Através Das Eras - A Origem escrita por Tronos


Capítulo 1
A origem


Notas iniciais do capítulo

Essa one é, ou era, pra ser um capítulo da fic "Através das Eras", do Rodney, e em segunda instância, minha e do Maluco. O problema é que... Nós simplesmente esquecemos como continuar. Acabamos enrolando, e o projeto esfriou, e como todos somos pessoas ocupadas, não tivemos como correr atrás do prejuízo.
Desculpe aqueles que acompanhavam.
Mas enfim, exatamente por achar isso injusto, eu decidi postar essa One. Não coloquei o Rodney ou o Maluco como autores, por que eu a escrevi do começo ao fim, e as ideias nela também são de minha autoria, e grande parte delas, ambos desaprovam.
Bem, não percam mais tempo e leiam. Também quero comentários.



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O céu estava ameno naquela manhã. As nuvens navegavam preguiçosas pelo leito azul anil, mudando de forma a cada sopro de vento, se você olhasse bem, poderia começar a assimilar as formas das nuvens com as coisas mais aleatórias possíveis. Algodões-doces, coelhinhos, taças e as vezes até outras coisas mais complexas, como símbolos. As formas brancas se afunilaram levemente pra frente, transformando o amontoado oval em algo pontudo. Um outro sopro de vento soprou, e um pedaço do círculo se separou, se alongando sobre a forma original como uma calda fina, que se afunilava até ficar imperceptível, ao mesmo tempo que o círculo se alongou ainda mais, formando o que se parecia com asas. Pra quem estivesse olhando, era quase como ver uma fada.

Mas não... fadas não tinham caudas... ou tinham?!

Qualquer contemplação mais profunda estaria arruinada, quando um sopro gélido de vento varreu a nuvem pra longe, a transformando num pote de creme, depois em algo que se assemelhava a um machado borrado. A criatura olhou divertida como as massas de vapor resfriado mudavam de forma como uma geleia mole. Ela também foi a única que fez a comparação já citada, simplesmente por que era a única em muitos quilômetros quadrados, voando sobre o deserto.

Ela também pensou que era um símbolo interessante, e quase involuntariamente, o guardou na sua memória. Não exigiu esforço algum, pra Dragões, que eram tão velhos na terra, lembrar coisas inerentes como aquela eram simples, eram sempre as memórias mais tolas e aleatórias que a mente fazia questão de guardar e proteger com todo cuidado, e curiosamente eram elas que passavam a fazer algum sentido, depois de algum tempo.

Entre esses devaneios soltos e andantes, Grandine mergulhou, dando um rasante sobre o deserto, fazendo a areia se agitar a sua forma como se estivesse viva. Pra ela, a areia tinha um sabor especial, o modo como dançavam no ar, e refletiam a luz, era bonito do seu ponto de vista. Bonito mas triste, de alguma forma, lhe lembrava alguém. Alguém que ela não tinha conhecido, mas já tinha visto.

Uma pessoa que ela tinha visto quando foi conhece-lo... O seu pai...

Com duas batidas de asas vigorosas, porem silenciosas e sem esforço algum, o enorme dragão branco se lançou novamente pra cima, atravessando as nuvens e mudando novamente a forma delas. Deveria ser desagradável, por que era muito gelado, mas ela adorava. As escamas de prata ficavam banhadas com água, e passavam a refletir a luz como um prisma. Ela se sentia fresca, limpa, e bonita, os olhos azuis da mesma cor do céu brilhando de alegria, a alegria selvagem que só os dragões conheciam. Voar pelos céus livre daquela forma... Era motivo de orgulho pra todos os seus irmãos, mas ela não se permitiu sentir isso. Era um privilégio. Um privilégio alcançado por sacrifícios, sacrifícios que, e ela se entristecia ao pensar nisso, não foram dela.

O vento rapidamente removeu todo o resquício de água do seu corpo, o deixando seco e com a impressão de ter sido polido. A velocidade cortante com que ele soprava não incomodava seus olhos abertos, porem faria em pedaços qualquer ave que, por acaso ou azar... principalmente azar, fosse jogada naquela altitude, por uma corrente particularmente forte, ou por brincadeira de algum outro dragão. Ela achava isso uma infantilidade, mas parecia ser a fonte de divertimento mais frequente entre Laio e Ignnel. Como não podia faze-los mudar de ideia, ela se resignava a não ficar por perto, quando faziam isso.

Depois do deserto chegar ao fim, as águas verde-azul do oceano leste se tornaram visíveis. Ela continuou voando tranquilamente por vários minutos, até que as julgou fundas o suficiente pra um mergulho. A sensação era parecida com atravessar nuvens, mas era mais tangível e duradoura, mais gelado e refrescante. O fôlego de um dragão não se comparava a de um humano, ou qualquer outra criatura que pisava na terra, ou mesmo os mamíferos que se aventuravam ali embaixo, nas águas. Podia passar horas submersa, se deitar no fundo do mar, onde a pressão esmagaria a maior das baleias até que não ficasse maior que um bolinho de carne, e adormecer, e no entanto, ainda sim continuaria, instintivamente, com a respiração presa.

Mesmo assim, ela subiu poucos minutos depois, quando o mar ficava novamente raso. No céu, ou mesmo nas águas, nada se comparava a velocidade de um dragão. O continente já estava fora de vista, mesmo para seus olhos afiados, e uma pequena ilha se estendia a sua frente, a areia da praia era macia, e tão branca quanto suas escamas... Quase tão branca quanto suas escamas. Não tinha ninguém ali pra ver, mas se tivesse, seria impressionante ver aquele corpo enorme e esguio se erguendo imponente das águas, alcançando o céu em um segundo, e depois mergulhando, até pousar na areia. Grandine balançou a cabeça levemente, respirando profundamente, mas lentamente, apreciando a sensação que o ao fazia ao entrar no seu corpo, arrepiando seus músculos e os enchendo de energia.

