pena não seria? – Ouviu-se ele a desligar, e no nosso pequeno quarto, um andar abaixou, numa outra ala, o silêncio reinou, até que ouvi a voz de Mark, ainda debruçado na mesa a agarra-la com toda a força.

- Qual é o teu plano, Amanda?

 

Trish

Ouvi Ace a rir-se delicadamente ao mesmo tempo que pegava em mim e me deitava num divã.

- Sabes pequena, o teu irmão será uma deliciosa presa! Um caçador, disposto a tudo para salvar a sua família. – Ouvi – o outra vez a gargalhar e abri os olhos zonza, vendo-o sentado ao meu lado, num enorme cadeirão, um copo um um liquido agoirento, demasiado semelhante ao sangue, na mão. Mirach estava sentada à sua frente, observando-nos com um sorriso trocista nos lábios de um vermelho – vivo.

- Mirach, eu podia preparar umas armadilhas ao caçador. – Ela levantou uma sobrancelha e olhou para ele o sorriso trocista desaparecendo um pouco.

- Sim, podias. Mas acho que nós devíamos ir embora, ele está perto. - Ace pareceu considerar a situação por uns segundos e depois sorriu abrindo as mãos de par em par dizendo.

- Ora, Mirach esquece isso. Sinceramente acho que devemos divertir-nos e depois preocupamo-nos com ele. Afinal não é todos os dias que vampiros se revoltam contra o Mestre.

Ouvi Mirach a suspirar e Ace gargalhou.

- Ace acho que estás doido. Mas vai lá. Depois, não digas que não te avisei.

Ace levantou-se, e com cuidado para não pisar os corpos e escorregar no sangue que se espalhava pelo chão, saiu da sala.

 

- Ok vamos tentar não nos separar, sim? – Gabriel olhou para nós como para se certificar que tínhamos percebido. Quase como à espera dessa frase, ouviu-se um restolhar e eu espreitei pela janela, vendo formas pretas a passarem na noite.

- Rapazes acho que são morcegos.

- Merda! – Mark afastou-me da janela a tempo de eu ainda sentir a lufada de vento e um pedaço de vidro a passar de raspão na minha cara, fazendo um risco de sangue. Centenas de morcegos entraram pelas janelas. Gabriel puxou o casaco para cima da cabeça agarrando-me pelo pulso, obrigando-me a correr e ao meu lado ouvia o estrondo do revólver de Mark quando ele disparava ocasionalmente.

- Há uma despensa sem janelas, no corredor à direita – Gritei.

- Escondam-se lá, eu chamo-lhes a atenção!

- O que? Mark, não! – Vi Mark a correr, para o corredor esquerdo e tentei agarra-lo mas Gabriel agarrou-me e levando-me ao colo, abriu a porta da despensa precipitadamente fazendo-nos cair no meio de lençóis e almofadas. A porta fechou – se e a escuridão caiu sobre nós até Gabriel encontrar o interruptor, iluminando completamente a pequena despensa. Ainda ouvia os morcegos a baterem contra a porta da despensa, deitada debaixo de uma pilha de lençóis que Gabriel atirava para o lado, ajudando-me a sentar-me.

- Estás bem? - Acenei, passando a mão pela face e sujando-a de sangue, Gabriel fez uma careta e apontou para mim. – Tens um arranhão. Não parece ser muito grande.

Olhei em volta e peguei num lençol tentando tirar o sangue o mais possível.

- E agora? Mark não devia ter feito aquilo…Nós não nos devíamos ter separado!

- Acho que neste caso, Mark fez o mais acertado. Se nós os três estivesse-mos agora aqui escondidos, os morcegos não deixariam a porta em paz. Assim mais tarde ou mais cedo eles deixarão esta zona e nós podemos ir ajudar o Mark.

Abanei a cabeça desgostosa, e atirei o lençol para o lado. Gabriel respirou fundo e encostou-se à porta deixando-se escorregar até ao chão.

- Não fizeste perguntas. – Disse eu, dando conta desse facto subitamente.

Gabriel levantou uma sobrancelha.

- Perguntas sobre o quê?

- Sobre Ace e Mirach, o facto de eles chamarem “caçador” ao Mark e isso tudo…- Parei por momentos mordendo os lábios. – Porquê?

Ele encolheu os ombros.

- Para que? Para vocês me mentirem ou saber coisas que eu não quero saber? Foi uma escolha simples que eu fiz. Ajudar o máximo de pessoas que conseguir e continuar na máxima ignorância que conseguir. É um bom lema de vida, Amanda.

