Yakusoku escrita por teffy-chan, Shiroyuki


Capítulo 4
Capítulo 4 - World is mine


Notas iniciais do capítulo

World is Mine! - Hatsune Miku
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O sol despontava no horizonte, timidamente. Seus raios não tocavam o chão, escondido pelas espessas e acinzentadas nuvens, que faziam o possível para mantê-lo em suas sombras. O vento balançava as árvores, em uma melodia crescente e agitada.

Sentindo a luz tênue do amanhecer tocar seu rosto, Tadase estremeceu, sem vontade de abrir os olhos. Aquele dia, frio e nublado, era perfeito para continuar a dormir, e o calor que se espalhava por seu corpo era tão confortável que por poucos segundos ele considerou seriamente essa possibilidade. Porém, como Rei dos guardiões, sua responsabilidade vinha antes de qualquer coisa.

Tentou se mexer, para levantar, mas sentiu que algo o segurava. Era quente e cômodo. Tadase novamente desejou não ter que acordar, e de olhos fechados, analisou sua situação. Suas mãos seguravam um tecido, e seus braços estavam envoltos em algo cálido e macio, mas pesado. Tadase se aconchegou, sentindo um maravilhoso perfume de sakuras. O que era isso mesmo? Esse cheiro o lembrava de algo, mas sua mente recém-desperta relutava em raciocinar rapidamente.

Percebendo que a curiosidade venceu contra a preguiça, Tadase entreabriu os olhos com dificuldade. A claridade feriu seus olhos, enquanto ele tentava situar lugar e tempo. Com os olhos semicerrados, ele olhou para frente.

O rosto de Nagihiko a centímetros do seu. Essa foi sua primeira visão, logo ao acordar. Ao contrário do que se pensava, ele não se assustou. Não se afastou ou gritou. Apenas sorriu.

Então era isso. Ele havia ficado com medo durante a noite por causa do filme – os pesadelos que ressurgiam em sua memória indicavam isso. Em um ato inconsciente, abraçou Nagihiko, que era a pessoa mais próxima obviamente. Os seus braços em volta do corpo dele, que Tadase ainda não havia removido para não acordá-lo, confirmavam a hipótese.

Tadase o observou por alguns instantes, com a mente enevoada por causa do sono. Nagihiko ressonava profundamente, com a respiração regular e calma. Tadase contou três respirações, enquanto fitava o rosto elegante a sua frente. Apesar de estar com os cabelos bagunçados, jogados para todos os lados, e usando o pijama justo e curto de Tadase, Nagihiko ainda parecia ligeiramente com uma garota. Os cílios grandes e espessos, a pele lisa e branca, as feições delicadas... Nadeshiko ainda estava ali, contrariando as expectativas do Valete.

Tadase estava completamente acordado agora, e Nagihiko deveria despertar logo se não quisesse perder o primeiro horário. Seus problemas com notas não davam margem para qualquer comportamento relapso, de qualquer forma. Tadase decidiu que deveria acordá-lo o quanto antes.

— Ano... Fujisaki-kun...? – Tadase sussurrou, tirando os braços do redor dele. Nagihiko resmungou algo incompreensível, e apertou Tadase contra si, abraçando-o com força. Tadase corou levemente – F-fujisaki-kun? Acorde, por favor... – ele continuou a sussurrar, dando pequenas batidinhas no peito do maior, com o que conseguia mexer do braço que estava espremido entre os dois.

Nagihiko balbuciou mais uma vez, e contra sua vontade, entreabriu os olhos. Fitou por alguns segundos a imagem a sua frente, com um tolo sorriso na face. Era um sonho tão lindo...

— Fujisaki-kun? - O sonho disse, despertando-o de vez. Era realidade? Não podia acreditar nisso!

— Ho-ho-ho-ho-ho-hoto-tori – Nagihiko lançou-se para trás, empurrando Tadase e arrastando-se de costas até encontrar a parede oposta. Ofegante, ele encarava com os olhos quase saltando das órbitas o assustado loiro a sua frente.

“É claro que ele está assustado! O que eu estava pensando quando aceitei passar a noite aqui? Que estúpido, Nagihiko, estúpido! Qualquer pessoa de bom senso perceberia que você não conseguiria se segurar!”