Depois disso as escamas brancas brilharam fracamente, como se fossem pérolas a luz do luar. O brilho foi aumentando, até que não fosse possível ver os contornos do dragão por trás dele. Mesmo sendo brilhante, não era uma luz que irradiava e iluminava tudo, era discreto a bonito, como ela era. A única coisa visível por trás do brilho prateado eram seus olhos azuis, que foram clareando a medida que a esfera de luz irregular se moldasse, encolhendo cada vez mais, até pulsar uma última vez e apagar, aos poucos. No lugar do grande dragão branco, estava uma garotinha com cabelos até o joelho, louros e levemente encaracolados. A pele era clara, não pálida, mas cremosa, e os olhos eram do mesmo azul iridescente de antes.

Grandine pulou algumas vezes, sentindo a dormência nos seus músculos lentamente ir se esmaecendo. O vestido simples que ela usava naquela forma era imaterial, quase como se fosse mais uma das formas peculiares que as nuvens assumiam, embora fosse de um tom claro de vermelho, quase rosa, o que lhe rendeu um dos seus apelidos. Tinha dado algum trabalho mantê-lo daquela maneira assim que o tinha criado, embora hoje, nem mesmo o mais exímio costureiro diria que aquilo era menos do que seda pura. O dragão - garotinha bateu as mãos nas solas dos pés, depois contraiu os dedos, sentindo uma cocegazinha prazerosa como a areia entrava entre os seus dedos. Satisfeita consigo mesmo, ela correu. O mesmo sorriso que ela sempre mantinha como dragão intocado naquele rosto imaculado de criança.

Enquanto corria, ela se pegou pensando na ilha. Não exatamente na ilha, mas não fugia de ser a ilha em si. Era incrível como as pessoas pareciam ignorar as coisas pequenas, dando atenção sempre as maiores, e que pareciam mais impressionantes. Dentre os nove, ela era a de menos porte, a mais pequena e delicada, e por isso era considerada a mais fraca. A gentileza dela a impedia de levar a sério uma luta, por isso ela optou por aprender a curar. Como fazer a magia percorrer seu corpo, até o corpo de outra pessoa, diminuindo qualquer dor, desconforto, limpando seu sangue e combatendo venenos. Quando ele mostrou aquilo pra ela, o dragão achou fascinante.

E da mesma maneira, era aquela ilha. Tão pequena e escondida no meio de um enorme oceano azul. Apenas um pontinho preto. Mas pra quem pudesse sentir... Só de pisar naquelas areias, mais brancas que o comum, só de olhar pra grama, pras folhas das árvores e as flores que cresciam ali, mais verdes e belas que em qualquer lugar no mundo. Apenas ouvindo o canto alegre dos pássaros, o modo como mesmo os lobos às vezes rondavam a cidade, adormecendo tranquilo em meio a crianças brincando, as mesmas crianças que às vezes pulavam encima deles, que rosnavam baixinho, como que se quisessem rir mas achassem que não deviam...

Era impossível não notar o sorriso daquelas pessoas. A paz naquele lugar... era permeável, tangível, era uma energia que purificava o ar, impregnava fundo na terra, bombeando vida e magia em tudo e todos. E toda aquela magia, toda aquela energia tão doce e suave... Era a energia daquela pessoa...


–Mavis-chan! - a garotinha ouviu uma senhora gritar do outro lado da rua. Ela parou curiosa, e acenou um braço - Não corra desse jeito, senão vai acabar tropeçando...

–Não se preocupe! - ela gritou de volta, ainda correndo e arrancando um murmúrio inconformado, embora divertido, da mulher que varria a calçada.

A vila estava acordando pra mais um dia, e o céu parecia cintilar pra eles, por trás das nuvens, e nos olhos risonhos daquela criança.

Aumentando a velocidade, ela passou a vila, e correu por entre a mata, atravessando as folhagens e pulando os galhos. Nos troncos, esquilos saíam da toca, olhando curiosos por onde ela passava, parecia que conversavam entre si. Conforme o caminho nivelado foi subindo gradualmente, ela sabia que estava perto. Ninguém diria que aquele lugar, a tantos anos atrás, fora uma terra desolada a base de um vulcão. A lava não subia mais à tempos, desde que ela se lembrava. A própria energia que impregnava a ilha a empurrava pra baixo, a acalmava, resfriava e estabilizava, não permitindo que ela destruísse aquilo que com tanto cuidado ele cultivava.

Ainda correndo, Grandine subiu o vulcão, coberto de verde, em linha reta, ignorando a trilha que o velho monge usava para as crianças. Em poucos minutos se deparou com o lugar certo, marcado discretamente pelo abeto enegrecido que ainda estava de pé. Tão velho, tão ou mais velho que ela mesma. Sem perceber, ela afagou a árvore e desceu com cuidado o barranco, que ficava coberto de barro quando chovia. Como chovia praticamente toda noite, ali sempre estava lamacento. Apesar de ser um lugar afastado da vila, não era incomum ver crianças brincando ali, atirando lama uma nas outras, quando a manhã dava lugar as tardes. Não era necessário se preocupar com os animais, mesmo os lobos e guepardos que viviam ali, muito mais comum era ver um deles coberto de lama, correndo atrás das mesmas crianças que riam até o estômago doer.

Quase como um ritual inconsciente, Mavia afagou a parede do cristal antes de puxar os cipós e samambaias pra trás, revelando a famosa fenda na rocha. Sem esperar mais ela entrou, e sentiu cada célula do seu corpo ressonando tranquila, a sensação tão familiar, que mesmo depois de milênios, ela não conseguia se acostumar. Erra surreal. O poder bruto contido ali, que jorrava dos cristais para a ilha, se renovava e subia aos céus. Poucas sensações se assemelhavam aquela.

Se aproximando devagar, com a face serena, ela se ajoelhou em frente a árvore de diamante, e tocou o cristal. Imediatamente o mundo se apagou para o dragão. Um arrepio percorreu suas costas, e ela se viu diante de dois globos azuis, tão ou até mais vivos que os dela. A paisagem em torno do dragão e da raposa era parecida com a da ilha, mas não havia mais ninguém lá, apenas o som da maré batendo contra a rocha. Era bonito, mas solitário.

–Otou-sama...

