–Vó, me conta mais sobre os exploradores – perguntou a menina Marrie, logo que chegou em seu Lar.

– Porque a curiosidade, minha neta? – perguntou a avó, idosa, mas ainda com muita lucidez.

– Ah... – Marrie ia começar a falar, quando lembrou das palavras do velho Menodgi “esse será nosso segredinho” e se conteve.

– Não vai me dizer que o velho Menodgi andou te contando histórias dos exploradores? – perguntou astutamente a avó, uma vez que sua neta não prosseguira.

– É... – respondeu a menina, tomando cuidado para não acabar falando além do que devia.

– Senta aí, minha neta, que a tua avó vai contar-te o que a vovó dela lha contou anteriormente...

– Ué, vovó! Mas a senhora não conviveu com alguns deles? – perguntou a garota aliviada por o diálogo ter mudado de rumo.

– Ah! Sim, ou não, ou ambos. – a menina fez uma careta e a avó riu – Na verdade não tivemos exploradores em nossa família...

– Mas vó – interrompeu a menina, ainda confusa – o que significa ambos?

– Ah, sim! – dizia a avó rindo da neta – Ambos é o mesmo que “os dois”, ou seja, sim, não ou os dois, isto é, sim e não.

–...?

– Está bem, eu sei que é complicado – disse a avó vendo que a confusão da menina tinha ficado ainda pior, da mesma forma que sua careta – me deixe continuar a história que você entenderá.

– Tá certo, vó! – disse a menina, pulando e levantando os braços. A avó riu, e continuou:

“Bem... Antigamente, todo mundo era como os exploradores: vagávamos pelas florestas procurando o que comer para sobreviver. E isso era tudo que fazíamos. Nessa época não havia nem exploradores nem homens-comuns, pois todos éramos nômades. As mulheres e os homens coletavam comidas pelas florestas. Às vezes frutos, às vezes folhas, outras ainda, flores, sementes ou cogumelos, raízes e cascas de árvores. A alimentação era escassa e muito pouco do que havia era capaz de prover-nos. Certa vez não se sabe quem – provavelmente uma mulher – descobriu que dias depois de jogar sementes no solo, uma pequena árvore de lá nascia.

“Desde então tiveram a idéia de plantar as sementes das plantas boas, isto é, trigo e cevada. Como já conheciam o fogo e manipulavam pedras, aprenderam a preparar o pão. Essa cultura foi se difundindo a todos que entrassem em contato entre si. Passados alguns anos, estima-se que cerca de nove em cada dez pessoas estavam agrupadas onde hoje é a Civilização. Cada tribo que perambulava pelo Planeta formou uma família, com um sobrenome. Os homens todos que vagavam pelo planeta floresta foram se agrupando na Civilização. Nessa época ainda havia a fome. A luta por comida – após o fim dos mantimentos e antes da colheita seguinte – fazia da civilização um lugar difícil de se viver.

“Não por isso, mas alguns homens –nunca mulheres – passaram a preferir se retirar para as florestas, e não voltar mais. Esse era um fenômeno de números expressivos e era notável esse êxodo vindo de diversas famílias. Ainda que fosse uma minoria, todos perceberam que na época que a fome vinha para todos, famílias com exploradores recebiam suas visitas e mantimentos. Saquear famílias com exploradores virou procedimento padrão das demais famílias, quando estas passavam fome. O que os exploradores faziam a respeito? Eles, pacificamente, se retiravam, permitindo que sua família fosse saqueada ou lutasse pelo alimento. Mas depois eles voltavam com mais. Eles simplesmente não permitiam que suas famílias morressem de fome.

“Com o tempo as famílias com exploradores passaram a doar alimentos às famílias que estivessem próximas do fim do estoque. A Civilização assim começou a se organizar. Os saques se tornaram menos incidentes e a fome desapareceu, graças aos exploradores. Mas nos livrar da fome não foi a única coisa que os exploradores nos proporcionaram. Continuando a habitar pelas florestas, eles foram trazendo alimentos comestíveis variados para suas famílias. Dentre os grãos por eles trazidos, algumas famílias semearam e com isso popularizaram o plantio da aveia, da ervilha, da lentilha e do arroz. Nos últimos anos eles nos trouxeram o milho, a batata, a batata-doce, o feijão, as ervas, usadas como tempero, e diversas verduras.

“A Civilização foi construída em uma floresta de árvores grandes semelhantes entre si, em uma região de clima predominantemente mais frio, embora já nos acostumássemos a ele. Nenhum dos habitantes da Civilização que hoje ainda vivem conhece outras florestas, mas os exploradores contavam de florestas mais quentes e outras mais frias. Com mais árvores, com menos árvores. Com árvores maiores, com árvores menores. Com chuvas mais freqüentes, com chuvas mais esparsas. Com árvores de outros formatos, diferentes entre si. Não sei se você sabe, mas ainda hoje alguns homens ainda desejam sair da civilização para se tornarem exploradores, embora esse movimento seja cada vez menos frequente.”

– Nossa, como o tempo passou depressa, já é noite, minha neta. Está na hora de você dormir!

– Obrigado vovó!!! – agradeceu empolgada a menina – Adorei a história, vou contar para os meus netos!

– Assim espero – disse para si mesma a avó satisfeita.

Quando foi dormir, Marrie reviu o seu dia. Ficou muito contente com o tanto de coisas legais que fez, mas então se lembrou de uma frase que Menodgi lhe falara: “Aproveita tua vida e faze grandes feitos ao invés de ficar ouvindo histórias de um velho doente.” No entanto, achou vão refletir por mais tempo sobre a frase e disse para si mesma: “Adoro histórias. Amanhã vou visitar o seu Menodgi e avisar pra ele que consegui manter o segredo.”