Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 1
Problem Child


Notas iniciais do capítulo

Fic dedicada ao Orphelin, que é um querido S2
Ele também é meu carneiro-beta, então, meus agradecimentos a ele pela revisão =3
Fanart por とりのえりと



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Change of Heart

"Apesar de nossas brigas, apesar de sua má-criação, apesar das exigências e caretas que fazia, sem falar na vulgaridade, no perigo e na horrível desesperança de tudo aquilo, eu ainda residia no paraíso de minha escolha, um paraíso cujo céu tinha a cor das chamas do inferno, mas ainda assim um paraíso."
Lolita – Vladimir Nabokov

***

Capítulo I

O que eu quero eu guardo
O que eu não quero eu esmago
E eu não preciso de você
Problem Child - AC/DC

A primeira vez que Aiolia o viu, achou que Mu era a pessoa mais estranha do mundo. Poderia facilmente ter saído de algum fabuloso mito grego.

Seu rosto sereno possuía a pele tão clara que era quase lívido. Era um rosto muito sereno. Seus cabelos eram os mais longos que Aiolia já vira na vida. E havia os sinais. Duas curiosas marcas vermelhas na testa que ele criativamente inventava histórias diferentes a cada vez que lhe perguntavam sobre a origem delas.

Conheceram-se na infância.

Na infância de Aiolia, não na de Mu, que era quase sete anos mais velho. Possuía a mesma idade do irmão mais velho de Aiolia, um rapaz educado chamado Aiolos.

Um dia, quando Aiolia contava com oito anos, Aiolos apareceu com o novo amigo. Mu sorriu amigavelmente ao ser apresentado. Aiolia teve que se controlar. Queria apontar um dedo para a testa do outro e perguntar o quê eram aquelas pintinhas vermelhas.

– Ele é idêntico a você! – exclamou Mu, curvando-se para olhar melhor o menino.

E era mesmo. Quem olhasse as fotos de Aiolia e as de Aiolos crianças não saberia dizer quem era quem. Possuíam os mesmos olhos claros – de um verde misturado com azul. Os mesmos cabelos cor de mel e levemente dourados. O mesmo formato de boca e nariz. Os traços infantis da feição do menino ainda eram perceptíveis no rosto adolescente de Aiolos.

As personalidades não se pareciam tanto assim. Na verdade, não eram nada parecidas. Aiolos era tranquilo e afável desde pequeno. Sempre muito educado e solícito. Aiolia, por sua vez, era difícil. Muito difícil. Uma personalidade impetuosa e indócil. Difícil demais, Mu logo concluiria.

Tinham uma tia, versada em astrologia, que culpava as estrelas. Haviam abençoado o menino com o signo de Leão, veja só! Temperamento ardente e líder nato, as coisas não podiam ser de qualquer jeito para ele.

Aiolos, sagitariano e otimista, não se preocupava muito com isso. Aiolia estava bem mais controlado do que quando tinha cinco anos e vivia vermelho de raiva. Acreditava que o caçula continuaria a se apaziguar naturalmente conforme crescesse. Era mesmo um menino cativante e risonho, de modo geral.

Aiolia sorriu satisfeito para Mu, porque gostava de se parecer com o irmão. Mais do que isso, ele o adorava. E, a partir daquele dia, Mu tornou-se uma presença constante na casa, o melhor amigo de Aiolos. Era um feito notável considerando que, apesar de sociável, Aiolos não costumava ter amigos assim tão próximos a ponto de viver para cima e para baixo com eles.

Mas Mu sempre havia sido diferente, não é? Tanto que começou a intrigar Aiolia, que era muito possessivo em relação ao irmão. A tia astróloga comentara, em um dia qualquer em que os visitara, que Sagitário e Áries possuíam uma boa afinidade. Mu era ariano.

Bobagens!

Mu sempre era agradável e educado. No inicio, Aiolia tinha boas relações com ele. Mas o tempo tende a alterar algumas coisas e, mais de um ano depois, Aiolia começou a ficar incomodado com a quantidade de tempo que o irmão passava com Mu. Porque era menos tempo para ficar consigo.

Quando Marin, sua amiga, perguntou-lhe porque estava tão pensativo num dia desses, na escola, Aiolia falou que seu irmão vivia ocupado ultimamente. Ocupado demais. Omitiu suas suspeitas de que a culpa fosse de Mu.

