As Crônicas Dos Dez - Cálice da tormenta escrita por Yuk


Capítulo 5
Testados: Parte Final.


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora na postagem, tentarei fazer o maxímo para que não se repita.



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Testados:
Parte Quatro



Os olhos cor de chocolate de Kami brilharam quando este olhou para o céu, vendo como que, em câmera lenta a águia negra que passava por ali. Segundo as crenças de seu povo aquilo era um mau presságio. Pois as pomposas rapineiras de penas enegrecidas jamais fugiam. 

O jovem, no auge de seus 16 anos, passou a mão novamente por seu cabelo cor de fogo, curto e espetado. Tinha estatura baixa, não alcançando mais que 1,70. Mas se enganava aquele que pensava que o rapaz de olhos puxados cor de chocolate era indefeso. Por baixo da parca de peles que cobria seu peito, eram dispostos os músculos, que derivavam de um treinamento árduo. A parca de pele estava aberta, mostrando a pele levemente bronzeada. A calça era de tecido semelhante ao algodão em um tom que lembrava trigo.


O rapaz de cabelos vermelhos chamava-se Kami, que em sua vila significava imortal. Todavia era vulnerável como qualquer outro ser vivente.


Consigo não era possível ver nenhuma arma, de ataque ou de defesa. Porém o jovem rapaz não necessitava de armas.


Continuou seguindo a trilha na qual andava que se iniciava no norte e rumava para o oeste. Em certo ponto de sua caminhada, Kami começou a subir um monte, no qual as arvores, tinham a aparência de abetos, porem as folhas eram de um verde-oliva, porém parecia uma cor morta. Uma cor que emanava o sentimento de morte, de perda. Os troncos alguns grossos e outros finos pareciam estar mais escuros, quase carbonizados. Os cascalhos secos e rachados se partiam sob seu peso. Era um lugar desolado.

E mais uma vez um piar alto se fez presente vendo a águia negra passar novamente. Para o jovem aquilo significava perigo extremo. Parou em certo ponto e retirou sua parca de pele, ignorando o frio cortante que se apossara daquela parte da floresta.

Seus músculos enrijeceram quando sua audição diferenciou o som de um projétil cortando o ar. Olhou para todos os lados, buscando algum sinal de ataque iminente.

Porém sua cabeça se ergueu quando uma sombra fantasmagórica se fez presente, foi muito rápido, pois quando virou seus olhos tocaram o céu, teve tempo de ver apenas uma criatura grande deslizando no ar e um amontoado de penas negras despencava em direção a Kami, que viu abismado, a rapineira negra tombar com as entranhas abertas.

Instantaneamente Kami fechou os olhos e uma fúria priméva se apossou de seu corpo. E usando sua força de vontade retirou a parca e a calça que usava com velocidade, para em seguida abrir os cordões de suas botas, a chutando para longe.


O corpo de Kami tremeu com violência, e depois ele tombou em um forte espasmo, o ruivo ficou de quatro, se apoiando nos cotovelos. Sua boca se abriu e um suspiro pesado saiu desta. Sua cabeça foi jogada pra trás, e a boca foi aberta. Os caninos se tornaram protuberantes, seguidos pelos outros dentes. Totalmente brancos e pontudos. Os olhos começaram a crescer se tornando mais puxados. A íris, cor de chocolate adquiriu alguns fios em tom branco perolado. As orelhas se tornaram pontudas e grandes. Um focinho se tornou protuberante, aderindo mais a forma lupina. Os cabelos cresceram e se tornaram mais cheios, as mãos se abriram em garras cortantes. Uma camada fina e avermelhada de pelos começou a cobrir o corpo, desenhando arabescos no rosto. Os pés descalços detinham garras por igual. 


Kami se ergueu, agora em sua nova forma, as pernas estavam curvadas, e os joelhos quase tocavam o chão. Ele ergueu a cabeça, e aspirou o ar. Seu olfato, agora, desenvolvido em milhões de vezes captou rapidamente o rastro da criatura, que ainda estava fresco no ar, seguindo para oeste.


