Point of view: Demetria.

Cenas como a daquele momento estavam se tornando mais freqüentes nos últimos quase oito anos. Ainda guardava lembranças bem vivas do meu primeiro corte no pulso, quando eu tinha meus preciosos nove anos. Não ser uma criança modelo tinha suas desvantagens, e o preconceito era uma delas. Eu usava óculos com lentes estranhas, meu cabelo não era lá um dos mais bonitos e eu era uma criança com o peso acima do ideal. Na minha escola, nenhum garoto me olhava diferente, e nenhuma das garotas se aproximava para ser minha amiga e isso se deve ao fato de eu sempre ter sido baixa demais, gorda demais ou estranha demais para me encaixar em qualquer grupo. Com o tempo, essas fatalidades se agravaram ainda mais e eu precisei sair da escola para estudar em casa devido à tamanha pressão que sofria. Sem entender o porquê de não ter amigos, perguntei a uma menina o que a impedia de se aproximar de mim, e ela respondeu com um sorriso irônico “Bem, você é gorda.” Eu sofria bullying porque era gorda. Então naquele dia cheguei em casa, estava sozinha. Puxei a tesoura que minha mãe usava pra cortar o cabelo de Dallas e dei um corte no meu próprio pulso. Aquela era a forma que eu tinha de expressar a minha frustração por ser tão discriminada pela minha aparência. Era uma maneira de me livrar de mim mesma. Minha mãe começou a me levar a um psicólogo. Hoje, tantos anos depois, ainda escuto na minha cabeça a voz infantil da garota repetindo “Bem, você é gorda.” E continua repetindo, repetindo, repetindo, repetindo... Eu estava no banheiro do meu quarto, deitada na banheira que quase transbordava e meu pulso estava totalmente coberto pelo líquido escuro e quente que escorria dele. O sangue se misturava com a água enquanto eu observava tudo em silêncio sentindo a dor de ter a pele aberta aliviar a dor que sentia dentro de mim. Eu tinha curvas por todo o meu corpo, na minha cintura, quadris, coxas, bunda, seios e até mesmo meu rosto estava diferente. Gorda. Gorda. Joseph me trocou por Ashlee Greene por ela ter um corpo lindo e escultural. Eu tinha curvas. O desespero me abatia todas as vezes que me olhava no espelho e constatava uma coisa diferente em meu rosto. Eu não poderia continuar gorda outra vez. Perdida entre tantos pensamentos loucos fui tirada do meu mundo pelo toque do meu celular.

- Demi, eu preciso de respostas, agora! – a voz de Joseph era autoritária, se não estivesse com tanta dor eu teria retrucado –

 - Olá para você também, Joseph.

 - Você pode me explicar por que diabos você está na capa da revista de fofoca mais popular da cidade com marcas ENORMES no seu maldito pulso? – ele quase gritava, mas aquilo não me abalou, eu estava perdendo sangue demais pra me preocupar com Joe –

 - Não sei. – minha voz falhou –

 - Mas que droga você está fazendo com a sua vida, Demi? – eu ouvi algo se chocar contra o chão, ou ser tacado de propósito – Eu mal posso acreditar no que estou vendo! Você continua se cortando?

 - Você disse bem, Joseph. Meu corpo, meu pulso, é a droga da MINHA vida.

Desliguei a ligação antes que alguma outra ofensa fosse proferida por Joseph e tomei a gilete gélida entre os dedos, provocando outro corte um pouco afastado do primeiro. Fiz uma careta e engoli a seco conforme o sangue voltou a escorrer, dessa vez por outro lugar. Meu celular tocou novamente. Era John.

 - Demi, eu recomendo que você desligue o seu celular. Você já viu a capa da Seventeen? Por Deus, o que são essas marcas no seu pulso, Demetria? Não me diga que...

 - São pulseiras apertadas demais, Jonathan. Não me importune mais com isso, por favor.

 - Demetria, isso não parec...

 Tive tempo apenas para finalizar a chamada e deixei o celular no chão, usando minha mão livre pra tomar novamente a gilete gelada entre meus dedos trêmulos. Eu precisava de mais. Antes que eu pudesse talhar outra parte do meu pulso, o som do meu celular ecoou mais alto. Ajeitei-me na banheira, passando o olhar pela tela. De uma forma assustadora e surpreendente, me fez mal ler aquele nome. Selena. Reuni todas as forças que ainda tinha e peguei o aparelho eletrônico que não parava de tremer contra o piso.

- Oi. – minha voz soou como um gemido –

- Preciso que me diga que tudo isso é mentira. – demorei a perceber que ela estava chorando – Por favor, diga.

- Selena, eu... – suspirei cansada, procurando uma explicação –

- Relógios apertados demais? Eu sabia que isso era mentira! Como eu fui idiota, argh! – ela esbravejou – Imagino que diga isso para a imprensa, mas sei que tudo isso é uma maldita mentira, Demi! – meu corpo escorregou ainda mais na água, eu estava quase submersa – Você está tentando se matar ou coisa parecida? Que porcaria você está fazendo?

- Eu não sou suicida, Selena. – fiquei magoada pelo tom que a outra usou, mas em partes eu sabia o quão difícil deveria estar sendo para ela –

- Nunca mais quero falar com você na minha vida! Tudo o que li então é falso? Para mim Demi Lovato era uma garota solidária, feliz e satisfeita com a vida que tem, mas aí chega uma revista e publica uma foto onde o pulso dela aparece com marcas que segundo eles, são cortes! Parece que você não é nada do que eu pensava! – ela estava me atacando verbalmente e eu simplesmente não reagia, meus olhos estavam fechados para não ver meu pulso sangrando – Que droga Demi! Por que você faz isso?

- Selena... Você... Eu posso explicar. Eu vou. Vou pedir para Maurice me levar aí.

- Não ouse vir até aqui Dem...

Desliguei a ligação e levantei da banheira tampando meu pulso com uma toalha preta que estava dobrada na pia. Coloquei um roupão e fui para o meu quarto trocar de roupa. Sem saber por que eu estava me achando inútil por cortar o pulso e mentir para Selena, e comecei a achar que ela merecia uma explicação, e ela teria.