Olhei para ele e acenei, pensando que eu deveria ter feito algo parecido. Mas mesmo assim achei que ele sabia mais do que dizia. Ninguém, a ouvir o que nós ouvimos, teria reagido como o Gabriel reagiu. Por mais que ele clamasse a sua ignorância, Gabriel, por menos ou por mais, sabia o que nós enfrentávamos.

Inesperadamente deixámos de ouvir os morcegos a bater contra a porta e ouvimos passos do outro lado da porta. Erguermo-nos, os dois com as armas prontas. Gabriel empurrou-me contra as prateleiras do fundo e murmurou entre dentes:

- Eu disparo, tu foges. – O rapaz conseguia ser sucinto ao extremo.

A porta abriu-se e um rosto olhou para nós com curiosidade. Só tinha visto um rosto branco e uns olhos negros e Gabriel já disparava. O rapaz foi projectado para trás batendo contra uma porta que estalou com violência e eu empurrada por Gabriel, corri pelo corredor e senti os morcegos a caírem em cima de mim. Preparei a arma e com sorte consegui acertar em alguns morcegos.

 

Trish

Mirach deambulava pelo quarto, tirando e pondo livros na estante e assobiando a música sinistra. Desviando com desprezo um corpo, olhou para mim sentada num cadeirão.

- Estou com curiosidade. O que vocês, caçadores sabem sobre nós?

Irracionalmente comecei a rir.

- Dá-me a ideia que sabemos alguma coisa sobre vocês.

- A sério? - Ela olhou para mim com um ar de riso. – Dizes isso, mas não sabes o principal. Como vais morrer esta noite, vou contar-te uma coisa sobre a nossa raça. – Pegou numa bola de vidro e rodou-o na mão. – A nossa espécie está em extinção. Não, corrijo-me, a nossa espécie está a ser transformada. Temos um novo mestre, diferente de todos os que já existiram antes dele. Ele não pode ser chamado de vampiro. Mas controla-nos mais do que qualquer outro e é mais poderoso que todos nós. E não está sozinho. Com ele vieram outros tão poderosos como ele e que nos impuseram novas regras. Não podemos fazer massacres como este. É um crime, punido com a morte. E o pior é que o próprio mestre está aqui, atrás de nós. Acho que o teu irmão só se têm que manter vivo para ter a sua vingança depois da tua morte. Mas agora, eu pergunto-me…e se o Mestre tiver razão? – Ela olhou mais uma vez para a bola de vidro, e virou-se para mim sorrindo. – Parece que brevemente a organização já não terá que existir.

 

Amanda

Não sei bem de onde, o braço de Mark apareceu e agarrou-me e puxou-me para dentro de um quarto. Apontei para debaixo da cama, parecendo-me o esconderijo mais idiota, mas Mark só acenou e deslizámos para debaixo da cama. Não demorou muito a ouvirem-se passos no corredor em direcção ao nosso quarto. Fechei os olhos e dei comigo a rezar para que Gabriel estivesse vivo. Ao meu lado, Mark sempre de olhos postos na porta, punha balas na arma. Mas os passos deixaram-se de ouvir e eu notei pela primeira vez a lareira que estava ao nosso lado. De lá ouviam-se asas a bater e via-se poeira a cair. Rolei, e de lado, consegui disparar mal vi o primeiro morcego a sair disparado da chaminé. Miraculosamente, acertei.

Mas como uma massa compacta negra caíram centenas de morcegos para dentro do quarto. Gritei e tentei manter os olhos abertos, para conseguir acertar nos malditos morcegos. Só reparámos na porta aberta, quando um braço irrompeu debaixo da cama agarrando Mark, arrastando-o e atirando-o contra a parede.

Não sei como, vi-me de pé encostada à parede. À minha frente, um rapaz alto, de cabelo castanho imperturbável no meio dos morcegos, agarrava Mark pelo pescoço, mantendo-o suspenso no ar. Mesmo assim Mark esvaziava o tambor da arma contra o peito do rapaz. As balas acabaram e o rapaz, Ace, sem uma gota de sangue, sem um trejeito simplesmente suspirou e disse.

- Vocês caçadores são exasperantes. – Mark sussurrou uma frase, que eu não consegui ouvir e o Vampiro só abanou a cabeça, desaprovador. – Eu não disse? Exasperantes.