O lobo uivou, fazendo as aves e outras criaturas que se deleitavam com os raios de sol se sobressaltassem correndo para suas tocas e ninhos.


De forma destra e calculada o lobisomem iniciou sua caçada, correndo de forma rápida enquanto desviava das arvores em seu caminho. Em todo o momento Kami se manteve consciente de seus anseios, diferente do que todos contavam sobre os temíveis lobos da noite, que perdiam a noção do mundo quando se transformavam, chegando a matar até mesmo seus entes queridos.


Em certo ponto de sua corrida trombou com um grupo de alces distraídos, que ver a fera de pelagem rubra entraram em desespero, e na esperança de ver o dia de amanha começaram a correr para o norte de forma desordenada.


Um jato de adrenalina percorreu o corpo de Kami, fazendo com que o mesmo rosnasse e sentisse o impulso de caçar as criaturas de chifres longos e cheiro de pelos molhados.

Porém a criatura balançou a cabeça firmando os olhos, e voltando sua atenção inteiramente para sua perseguição. Jogou o focinho para o ar, e aspirou o cheiro da noite, sentindo um cheiro de carniça, de morte. Um cheiro que lembrava em tudo o que sentira quando a criatura negra e voadora passou por si voando.  E então voltou a correr.


Logo suas patas encontraram um terreno pedregoso, inabitado de qualquer tipo de planta e pela falta de movimento e sons, o Lobisomem pode perceber que ali a falta de vida animal também predominava.


Olhou para o paredão de pedra que se erguia a sua frente, procurando alguma caverna ou reentrância que pudesse abrigar alguma coisa.


Sua observação durou alguns segundos, pois logo pode ver uma caverna escura que se abria cinquenta metros acima, quase no cume do paredão. A boca da caverna deveria ter algo entre dois metros de altura e três de largura.


O lobo avermelhado se concentrou por alguns segundos, e enrijeceu os músculos das pernas. E como uma flecha cortando o ar, se lançou subindo dez metros na parede de rocha, batendo suas garras contra o paredão, criando sulcos para se manter firme. Com uma varredura rápida avistou uma rachadura, saltou três metros para a direita, se prendendo a esta, e depois saltou novamente, porém desta vez não se prendeu apenas deu impulso com as patas dianteiras, iniciando uma corrida vertical.

Instantes depois a fera de pelos vermelhos se encontrou parado na entrada da caverna podendo olhar, na magnificência de seus cinquenta metros toda a planície se estendia ao horizonte, perdendo seu verde apenas para o deserto que domava as terras do sul.
Com precaução o lobisomem rumou para dentro da caverna. A escuridão era predominante, e se não tivesse os sentidos aguçados jamais conseguiria andar ali dentro. Suas agora patas tocavam o chão de forma silenciosa, não causando atrito ou som algum. As orelhas em pé indicavam que estava pronto para captar qualquer movimento.

O caminho continuou reto por alguns estantes, até que encontrou uma encruzilhada, seguindo o cheiro pútrido de decomposição. Entrou na cavidade da direita e continuou sua peregrinação pela caverna desconhecida.


Em certo ponto um salão de pedra gutural se abriu diante de si, como uma enorme catedral natural. No teto havia um pequeno buraco, por onde o ar entrava rarefeito, deixando entrar também um pouco de iluminação, em colunas luminosas.

Seus sentidos de predador lhe indicavam que não estava ali sozinho, tinha mais alguem, ou alguma coisa. Que se escondia e espreitava nas sombras. Não sabia se o pedaço de papel que lhe foi entregue na madrugada dizia que deveria caçar a vil criatura, mas para si aquilo estava sendo excitante.


Mal pode notar quando uma mancha escura se moveu em sua direção, não havia tido som algum, além do que, o que quer que fosse se misturava no negrume da caverna.