– Vai ver ele arrumou uma namorada...

Aiolia franziu o cenho diante de tal ideia inusitada. Garotas eram tão chatas! Com exceção de Marin, que era surpreendentemente legal. Ela prendia os cabelos cor de cobre com duas fitas azuis. Tinha as faces rosadas. Mas os joelhos sempre ralados – como os de qualquer menino que ele conhecia. Gostava de algumas brincadeiras típicas de meninos. Marin não possuía muita afinidade com outras meninas.

Uma voz cantarolante interrompeu seus pensamentos:

Dois namoradi-nhos, só falta dar beiji-nhos!

– Não enche, Afrodite! – Aiolia retrucou, impaciente.

Mas Afrodite não sossegou e logo Aiolia estava correndo atrás dele, esquecendo-se da teoria sobre o irmão.

À noite, porém, quando Aiolos chegou, resolveu interpelá-lo sobre um indesejável namoro. O irmão arqueou as sobrancelhas, surpreso. Era uma pergunta inesperada e ele ficou meio desconcertado. Tinha dezesseis anos, é claro que já saíra com algumas meninas, nada sério. Mas o caçula nunca fizera aquele tipo de pergunta antes. Havia uma menina...

– Mas ela não é minha namorada. Às vezes saímos e só.

Aiolia não se interessou e Aiolos ficou satisfeito por isso. Dois minutos depois, o menino perguntou:

– Mu tem namorada?

– Não... – e a pergunta fez Aiolos refletir que, além de não ter namorada, Mu nunca era visto por aí com alguma garota. – Não que eu saiba... – acrescentou, por fim.

– Hm...

– Por que está pensando tanto? – o mais velho quis saber, bagunçando os cabelos dele.

Aiolia mordeu o lábio inferior e franziu as sobrancelhas, os olhos brilhantes, aparentando muita concentração. Então, veio a pergunta que o perturbava, saída num rompante:

– Você gosta do Mu?

Aiolos hesitou um instante. Talvez inconscientemente preocupado com o rumo que a conversa tomava. Oh, Aiolia era só um garotinho, o que podia existir de mau?

– Sim, bastante – e acrescentou, por via das dúvidas: - Ele é como um irmão pra mim. Assim como você.

Foi a pior coisa que podia ter dito. Aiolos não tinha ideia, mas ainda se arrependeria de suas palavras. Só que isso seria depois. Na hora, ficou aliviado porque Aiolia parou com as perguntas. Assim, saiu assoviando, não sem antes bagunçar novamente os cabelos do caçula.

Aiolia só ficou parado ali, dominado por diversos sentimentos. Eram sentimentos intensos e primitivos, não aplainados pelas sutilezas, não atenuados pelo tempo. Experiência e sabedoria são esplêndidas, mas não fazem nada para intensificar os sentimentos, nem tornam mais claras as percepções e as emoções. As pessoas sabem que isso também passará, e esse conhecimento diminui tanto o prazer quanto a dor, tanto o amor quanto a cólera. As crianças são menos qualificadas nos seus sentimentos e Aiolia odiou Mu com um sentimento tão puro que nenhum adulto poderia igualar.¹ Mu tinha se voltado contra ele. Estava roubando seu precioso irmão. Seu irmão. Seu e de mais ninguém.

Daquele dia em diante, começou a tormenta para Mu. Sempre que aparecia, Aiolia se tornava agressivo e indócil. Dizia-lhe disparates e desacatos sempre que se atrevia a falar com ele. Ou dele. Ou qualquer coisa que o menino considerasse pertinente opinar. E ia além. Frequentemente o empurrava, ou acertava algum objeto nele. A culpa, é claro, era sempre de Mu, que estava em seu caminho. Porém, quando Aiolos estava por perto, continuava a ser o menininho de sempre.

Por trás da calma aparente, Mu exasperava-se. Não entendia aquele comportamento e não se sentia inclinado a comentar com Aiolos. No começo, aguentou com paciência e conformismo. Era só uma criança e crianças eram assim mesmo. Depois, aguentou um pouco mais com paciência e frustração. O que tinha feito para aquela criança ter desenvolvido uma implicância tão grande por si?