Empunhando a minha ridícula arma de punho de madrepérola, saltei para cima da cama e segurando-a com as duas mãos disparei quase à queima – roupa contra à cabeça dele. A cabeça dele virou com a força do impacto, como se ele tivesse levado uma chapada e largou Mark. Mas mesmo assim com as dezenas de feridas de várias balas, ele só olhou para mim furioso. Pelo canto do olho, vi um borrão ruivo a aparecer na porta e Gabriel com a sua caçadeira enorme, despejou meio tambor em cheio na cabeça de Ace. O vampiro, como que rodopiou no ar caindo de costas.

Corri para Mark e levantei-o, arrastando-o até à porta, onde Gabriel com uma ferida na cabeça olhou para nós sorrindo ligeiramente.

- Eu empatou-o, enquanto vocês salvam a Trish.

Acenámos, e corremos em direcção às escadas que nos levariam ao maldito terceiro andar.

 

Trish

Mirach continuava a deambular na sala e a mexer nos livros, quando surpreendida vi Mark acompanhado por uma Amanda pálida, coberta de sangue a abrirem a porta. Mark, imediatamente percorreu a sala a correr encurralando Mirach contra as prateleiras, a arma apontada à cabeça. Amanda correu para mim e baixou-se tocando-me no ombro delicadamente, sorrindo-me nervosamente

- Estás bem? Consegues andar?

- Não estou muito bem, mas consigo andar. – Imediatamente, ela segurou-me no braço, e passou-o por cima dos seus ombros.

- Calma! – A voz de Mirach, calma mas com autoridade, ouviu-se na sala e senti Amanda a parar com relutância olhando para ela. – Eu posso ajudar – vos. Não posso dizer que estou aqui completamente de livre vontade. Se vocês me ajudarem, eu ajudo-vos a sair daqui e a salvarem quem quiserem.

Ilogicamente eu confiava em Mirach. Ela não queria estar ali e secretamente concordava com o novo mestre deles. Surpreendida vi Mark a acenar imediatamente.

- Ok, se tu mantiveres a tua palavra e não nos traíres eu tentarei interceder por ti. Mas só eu estarei aqui contigo. Elas irão embora.

Mirach só olhou para nós de relance e encolheu os ombros.

- Por mim…

Mark acenou e respirou fundo, guardando a arma e virando-se para nós.

- Trish, estás bem? – Mark agarrou-me pelos ombros e sem esperar que eu respondesse continuou. – Nunca mais me faças isto.

- Sim Mark, eu estou bem. – Ele sorriu e despenteou-me o cabelo. Em seguida ficou sério e olhou para nós as duas.

- Vocês as duas tem que sair daqui o mais depressa possível. Conheces alguma saída rápida, Amanda?

- Sim. Há umas escadas de emergência numa sala aqui perto, podemos sair por lá. Mas e tu?

- Não há problema. A nossa família deve estar a chegar e com a ajuda do Gabriel e de Mirach acho que não terei problemas. – Mas Amanda não pareceu convencida e olhou insegura para Mirach que indolentemente estava sentada no cadeirão.

- Acho que consigo lidar com ela. Não sei porque, confio nela. – Mark suspirou, ao ver que ela continuava insegura. - Amanda por favor. Trish só consegue com a tua ajuda e ela precisa de cuidados.

- Ok. Mas vê lá o que fazes. – Ela sorriu e nós os três abraçamo-nos, no que nós esperávamos ser um “até breve”.

Amanda

Empurrei as portas duplas enormes que davam para o salão e nós as duas suspendemos a respiração. À nossa frente estava o que parecia um campo de batalha. Dezenas de jovens estavam caídos estranhamente todos encostados às paredes formando como um ringue no centro da sala. Uma verdadeira carnificina. Como que um presente macabro para mim, deitada no sofá, a garganta rasgada, estava a minha melhor amiga, Isabella. Reprimi um soluço e desviando o olhar, continuei até à janela enorme da parede do fundo, lembrando-me de Emily, agora aterrorizada no andar de baixo, a mostrar-nos a escada que o pai tinha instalado em caso de emergência mas que era mais útil para ela sair às escondidas.

- Lamento pela Isabella. – Olhei para Trish com o olhar nublado pelas lágrimas e esbocei um sorriso fraco. Trish só abanou a cabeça, fechando os olhos de cansaço e dor. – Nada disto deveria ter acontecido. Eu e Mark nunca deveríamos nos ter envolvido tão pessoalmente.

- Pessoalmente?

- Sim. Se não nos tivéssemos envolvido tanto, eu nunca teria tentado seguir Mirach e caído na armadilha deles. E Mark, bem, Mark nunca teria deixado de procura-los para por uma civil a salvo. – Nessa altura, ela sorriu e disse quase num sussurro. – Não podes dizer que ele não te adora. E agora nós fizemos um erro, morreram pessoas e tudo porque somos jovens, demasiado jovens.