— O que está acontecendo? – esfregando o rosto, Rythm espiou de dentro do seu ovo. Kiseki também apareceu, com os olhos ainda fechados.

— Eu não sei – Tadase respondeu, preocupado, levantando-se e começando a dobrar os cobertores do chão – Fujisaki-kun acordou assustado e começou a agir estranhamente. Na certa teve um pesadelo com aquele filme – ele supôs, rindo enquanto olhava para o amigo.

Nagihiko respirou fundo, para tentar analisar a situação calmamente.

— Hotori-kun... – ele disse pausadamente, levantando-se do chão – Você não está... com raiva?

— Raiva? Raiva do que? – indagou confuso, inclinando a cabeça para o lado.

— De mim! – Nagihiko exasperou-se, estando à beira do desespero – Eu... estava agarrado a você, bem, você sabe... eu o abracei... e ... quero dizer...

— Ah! Isso? – Tadase, sorriu despreocupadamente – Eu devo ter ficado com um pouco de medo durante a noite – ele admitiu, em voz baixa – e o abracei. Isso é tudo.

Nagihiko o fitou, num misto de confusão e surpresa. Como assim “Isso é tudo”? Mesmo que os sentimentos de Nagihiko não existissem, dois garotos dormirem abraçados... é no mínimo preocupante!

— Isso é normal entre amigos, não é? – Tadase explicou simplesmente, sorrindo calmamente.

Nagihiko teve vontade de chorar. Como esse tipo de pessoa poderia existir? Tadase era um perigo para ele mesmo, e para todos ao seu redor. Ele não fazia ideia de como os pais de alguém assim o deixavam sair sozinho na rua! Toda essa ingenuidade... poderia ser algum tipo de doença?

— É melhor nós irmos pra escola logo, Hotori – Nagihiko suspirou, ajudando Tadase com os cobertores.

-

— Aaaaah... Yaya não aguenta mais! – a guardiã mais nova largou-se sobre a mesa repleta de papéis, fazendo biquinho – Yaya quer brincar!

— Pepe-tan também quer brincar! – o Chara esperneou junto com sua dona, movimentando o chocalho da mão.

Os outros guardiões ignoraram a pirraça, acostumados com essa cena. Quando se cansasse de chorar, Yaya pegaria os biscoitos e os comeria sozinha, e então sairia correndo ao redor dos canteiros de flores, com Pepe no seu encalço. Logo depois ou outros Charas iriam atrás, e tudo acabaria com ela se livrando do trabalho enquanto brincava feliz da vida. Yaya era esperta.

— Como foram seus estudos com Fujisaki-san, Hotori-kun? – Amu indagou interessada, enquanto passava os papéis para Rima carimbar.

Nagihiko engasgou com o chá, tendo uma súbita visão de Tadase quase chorando ao ver o filme de terror.

— Foram muito bem – Tadase sorriu – Fujisaki-kun é muito inteligente e esforçado, quando não se distrai. Progrediu bastante... tenho certeza de que conseguirá passar nas provas finais.

— Você é quem é um bom professor, Hotori-kun – Nagihiko contrapôs, encabulado com os elogios repentinos.

— Eeei! – Yaya gritou repentinamente, chamando a atenção de todos – Yaya recebeu uma mensagem do Kukkai! Ele disse pra todo mundo encontrar ele no portão da frente, para ir ao cinema!

— Isso é bom – Nagihiko animou-se – tem um filme que eu quero ver...

— Não! – Yaya interrompeu – Kukkai diz aqui que todo mundo menos Nagi e Tadase, por que vocês têm coisas importantes pra fazer!

— Nós podemos pular hoje – Tadase sugeriu, sentindo-se culpado.

— Não. – Nagihiko respondeu – São as tarefas do Valete...

— Se você quer tanto ver o filme – Amu disse – Eu posso cobri-lo por hoje e você fica até mais tarde em outro dia...

— NÃO! – Nagihiko apressou-se em dizer, irritado – Quero dizer... – ele tentou consertar – É melhor não... são tarefas delegadas apenas ao valete, não seria bom...

— Fujisaki-kun tem razão, Hinamori-san – Tadase argumentou – Não seria bom se você visse...