O lobisomem saltou para o lado, escapando das garras que estavam abertas mirando sua garganta e peito. Quando seus pés tocaram o chão, saltou novamente em direção a besta, montando sobre a mesma. Com o toque descobriu uma coisa: O que quer que fosse tinha pelos, mas também tinha penas.


As garras de Kami se concentraram em rasgar as costas da criatura, e sua boca mirou a asa esquerda, mordendo de forma forte sentindo o osso estralar, indicando que estava fraturado. Um grito estridente saiu da criatura, fazendo todo o corpo do lobisomem tremer em espasmos. Era como se estivessem rasgando-lhe a alma.


Mesmo com isso Kami não a largou, prendendo-se com as garras. A besta levantou voou de forma desorientada, pelo fato de sua asa estar quebrada. E logo o impacto de suas costas contra o teto da caverna fez Kami rugir de Dor e depois outro e outro. E então uma rachadura apareceu no teto de pedra.


A cabeça do Lobisomem pareceu se iluminar com a ideia que teve. Sua mão se fechou em punho, e então rumou para o teto, no instante em que a criatura desceu em rasante. Seus golpes fizeram efeito, sendo que a rachadura aumentou, e pequenas faíscas de luz prateada entravam quebrando a escuridão.


Então os dois corpos bateram contra o chão. Estremecendo a caverna, de forma que uma pedra maior caiu da rachadura, sendo seguida por outras, deixando um buraco ali, por onde a luz da lua entrava iluminando o lugar.


E ele pode ver a criatura com mais clareza.

A mesma era como um grifo, porem de penas e pelos negros. Seu corpo tinha varias partes que estavam em decomposição, o motivo do cheiro de carniça. O bico era de um preto opaco, com manchas de sangue seco. As garras na parte da frente eram da mesma forma. Olhando em volta Kami pode ver a quantidade de ossos que havia ali, inclusive alguns de aparência humana.


E com um impulso atirou-se ao combate com a fera alada. Com pericia desviou do bico que se fechou no ar, onde antes estava seu pescoço, as garras por diversas vezes o arranharam. Porém era mais ágil, e com um único golpe na parte traseira da fera a colocou no chão, montando sobre a mesma, suas garras tentaram rasgar a barriga desta, porém uma camada grossa de couro cinza cobria a parte sensível do corpo do grifo. Sua boca tentava se fechar no pescoço, mas o bico sempre ameaçava dar-lhe cabo pela jugular.

Tomado pela adrenalina, Kami fechou uma de suas garras na para dianteira do grifo, e então girou no ar, o arremessando a dez metros de distância. E antes que este pudesse se erguer o Lobisomem de pelos vermelhos já estava sobre si. As asas bateram novamente tentando levantar voou, porém Kami levou sua boca até a mesma, mordendo. Quando seus dentes tocaram o osso, começou a girar a cabeça de um lado para o outro. Abaixo de si, a besta urrava e se remexia na mais pura agonia. Quando outro estralo se fez ouvir, o lobo puxou a cabeça bruscamente, arrancando a asa esquerda do monstro.

E antes que o mesmo pudesse se mover novamente, a bocarra tomou seu pescoço, e fazendo o mesmo movimento de antes o quebrou.


O corpo inerte tombou no chão, as penas negras do pescoço manchadas do sangue fresco. Kami avaliou os estragos em seu corpo, vendo apenas alguns cortes mais preocupantes, feitos pelas  garras.  No fim, sua cabeça mirou o teto da caverna, e sua boca se abriu em um uivo estridente.



~OoO~


Os cabelos negros balançavam ao vento em meio a corrida. O corpo esguio e magro da elfa se movia com leveza, porém com uma precisão e velocidade que superava em muito a dos humanos. Quando chegou a certo ponto o som de gritos encheu sua audição apurada. A jovem parou, e seus olhos cinzentos vasculharam a floresta, sua pele era alva e sem manchas. Não era muito alta, tendo uma estatura de 1,65. As orelhas pontudas despontavam uma de cada lado de sua cabeça. Seus traços em todo juvenis demonstravam que a mesma estava no auge de seus dezesseis anos. A elfa tinha uma beleza inigualável, e seus movimentos cheios de graça e leveza apenas ressaltava isso.