- Vocês não deviam ser obrigados a fazer isto. – Disse eu com tristeza.

- E não somos. Mas simplesmente a partir do momento em que sabemos a verdade, não podemos, não conseguimos estar parados. Não podemos ignorar, que nós podemos impedir pessoas de serem mortas, transformadas em monstros.

Por momentos, fiquei furiosa com Mark. Quando ele me contou, ele já sabia qual seria a minha escolha. Sabia, que tal como eles, eu seria incapaz de virar as costas e sair pela porta. Mas ele também sabia que, mesmo que não me contasse, eu o seguiria na mesma.

Com um sorriso, abri a janela e ajudei Trish a sair para as escadas. Pelo canto do olho, vi uma mancha ruiva num recanto escuro. Gabriel.

- Trish, consegues chegar até aos teus pais sozinha?

- Acho que sim. – Disse ela com um certo ar de dúvida. Com meio corpo fora da janela, abracei-a.

- Irei ter contigo daqui a pouco. Mas primeiro tenho que fazer uma coisa.

- Sabes que o Mark vai me matar, não sabes?

- Eu assumo toda a responsabilidade. – Sorri e vi-a a descer as escadas. Depois fechei a janela e corri para a beira de Gabriel.

- Gabriel? – Não sei como ele ainda respirava. Tinha a garganta rasgada, golfadas de sangue saiam-lhe das mais variadas feridas, mas mesmo assim ele mexeu-se gemendo.

- Amanda, cuidado Ace ainda…- Antes que ele completasse a frase, senti um arrepio. Virei-me e vi os grandes olhos negros de Ace a sorrirem para mim.

Como num filme vi-o a abraçar-me, os lábios frios dele, encostados ao meu pescoço, numa carícia mortal. Senti os dentes dele a perfurarem-me a pele, o meu próprio sangue a jorrar.

E cai numa escuridão, sentindo, ouvindo não uma pessoa mas centenas, milhares a gritar de dor, raiva, abraçando-me, sussurrando “Resiste. Luta. Estamos contigo. Irá melhorar.”. Mesmo assim escorreguei numa escuridão de veludo sentindo-me mais sozinha que nunca.

 

Gabriel

Furioso, vi Ace a sugar a vida de Amanda, num abraço mortal. Não podia fazer nada, eu o mestre dele, imponente graças a um truque de terceira categoria. Lentamente, Ace deixou escorregar o que agora não era mais que uma casca, levantando-se e sorrindo para mim mostrando os caninos repletos de sangue.

- Mestre Gabriel. Espero que não se mostre chocado, com a nossa conduta. Mas acredite, é um banquete em sua honra. Temos pena que o Mestre não queira participar e por isso tivemos que recorrer a estes desagradáveis truques, como a água benta que agora o rodeia. – Ele suspirou. – Espero que o Mestre nos perdoe e que passe a apreciar estes pequenos momentos.

Olhei para ele tentando me recordar do momento em que tinha acreditado que podia mudar aqueles devoradores, sedentos de sangue. Eu e os meus companheiros não éramos mais que uma mutação, revolucionários, numa sociedade que acreditava em banquetes de sangue. Mas agora, se eu sobrevivesse a esta noite, tudo iria mudar. Eu por direito, o primeiro filho que o anterior mestre criou, era agora o rei dos condenados, o seu mestre. Nós éramos os vampiros mais humanos que alguma vez tinham existido, mas também éramos os mais poderosos capazes de dominar o mundo sem uma gota de sangue. Os outros eram simplesmente, uma espécie em extinção.

Uma bala atravessou a sala e acertou na perna de Ace que surpreendido, moveu-se como o vento, aparecendo furioso no outro lado da sala.

Mirach avançou para mim e fez-me uma pequena vénia, sorrindo.

- Mestre.

Surpreendido, acenei e esperei a reacção de Mark quando visse o corpo que estava aos meus pés. Estava triste por Amanda. Durante o tempo, que tinha estado na escola para vigiar Ace e Mirach tinha-a conhecido bem e respeitava-a, como uma Humana de valor e única.

- Amanda! – Ele correu para a nossa beira, e de joelhos ergueu o corpo dela, sacudindo-a. Vi-o a abraça-la, um soluço a percorre-lo e tentei lembrar-me, nos tempos vagos em que eu era humano, daquele amor que nos ligava às pessoas que nos rodeavam.

Ao meu lado Mirach e Ace combatiam numa batalha mental privada. Tinha pena de perder aqueles dois.