— Tudo bem. – ela concordou. – Vamos ao cinema então? – ela referiu-se a Rima, que apenas acenou com a cabeça.

Visivelmente animadas com a ideia de sair mais cedo, as três garotas e seus Shugo Charas foram embora, deixando para trás um Valete perdido.

 — Sinto muito, Fujisaki-kun – Tadase lamentou enquanto empilhava os papéis espalhados para guarda-los – Você queria ir ver o filme, mas ao invés disso, tem que ficar aqui por minha causa...

— Isso nunca foi um problema, Hotori-kun – Nagihiko justificou, sorrindo.

— Um Rei não deve sentir muito, Tadase – Kiseki interferiu, sobrevoando a cabeça de seu dono – Está na hora. Tadase! Chara Change!

Tadase pareceu paralisar por um instante, quando a pequena e brilhante coroa surgiu sobre sua cabeça. Logo, a usual expressão gentil se transformou, tornando-se ambiciosa e altiva. Cruzou os braços, com a capa de guardião esvoaçando atrás de si. Os olhos brilharam perspicazes, combinando com o sorriso de escárnio. Sentou na cadeira, como se esta fosse um trono.

Nagihiko suspirou. Agora começava o trabalho de verdade. No entanto, não lamentava. Isso era algo que somente ele podia fazer por Tadase, e de certa forma, isso o deixava um pouco presunçoso, e animado.

— Valete! Traga-me chá! Eu quero Darjeeling. – Tadase ordenou, apoiando os braços no encosto.

— Imediatamente, Vossa Majestade.

O valete serviu do mesmo chá que havia sobre a mesa, e entregou ao seu Rei. Tadase tomou alguns goles e colocou-o de lado.

— Isso não é Darjeeling – ele sibilou ameaçadoramente, para então recuperar a pose orgulhosa – O que acha de prepararmos nossos planos de dominação mundial? Devemos começar a procurar pelo Embrio! – ele levantou da cadeira em um rompante, colocando um dos pés sobre ela e fechando a mão em punho de maneira determinada. Sua risada megalomaníaca ecoou por toda a estufa. Nagihiko adorava ouvir aquela risada.

— Não faça essa cara de tolo na frente do seu Rei, Valete! Vamos procurar o Embrio!

— Agora? – Nagihiko repetiu incrédulo – Droga, você está bem animado hoje não é, Majestade? – falou consigo mesmo, para então perceber que Tadase caminhava com determinação até a entrada –  Ei, espera! – ele gritou, a tempo de evitar que ele saísse. Segurou-o pelo braço, impedindo que avançasse.

— Como ousa impedir um Rei de realizar suas conquistas, plebeu?

— Você vai me agradecer mais tarde – ele respondeu calmamente – Seria problemático se você saísse dessa forma pelos corredores da escola, Hotori-kun, e iria se arrepender depois.

— Pois bem... – Tadase pareceu se conformar contra a vontade, torcendo os lábios em sinal de relutância – Nesse caso... eu quero sorvete de baunilha! – ele ordenou, cruzando os braços.

— Eu não vejo como isso seria possível, Majestade. Não temos sorvete na escola. Você é um rei muito mimado... – murmurou para si mesmo.

— E acaso você não existe apenas para me mimar, Valete? – Tadase indagou, aproximando seu rosto do de Nagihiko. Este engoliu em seco. Mesmo que preferisse a versão gentil e educada do Rei, sua transformação também conseguia fazer seu coração acelerar.

Tadase o encarou como provocação por alguns segundos, fixando seus olhos carmesim profundamente nos dourados de Nagihiko. Este, por sua vez, nada podia fazer além de retribuir ao olhar, suportando ao máximo os impulsos que seu corpo enviava. O Rei se cansou da brincadeira de sério, afastando-se poucos centímetros. Ainda de braços cruzados, ele bufou.

— E o meu sorvete de baunilha?

— Não posso ir comprar sorvete e deixar você aqui sozinho, Hotori! – Nagihiko exasperou-se – Nessa forma, quem sabe o que você seria capaz de fazer?

— Quem deu liberdade para um simples Valete tratar-me com tal displicência? É Majestade, insolente!

— Sim, sim, majestade... - Nagihiko colocou a mão no rosto, pensando em uma saída. Não havia nenhuma. Tadase sempre conseguia o que queria.