Após semanas nessa situação, resolveu falar com o garoto. Apareceu em sua casa, sabendo que Aiolos não estaria, ou não conseguiria falar com o menino como desejava. Foi recebido pela mãe dos irmãos, fato que o deixou surpreso, pois raramente ela estava em casa. Era uma bela mulher, com uma aparência muito jovem para ter um filho de dezesseis anos. Ela abriu a porta com o ar agitado de quem vive fazendo várias coisas de uma vez e, com um sorriso distraído, disse que Aiolos ainda não tinha voltado do treino de arco e flecha, mas que podia ficar à vontade. E sumiu de vista, atarefada pela casa.

Mu foi diretamente falar com a criança. Escolheu um dia ruim. Sentado ao piano, Aiolia batia nas teclas com indelicadeza, sem a menor vontade de tocar. Mu aproximou-se silenciosamente, mas sem querer assustá-lo.

Absorto em pensamentos, o menino demorou a notá-lo. Tinha brigado feio com o professor de piano. Aquele velho! Tudo bem, não tinha mãos de pianista mesmo. Isso era para Afrodite. Mas Afrodite não se interessava por instrumentos musicais. Pensando bem, Afrodite não se interessava por muitas coisas e...

Você! – exclamou ao ser tocado no ombro. Empurrou aquela mão bruscamente, antes que o outro tivesse tempo de afastá-la.

– Escute, Aiolia... – começou, antes que viessem os protestos, com sua voz suave e apaziguadora.

O menino esfriou um pouco, embalado por aquela voz. Distraiu-se tanto com o timbre que não ouviu uma palavra do que lhe foi dito. Foi a primeira, de muitas outras vezes, que isso aconteceria.

– Aiolia? – chamou, passando a mão em frente aos olhos sonhadores e distantes do garoto.

Piscando atordoado, Aiolia voltou ao tom agressivo:

– O que foi?

Mu suspirou desolado. Resumiu as longas palavras em uma única pergunta:

– Por que está agindo dessa forma tão malcriada comigo, de uns tempos pra cá?

O pequeno leonino o fitou como se perguntasse, sinceramente, se Mu era idiota:

– Não se faça de bobo! – exclamou, muito aborrecido, e voltou a dedicar-se ao piano com a mesma indelicadeza de antes.

Mu ainda tentou falar alguma coisa, mas foi repelido com gritos irritados para que fosse embora. Sustentando sua típica expressão pacífica, o ariano achou melhor sair e pensar em outra solução.

Aiolia rosnava para o piano, quando sua mãe o chamou. Ela estranhou que Mu tivesse ido embora sem esperar por Aiolos, mas não associou o fato à exaltação evidente do caçula. Achou que o menino apenas continuava aborrecido pela briga com o professor de piano. Não sabia se ralhava com o filho ou se lhe arrumava outro professor.

A verdade é que como viviam viajando a trabalho, nem ela e nem o marido conheciam os filhos tão bem quanto as babás, as avós e as tias achavam que conheciam. Eram viagens breves, mas constantes. Para compensar, tentavam se portar como os melhores pais possíveis quando estavam por perto, mas sentiam que estavam sempre perdendo muitas coisas importantes. Um dia chegaram de mais uma viagem e encontraram um adolescente jogando videogame na casa. Era Aiolos. Adolescente já! Foi quando se deram conta de que o tempo passava obstinado e inclemente. A impressão que sempre tinham era que, embora os filhos os amassem e respeitassem, ambos se importavam muito mais um com o outro do que com eles.

Pondo fim à indecisão, a mãe teve a excelente ideia de sugerir ao menino que aprendesse a tocar bateria. Aiolia aceitou entusiasmado, pois, aí sim, poderia descarregar seus sentimentos de forma mais apropriada. Com o tempo, o menino viraria um exímio baterista, com um nível de perfeição que nunca atingiria enquanto pianista, embora tocasse bem o piano. E pensar que só quis aprender piano porque Aiolos tocava e ensinara-lhe o básico... Iria superá-lo totalmente, em outro instrumento, enquanto o mais velho se aperfeiçoava em arco e flecha.

Enquanto a mãe procurava um professor de bateria, Aiolia continuou emburrado com a visita de Mu. Mas então Aiolos chegou e o chamou para passear. Sua indignação se desfez em sorrisos e exclamações de alegria tão rapidamente que era como se nunca tivesse existido.