Passaram-se minutos de silêncio, e então Mark pousou o corpo de Amanda, delicadamente. Levantou-se e virou-se para mim, engatilhando a arma.

- Vamos mata-lo.

Quase que sorri, impressionado por aqueles humanos que não hesitavam em caso de vingança. Era refrescante ver isso numa espécie que os meus companheiros vampiros diziam não ser mais que seres egoístas que mereciam ser punidos pelo que tinham feito ao nosso mundo e até aos Inocentes da sua própria espécie. Nenhuma espécie, raça deve ser o carrasco de outra, por mais que uma ache que é superior a outra.

Concentra-te Gabriel! Olhei para Mark que agora me encarava interrogativo.

- Desculpa, diz?

- É só água benta o que te rodeia? – Dei-me conta que Mark estava a gritar e só aí dei conta que à nossa volta ocorria um combate épico. Mirach e Ace lutavam com todas as suas forças chocando um contra o outro com um estrondo que abanava a casa.

Mirach bateu contra a parede ao nosso lado e rosnou de fúria para Ace que do outro lado da sala se segurava, arfante, contra a parede. Então os dois, como se planeado, voaram ao mesmo tempo contra o tecto da sala fazendo com que parte dele desabasse.

Mark abanou a cabeça, gritando no meio do pó:

- Eles ainda nos matam! – Olhou em volta e pegou numa garrafa de vinho que estava em cima de uma mesa de vidro. Desviou-se de um pedaço do tecto e atirou o conteúdo da garrafa para os meus pés quebrando as grades da água benta.

Nesse instante, nos céus entre as nuvens, ouvi um rugido de Ace que segundos mais tarde caía com estrondo, bem no centro da sala mandando estilhaços da pedra do chão por todo o lado. Mark atirou-me uma garrafa de couro, sorrido de prazer antecipado.

- Ele não é o único com água benta.

Mantendo a garrafa afastada de mim, despejei-a em cima do corpo moribundo de Ace, que agora jazia numa cratera no centro da sala.

Impassível ouvi-o a gemer de dor e atrás de mim ouvi os sussurros das orações de Mark. Os caçadores tinham uma série de rituais engraçados antes de executarem um vampiro. Ele parou ao meu lado com uma adaga brilhante na mão.

- Sem problemas, Vampiro? – Perguntou-me ele, com um sorriso por tudo assustador. Encolhendo os ombros, perguntei-me vagamente onde é que ele tinha desencantado a adaga.

Sentei-me num cadeirão, observando Mark a saltar para a cratera e debruçando-se disse alguma coisa a Ace que só os dois conseguiam ouvir. Mark afastou-se e olhou com desprezo para ele. A adaga cintilou por momentos no ar e desceu com fúria.

Mirach pousou suavemente ao meu lado. Vi, surpreendido, uma lágrima de sangue a marcar-lhe o rosto.

- Mestre, acho que a partir de agora a sua empreitada terá sucesso. Nós éramos os últimos opositores e ambos desaparecemos.

- Mas tu ainda estás aqui, Mirach. Ainda te podes juntar a nós. Ninguém te acusará de nada.

Via-a a abanar a cabeça, o cabelo loiro a cair suavemente pelas suas costas.

- Eu e Ace não poderíamos viver separados. E como Ace deixou de existir, eu também deixarei de existir. E Mestre, o perdão é uma coisa inacessível na nossa raça. Assim acho que vou expiar todos os meus pecados. Nesta mansão existem muitos humanos que eu posso salvar.

Imediatamente Mark agarrou no braço de Mirach.

- Podes salvar a Amanda!

- Não. – A única palavra cristalina, pura deixou Mark furioso. Abanou uma Mirach impassível gritando.

- Sua miserável! Eu sabia que tu não eras diferente dos outros! O que farás agora? 

- Não, Mark. – Afastei-o de Mirach. – Calma. Mirach não pode fazer nada para salvar Amanda ou qualquer outra vítima de Ace! Ela só pode devolver a essência a quem ela destruiu. – Como uma vela sem oxigénio, Mark apagou-se, afastando-se de nós. Senti a sua dor, perguntando-me como viveriam os Humanos debaixo desta pressão. Encostou-se à parede, deixando-se escorregar fechando os olhos. – Lamento.

Ficamos todos em silêncio, mas num sussurro Mark falou.

- Mas há uma maneira, não há? Se um de vocês me morder, eu poderei salvar quem eu quiser. Acabarei por morrer, mas poderei salvá-los, certo? – Olhei para ele surpreendido por ele saber aquilo.

- Sim é verdade. Mas só terás uma hora para fazeres isso e depois morrerás. Vais trocar a tua vida por a dela?