Mavis curvou respeitosamente a cabeça, até que sentiu algo quente e macio em seu pescoço. Abrindo os olhos, ela viu uma das caldas amarelas a envolvendo num abraço caloroso. A sua frente, sentada e a encarando tranquilamente nos olhos, enorme e imponente, a própria raposa do sol. A calda se envolveu um pouco mais firmemente na sua cintura, e o dragão do céu se sentiu içado do chão, sendo colocada recostada ao corpo macio e caloroso da raposa. As nove caudas a envolveram, e Grandine abraçou ternamente o pescoço dele, deitando o rosto contra os pelos macios.

–Filhote... - a voz saiu levemente rouca, arranhada e paterna. Grandine o abraçou mais forte.

Nenhum dos dois disse nada por muito tempo. A raposa a emalou em suas calças, a mantendo tão perto de si quando possível, protegida, segura. Ele sabia que era tolice se sentir assim, aquele filhote era o Dragão do céu, uma das nove feras daquele mundo, mas era inevitável pra ele. Ali, tão pequena e frágil... Ele queria protege-la de tudo, de toda a dor do mundo, mesmo que tivesse que rasgar aquele universo em dois. Grandine sentiu o corpo mole, relaxado ao máximo, a mesma sensação de voar, misturado com deitar numa banheira de água morna. Ela abriu os olhos, e encontrou o céu acima dela, de alguma maneira, aquele era o céu. Não era o seu céu, que ela governava e contornava voando, mas ainda era o céu. A cabeça grande de seu pai estava deitada na grama, apoiada sobre as caldas, em torno dela, apesar do sorriso constante, do jeito brincalhão e da doçura com que ele tratava a si mesma, Amaterasu, Thoris e todos os outros, ela conseguia ver. Enraizado no fundo daquele azul, uma tristeza sem tamanho. Quantas vezes, voando, ela não parara pra observar o céu e se lembrava daquele sentimento?

Aquilo a assustava. Sentir aquilo era assustador, mesmo pra ela, era como uma tortura. Não havia dor física que se comparasse com aquela angustia que o acorrentava e o puxava pra baixo. Era como se toda a escuridão do mundo se juntasse pra tentar cessar a luz de uma vela. A mesma luz que, mesmo depois de tanto tempo solitária e adormecida, continuava brilhando com toda a força. Pulsante, doando seu próprio calor pra que as outras pessoas pudessem enxergar, enquanto se mantinha no frio e expulsava a escuridão. Grandine não podia nem começar a imaginar o tamanho daquele fardo, era irreal, pesado demais, só de relembrar aquela angústia seus olhos marejaram.

Por isso, ali, com ele, o dragão do céu o abraçou mais forte. Queria passar seu calor pra ele, mesmo que ficasse com frio, daria tudo pra ele. Não era justo, não era certo que uma única pessoa tivesse que segurar o céu daquela maneira, e o fato dele mesmo ter escolhido aquilo, e se mantido tão puro e suave mesmo depois de ter passado por tudo o que passou... Era maravilhoso. Quando Grandine perguntou por que ele tinha escolhido continuar no mundo, em vez de seguir em frente como toda a alma fazia, ele sorriu tristemente pra ela. Aquilo tinha sido há milênios, e mesmo assim ela se lembrava como se tivesse acabado de esquecer, era uma das suas memórias mais preciosas.

"Eu não posso pequena - ele tinha dito - Eu não posso abandonar esse mundo como ele está, não posso deixar as gerações futuras sofrerem o mesmo tormento que tantos já sofreram. Eu tenho que continuar sendo a luz dela, uma pequena e fraca chama entre a escuridão, apenas refletindo toda a luz e calor que eu conseguir, apenas refletindo o calor do sol, minha criança..."

Quando Grandine perguntou quem era "Ela", que seu pai chamava de o próprio sol, ele sorriu e respondeu rindo, como se fosse óbvio: "É a sua mãe, é claro. A mesma que criou seus irmãos do vento, das águas, do fogo e do céu, e a mesma que embalou esse mundo no colo, quando ele era jovem e ainda não tinha nem começado a tomar forma..."

Grandine suspirou, abrindo os olhos. A sua frente, a árvore de diamante que irradiava a luz dos cristais, e dos nove selos de Megumi. A forma pequenina da raposa do sol, seu pai, brilhava dourada entre o diamante, os olhos fechados e o leve movimento dos ombros. Ele estava respirando, ressoando tranquilo como se estivesse dormindo. O dragão do sol se inclinou, e beijou suavemente o cristal da árvore, sentindo o mesmo arrepio que ainda eriçava os pelos da sua nuca.

–Perdão por incomoda-la, minha senhora...

A garota olhou por sobre o ombro, e seus olhos encontraram os olhos castanhos do monge. A mesma túnica negra, amarrada com uma corda que ele sempre usava. Nas mãos, o bordão enegrecido, feito de um alho retirado daquele mesmo abeto, na entrada da trilha. Ele se curvou respeitosamente, e tossiu uma risada quando a pequena pulou nele, o abraçando:

–Mak-kun! - ela cantou - Você esta aqui pra ver Otou-sama?

–Em parte - ele respondeu, sorrindo enquanto afagou a cabeça daquela garotinha. Era incompreensível pra ele que ela pudesse agir daquela forma, com a inocência de uma criança, mesmo depois de ver o avô do avô do sua avô, e incontáveis gerações anteriores à sua nascendo e morrendo, uma atrás da outra - Eu soube que você tinha visitado a ilha, e vim te ver...

Ele murmurou a última parte um pouco envergonhado, passando o bordão de uma mão à outra, enquanto ela sorria ternamente pra ele. O monge a tinha conhecido quando ela era uma criança, e ela tinha sorrido da mesma maneira pra ele. Mesmo já sendo um adulto, ele ainda se sentia pequeno e infantil sobre aqueles olhos azuis. Era incompreensível pra ele, apenas um humano de vida curta, como a inocência, e a gentileza quase infantis de Grandine poderiam dividir o mesmo espaço com toda a sabedoria e poder que aqueles olhos ocultavam.