Por sua vez, Mu se perdia em um labirinto de pensamentos. As semanas passavam e ele continuava a ser alvo da revolta de Aiolia e dos inúmeros apelidos que o garoto lhe dava. Não tinha com quem discutir o caso, pois seu melhor amigo era justamente o irmão da criança-problema. Seus outros amigos estavam mais para colegas. Então, lhe ocorreu seu próprio irmão mais velho, Shion. Foi silenciosamente até a sacada onde sabia que o encontraria fitando as estrelas, mas a vontade escapou quando o viu.

Com sua pele diáfana sob a luz da lua e seus longos cabelos balançando suavemente com a brisa, Shion não parecia estar realmente ali. Parecia ser uma criatura etérea. Seus olhos sondavam as estrelas e, no entanto, eram insondáveis. Tinha um ar sábio e distante de quem viveu muita coisa na vida, embora mal tivesse completado dezenove anos. Para Mu, o irmão sempre seria um mistério fascinante.

– Não fique parado aí – Shion disse, a voz vaga como se saísse de um sonho.

Mu aproximou-se, tímido e incerto, olhando de viés para o irmão enquanto fingia que olhava para as estrelas também. Ficaram vários minutos em silêncio.

– Você tem um problema – Shion sentenciou solenemente, assustando o caçula que não esperava ouvir mais nenhuma palavra.

Mu sentiu-se transparente e perguntou a si mesmo se era uma pessoa assim tão óbvia. Constrangeu-se. Não sabia como começar a falar e nem, exatamente, o que deveria falar. Afinal, não soaria muito patético dizer que estava sendo perseguido, de forma muito mal educada, por uma criancinha que ainda estava trocando os dentes? É que Mu não gostava de ter problemas com ninguém, muito menos com o irmão caçula de seu melhor amigo. Sentia que se não resolvesse a situação agora, iria arrastá-la por toda a vida. E a tendência era ficar pior.

Shion o observou em um silêncio estranhamente compreensivo por um bom tempo. Quando Mu percebeu, piscou desconcertado, começando a murmurar palavras desconexas que foram logo interrompidas pelo mais velho através de um gesto de mão:

– Quando tenho algum problema – Shion comentou enigmático, parecendo que falava consigo mesmo – procuro orientação nas estrelas... – apertou levemente o ombro do mais novo e entrou flanando pela casa.

Mu permaneceu na varanda, confuso, desejando que o irmão não fosse tão complexo. Encarou sem esperança os minúsculos pontos brilhantes no céu escuro. As estrelas nada lhe disseram e ele se sentiu solitário. Shion fazia o ato parecer tão simples e coerente...

Depois de um longo tempo, resolveu que em vez de passar horas na casa de Aiolos, aproveitaria sua companhia em lugares diversificados. Era difícil, porque o rapaz gostava muito de ficar em casa, onde tinha tudo o que precisava ao alcance das mãos. Ele se sentia mais livre lá do que em outros ambientes. Aos poucos, porém, foi convencendo-o a sair da toca e passar mais tempo na biblioteca, no parque, na lanchonete, em qualquer lugar. Na casa de Mu era raríssimo, pois este não achava apropriado incomodar Shion em seus estudos universitários.

Aiolia ainda não percebera a estratégia de Mu, que a realizava aos poucos. Uma nova situação problemática aparecera em sua vida. Um dia, chegou da escola com Milo – ambos muito contentes porque passariam a tarde brincando de tudo que fosse possível – sem saber o quê o aguardava.

Milo era seu pior melhor amigo de toda a vida. Possuía um gênio difícil como o de Aiolia. Viviam discutindo acaloradamente pelos motivos mais simplórios e pelos mais impensáveis. Trocavam socos e chutes algumas vezes – uma versão avançada das mordidas e tabefes que trocavam quando eram menores ainda. A balbúrdia que faziam diariamente deixava a professora estressada. Mas ela sempre acabava o dia com as mãos na cintura, balançando levemente a cabeça e sorrindo, enquanto os via sentados, lado a lado, rindo e cooperando nas atividades, já com os embates esquecidos.

Milo e seus luminosos olhos da cor do céu, sem nuvens, no verão. Seria com ele que Aiolia faria as maiores travessuras; as apostas mais bobas; se meteria nas situações mais absurdas; tomaria o primeiro porre e perturbaria meio mundo. Sempre arranjando tempo para as brigas e discussões, é claro.