- Não por a dela. Por eles todos. Por todos que foram destruídos por Ace. Eu posso salvá-los e assim corrigir o meu erro. – Olhei para ele espantado. Aquilo passava – me completamente ao lado. Lembrava-me de numa época distante, quando era humano, sentir um amor profundo pela minha família e de inconscientemente saber que me sacrificaria por eles. Mas aquilo era único. Ele era capaz de só amar Amanda, mas tinha escolhido perder toda a sua vida por eles todos. Não era por ela, era por eles. Por tudo o que eles simbolizavam.

Acordei dos meus devaneios, com Mirach ao meu lado a ronronar.

- Adoraria destruir parte do caçador, que destruiu o meu irmão. Por isso se essa á tua escolha caçador…Mestre só preciso do teu acordo.

- Tens a certeza disto, Mark? Amanda nunca te irá perdoar por isto. E Trish também não.

Vi-o a levantar-se lentamente e a parar à minha frente, com os punhos firmemente cerrados.

- Sim. Isto é minha culpa e serei eu a sacrificar-me por isto. Mais ninguém.

Acenei.

Um sacrifício por todos.

Vi Mirach a aproximar-se de Mark um rapaz humano destemido. Mirach abraçou-o, os lábios dela a morderem delicadamente o pescoço de Mark, que sucumbiu. Depois de sugar algum do sangue dele, deixou-o cair rudemente e com as unhas fez um corte no seu braço, deixando cair umas gotas na ferida recente.

Passaram-se alguns segundos e a transformação começou, mudando-o de um fraco rapaz humano para um vampiro. Mas essa transformação nunca seria concluída, pensei com algum pesar. A primeira etapa acabou e Mark levantou-se, as feridas todas curadas com lágrimas de sangue a escorrer-lhe pela cara.

- Lembrai-vos que temos uma hora e só uma hora. – Avisei-os.

-E tu Mestre o que farás? – Perguntou Mirach, sugando o sangue da ferida do seu braço.

- Vou procurar os jovens que não estão feridos e tirá-los daqui. Aproveitarei e também tratarei do corpo de Ace.

- Terás que distrair a Organização. Eles devem estar a chegar e se chegarem antes de eu e da Mirach acabarmos eles de certeza que nos vão tentar impedir. – Disse Mark, com um tom estranho de voz, abrindo e fechando as mão com força.  Acenei e vi os dois a saírem a correr da sala, antes de me baixar à beira do cadáver de Ace.

 

 

- Tiveram problemas? – Perguntei, mal entrei na maldita sala.

Mirach estava nesse momento a acordar um rapaz. Encostava os lábios aos dele, e piscando-me um olho, suspirou. Passados alguns segundos vi o peito do rapaz a erguer-se, a cor a voltar à sua pele.

Mirach sorriu e deixou-o cair.

- Temos 10 minutos e só me falta um humano. Ainda dá tempo para eu fazer o meu testamento. – Sorriu-me e levantou-se, segurando-se à parede. – Infelizmente o meu corpo não está a gostar da ideia de morrer.

  Olhei para o lado e vi Mark, com o braço cheio de pequenos cortes, sentado no chão as costas encostadas à parede. Tinha o braço esticado e fazia outro corte deixando as gotas de sangue caírem na ferida de uma rapariga. Ele olhou para mim, a pele de um estranho tom de cinzento.

- Amanda. Só falta ela. - Disse ele, num tom fraco. Atravessei a sala e ajudei-o a levantar-se. – Parece que o meu sangue não é tão forte assim.

- Não tinhas que fazer isto. Eu podia tê-lo feito assim como a Mirach o fez. E tu podias ter vivido Mark. Ao lado da Amanda, como devia ter sido. – Pus o braço dele à volta do meu pescoço nós os dois a arrastarmo-nos.

- Não. Tu tinhas que viver. Tu és o Mestre. Tu irás fazer mais do que a Organização já fez em todos estes anos. Se tu morresses agora as tuas ideias iriam desaparecer e o que aconteceu hoje iria acontecer outra e outra vez. Agora há uma oportunidade. Um vampiro sacrificou-se por humanos e trabalhou em conjunto com um caçador.

- E Amanda? – Vi-o a fechar os olhos.

- Ela entenderá. 

Parámos ao lado do corpo dela, o cabelo ruivo espalhado à volta dela. Mark soltou-se e encostou-se à parede.

- Gostei de te conhecer Mark.

- Eu também, Gabriel. Espero que consigas salvar-nos.