Desde o primeiro momento, quando a viu ajoelhada diante do cristal, rezando para o guardião da vila, ele não conseguia desviar seus olhos dos dela. Ele era apenas uma criança, e aquilo tinha acontecido a décadas. Makarov sempre tinha imaginado a maneira que ela deveria vê-lo, depois de tanto monges se formarem, terem discípulos, que depois tomavam seus lugares e morrerem, ele se perguntou o que ele significava pra ela. Seu senso de lógica dizia que para os Deuses, e para os Dragões, que era as criaturas mais próximas a eles, seres humanos eram pequenos e frágeis, uma vida humana deveria passar como um piscar de olhos sob o olhar deles. Um tempo tão curto que nem valesse a pena prestar atenção...

Mesmo assim ainda doía nele pensar daquela maneira.

Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, o dragão do sol rodopiou, e saiu pela mesma fenda onde entrou, fazendo sinal pra que ele a seguisse. Makarov não fez isso de imediato. Caminhou até o cristal, e murmurou uma oração. se ajoelhando e tocando a cabeça no chão, antes de se levantar e caminhar para a segunda entrada, que os monges e os adultos da vila usavam quando queriam orar ou simplesmente tocar aquele cristal. Ele contornou durante alguns minutos a montanha, se perguntando se Grandine ainda estaria ali, quando seus olhos se encontraram com o abeto da entrada da trilha. Recostada nele, estava...

Ela se virou pra ele, e sorriu gentilmente. Os olhos azuis brilhando iridescente, como o céu, como apenas um par de olhos no mundo brilharia.

–Minha senhora... - o monge perguntou, olhando os cabelos louro platinados escorrendo como uma cachoeira pelas suas costas.

Seu corpo tinha mudado, não era a forma infantil que ela geralmente usava, era a forma de uma mulher na flor da idade, com vinte e dois, talvez vinte e três anos. O vestido vermelho estava mais escuro, caindo por cima da pele leitosa e suave dela. Os seios pequenos e delicados, as coxas a mostra sob o vestido, lisas e bem torneadas, como a porcelana mais fina. A boca estava rosada, e a sua face abaixo dos olhos estava levemente corada. Grandine, ou como a chamavam na ilha, Mavis Vermillion, sorriu docemente para o monge.

Ele não conseguia desviar o olhar dela. Seu corpo tremeu e paralisou, seu coração parecia prestes a explodir no seu peito. Aquele sentimento de tantos anos atrás, um sentimento que ele se culpava por ter, voltou com força total. Foi tão intenso que seus joelhos fraquejaram e seus olhos marejaram, seu peito doía, suas mãos tremiam de tanto amor que sentia por aquela garota, aquele dragão, aquela mulher. Ele se sentiu sujo, manchado, como se tivesse cometido o mais hediondo dos crimes.

Sem que nenhuma troca de palavras fosse feita, ele se aproximou dela. Ele tentou desviar, mas não pode impedir os olhos de correrem por aquela pele, aqueles olhos, aqueles lábios... Pensamentos sobre ele a tomando nos braços atravessavam sua mente como facadas doídas, cada uma era uma traição pra ele. Ele não podia se apaixonar por ela, não era seu direito...

Com o peito ainda doendo, ele se ajoelhou a frente dela, mantendo as costas retas, mas o queixo tocando firmemente o peito. Ele não sabia o que esperar, não sabia julgar o que deveria ou não acontecer agora. Durante toda sua infância, aquela garotinha tinha sido sua amiga, sua melhor amiga. Eles tinham corrido juntos, brincado na lama juntos como as outras crianças, e dormido com os lobos e guepardos. Quando ele cresceu, ela o levou pra voar, ainda se recordava da alegria selvagem que sentiu naquele dia, que sentiu muitas vezes mais. Quando mais velho ficava, mais e mais a amizade se transformava em algo mais, ele a amava. E agora, ele tinha certeza que ela sabia disso, mas não tinha ideia do que ela iria fazer.

Ainda de olhos fechados, ele sentiu dedos carinhosos e macios tocarem seu queixo, o levantarem até que seu rosto ficasse em linha reta com os dela.

–Makarov-kun... abra os olhos...
Ele não pensou em recusar nem por um segundo. Seus olhos ansiavam pelos olhos dela. Ela era sua musa, cada traço do seu rosto, a cor de seus cabelos, o toque suave da sua pele, até o seu cheiro doce, como o da fruta mais saborosa e fresca de todas... Tudo nela era extremamente e perigosamente atraente pra ele, era familiar demais, tentador demais.

–Tem algo que você queira me contar...?

Ele sentiu seu mundo ir abaixo. Imediatamente curvou a cabeça, a tocando no chão. A esse ponto já estava chorando, não conseguiu evitar as lágrimas de rolarem, e nem quis depois que aconteceu, elas de alguma forma aliviavam o aperto no seu peito, amenizavam a dor de ter que segurar aquilo dentro dele, por tanto tempo. Num fôlego só, ele tentou se desculpar, mas não foi suficiente. Um pequeno pedaço da sua mente gritou que ele estava parecendo um idiota berrando daquele jeito, e que ela não tinha entendido nada, mas o monge não lhe deu atenção. Ele estava pra começar de novo, quando as mãos dela tocaram seus lábios, e puxaram sua cabeça pra cima mais uma vez. Quando seu olhos se cruzaram com os dela, ele tentou desviar, se sentiu o pior de todos os homens da face da terra. Ver a abundância de lágrimas que ela derramava o diminuiu até que não fosse mais que um verme imundo. Infelizmente, como dragões mesmo costumam dizer, seres humanos tinham uma visão muito focada, e não conseguiam reparar em mais de um detalhe por vez. Por isso Makarov não viu o sorriso radiante que desenhou suas expressões:

–Repita...

Ele, imediatamente, fez como ordenado, tentando se lembrar exatamente do que tinha dito:

–Eu disse: "Me perdoe minha senhora, eu não pude evitar, simplesmente aconteceu, e eu não consegui... - ele deu uma pausa, que na frase original tinha usado pra tentar respirar. Dessa vez usou pra conter a tremedeira - Eu não consegui evitar me apaixonar por você, eu amo...