— O Valete deveria acatar a todas as ordens do seu Rei, plebeu – Kiseki interferiu. Rythm deu uma cotovela em suas costelas reais, pedindo silêncio antes que ele pudesse protestar. Os dois continuaram a observar o desenrolar dos fatos, flutuando sobre a mesa do chá.

— Você vai comprar sorvete pra mim? – Tadase sussurrou, colocando-se novamente nas pontas dos pés. Seus olhos inocentes ficaram ainda maiores, como duas bolas de Natal brilhantes.

— Eu compro o sorvete – ele cedeu por fim, de olhos fechados e uma veia sutil saltando na testa. Tadase sorriu presunçosamente, arqueando uma das sobrancelhas. Nagihiko odiava ter que dar-se por vencido tão facilmente... mas não era sempre assim? Tadase conseguiria convencê-lo a fazer qualquer coisa, olhando-o daquela forma. Por ele, Nagihiko pularia de bom grado de uma ponte, lutaria contra quantos Batsu-tama ele pedisse... ele até mesmo contaria sobre seu segredo para Amu, caso ele assim quisesse.

— Vamos então – Tadase tomou a frente, em um rompante.

— Aonde você vai, Hot... Majestade?

— Com você, na sorveteria, obviamente. Não havia dito que não poderia deixar-me a sós? Pois nesse caso, eu o acompanho – Tadase disse com superioridade, de olhos fechados.

Os dois rumaram para a sorveteria estrategicamente colocada na outra esquina. A tarde se encerrava, cinza e mal-humorada. Tadase ia à frente, marchando como se estivesse indo rumo a uma guerra, enquanto Nagihiko caminhava lentamente, ponderando sobre como ele poderia ter sido tão fraco frente a uma coisa tão simples como um falso olhar suplicante de um Rei de Jardim.

Iam assim, após atravessarem os portões de ferro do colégio, que há essa hora estava praticamente vazio exceto pelos membros de clubes e dos times esportivos, quando Tadase parou de andar. Parou por alguns segundos, olhando para o horizonte, e a coroa que pendia sobre sua cabeça evaporou. Nagihiko se aproximou, a tempo de ver os olhos do loiro recuperarem a ingenuidade e gentileza características. Assim era melhor, pensou. Aquela personalidade de Rei sempre o deixava nervoso (de todas as maneiras possíveis).

— F-fujisaki-kun – ele balbuciou, incrédulo. – Eu... fiz de novo, não foi? Eu abusei da sua boa vontade! Desculpe-me! Vamos voltar para o Royal...

— Não mesmo, Majestade – Nagihiko sorriu, andando em direção à rua – Agora, vamos comprar sorvete.

Os dois compraram o tão desejado sorvete, andando de volta para a escola. Embora continuasse a se desculpar incessantemente, Tadase parecia estar realmente apreciando o doce, sorrindo disfarçadamente enquanto eles retornavam para o Royal Garden. Nagihiko, de mãos nos bolsos, olhou discretamente para o menor, durante o caminho. Tadase, despreocupadamente, lambia o sorvete, alheio às reações que o ato simples causava no valete. Este tentava desviar a linha de visão do sorvete que tocava os tímidos lábios... mas era absolutamente impossível!

Enquanto andavam, Tadase, um pouco tarde, notou os olhares recorrentes que Nagihiko, apesar de tentar evitar, continuavam a escapar para a sua direção.

— Você quer...? – ele ergueu o alimento a altura de Nagihiko, um pouco incerto.

— Ah! E-eu...

Tadase ergueu novamente o sorvete até tocá-lo nos lábios entreabertos de Nagihiko, e este não viu outra saída a não ser prová-lo com a língua. O sabor era suave e gelado, porém de algum modo, Nagihiko sentiu seu corpo todo esquentando ao encostar-se ao local onde antes os lábios de Tadase tocavam de forma tão despreocupada.

— Está bom? – Tadase indagou, inocentemente.

— Muito – Nagihiko murmurou, escondendo o rosto que ardia em brasas.