- Não te preocupes. Eu não deixarei que vocês morram em vão.

- Protege-a. A ela e à minha irmã. Elas são muito sujeitas a desgraças. – Uma gargalhada, atravessou-se nos seus lábios. – Diz a minha família que os adoro. – Ele sorriu e pousou uma mão no meu ombro, apertando-o. – Boa sorte, Gabriel.

Afastei-me, vendo-o a deixar – se escorregar ao mesmo tempo que pegava numa faca e fazia mais um corte no braço.

Virei costas e aproximei-me de Mirach que tinha acabado de acordar a sua última vítima e que agora estava sentada no chão, encostada à parede. Sentei-me ao lado dela e pus-lhe um braço à volta dos seus ombros.

- Estou cansada Gabriel. Já estava cansada antes disto tudo começar. Eu nunca quis ser um monstro. Mas aqui estou eu. Um monstro camuflado de Anjo.

- Lamento pelo Ace.

- Não, não lamentas. Tu sabias que o tinhas que matar mais cedo ou mais tarde. Só o adiaste porque sabias que quando o matasses também me irias matar a mim, e isso tu não querias, pois não? – Do outro lado da sala, ouvi a voz de Amanda a acordar.

Quatro minutos.

Abracei-a, a cabeça dela pousada no meu ombro e sussurrei, num tom que nenhum humano ouviria.

- Mas sabes que lamento por ti. Nada disto deveria ter acontecido, Mirach. Foi tudo um erro. – Ouvi-a a rir-se.

- Mas aconteceu, Gabriel. E se aconteceu era porque estava escrito. – Um compasso de silêncio e senti a mão gelada dela na minha face, virando-me a cara para ela. – Não chores, Gabriel. – Espantado, senti pela primeira vez as lágrimas de sangue a correrem-me na face.

- Desculpa por tudo. Por tudo que te disse, no dia da reunião. – Vi-a a fechar os olhos a suspirar.

- Tu tinhas razão. Eu nunca deveria ter seguido Ace. Devia ter ficado do teu lado. – Uma gargalhada sombria passou pelos seus lábios. – Acho que este é o meu castigo.

Ri-me, sentindo as lágrimas de sangue a caírem e acariciei a face dela.

- Adoro-te. – Disse entre soluços e senti que ela estava prestes a morrer.

- Sim, eu sei. – Sussurrou com um sorriso e simplesmente fechou os olhos.

Fechei os olhos com força e desejei voltar aquele dia, impedi-la de sair da reunião. E rezei, pela primeira vez, pedindo que me desse outra oportunidade. Mas sabia que isso não ia valer de nada.

Do outro lado da sala ouvi Amanda a chorar.

E então, tarde de mais demasiado tarde, Trish entrou a correr na sala sendo acompanhada de meia organização, Humanos que imediatamente viraram todas as suas armas para mim que simplesmente olhei para eles, vendo-me reflectido nos seus olhos, chocados. Um vampiro loiro, lágrimas de sangue a contrastarem na face branca mas com enormes olhos azuis. Eles hesitaram e a voz de Amanda subiu.

- Deixem-no em paz. Ele é que nos salvou. A culpa disto tudo não é dos vampiros é vossa! Vocês deviam ter estado aqui! Onde é que vocês estavam enquanto nós morríamos?

- Mark. – Ouvi a voz de Trish, um lamento sussurrado. Olhei para lá e vi-a de joelhos ao lado do corpo do irmão. Ao seu lado estavam dois Humanos, um homem e uma mulher abraçados. A voz do homem ouviu-se subitamente.

- O que correu mal? Porque que raios é que vocês não vieram ajudar os meus filhos?

Senti o embaraço dos homens à minha frente e um deles avançou.

- Eu lamento, Benjamin. Houve uma falha na informação e o grupo de jovens que nos apareceram estavam histérico. Pensamos que eles só tinham visto um ataque, nunca imaginamos que os caçadores estavam separados e … - O homem do grupo parou desmotivado ao perceber que a mulher olhava para ele furioso.

- É essa a vossa desculpa por o meu filho ter morrido?

Senti uma mão quente no meu ombro e vi Amanda à minha frente, chorando.

- Lamento. – Sussurrou. Pousei delicadamente o corpo de Mirach e levantei-me, vendo os humanos da organização a virarem-se todos para mim armas a postos. Eu e a Amanda ignorámo-los e abraçamo-nos as minhas lágrimas de sangue a misturarem-se com as lágrimas dela.

Tinha acabado.

 

Amanda

Era como se estivesse a ser puxada da escuridão. Ouvia as lágrimas e os gritos das almas que me rodeavam, gritavam e choravam por mim abraçando-me.