Ele não terminou o que ia dizer. O monge sentiu o mundo girar, e foi ao chão, de costas. Ali, encima da grama e sob a sombra escassa do abeto, ele sentiu os lábios de Mavis pressionarem contra os seus. Sem reação, ele apenas sentiu ela tomar seus próprios lábios num beijo singelo, doce, e simplesmente delicioso. O mundo girou pra ele, enquanto sentia os braços dela em torno do seu pescoço, acariciando seus cabelos negros.

–Eu também te amo... - ela disse, as lágrimas ainda nos olhos e o sorriso de orelha a orelha - Desde que éramos crianças...

Ela o beijou de novo, e dessa vez foi o monge que o interrompeu:

–Mas... Minha senhora...

Ela ficou em silêncio, só o ouvindo. O sorriso tinha diminuído um pouco, e os olhos ganharam algum brilho de preocupação. Makarov estava tão perplexo que não conseguia fazer nada, a não ser balbuciar palavras incoerentes e difusas, sobre algo dela ser sua senhora, e ele ser apenas um humilde servo, e a Raposa, e leis, e mais algumas outras coisas que ela estava ocupada demais não prestando atenção pra poder ouvir:

–Você não mudou nada, Mak-kun... - ela disse com um sorriso travesso, olhando nos olhos exasperados do monge - Desde que era criança, você sempre foi leal demais, gentil demais...

Ele balançou a cabeça, inconformado com a situação. Não que não tivesse gostado do beijo, foi assustador o quão bom tinha sido, e esse era o problema. Estava errado. Ele não devia se sentir assim, ele não devia ama-la... era errado... Não era?

Grandine parecia ver toda a confusão interna, parecia que ele estava lutando contra si mesmo, e sorriu com isso. Era bem a cara dele estragar uma declaração assim daquela forma, e ela não conseguiu evitar rir. O riso dela pareceu ter despertado o guardião dos seus devaneios, e ele a olhou interrogativamente. Em resposta, ele puxou a face dele para ela novamente, parando só quando suas bocas estavam a um centímetro uma da outra. O monge estava tremendo levemente, e mesmo ela estava corada e nervosa:

–Não estrague o momento, seu bobo... - ela riu de novo, jogando involuntariamente mais do seu hálito fresco no rosto dele, o que o deixou anestesiado, quase como se estivesse bêbado - Você me ama?

–Sim...

–Mais alto!

–Sim

–MAIS ALTO!

–EU TE AMO!

Mavis riu, se jogando novamente nele e o beijando, roçando seus lábios úmidos nos dele. O beijo tinha um gosto levemente salgado pelas lágrimas de amigos, mas isso não incomodou nem um nem outro. Ela estava radiante, desde quando... Quanto tempo tinha sonhado que ele a tomaria nos braços para si? Ela viu aquela criança crescer pouco a pouco, ganhando mais e mais espaço do seu coração, até se tornar o homem incrível que ele era. Ela não percebeu quando toda a amizade e o amor fraterno que sentia por ele tinham se tornado mais intensos, não tinha percebido quando se apaixonou por ele. Tinha conhecido seus pais, e os pais de seis pais, e os pais dos pais de seus pais, e todos não passavam de crianças pra elas. Crianças maravilhosas que já não estavam mais nesse mundo. Crianças que ela tinha visto nascer, e crescer, e aprender e então passar seus conhecimentos adiante. Tinha amado cada um daqueles homens e mulheres, mas nunca, nunca se apaixonara por nenhum. Nenhum olhava pra ela daquela forma, com um olhar tão doce, tão carinhoso...

Os seus lábios se entreabriram, quando a língua dos dois se encontraram num sussurro surdo de prazer. Pra ela foi como voar, como se atirar nas nuvens e cair sem controle, livre, simplesmente e maravilhosamente livre. Pra ele foi como se todo o peso que estava em seu coração fosse aliviado de uma vez, como se ele estivesse se afogando lentamente, no fundo do mais profundo oceano, e de repente puxasse uma lufada de ar, enchido seus pulmões com ele. Grandine, era como um sopro de ar pra ele. Ele era como o céu pra ela. Lá ela poderia ser livre, poderia se entregar e cair sem controle, sabia que ele estaria lá pra segura-la.

Nenhum dos dois disse mais nada depois disso. O sol subiu pela seu caminho costumeiro, transformando o dia em tarde, a tarde em noite até que a madrugada chegou. O longo manto do monge estava estendido no chão, cobrindo parcialmente seu corpo e o de Grandine. Ela estava ressoando tranquilamente, deitada sobre seu peito, a nuvem de cabelos platinados esparramado à suas costas. Makarov a firmou mais em seu abraço, estar com ela ali, respirando contra seu pescoço... Era como se seu peito voltasse a doer de novo, só que dessa vez era uma dor prazerosa. Era como se ele a amasse tanto, que tanto amor não tivesse como escapar de uma vez, e isso inflava e enchia seu peito, fazendo seu coração bater com força... Não, era exatamente isso. O sorriso na face do dragão só rivalizava com o seu. Enquanto dormia, sua mente estava cheia de sonhos com o céu, seu pai e Makarov, ela o amava tanto que não sabia o que fazer com isso, só queria ama-lo cada vez mais e se afogar naquele sentimentos, se perder naquele amor junto com ele.

O sol se transformou em lua, e a lua novamente em sol conforme o tempo passou. Grandine não cabia em si de tanta felicidade, mesmo voar pelo céu não era o suficiente agora. Tudo parecia estar em segundo plano, ela, seu pai, seus irmãos e Makarov, eram as únicas coisas que importavam pra ela. Não queria pensar em ter que achar um filhote humano e cria-lo como seu. Ela ia ter seu próprio filhote, dentro de poucos meses, ela ia ter seu próprio filho, o filho de Makarov...