Naquele dia, mal chegaram e deram de cara com Aiolos aos beijos com uma garota. Provavelmente, fizeram algum barulho de desgosto, porque o casal se afastou e olhou para os meninos ao mesmo tempo.

– Ahá! – Milo foi o primeiro a se manifestar, apontando um dedo acusador para Aiolos.

O rapaz sorriu e apresentou-lhes Saori, sua namorada. Ela persistira bastante até conseguir tal posto. Aiolos não notou que Aiolia a encarou com a mesma expressão que faria se tivesse visto uma poça fétida e gosmenta no meio da calçada. Tinha achado nojenta aquela troca de saliva.

Saori ajeitou os cabelos, desnecessariamente, e os cumprimentou ressabiada. Não tinha o menor jeito com crianças. Era uma mocinha com pouca altura e muito peito. Uma cara de mimada e mandona sem igual. Vivia chateada com Mu, porque ele possuía cabelos mais longos e brilhantes do que os dela. Gostava de usar vestidos compridos e um batom cor-de-rosa meio violáceo. Aiolia não tardou a achá-la insuportável. Mesmo porque o cabelo dela lembrava bastante o de Mu, bem lisos e longos.

E, infelizmente para ela, Milo compartilharia da mesma opinião. Saori logo seria mais atormentada do que Mu, embora sua proximidade com Aiolos não incomodasse Aiolia da mesma forma que Mu fazia. Era óbvio que Saori não queria ser uma irmã para Aiolos. Queria ser uma namorada. E namoradas não roubam o lugar do irmão mais novo. Só que Saori era muito insuportável. Até mesmo Marin, que não participava das travessuras, concordava com isso. E enquanto Mu só tinha que lidar com Aiolia, Saori tinha que lidar com Aiolia e Milo. Tudo o que aprontavam, é claro, era longe das vistas de Aiolos, que não acreditava quando ela lhe contava que os meninos derrubavam suco nela de propósito, nem que a faziam tropeçar de repente. E por que eles passariam as mãos lambuzadas de doce nos cabelos dela?

Conforme as semanas passavam e os pestinhas continuavam a persegui-la, Saori começou a desconfiar que Aiolos sabia, sim, o que eles aprontavam, embora se fizesse de desentendido. Talvez achasse engraçado até. Ficou pensando nisso, enquanto esperava o namorado voltar do banheiro, distraída na sala. Foi um erro. Quando deu por si, tinha um monte de joaninhas, gafanhotos e besouros jogados em seu colo. Saori não gostava nem um pouco de insetos. Deu um grito tão alto que nem ouviu as risadinhas infantis vindas detrás da porta.

Aiolos apareceu, preocupado a princípio, mas logo teve de se conter para não rir da moça que se debatia loucamente pela sala. Saori ficou possessa. Exigiu que o sagitariano chamasse as crianças naquele exato momento. Coisa que ele fez por pura curiosidade. Aiolia e Milo já tinham escapulido para outro cômodo, mas, ao serem convocados, apareceram com a expressão mais inocente do mundo. Saori começou a ralhar com eles num tom quase histérico. Eles ficaram olhando para Aiolos, claramente perguntando qual era o problema dela. O rapaz deu de ombros, indicando que não fazia a menor ideia. Quando ela terminou, exausta, Aiolos não soube o que deveria dizer, então lhe deu dois tapinhas nas costas de forma consoladora.

Ela começou a gritar com ele também.

Porque era simplesmente um absurdo que Aiolos permitisse que ela fosse tratada daquela forma. Logo ela, sua namorada! Pelos deuses, como crianças eram terríveis! Ela já tinha sido criança um dia e tinha certeza – certeza absoluta, veja bem – de que nunca havia sido tão malcriada e maldosa quanto aqueles dois! Só porque eles faziam aquelas carinhas fofas e inocentes, com os sorrisos mais bonitinhos, não significava que eles não aprontavam! Não, não, Aiolos, preste atenção! E, aliás, ela não conseguia fazer Aiolos sair tanto quanto gostaria. Por quê? Ele sempre saía quando Mu pedia, mas com ela nunca! Seus encontros acabavam sempre sendo na casa dele e, quando ela menos esperava, acabava servindo de bode expiatório das crianças! Fora que ela não se sentia com privacidade na casa dele. Como ele podia querer que eles fizessem alguma coisa mais íntima desse jeito? Não tinha co-...