Suas mãos foram até as costas, tocando os dois machados que resolvera trazer para esta jornada. Suas roupas eram um tanto apropriadas, sendo que usava um corpete de metal prateado, e uma calça, que era coberta com placas do mesmo metal prateado. Era o metal dos elfos, incrivelmente resistente, e ao mesmo tempo levíssimo.

E com fervor voltou a correr. A jovem elfa se desviava com facilidade dos obstáculos que entravam em seu caminho, muitos achariam que devido a velocidade que sua raça alcançava nas corridas isso era um problema quando se tinha uma floresta muito fechada como aquela, mas para os seres de orelhas pontudas aquilo era algo natural, algo instintivo.


Em dado momento de sua corrida chegou a um vilarejo de humanos, e se arrependeu por não ter corrido mais.


O lugar estava devastado, tudo estava destruído as casas estavam queimadas, e por onde quer olhasse via corpos e mais corpos estendidos. Então era isso sua missão. Salvar aqueles seres inferiores. Falhara. Chegara tarde demais, e se censurou severamente por isso.

Seguindo em frente da elfa encontrou algo que realmente a chocou. Havia um lindo bebê, que olhando mais atentamente pode ver que era uma menina. Não devia ter mais que um ano. Os olhos sem brilho mostravam que a vida à havia deixado. Em sua barriga nua um buraco dava espaço para os cifres de uma cabra, que também morta, servira de instrumento de assassinato daquela pequena criança.


- Só uma criança... – Dizia ela com sua voz musical. A mesma era suave, porém tomava um timbre mais grave, seus dentes trincaram e a voz saiu como um rosnado. – Apenas um anjo...


O semblante calmo e amigável se dissolveu em uma carranca enraivecida. Quem visse aquilo diria que era a encarnação do próprio mal. Caçaria quem fez aquilo.

Andou em meio aos corpos, procurando vestígios, mas isso não foi necessário, logo seus olhos miraram um pé de proporções descomunais. Era no mínimo quatro vezes o tamanho de um pé comum. Levou os dedos cândidos ao buraco, que chegava a cinco centímetros de profundidade. Pegou um torrão da terra escura e levou a narinas, aspirando profundamente, sentindo o aroma da terra, da folhagem rala que estava em processo de decomposição, dos insetos e seres invertebrados que por ali passaram, e por fim um cheiro diferente. Algo que lembrava sujeira fundida ao suor e beirando carne podre.

Largou a terra e limpou os dedos em uma parte em que o tecido da calça se mostrava. Os olhos azuis cerraram até se fechar completamente, a respiração se acalmou, e deixou que seus sentidos dominassem seu corpo. Aspirou o ar forte mente, sentindo vários aromas diferentes e sabendo distinguir um por um. Uma melodia suave invadiu seus ouvidos, e pode distinguir como sendo o som da natureza, o som da vida desabrochando.

Porém sua atenção desviou para um aroma que se destacou mais ao sul. Batia exatamente com o cheiro na pegada, e mentalmente comparou os dois.

Os olhos se abriram, e corpo delgado saltou para frente. As pernas se moviam frenéticas, rumando para onde o aroma a guiava. Não via o caminho, apenas seguia a linha odorífera.


Anoitecia quando ela enfim localizou a fonte do odor.  

Eram quatro e estavam sentados em uma pequena clareira. Como esperado eram de tamanho avantajado. Porém apenas um se excedia, tendo no mínimo quatro metros de altura, os outros dois não deviam ter mais que dois metros e meio. Porém os dois tinham algo que lhes era semelhante: A cabeleira cor de palha. Suja e embaraçada, mais lembrando uma juba. Pelo que pode ver eram grotescos, e não conhecia higiene. Sendo que estavam completamente sujos, e com pedaços de tecido cobrindo seus corpos.