Aqueles nove meses tinham sido os melhores da vida do monge. Ele não entendia como era possível amar tanto alguém como ele amava Mavis. Ele queria passar o resto da sua vida com ele, cuidar do filho que iriam ter juntos, e ensina-lo sobre a vida de um shinobi, e sobre a Raposa do sol. Foi numa noite, quando levava as crianças de doze anos para ver pela primeira vez o guardião, que o céu ficou escuro de repente. O monge olhou para o alto surpreso, e se preparando pra proteger as crianças de qualquer ameaça. E ainda não via nada quando seus tímpanos quase estouraram ao som de um trovão, rasgando o céu.

BUM

As crianças tamparam os ouvidos, e gritaram, algumas assustadas, outros olhando pra cima, procurando o perigo, as mãos na cintura onde estavam o se estojo de kunai...

BUM

Makarov levantou o cajado, e murmurou um encanto antigo. O bordão retorcido da ponta brilhou embranquecido, irradiante uma luz forte e pura pra todos os lados. Ele levantou-o acima da cabeça, e tentou enxergar.

BUM

Seu olhar se cruzaram com grandes olhos vermelhos em fenda, que se fixaram nos seus. O imenso dragão negro não pousou, nenhum dragão pousaria por respeito encima daquele vulcão, onde o ancestral deles descansava, mas ficar estático no ar era muito fácil para o dragão da noite. Apesar de assustadores, seus olhos estavam apenas sérios, não havia nada de ameaça neles.

–Monge... - ele disse, com sua voz de trovão, num comprimento simples mais respeitoso.

–Shad-sama - Makarov se curvou, nunca tinha visto aquele dragão em particular, mas Grandine tinha lhe falado dele. Em comparação com o dragão do céu, Shad era enorme, pelo menos duas vezes, quase três vezes maior que ela. Os caninos na sua boca eram imensos, e suas garras brilharam ao sol de tão afiadas. Dois chifres curvos contornavam sua mandíbula, afiados e apontados pra frente, tortos e ondulados. Apesar de ameaçador, a áurea em torno dele era calmante, e os olhos eram sábios, como os de todos os dragões... Ou quase todos.

–Temos assuntos pra tratar - o dragão disse novamente, focalizando as crianças com o canto do olho, que tremeram ao perceberem que estavam chamando atenção - Em particular...

Ele tentou empurrar pra baixo o mal presságio que se abateu sobre ele, e concordou com um aceno de cabeça, os olhos muito vivos e rápidos fizeram o dragão levantar uma sobrancelha... "Ele já sabe?" - ele pensou consigo próprio.

–Crianças, voltem pra casa - as crianças explodiram em protestos, que ele não conseguiu silenciar. Shad bufou levemente, soltando uma nuvem de fogo negro que dançou pelo ar, antes de desaparecer, e as crianças magicamente se calaram - Viremos visitar o guardião amanhã, não se preocupem. Agora... Liliana, Soka, cuidem dos outros, vocês serão responsáveis por leva-los de volta até a aldeia. Certo?

Ambas as crianças estufaram o peito de orgulho, e fizeram uma profunda mesura pro monge. Em seguida se virarão, e se curvaram novamente pra Shad, que piscou surpreso, mas não teve tempo de responder a cordialidade, por que o casal já estava guiando as outras de volta pela trilha. Antes de saírem, a maioria deles se curvou, e uns poucos acenaram.

–Esses garotos de hoje em dia... - o Dragão negro murmurou, mas não obteve resposta e suspirou. A face do monge estava preocupada, quase ameaçadora, e ele não podia culpa-lo, de fato, se estivesse no lugar dele e fosse de Amaterasu que estivessem falando, ele não seria tão complacente, incendiaria o mundo até achar sua parceira. - Venha, suba no meu rabo...

Ele chicoteou a cauda pra que parece próximo ao monge, que subiu nela e se segurou com força. Num dia normal, estaria honrado por voar com um os dragões mais antigos, mas alguma coisa muito ruim lhe apertava o peito. Um mal agouro que mal o deixava respirar...

Makarov sentiu o peito pesar novamente. Durante nove curtos meses, ao lado da mulher que ele amava, aquele aperto tinha ido embora, agora voltava com força total. Era como se toda a felicidade que ele tinha sentido aquele tempo todo fosse só um muro, uma barragem que tinha segurado sua tristeza, e agora, a barragem ruía e a represa inundou todo o seu ser. Era muito, muita tristeza, muito pra uma única pessoa...

O monge calou seus pensamentos enquanto lembrava da Raposa no cristal. Sentindo o mesmo que ele, Makarov se perguntou se poderia entendê-lo melhor. Sabia que nunca conseguiria por que não tinha vivido nem um milésimo do que ele já tinha vivido. Era apenas um humano jovem no mundo, que tinha se apaixonado por um dragão, e esse dragão agora precisava ir embora. Ele descansou a cabeça entre as mãos, sentindo os olhos doerem pelas lágrimas que ele tinha derramado. Era como se pegassem sua vida e o arrancassem dele, arrancassem a chance dele ser feliz, de viver ao lado de quem escolheu. Não era justo, nem pra ele nem pra ela. E o pior, é que ele sabia, sempre soube, que aquilo ia acontecer. Um dragão imortal de milênios de idade, com um humano que não viveria mais de cem, cento e cinquenta anos. Não era pra ser...

Ele sentiu o aperto de uma mão no ombro, e encontrou olhos vermelhos o encarando com simpatia. Os cabelos muito negro estavam jogados pra trás, e Shad, em sua forma humana, usava roupas escuras, cobertas por um sobretudo negro como seus cabelos. Ele sempre esperou que o dragão da noite fosse... sombrio, mas ele estava sendo simpático, mais que isso, estava sendo gentil com ele.

–Eu não sei o que dizer pra você, Makarov... - o dragão disse, se sentando em frente a ele - Já vivi muitos milênios nesse mundo, mas ainda não encontrei todas as respostas pra todas as perguntas... Amor... É a mais difícil de todas elas.

–O que eu posso fazer...? - o monge murmurou desconsolado - Eu não quero me separar dela, eu a...

–Eu sei... - o dragão murmurou - Nenhum de nós quer isso, mas esta além de nossos poderes. Grandine é o céu, e é lá que ela precisa estar. Sabe... nós dragões não somos os nossos elementos, como todos pensam. Podemos nos entender, e nos referir assim por conveniência e simplicidade, mas não é nossa natureza...