Então simplesmente acordei. Estava a olhar para um enorme buraco no tecto onde se viam as estrelas a desaparecer lentamente enquanto o Sol nascia. Deixei a minha cabeça cair para o lado e vi Mark deitado ao meu lado a pele de um estranho tom cinzento.

- Lembras-te? Um sacrifício. Só isso. – Fechei os olhos e comecei a sentir as lágrimas a caírem.

- Não. Porquê? Tu não devias ter feito isso!

- Claro que devia. E tu sabes.

Virei-me e fiquei de frente para ele.

- Quanto tempo?

- Quatro minutos.

Não sei porque ri-me entre lágrimas e pela primeira vez reparei que lágrimas de sangue marcavam a face de Mark. A mão dele pousou na minha face, limpando-me as lágrimas.

- Não foste tu que me disseste que acreditavas em vidas anteriores e que cada pessoa já se tinha conhecido nessas vidas? – Acenei. – Então nós voltaremos a conhecermo-nos e estaremos juntos. Verás.

- Se assim for não nos vamos lembrar. Cometeremos os mesmos erros uma e outra vez e no final um de nós estará morto.

- Não sejas tão pessimista. – Suspirou Mark. – Mas lembra – te faças o que fizeres não confies, nunca confies na Organização.

- Eles deviam ter estado aqui, não era?

- Sim, já há muito tempo

Vi-o a fechar os olhos, cansado.

- Diz adeus à Trish por mim. E confia em Gabriel. Não te esqueças.

- Claro. – Surpreendentemente não havia mais nada a dizer. Não havia nada a perdoar, nada a culpar.

- Porque é que fizeste isto? Tu podias ter vivido!

- Achas? Como é que eu viveria sabendo que todas estas pessoas morreram por minha culpa?

Não falei e aproximei-me dele, os dois deitados no chão, encostados um ao outro.

- Lamento. – Disse ele, baixinho.

- Nós os dois lamentamos. – Sorri entre lágrimas e encostei a minha cabeça à dele. - Sabes que adoro-te.

- Sim, eu sei. – Vi-o a fechar os olhos e senti-o a exalar um último suspiro.

As lágrimas correram-me livremente e ouvi Gabriel a chorar do outro lado da sala.

E naquele momento entrou na sala a organização, com Trish à frente, que imediatamente correu para à minha beira ajoelhando-se ao lado de Mark.

Levantei-me furiosa ao vê-los a apontarem as armas a Gabriel.

- Deixem-no em paz. Ele é que nos salvou. A culpa disto tudo não é dos vampiros é vossa! Vocês deviam ter estado aqui! Onde é que vocês estavam enquanto nós morríamos?

Eles olharam para mim embaraçados e atrás de mim ouvi Trish a sussurrar.

- Mark.

Um homem e uma mulher aproximaram-se e ficaram parados a chorar, abraçados um ao outro. O homem falou, discutindo com a organização. Deixei de ouvi-los e olhei outra vez para o corpo de Mark. Não era justo.

Afastei-me e pus uma mão no ombro de Gabriel, sussurrando.

- Lamento. – Ele levantou a cabeça, as lágrimas de sangue a caírem. Pegou no corpo de Mirach desviando-o cuidadosamente e levantou-se, e imediatamente as armas da Organização estavam todas apontadas a nós. Ignoramo-los e a abraçamo-nos, com as nossas lágrimas a misturarem-se.

Tinha acabado e nós tínhamos morrido.

 

Amanda

 

Fuga de Gás faz dois mortos em Woodley.

 

Estas eram as manchetes dos jornais nos dias seguintes. Era a desculpa oficial, corrobada por uma centena de jovens a quem o Gabriel cuidadosamente implantou esta falsa memória. Mirach e Mark tinham morrido por inalação de gás depois de terem tentado retirar toda a gente da casa. Heróis até ao fim.

Mas não é a verdade. E dos humanos só a organização e eu é que sabemos a verdade. Os novos heróis de Woodley era um vampiro e um caçador de vampiros.

Têm a sua ironia não é?

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado de ler Diabolus. É a minha primeira história acabada e acreditem está muito diferente do que eu imaginava no inicio.
Esta história toda veio de um sonho que eu tive @_@, parte do qual eu reproduzi na parte em que Mark e Amanda se escondiam debaixo da cama.

Espero que tenham gostado e não se esqueçam deixem um comentário, ou uma bolacha, para impedirem-me de escrever mais porcarias como esta o/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Diabolus Simia Dei" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.