Goldara estava acocorada vendo as vis criaturas que consumiam algum animal, e emitiam sons que pareciam risadas entaladas na garganta.


Ela pensou por um momento, e então continuou a olhar para aqueles seres. Porém logo a imagem da criança que fora morta de forma brutal lhe veio a mente, e então ela deixou que seus sentimentos fluíssem de forma abrasadora.


Os olhos azuis miraram um tronco seco que estava ao seu lado.  E então o segurou com as duas mãos, forçando os músculos a erguerem aquele pedaço de madeira. Com um gemido ela ergueu o tronco que deveria pesar no mínimo quatrocentos quilos. E com um grito o lançou mirando o monstro de tamanho médio.


Quando o tronco se encontrava em vôo, pensou rápido e então concentrou sua energia.

 – Adolebit – (Queime) A palavra saiu da boca da jovem com poder, e seus olhos demonstravam a mesma coisa. E com efeito o tronco se incendiou completamente. As chamas tremularam, e antes de acertar o alvo mudaram para um azul profundo;

Mal tiveram tempo de olhar pra cima, ao escutarem  o grito. A unica coisa que viram foi um clarão azulado vir em suas direções, e caindo sobre o de tamanho médio, o esmagando. As chamas continuaram a crepitar, iluminando a clareira com as chamas azuis, que tremulavam ao preto.

  
Do alto, Goldara observava com um sorriso as criaturas procurarem o agressor invisível. Levou as mãos as armas em suas costas. Nunca usava algo tão grotesco, sempre dando preferência a armas mais sutis.

 
E como antes correu de encontro as criaturas. Quando a jovem se encontrava a trinta metros das criaturas saltou, se revelando. Subiu seis metros no ar, e então lançou um dos machados de encontro a criatura menor, acertando-lhe no meio da testa.  

O maior dos gigantes viu a elfa cair no chão e rumar para si, fechou os punhos, e rumou para a mesma, tentando acertar-lhe chutes, que foram prontamente desviados. A elfa era muito ágil, e com isso conseguia boas evasivas.


Lutar contra aquela criatura era como tentar enfrentar uma arvore tamanho eram suas diferenças de tamanho. Porém na força os dois se igualavam. E isso foi provado quando um forte soco atingiu a face da elfa, jogando-a de costas no chão, e para sua infelicidade, o machado caiu a quase dois metros de si.


Um poderoso murro partiu do gigante, mirando a cabeça da pequenina, mas as mãos de Goldara impediram o assalto, medindo forças com a do maior.

A criatura coaxou algo, como alguma blasfêmia contra a elfa em sua língua, algo que ela não entendeu. Mas então voltou sua atenção ao combate, e reunindo sua força empurrou a mão que a prensava com tanta força que fez com que o gigante perdesse o equilíbrio. E com isso ela se ergueu e saltou mais uma vez, acertando um chute contra a barriga da criatura, que caiu sobre o tronco em chamas, e logo os gritos de agonia preencheram o lugar. 


Goldara soltou sobre o peitoral largo e começou a socar a face do gigante com tanta furia, que à primeira investida o nariz se partiu e afundou para dentro. Logo os braços estavam impotentes, e os dentes esmigalhados, a cabeça coberta de sangue e a face transfigurada em uma massa de carne e sangue.


Satisfeita enfim, Goldara saltou do peito da criatura, que agora começava a sucumbir as chamas azuladas. Andou até a criatura menor, e arrancou o machado da cabeça da mesma, e com um sorrisinho o arremessou de encontro ao pescoço do maior, que ainda se debatia em espasmos, espirrando sangue pela carranca destruída.


O que se deu a seguir foi o baque seco do metal penetrando a carne, e em seguida a cabeça do gigante pender e cair sobre o peito flamejante do gigante menor.