"O vento, o mar, o fogo, a terra, o relâmpago, todos eles são forças naturais selvagens e indomáveis. Livres, sempre acabam entrando em colapso uma com a outra, isso invariavelmente vai acontecer, já aconteceu milhares de vezes, muitos milhões de trilhões antes mesmo de eu sonhar em nascer...

Então, a própria Deusa da criação criou nove espíritos, nove feras que encarnassem o poder de seus elementos. Eles encarnariam o poder do fogo, do mar, das montanhas, do ferro, e do vento, e do relâmpago, de todos os nove elementos desse mundo. Por muito tempo, as coisas ficaram sob controle, os nove espíritos eram sábios, e eram como irmãos uns com os outros. Mas as coisas mudaram. Os espíritos se tornaram mesquinhos, e passaram a lutar por poder uns contra os outros. O próprio mundo entrou em guerra. O vento lutando contra o mar, o fogo contra a rocha, o sol contra a lua, o dia contra a noite. Era a era do chaos.

Por isso, a Deusa da criação pediu ajuda ao Shinigami. Ele concordou e deu aos humanos o controle do "Shiki fujim", um selo amaldiçoado capaz de encarnar o poder de um dos elementos dentro de um ser humano. Essas pessoas foram chamadas de jinchuurikis, os pilares humanos. Uma tradução mais apropriada seria sacrifício humano, era exatamente isso que eles eram. Por vários séculos depois disso, o mundo ficou novamente em paz, só que isso não durou muito tempo.

Os jinchuurikis passaram a ser vistos como monstros pelas outras pessoas, por isso eram atormentados, caçados, apedrejados, e viviam todo tipo de inferno que eu não gosto nem de imaginar. Eles se tornaram instáveis, e os espíritos dentro deles se libertavam, causando guerras e mais mortes. A esse ponto, A Deusa da criação estava exausta, ela não aguentava mais ver as pessoas matando umas as outras, ver o mundo se destruindo uma vez após a outra, era demais até mesmo pra ela... É aí onde ele se encaixa. A Raposa do sol.

Dentre os jinchuurikis, ele era o mais perigoso, o mais instável, e o que corria mais riscos dentre todos os outros, por que obrigava o espirito mais forte de todos, o espirito do sol, a Raposa de nove caudas. Apesar de tudo isso, você já sabe o que aconteceu..."

–Ele a mudou...

–Sim, a razão por que todos nós, Dragões, anjos, demônios, e mesmo os Deuses, respeitamos tanto aquela pessoa... É por que ele simplesmente conseguiu arrancar, sozinho, toda a maldade que existia encarnada nas profundezas da alma do maior e mais perverso demônio do mundo. Isso é algo que até mesmo eu tremo só de pensar em fazer, quando mais um humano fraco, sem nenhum conhecimento, e tão jovem quando ele era, pouco mais de uma década de vida... A alma daquele garoto é pura, tão pura quanto a alma primordial do mundo, ele já matou centenas, milhares de pessoas, e mesmo assim, a sua alma continua imaculada. Ele desceu até as profundezas da consciência do pior de todos os espíritos, a encarnação crua e nua do ódio, e simplesmente o arrancou de lá. Um humano, um mero humano fez isso. Por toda a vida dele ele tinha sido odiado, viveu um inferno cada dia da sua vida por causa dela, e ainda foi capaz de arriscar perder sua própria essência dentro da Kyuubi, apenas pra salva-la... Você entende agora por que ele é visto como um Deus?

–Sim... - o monge respondeu, sem mais palavras. Ele conhecia aquela história, mas nunca pensou que pudesse ser algo tão profundo quanto aquilo. A imagem daquela pequena raposa amarela dentro do cristal... Quem imaginaria?

–Fazendo isso, ele se tornou a própria raposa de nove caudas. Todos os pecados da Kyuubi foram limpos, e ela foi permitida a descansar no paraíso. Nunca, nenhum demônio entrou naquele lugar, a não ser youkais, e ela... O maior de todos? Era surreal demais pra acreditar.

"E aí acontece o selamento. Depois da guerra, e de perder tudo o que tinha, a Deusa da criação vai até ele, e oferece a chance dele escolher. Sua paz de espírito ao lado dela, ou ficar na Terra, onde as trevas ainda imperavam... Você sabe o que ele escolheu. e sabe como acabou selado. Agora... é onde eu entro. Eu e Amaterasu e nossos irmãos...

Com todos os espíritos soltos, criando chaos no mundo, e o espírito do sol dormente, a Deusa da criação decidiu tentar mais uma vez. Ela rasgou a alma da Raposa adormecida em duas, uma das metades ficou com ele, e da outra ela forjou minha companheira, a mais antiga e sábia de todos nós, Amaterasu, o dragão do sol. Depois, capturou todos os outros demônios, e moldou a mim e meus irmãos, mas com uma diferença: Nossas almas são humanas. Diferente das bestas anteriores que não tinham almas, nós temos, por isso podemos nos controlar. Todos nós temos uma sede de sangue dormente, mesmo Amaterasu a tem, só que podemos nos controlar, entende?"

O monge balançou a cabeça em sinal afirmativo.

"O problema, é que nós ainda somos instáveis. Para não perder o controle de nós mesmos, nós, os nove, e mais a Raposa do sol, que pode conversar conosco limitadamente, através do cristal, criamos um novo selamento. Uma nova magia, que recebeu o nome de Dragon-slayer. A cada mil anos, mais ou menos, ou quando percebemos que nosso controle enfraquece, nós escolhemos um filhote humano, e o ensinamos nossa magia. O ensinamos a respirar o fogo, a água, as nuvens e o metal. O ensinamos a comer seus elementos, e se alimentar deles, a usa-los pra lutar, a manipula-los. E quando esse filhote esta finalmente pronto, nós selamos a nós mesmos dentro deles mesmo. Como acontece com os jinchuurikis, e hibernamos.

