Noite Das Trevas escrita por Giulia Yokomizo


Capítulo 2
Surreal


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos reviews!!
Está atualizado.



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7 anos atrás...

“Querido diário, hoje é sábado e eu vou pescar com o meu papai. Daqui a pouco nós vamos ao lago para pegar muitos peixinhos, eu gosto muito de ficar com o meu papai, sempre que vamos pescar ele deixa eu fazer um desenho da parte que eu mais gostei, a gente vai com a minha amiguinha da escola, a Lilly e a mãe dela. Vai ser muito legal!

Giuh - 7 anos.”

A pequena menina ruiva e seu pai saíram de casa com destino à casa da família amiga, onde embarcaram mãe e filha para irem juntos pescar. Tão logo que o pai estaciona o carro, as duas meninas saem em disparada para a beira do lago, em alguns minutos, seus cabelos ruivos e loiros são apenas dois borrões à distância.

A mãe da garotinha loira estendia a toalha e organizava as coisas, enquanto o pai da ruiva ia pegar o barco com seu amigo. As crianças molhavam os pés no lago e entravam no reino paralelo onde bonecas viram fadas e elas, as princesas.

Estava tudo correndo bem, o pai custava a voltar e a mãe procurava algo dentro da cesta quando não se sabe ao certo o que aconteceu. As pequenas viviam em sua fantasia, quando a loira fora puxada para o lago e sumira na imensidão das turvas águas azuis. Sem entender direito o que havia acontecido, a pequena menina dos cabelos de fogo saiu correndo, varreu o parque com os olhos à procura de seu pai, ou qualquer rosto conhecido. Avistou uma mulher alta, tinha a vaga sensação que conhecia seu rosto. Parou e implorou por ajuda, a mulher foi até o local onde a menina havia indicado e, se aproveitando do estado de desconcerto da criança, a empurrou no lago e saiu.

Então um turbilhão de pensamentos invadiu sua mente: o que deveria fazer? Onde estaria papai? Onde estaria Lilly? Por que aquela mulher a empurrou para a morte?

A menina afundava cada vez mais, seu cérebro se recusava a pensar em qualquer coisa, exceto duas palavras que se repetiam como um disco riscado “Socorro Papai”. Tudo o que viu antes de sua visão escurecer foi a silhueta de um homem vindo em sua direção.

Algum tempo depois, em meio a sirenes de ambulâncias e viaturas de polícia, os olhos cinzas da pequena menina que tremia se abriram e focaram no rosto do pai, que a tinha em seus braços. A criança tossia muito, mas teve fôlego suficiente para questionar o que tinha acontecido e, o mais importante, onde estava sua amiga. Os olhos de seu pai miraram algum ponto acima da menina, que os acompanhou e viu o corpo de resgate carregando uma maca branca, por cima da qual uma mãe desolada chorava e se perguntava “Por quê? Por que ela?”. O pai não sabia como dizer à filha, por isso mandou a filha descansar.

—Papai está aqui, meu anjo. Apenas feche os olhos que tudo vai ficar bem.

Acordei num sobressalto. Por que aquela parte de minha vida tinha que ter sido revivida? Foi um dos episódios mais sinistros e inexplicáveis da minha vida. Tão inexplicável quanto o sonho anterior, em que eu ia pra diretoria e... Onde eu estou? Teria sido real?

Tentei me sentar, sem obter sucesso. Todos os músculos do meu corpo queimavam e minha perna estava engessada. Olhei em volta, vi que estava num leito, tudo era branco, havia cortinas à minha volta. Onde diabos eu estou? Será um tipo de hospital? Nesse momento, entram minhas amigas e sentam no meu leito.

—Bom dia, você está bem? — questionou Nathy.

—Não sei. Onde eu estou?

—Ah, uma longa história. Antes de explicarmos, quero que tome isso daqui. — disse Sam me entregando um copo com uma bebida cor de caramelo. Tomei, tinha gosto dos biscoitos que meu pai fazia todas as manhãs para eu levar pra escola.

—O que é?

—Néctar, vai te ajudar a melhorar. — respondeu Sam.

—Você tem todo o direito de nos achar insanas antes de sairmos desse lugar, mas te devo explicações sobre o que está havendo. Nós enfrentamos um terrível monstro, e você não estava preparada para aquilo. Acho que você já deve ter percebido que aquele era um monstro da mitologia grega, que você pode compreender o grego mais fácil que o inglês, que se sente à vontade com arco e flecha e, como você não é burra nem nada, já deve ter percebido o que está havendo aqui. — explicou Nathy, eu temia que o que ela falaria a seguir fosse o que eu estava pensando.

—Sim, Giuh, o mundo grego é real. Sim, existem todos os monstros, os deuses e as criaturas mágicas que você outrora vira em suas aulas de história. Esse lugar é um refúgio para pessoas como você, como nós. — então ela fez uma pausa para que eu tentasse, em vão, entender seu raciocínio. —É de seu conhecimento que os deuses tinham filhos com mortais, alguns deles muito famosos: Hércules, Teseu, Perseu. Pois então, até hoje eles ainda têm relações com os mortais, muitas vezes mais perto do que você imagina.