Enojada com a cena, Goldara se retirou, murmurando algumas palavras antes, para que o fogo enfim sumisse. Voltou a correr. Dessa vez fazendo o caminho de volta ao vilarejo. Não levava suas armas.


Quando enfim chegou ao lugar, viu que os corvos já rodeavam, e alguns se arriscavam a descer e arrancar um talho de carne de um cadáver qualquer.


Porém o que Goldara procurava era o bebe que continuava na mesmo posição.

Agachou-se, e então com cuidado, não querendo causar mais danos, retirou os chifres, e enrolou a linda menininha num tecido cor de areia que havia ao lado, deixando só a face de tez azulada à mostra.


Repousou o cadáver mínimo no chão, e então com as mãos começou a cavar um buraco, grande o suficiente para não ser desenterrado por carniceiros. Quando se deu por satisfeita, tomou a menininha pálida em seus braços e a olhou profundamente.

Percebeu então que sua missão não era protegê-los, e sim vingá-los.


Depositou o cadáver no buraco, e com os olhos marejados empurrou a terra de modo que tampasse completamente a cavidade. E em sua língua murmurou:


– Descanse em paz, pequeno anjo.


 ~OoO ~


Kael estava farejando a quase quarenta minutos, estava seguro de que algo o prendia aquela trilha mas mesmo assim, teimoso como era, a seguiu. Também pelo fato de seu olfato superior captar o cheiro de sangue fundido ao sutil aroma de secreção feminino. Não sabia ao exato o que se passava, mas seguia.

Não aparentava mais de dezoito anos. Sua face era jovem, porém de traços fortes e másculos. Os cabelos castanhos desciam rebeldes até a nuca, deixando uma franja rala na testa. A face era dotada de algumas cicatrizes que infligira a si mesmo em noites de tormenta. Os olhos eram de um tom azul profundo, que as vezes parecia clarear, ou escurecer mais ainda de acordo com seu humor. O corpo era musculoso porém magro e esguio. Usava um colete de couro desbotado pelo uso, e uma calça de algodão cinza escuro. Nos pés usava uma bota de caça.



Não carregava armas, afinal se precisa delas quando se é uma.


Seguiu por um caminho de altos carvalhos. Ao longo do caminho pode sentir física e psiquicamente vários abalos, no solo, no ar, e até mesmo no aroma da floresta. Os sons de rugidos gritos, os misteriosos trovões sobre o monte Hoesaeng ou os uivos nos paredões de granito.


Continuou a devanear sobre as aventuras que seus irmãos tinham, porém em momento algum se desviou de seu caminho.


Seu andar era suave e não fazia som nenhum, era como se andasse no vento. Logo intensificou a uma caminhada que em seguida se tornou uma corrida. E em pouco tempo corria tão rápido que os animais nem ao menos o percebiam. 



Quando enfim findou sua corrida o anoitecer já havia caído, e as estrelas começavam de forma tímida a pontilhar o céu. Ao longe a lua se erguia, apenas um ponto luminoso de intensidade maior. 


Kael sugou o ar, e estranhou ao sentir o cheiro de conhaque e cerveja. Logo o som aparente de risadas invadiu sua audição. Usou seus sentidos apurados e mapeou a floresta, e logo uma trilha de odor se fez presente. Era como se fosse visível ao moreno, mesmo este sabendo que era apenas uma linha que guardava o cheiro de seus recentes peregrinos.

Andou mais alguns metros, e então um fraco clarão indicou uma floresta a frente. Quando enfim chegou mais perto, contou com a proteção de uma arvore de tronco grosso para lhe proteger dos homens que ali montaram acampamento. Pode ver em um canto, cinco carroças que descansavam sobre o apoio de troncos. E proximo cinco mulas e dois cavalos pastavam a grama rala entre as arvores.


O moreno fez uma varredura geral, e pode ver, que dentre todos os viajantes no total, formavam um contingente de dezessete, todos eram homens, e pela forma como se vestiam deveriam ser bárbaros ou desgarrados. Contudo seus sentidos lhe avisaram e o cheiro de sangue misturado ad secreções femininas lhe voltaram, e com seus olhos potentes pode ver uma moça que estava encostada a uma das carroças.