Tentando disfarçar o turbilhão de emoções que sentia, Nagihiko surpreendeu-se um gélido pingo que caiu em seu pescoço e escorreu pela coluna, causando um estranho arrepio. Outro pingo veio depois desse, escorrendo pela bochecha esquerda.

— Ah! Está começando a chover, Fujisaki-kun! – Tadase exclamou, e mal terminara de proferir essa frase, os pingos ficaram mais intensos, até tornarem-se uma espessa massa de água que caía ininterruptamente.

Ambos começaram a correr, adentrando os portões da escola e atravessaram o Jardim Principal. O sorvete de baunilha meio-comido ficou para trás. Ofegantes, eles adentraram o Royal Garden como dois furacões, encharcados, apoiando-se nos joelhos para recuperar o fôlego.

— Eu vou buscar uma toalha – Nagihiko anunciou, enquanto Tadase sentava no degrau mais perto, deixando uma poça de água formar-se aos seus pés.

Logo ele voltou, com uma toalha nos ombros e outra na mão. Jogou a toalha na cabeça de Tadase, e começou a secar seu próprio cabelo, torcendo-o até que toda água pingasse no chão. O loiro continuou calado, concentrado tirar as meias e os sapatos ensopados e deixá-los de lado.

Nagihiko se aproximou, deixando a sua própria toalha cair sobre a cabeça do menor. Apoiando-se em um dos joelhos, ele se inclinou, começando a secar os cabelos de Tadase.

—E-ee-i... Fu-fuji-s-s-saki – Tadase disse tremulamente, enquanto Nagihiko chacoalhava sua cabeça em todas as direções para secá-la. – I-isso d-dó-ó-ó-i!

— O que foi? Eu só estou secando os cabelos do meu Rei – Nagihiko sorriu zombeteiro, segurando a cabeça de Tadase para cima, através do tecido molhado da toalha. Seus olhos se encontraram, e Nagihiko o soltou, como se este desse choque.

— Você é tão rígido, Fujisaki-kun... Ás vezes eu sinto falta da delicadeza da Nadeshiko... – Tadase pensou alto, continuando a se enxugar.

Nagihiko sobressaltou-se, encarando Tadase com surpresa. Ele continuou a esfregar sua cabeça, sem notar o fato.

Kiseki apareceu, flutuando na frente dos olhos de Nagihiko.

— A antiga Rainha fazia justiça ao seu título – o pequeno Rei dos Shugo Charas se pronunciou, solenemente – Ela tinha modos reais, dignos de uma Princesa de alta classe! Por que você, Valete, não age mais como ela?

— É por que eu já não sou mais uma princesa. – ele argumentou. Tadase riu da cena. Um garoto do tamanho e porte de Nagihiko, discutindo com uma coisa pequena e voadora como Kiseki... – Se quiser me chamar de alguma coisa, poderia começar acertando o gênero. Não é mais princesa, é príncipe.

 __ Você. Disse. Príncipe? – Nagihiko engoliu em seco. Como era possível que ele tivesse cometido um deslize tão simples quanto este? – Eu não sou um mero príncipe, plebeu, eu sou um REI! UM REI, ouviu bem?

A risada especial da dominação mundial pode ser ouvida pela segunda vez naquele dia. Tadase voltou a sentar em seu “trono”, também pela segunda vez.

Nagihiko o fitou por alguns instantes, tão importante em seu trono real, observando a tudo com prepotência. Lembrou-se vagamente do que Kukai disse a ele, no dia em que ele aceitou o cargo de Valete. “Tadase precisa desse tipo de bondade dos outros...”.

Estava errado. Nagihiko não fazia isso por bondade, simplesmente. Ele não fazia apenas por que era a função do Valete... A verdadeira personalidade de Tadase era algo que ele nunca poderia manifestar livremente na frente das pessoas. Sendo egoísta, dependendo das pessoas... Nagihiko amava também esse seu lado. Amava tudo nele. Era somente inevitável.

— Valete! Meus pés estão molhados! – ele esticou a perna para frente. Nagihiko tomou a toalha nas mãos e ajoelhou-se novamente na frente de Tadase, colocando o pequeno, e delicado, pé do Rei sobre a sua perna, para secá-lo. Tomou especial cuidado para não tocá-lo diretamente. Secou o outro também. Tadase fez o possível para conter os espasmos de riso que o toque em seus pés causavam.