– Saori! – Aiolos interrompeu, sobressaltado. Estivera ouvindo a ladainha da moça em um silêncio respeitoso, mas ela já estava dando muita informação na frente das crianças.

Infelizmente, embora estivessem com os cérebros anestesiados e não estivessem prestando atenção de fato, Milo e Aiolia, como as crianças em geral fazem, captaram justamente a parte que não deveriam.

– Aiolos, o que é fazer alguma coisa íntima? – perguntaram em uníssono, curiosos.

– Ehrm... – ele, sinceramente, não esperava ter que passar por isso tão cedo.

Constrangida por ter deixado escapar tal expressão – ainda mais na frente dos pivetes! – e ainda bem chateada, Saori acabou interpretando a exclamação de Aiolos como uma reprimenda, e fez cara de choro.

– Aiolos! – o irmão insistiu. – O que é fazer alguma coisa íntima?

O mais velho olhou de Aiolia para Milo e deste para Saori. Mas que situação!

– Bem, huh... – balbuciou, já levando Saori porta afora para conversarem direito. E para escapar dos meninos.

Milo e Aiolia se entreolharam e reviraram os olhos. As pessoas mais velhas eram tão estranhas!

Assim que se viu sozinha com Aiolos, Saori começou a se preocupar. Tinha exagerado? Ela não queria perdê-lo. Afinal, Aiolos era mais do que um rosto bonito e um corpo vigoroso, pela prática de esportes. Ele era inteligente, educado e divertido. Um monte de meninas gostaria de tê-lo como namorado. Se ele não fosse tão incapaz de enxergar o que os dois pivetes faziam... Se não fosse tão indisposto a sair de casa... Ah, ele seria perfeito!

– Saori...

Estavam no jardim e o brilho do sol fazia com que os olhos de Aiolos parecessem ainda mais claros, os cabelos mais dourados... Nossa, como era lindo! Saori mal pôde conter um suspiro. Valia, e muito, à pena. Ela não tinha se esforçado tanto e sido tão persistente à toa. Só precisava que Mu lhe ensinasse a técnica para fazer com que Aiolos saísse com mais frequência e pronto. Raramente ela teria que lidar com os pivetes de novo. Em menos de dois anos eles terminariam o colegial e iriam para uma universidade bem distante. Crianças nunca mais!

Não seria bem assim.

Porque Aiolos simplesmente não estava satisfeito com a situação. Ele nem tinha pensado em namorar ainda, que dirá imaginar um futuro com alguém. Só tinha dezesseis anos... Na verdade, ele só queria tranquilidade. E isso era impossível com Saori insistindo na ideia de namoro. Sabia que ela era um tanto mimada, às vezes chegando a ser arrogante e egoísta... Mas ela também sabia ser gentil e compreensiva.Concordou com o namoro por essas características e porque ela parecia mais madura do que as outras meninas que conhecia. O erro de Aiolos foi ser despreocupado, não levar muito a sério aquela história de namoro. Era um bom rapaz, mas não entendia quase nada sobre as complexidades femininas – como, aliás, a maioria dos rapazes.

E havia aquele problema de Saori com Aiolia e Milo. Sendo muito franco, Aiolos achava mesmo difícil acreditar no que a moça dizia. Os meninos não eram os mais angelicais e, às vezes, aprontavam alguma coisa, mas nunca perseguiram ninguém assim, por semanas. Não duvidava que eles pudessem ter feito algo algumas vezes, mas sempre? Bom, Saori reclamava tanto que ele começou a prestar mais atenção... E teve que admitir que era melhor conversar com eles. Infelizmente, Saori tinha dado aquele ataque antes.

Quanto a sair de casa... É, não gostava muito mesmo. Até saía, mas eram saídas rápidas, que o permitiam voltar logo para casa. Só ficava muito tempo fora quando ia ao colégio e aos treinos de arco e flecha. Todas as vezes que queria sair, Mu costumava levar muito tempo para convencê-lo.

Aiolos explicou tudo isso para Saori. Queria adicionar que talvez eles fossem muito novos para namorar; ou que simplesmente não combinavam; ou que não estava apaixonado... Mas achou melhor não adicionar nada. Ela já parecia bem triste sem isso.