As mãos estavam amarradas, e a corda que a prendia presa a uma das carroças. Seu vestido que antes deveria ser pomposo e de tons nobres, agora não passava de um pedaço de pano que mal lhe tapava o sexo e os mamilos. E por fim, proximo ao sexo da mulher Kael pode ver uma mancha avermelhada, que lhe descia pelas pernas.

Um dos homens que ria se ergueu, e retirou o gibão de couro que usava, e sorriu contando vitoria aos companheiros que urraram encorajadores.  O homem tinha cabelos raspados e um físico trabalhado. Os braços e dorso agora nus mostravam marcas de batalhas anteriores.


Quando o careca parou em frente a mulher, uma de suas mãos rumaram aos fios de tons escuros desta, e a outra se fechou e seu queixo, fazendo com que ela olhasse pra si.

Quando a mulher ergueu a face Kael pode ver as marcas de infinitas lágrimas que rolaram pelo rosto alvo, e pode jurar que os olhos castanhos da mulher cruzaram com os seus.  Ficou paralisado quando o homem se abaixou e, sem pudor penetrou a boca da mulher com a língua, beijando-a com voracidade.


Logo terminou o beijo com uma mordida, que pelo que o invasor pode ver cortara o lábio já ferido da mulher.


A mão do careca que antes segurava os cabelos da mulher; os largou e rumou para o sexo desta, penetrando o vestido e tocando a intimidade da morena com agressividade, fazendo com que esta cerrasse os olhos.


Aquilo fora o estopim para Kael, que tomou uma ação e correu em meio às arvores. E em um piscar de olhos estava em pé atrás de uma arvore que ficavam as costas de mulher que era violada. Seus olhos faiscaram, e seu corpo esquentou. Seus caninos cresceram, assim como os outros dentes que tomaram uma forma mais aguda. Suas pipilas antes azuis adquiriram um tom preto, que logo foi compartilhado com todo o globo ocular. As mãos se abriram em garras e um rosnado seco deixou a garganta do moreno.

O homem que assediava a mulher parou com o que fazia encarou a escuridão da floresta, preferindo acreditar que o som era um mero fruto de sua mente perturbada.

Tocou o cós de sua calça, e abriu sua cinta na intenção de revelar seu membro a mulher que fechou os olhos com força. Porém quando a mão do homem penetrou a calça um forte soco acertou-lhe o peito fazendo-o voar e bater contra um dos carvalhos que ali havia. Nem ao menos vira o que lhe havia acertado.


Parado em frente a mulher, no mesmo lugar que antes era usado pelo careca, estava Kael. Este estava com a face turva, pelos olhos completamente negros e os dentes que teimavam em sobressair-se aos lábios. 


Os outros homens olharam para o líder que continuava caído, e em seguida para o novo habitante daquela misera clareira. Notando o punho estendido revestido por sangue e pedaços de uma maça avermelhada que lembrava carne.


O moreno então se endireitou, e tomou frente à mulher. Impondo-se entre os bárbaros e ela.

Os homens fizeram menção e levaram as mãos a terra ao lado de seus corpos, e logo Kael se viu a enfrentar homens que portavam espadas toscas e maças de madeira. 
– Revele seu nome demônio! – Disso um homem que lembrava um rato. O forte sotaque preenchia a fala.


– Saiam daqui. – disse o moreno entre os dentes. Os cabelos se tornaram maiores, e a pele mais pálida, ficando com uma tez branca, que apenas aumentava com a luz prateada da lua.


– Quem pensas que é?! És um maldito demônio, isso sim. – Ralhou um segundo homem, gorducho e pele avermelhada.


– Não, olhe os olhos! Ele é um daqueles filhos da lua, minha tribo tinha lendas sobre esses abomináveis...