“Ele é sensível...como eu imaginei!” Nagihiko não pode evitar de pensar, contendo sua imaginação imprópria o mais rápido possível.

Rythm sobrevoou o local, até chegar ao lugar onde Kiseki observava. Cochichou algo para o pequeno rei, e ambos saíram flutuando pela janela mais alta, em direção à chuva.

— Assim está melhor, Majestade? – Nagihiko indago após terminar de enxugar os pés.

— Sim – Tadase admitiu contra a vontade, olhando irritado para o lado oposto – Agora traga-me algo doce!

— Você acabou de tomar sorvete...

— Eu quero chocolate!

Nagihiko respirou fundo, olhando dentro do pote de porcelana em cima da mesa. Por sorte, havia ainda um retângulo cortado, o último pedaço. O valete pegou-o, levando com cuidado até o Rei, que esperava com a boca aberta e os olhos cerrados. Nagihiko tocou suavemente o pedaço de chocolate nos lábios rosados que esperavam prontos. Assim que mordiscou o primeiro pedaço, Tadase afastou-o.

— Está errado, Valete! Isso é chocolate meio amargo! Eu quero chocolate ao leite! – ele reclamou.

— Se Sua Majestade não quer... – Nagihiko insolentemente mordeu a barra, segurando-o com os dentes.

Tadase avançou contra seu valete, irritado. Segurou os braços dele com suas mãos desacostumadas com violência e impulsionou-se para cima, na ponta dos pés, mordendo o outro lado do tablete. Nagihiko fitou-o com espanto por vários segundos, até entender por completo a situação em que se encontrava. O loiro, ainda com os dentes cravados no chocolate, parecia querer desafiá-lo. Nagihiko sentiu sua cabeça girar. Estava tão perto, que podia sentir a respiração pesada e cálida dele tocar seu rosto, enquanto tentava morder o pedaço e soltar-se.

Sem raciocinar direito, Nagihiko prendeu Tadase pela cintura, apertando-o contra si em um abraço. Fechou os olhos, avançando uma mordida no chocolate. Estava prestes a perder a razão, ouvindo uma voz lá no fundo, que lembrava muito a sua versão Nadeshiko, alertá-lo sobre o que estava prestes a fazer. Ele fingiu não ouvir, avançando lentamente, saboreando o chocolate, que derretia suavemente em sua boca. Sentiu seus narizes se tocando. Era agora...

— Consegui! – Tadase balbuciou de boca cheia, com o pedaço de chocolate que ainda o separava de Nagihiko inteiro em sua boca. Parecia estar sorrindo vitoriosamente, entre uma mastigada e outra. – Está vendo, Valete? – ele engoliu de uma só vez – Não se deve desafiar um Rei dessa forma. Nunca!

Nagihiko voltou a si, encarando boquiaberto o espaço vazio entre eles. Tadase voltava ao seu trono, majestosamente. O que ele estava fazendo... Nagihiko ia mesmo... ia beijar Tadase? Ele tinha perdido o controle de vez, ultrapassando todas as barreiras impostas a si mesmo. Por sorte, Tadase afastou-se antes, com o estado de Chara Change impedindo-o de perceber a verdade. Não poderia encará-lo de frente, nunca mais, caso persistisse naquele erro de julgamento. Seria irreparável!

— Valete! Está surdo, por acaso? – Tadase berrou, irritado – Não ouviu o chamado? Eu quero massagem!

— Certo, majestade – Nagihiko acatou o pedido, indo de encontro ao seu rei. Não havia mais nada a ser feito. O erro havia sido evitado a tempo, sem causar danos a ninguém. A ninguém exceto ao próprio valete, que sentia o poder esmagador da culpa de não ter feito o que tinha vontade, que era quase pior do que ter cometido o erro. Sem conseguir olhar diretamente para Tadase, ele continuou a prestar os seus serviços, até o final da tarde.

Lá fora, a chuva continuou a cair, como um espelho do estado de espírito do valete, que se sentia pior do que jamais havia se sentido em todo esse tempo. Ele tinha noção de que agora, não seria mais capaz de controlar seus impulsos por muito mais tempo. Quanto mais aguentaria, até transbordar e perder o controle por completo?


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