Estar dentro de outra alma humana reforça nosso lado humano, e empurra o lado feral mais abaixo. A única entre nós que não faz isso é Amaterasu, por que sendo apenas metade do espírito do sol, ela não é tão afetada por seu lado demoníaco tanto quanto os outros de nós. Na maior parte do tempo, é apenas uma voz irritante que fica dizendo pra ela atear fogo em algo, ou dilacerar alguma coisa..."

Makarov engoliu em seco:

–Quando tempo falta pra vocês procurarem seus filhotes?

–Depende... Arianna e Thoris já fizeram isso, a maioria de nós tenta "hibernar" em épocas diferentes, pra não dar ao mundo um número muito elevado de magos tão fortes. Não importa quão fraco seja um dragon slayer, ele ainda é o mais poderoso entre todo e qualquer mago elemental do seu elemento. Os filhotes do Ignnel são os mais poderosos entre os magos que dominam fogo, os filhotes de Laio entre os magos de água e gelo, e assim por diante. Não importa quão fracos eles são, ainda sim são os mais fortes.

–Entendo...

–Eu te contei isso por que você merece saber, você precisa saber pra lidar com o que vai acontecer agora - Shad disse, sentado de frente a ele, naquele hospital - Agora, vou te contar uma coisa sobre Grandine. Ela é a menor de nós, e acredita piamente que é a mais fraca, apenas por que não gosta de lutar. Por isso ela aprendeu a magia de cura com a Raposa do sol.

Mas o que ela não sabe, ou não acredita pelo menos, é que de todos nós, Grandine é a mais forte. Sempre foi, sempre vai ser. Ela é entre todos os espíritos, o mais ameno e sereno, o espírito do céu, que nos tempos de Raposa do sol, antes de vermos o mundo, era chamado de "Nibi", o espírito de duas caldas. Todos nós temos nossos opostos, Laio e Ignnel, a água e fogo, eu e Amaterasu, o sol do dia e a noite, Thoris e Arianna, a terra e o vento, e Metalicana e Riotsu**, ferro e eletricidade. Mas Grandine... ela é o centro. Ela é harmonia, é o céu que fica em torno de nós, nos mantem no lugar. Você consegue entender? grande parte de nosso controle sobre nós mesmos, e nosso lado demoníaco, vem dela. Se não fosse pela Grandine, teríamos matado uns aos outros a muito tempo atrás, e o mundo estaria novamente jogado no chaos... Sei que isso não ajuda, mas queria que visse o quão especial ela é, e que se ela se apaixonou por você, um entre milhares de monges que ela viu crescer e morrer, é por que você também é especial de alguma forma... Eu, bem... Apenas tenha fé.

Era raro ver um dragão ficar sem palavras, ainda mais o supremo dragão da noite, falando com um simples humano. Esse toque de ironia o fez sorrir, invariavelmente. A tristeza ainda estava ali, ele sentia comprimir seu coração e impedir que ele respirasse fundo o suficiente, mas ela podia ser ignorada. Não esquecida, ignorada...


Mavis estava sentada na sua cama, uma semana depois do parto. O bebê nos seus braços era simplesmente a coisa mais linda que ela já tinha visto na vida. Tinha os seus cabelos claros, e os olhos do pai, uma combinação que ela adorou. Ele apertava seu seio entre as mãozinhas pequenas, enquanto mamava com sofreguidão.

–Ainda nas fraldas, e já é um comilão... Mak-kun...- Grandine disse, sorrindo. Ela instintivamente esperou uma resposta, e machucou saber que em breve ela não viria mais. Quando disse a Makarov que daria a seu filho o mesmo nome que ele, ele apenas sorriu, mas perguntou o por que. Ela tinha respondido que, sempre que pensasse tanto no filho quanto nele, era esse nome que queria que viesse a sua mente. Era um dos nomes que ela mais amava...

Ele sentou-se ao seu lado e a beijou, brincando com suas línguas até que o bebezinho começou a chorar. Grandine o embalou por uns segundos, e depois passou para o colo do pai, que o levantou como se fosse jogar pra cima, mas parou a um olhar assustado da mãe, sorrindo cinicamente da brincadeira. O pequeno Makarov não parecia se importar, estava ocupado pegando uma mecha de cabelo preto do pai e puxando com força, o que rendeu uma careta de dor do pai e uma gargalhada da mãe...


Grandine parou no porto, não estava na forma de dragão, nem de mulher, e nem de criança. Estava usando um meio termo, uma forma adolescente. Os cabelos estavam presos por enfeites que se pareciam asas, havia sido um presente do seu... marido. A palavra doía quando ela pensava nela. Uma vez, se perguntou se não ter estado naquele dia na ilha teria sido melhor, não ter ido ver seu pai, ou ter encontrado o monge, e ter decidido assumir aquela forma... Esses pensamentos duraram até ela se lembrar que, se não tivesse feito isso, não teria experimentado aqueles meses de felicidade que vieram junto, e nem poderia ver o sorriso lindo do seu filhotinho. Era estranho pensar assim, mas ela trocaria sua eternidade por mais alguns anos, por uma vida ao lado dele e de seu filho, Trocaria a eternidade, seus poderes e mesmo o céu, que ela tanto amava. Naruto sorriu quando ele contou isso a ela, se parecia demais com ele, pelo que ele tinha dito...

Olhando pro céu, ela ficou observando as nuvens, mudando de forma... Um sorvete, uma foice, um rosto, um bolo de chocolate, um coelho - eles apareciam bastante - Um fada, um...

Uma fada?

Ela olhou bem pro símbolo, e depois riu consigo mesma:

Não... fadas não tem caldas... Ou tem?!

A sua atenção foi desviada quando o apito do navio soou, e ela pegou sua saca. Olhando uma última vez para a ilha, especialmente para o vulcão, e para o céu, ela desceu a colina até o porto.

Cauda de fada... cauda de fada... fada... fairy... Fairy tail...


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Notas finais do capítulo

Aí galera, dessa vez deu certo, e graças a minha nova Beta, a Kim...berly. Então, agradecimentos especiais pra ele, ela, sei lá...



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