– Cala-te Havas! Não quero saber o que ele é, mas se for o que realmente dizes, – O homem obeso virou-se para Kael que continuava a fita-los, descrente de sua falta de cautela ao discutir perante o inimigo. – Transforma-te! Nos renderam muitas moedas de outro vender tua pele.


Kael apenas riu das falas do outro. Um riso grosso e rouco, que se abriu em um sorriso perverso. As garras se mostraram e então antes que os homens percebessem o semi-transmutado avançou sobre eles.


Tal surpresa tiveram, que mal conseguiram reagir ao assalto, tamanho era o poder de Kael. O Lobisomem decepou três bárbaros com um único movimento de mão, enquanto arremessava outro com um chute contra uma arvore, ouvindo os ossos se esmigalharem. O punho se fechou e mais socos foram desferidos, amassando os rostos a torto e a direito. Em momento algum usara os dentes.


Quando a carnificina enfim findou, o moreno olhou para as mãos, manchadas de sangue, e então se concentrou, fazendo o coração palpitar mais devagar, e o forte calor que seu corpo exalava abrandar. Logo as garras diminuíram, voltando a unhas normais. O mesmo aconteceu com os dentes e os olhos voltaram ao seu normal, assim como os cabelos e a pele, que retomou o tom levemente bronzeado.


Continuou de costas para a mulher. Sentia-se envergonhado de agir de tal forma diante de uma dama. Respirou fundo e fechou os olhos, e com os mesmos ainda fechados se virou, para enfim encarar a mulher que lhe olhava com medo e apreensão.

Andou a mesma, e se ajoelhou a sua frente vendo a mesma se encolher. Pegou então uma faca que estava ao lado e cortou a corda que a prendia. Os braços penderam e caíram sobre o colo da mulher, que massageou os pulsos arroxeados e com cortes em processo de cicatrização.


– Como é teu nome mulher? – Indagou com uma voz suave, tentando ser gentil. Porém a mulher nada disse. Ele perguntou mais uma vez, e tudo o que a mulher fez foi balançar a cabeça. Quando ele perguntou pela quinta vez, quase perdeu a paciência.

E enfim retirou seu colete e o passou nos ombros da moça, pegando-a no colo notando como estava fria e magra. Apertou-a contra o peito e a aninhou ali, iniciando uma caminhada, saindo da clareira, e começando a refazer o caminho de volta, deixando aquele cenário de morte e sofrimento.


Em dado momento, Kael notou que a mulher chorava, e notou pela primeira vez nos olhos da mulher que eram belos e brilhosos. As lágrimas desciam em intervalos, nenhum saía da boca da mulher.   


– Por que choras? – Indagou sem esperança de uma retórica.


Porém a mulher ergueu olhos para o lobisomem, e com sofreguidão abriu a boca mostrando a língua maltratada. O músculo oral esta queimado, como que feito por um pedaço de ferro quente, e com um profundo corte, que não sangrava mais.

– Então é por isso que não me respondeu? – Indagou, e a mulher fez um leve movimento com a cabeça, indicando um sinal positivo.

OoO

 Cápitulo corrigido por: Persefone Tenou. Obrigado.

Forma de pronuncia dos nomes dos personagens:
Kami: CAmi
Goldara: GOLdara
Kael: Quel


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Notas finais do capítulo

Olá, obrigado por lerem!
Bom, peço mil e uma desculpas pela demora. Não vou ficar enxendo linguiça e relantando um milão de fatos para que vocês fiquem entediados com desculpas. O fato é, que, eu fiquei sem tempo e inspiração, e finalmente quando consegui alguma coisa, perdi as cenas que já tinha escrito. Isso me frustrou e me fez quase abandonar a fic. Porém eu as encontrei, e agora voltei. Novamente peço desculpas, e se for do agrado de Vocês, reviews seriam ótimas! ^^
Então, gostaram? Foi do agrado de vocês? Espero ter pelo menos conseguido prende-los a leitura.
Abraços!



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