Tão triste que sobrou para Mu ouvir.

Foi com surpresa que o rapaz encarou Saori, ao abrir a porta de sua casa, com os olhos cheios de lágrimas. Para começar, ela não deveria estar com Aiolos? Mu resolveu esperar que a moça principiasse a falar e fez um gesto para que entrasse.

Não precisou esperar muito. Assim que se sentou, Saori não parou de falar por um bom tempo, com bastante autocontrole para não derramar nenhuma lágrima. Contou tudo o que aconteceu para Mu, em detalhes, até a parte em que saiu desolada da casa de Aiolos, após o incrível atrevimento deste em sugerir que dessem um tempo. Um tempo! Saori não quis se humilhar, implorando para que continuassem o namoro, então preferiu ir falar com Mu. Se alguém podia ajudá-la, esse alguém era Mu.

O ariano ficou só um pouco surpreso. Saori e ele não eram o que se podia chamar de amigos. No máximo, colegas por estudarem no mesmo colégio. A única coisa que tinham em comum era Aiolos. Mu procurou ser o mais educado possível ao dizer que não sabia como ajudá-la e que não tinha nenhuma técnica para fazer Aiolos sair de casa. O máximo que pôde fazer foi aceitar, sem ânimo, conversar com o rapaz por ela.

Saori suspirou, agradeceu e foi embora inconformada. Como assim Mu não tinha nenhuma técnica? Quando chegou a sua própria casa, percebeu que tinha se esquecido de perguntar algo muito importante: quais produtos ele usava nos cabelos para serem tão magníficos.

No dia seguinte, um domingo nublado, Mu ligou para Aiolos a fim de chamá-lo para saírem. Não pensava em falar com o rapaz sobre Saori tão cedo, mas concluiu que talvez Aiolos quisesse conversar. Infelizmente, o sagitariano não poderia sair de jeito nenhum. Seu irmãozinho amanhecera doente e Aiolos não queria deixá-lo, mesmo porque não tinha ninguém para ficar com ele no momento.

Obviamente, Mu era sempre bem-vindo para ir à sua casa.

Primeiro, o ariano achou melhor não ir. Se Aiolia já não suportava sua presença quando saudável, imagina doente... Certo, o menino não devia ter energia para brigar nem aprontar nada, mas e se a saúde dele piorasse só com a exaltação por causa da presença de Mu? Entretanto, Aiolos insistiu para que fosse e Mu acabou cedendo sem saber o que o aguardava.

O sagitariano o recebeu com um traço evidente de preocupação e cansaço no rosto. Porém, sorriu levemente quando Mu perguntou pela saúde do menino.

– Está com febre ainda, mas dormiu agora.

– Você é mesmo um irmão super dedicado... – Mu observou, sorrindo.

Aiolos encolheu os ombros e fez uma expressão culpada:

– Tenho que ser. Eu atazanei tanto meus pais pra ter um irmãozinho... – Aiolos riu, lembrando. – Sério, você não imagina o quanto fiquei contente quando ele nasceu.

– Dá pra notar que você gosta muito dele... – o ariano comentou o óbvio. – E ele de você, é claro.

– Hmm... – Aiolos olhou para cima, como se lembrasse de alguma coisa engraçada. – Quando Aiolia tinha uns três anos ouviu dizer que as pessoas se casavam porque se gostavam muito. Aí, acredita que ele disse que, como gostava muito de mim, ia se casar comigo quando crescesse?

– Sério?

– Sim, aliás, preciso contar isso pra ele um dia. Aposto que não vai acreditar e ainda vai ficar bravinho, haha!

Mu começou a sorrir divertido, mas então ficou pensativo. De repente, alguma coisa começou a fazer sentido e ele achou que talvez, finalmente, estivesse começando a compreender um pouco a causa da atitude revoltada de Aiolia.

Continua...


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Notas finais do capítulo

¹ Trecho parafraseado e adaptado do livro "Alice at 80" de David R. Slavitt.

Essa fic é muito divertida de escrever, adoro Gold Saints crianças e vai ser triste deixá-los crescer =~ Mas o Mu tem um problema assim... '-' Lembro que houve um tempo, antes de ShakaxMu começar a bombar, em que o mais cotado para o ariano era o Aiolia :3 Bom, pra quem leu, por favor deixe uma review, sim? :D