Remote Heart não acreditava como era possível algo brilhar em meio à escuridão que se tornara aquele lugar. Battery City e seus arredores eram locais perigosos, onde distrações não eram permitidas e amores eram esquecidos.

Mas então ela apareceu.

Entre tardes amanheceres e adiantados pores-do-sol, o sorriso dela iluminava sua vida. Black Flower era seu nome; seus cabelos desgrenhados e pele suja não afetavam sua beleza, muito menos sua alegria irradiante. Remote Heart a conheceu como se conhece qualquer outro killjoy; fugindo e atirando.

Então, mãos dadas, e a vida era perfeita. Eles sobreviviam, juntos, estabelecendo-se na Zona 4. Ele se apaixonara por ela, por seu jeito estranho e feliz de ver as coisas. Ela parecia estar sempre animada, nunca vendo o real problema que se tornara o mundo. Remote Heart nunca soube se foi por isso que ele se apaixonou ou por todo o conjunto que ela formava. Mas não importa, não enquanto ele contasse seu rosto entre os vivos.

Aprisionados por todas essas montanhas invisíveis de vigilância que a BL/ind construíra, eles continuaram a correr e se esconder. Mas ele nunca achou que eles o pegariam ali, no seu lugar mais sagrado: seu coração.

Em uma tarde de sol escaldante no deserto, Remote Heart viu. Entre os poucos pertences que Black Flower mantinha, ele viu o pequeno frasco com comprimidos, o rosto sorridente da Better Living Industries o encarando friamente.

Mas alguém nota? Mas alguém se importa? Só estavam os dois ali; os dois e a voz do Dr. D. os acompanhando no pequeno rádio portátil. Remote Heart sentiu as lágrimas virem, mas lutou para afugentá-las. Não acreditou mais em um centímetro daquele sorriso que tanto o encantou; sorriso esse que ele percebia, agora, ser falso. E ele entendeu o perigo que residia na sua paixão.

E se ele tivesse a coragem de colocar aquilo em sua cabeça... Mas importaria, se ela já estava morta? Suas emoções eram falsas; eram fabricadas pelos comprimidos. Black Flower não existia, e nunca existiu. Fora feita pela BLI, e estava tão cega quanto poderia estar. Então Remote Heart a aprisionou, no quarto onde eles tanta vezes fizeram juras de amor, e tentou juntar coragem. E ele deveria ficar chocado com a última coisa que ela diria?

Antes de puxar o gatilho, ele procurou uma saída. Deveria existir um jeito. Ele poderia tirá-la do controle da companhia, ou pelo menos poderia não matá-la... Então ele viu um pequeno mosquito pousar suavemente no ombro de sua flor. Ele esmagou o inseto, que ele sabia muito bem ser uma câmera. Não, não havia outra saída. Black Flower tinha os olhos vagos e manchados, ainda que fossem os olhos pelos quais ele se apaixonara.

— Eu te amo — ela disse, e isso fez as coisas muito mais difíceis.

Mas essas palavras não mudavam nada. Ela não era nada do que ele conheceu, do que ele amou. Ah, nossas memórias nos derrotam! Mas ela era uma espiã, não era? Mesmo sem ter consciência disso, ela era. E se a deixasse ir, não só ele seria morto, como também tantos outros killjoys que tentavam sobreviver dia após dia naquela zona.

Mas alguém nota, alguém se importa? Suas mãos tremiam segurando a arma, mas ninguém mais estava lá. Só ele e sua amada, que esperava pacientemente. Ela repetiu as palavras esmagadoras, e ele fechou os olhos. A dor era insuportável. Não há lugar nesse inferno ou no próximo que se comparasse ao que ele sentia.

Através das pálpebras fechadas, ele viu a explosão de luz que uma raygun produzia, e sentiu uma solidão automática crescer em seu peito.

Mas será alguém notaria que havia um corpo naquela cama?