—Então, você quer dizer que eu sou... uma semideusa? — olhei sem entender, só podia ser uma brincadeira.

—Sim, você é. Todos nós somos, aliás. Senão não estaríamos aqui. — respondeu Sam. —Vamos lá pra fora, para que você entenda melhor.

As duas meninas guiaram uma ruiva confusa, dolorida, cansada e com roupas deploráveis para a porta e, logo que consegui fazer com que meus olhos se acostumassem com a luz, o que vi me deixou atônita.

Longas colunas arranjadas simetricamente umas às outras formavam uma espécie de refeitório, onde havia várias mesas de pedra. Várias crianças vestiam camisetas laranja, além de algumas cuja pele parecia até um pouco esverdeada, mas deveria ser minha visão turva. Quase que no horizonte, avistava-se uma praia de areia clara e água azul. À direita, bem ao fundo, podia-se observar a silhueta de várias casinhas, cada uma de um jeito.

Enquanto eu tentava processar tamanha avalanche de informações, as meninas me apresentavam tudo. Não prestei atenção em quase nada, a não ser no campo de prática de arco e flecha e na Arena, que lembrava o Coliseu, só que com uma arquitetura menos romana.

Quando finalmente chegamos às casinhas, eu estava prestes a desmaiar. Toda a dor que outrora havia desaparecido, voltara e eu estava cansada das minhas muletas. Elas me explicaram que cada casinha (o nome correto é chalé), abrigava os filhos de cada deus. A maior e mais impotente era de Zeus, onde estava vazia fazia algum tempo. Logo seguia-se por um no qual as paredes eram enfeitadas por romãs e pavões, da deusa Hera que, por mais que fosse casta, exigia um chalé no acampamento. O terceiro tinha conchas e pérolas incrustadas em suas paredes, cheirava mar e era do deus Poseidon.

Assim fomos seguindo pelo arranjo perfeito que formava a letra grega Ʊ, cada chalé era mais surreal que o outro, mas dois me chamaram mais atenção que os demais. O chalé da deusa Atena era de mármore branco, de onde emanava uma luz suave, videiras escalavam suas colunas frontais e, ao alto da entrada principal, havia uma enorme coruja entalhada, cujos olhos eram de ônix. A deusa Ártemis possuía um chalé encantador, onde as paredes eram de um prateado claro, quase branco, entalhadas nelas estavam imagens de animais, caçadoras, lanças e arcos, e quando se passava por ele, ele parecia te envolver numa luz tranquila.

Enquanto estava sendo apresentada ao acampamento, ouvi uma trombeta tocando e então várias pessoas saíram correndo: era hora do jantar. Nathy me explicou que os indeterminados, como eram chamados aqueles que não tinham definidos um pai ou mãe divino, eram encaminhados ao chalé do deus Hermes, deus hospitaleiro dos viajantes.

Descemos até o refeitório, onde após rápidas apresentações me sentei junto à mesa do chalé 11. Pessoas verdes (ninfas, como Sam me explicou mais tarde) serviram nossos pratos, eu estava faminta e logo ia atacar aquele churrasco, quando todos se levantaram e se dirigiram à fogueira, onde queimaram uma parte de sua comida. Achei loucura, mas incrivelmente cheirava bem. Procurei por minhas amigas na multidão de pessoas, achei Sam e ela me disse em pensamento “Quando for jogar, deseje alguma coisa, faça um pedido.”

Meu cérebro ainda tentava processar tamanho acúmulo de informações, minha perna latejava de dor e tive náuseas ao levantar. Tudo o que eu queria era ir embora, de volta pra minha casa no centro de Manhattan, pra uma vida normal sem deuses ou seres mitológicos. Ainda assim, ao jogar meu frango ao fogo, pedi em pensamento “Quem quer que seja minha mãe, apareça logo. Quem sabe assim posso ir embora mais rápido?”

Terminei minha refeição, me sentindo mais fortalecida, com menos náuseas e tonturas. Seguimos todos para uma espécie de teatro, o nome era Anfiteatro. Sentei-me com as meninas e então eles começaram a contar histórias e cantar em volta de uma grande fogueira, a qual mudava de cor e tamanho conforme o volume de nossas vozes.

Ali, sentada em meio a tanta gente desconhecida, estava tentando aceitar os acontecimentos daquele e do outro dia, tentava aceitar que sim, os sátiros que estavam a alguns metros de mim eram reais, as pessoas verdes eram realmente ninfas e que ali talvez não fosse tão ruim assim. Ainda assim eu queria uma prova de que os deuses realmente existiam. Na verdade estava preocupada com a existência de uma deusa em particular, minha mãe. Aquela que me abandonou bebê na porta de meu pai, aquela que me deixou como lembrança apenas um sentimento aconchegante e um colar/arco. Já não entendia como um humano poderia abandona um filho, agora que sabia que era uma divindade, minha indignação só crescia.

Envolta em meus pensamentos, só fui voltar à realidade quando percebi que todos apontavam pra minha cabeça e olhavam surpresos, tentei olhar também, mas não conseguia. Então o ser meio homem, meio cavalo se levantou e disse:

—Eu vos apresento Giuh Mayflower, filha de Atena!


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