Beastman escrita por Cicero Amaral


Capítulo 6
Capítulo 6




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Eu não sou dono de Teen Titans. Mas a essa altura vocês já sabem disso, não sabem?

 

             As próximas semanas se seguiram sem maiores incidentes na Torre Titã, salvo por um ou outro assalto a banco, que foram impedidos sem quaisquer dificuldades. Mutano continuava com as suas atividades “extracurriculares” em segredo. À tarde, ele saía da Torre sem ser percebido, e, à noite, ia para os aparelhos de musculação na sala de treino. Agora que Robin estava impedido por juramento solene de lhes impor rotinas de treinamento opressivas, o metamorfo era capaz de fazer o que precisava sem se exaurir além dos limites de seu corpo. Evidentemente, ele precisava de algo para distrair seus amigos enquanto saía. Ele teve a idéia em uma tarde na biblioteca, ouvindo o Sr. Smith reclamar de como os supervilões em Jump City pareciam fugir a cada semana. E, no dia seguinte, sugeriu à equipe que tentassem algumas medidas para melhorar a segurança dos presídios. Ninguém acreditou que o garoto verde pudesse falar de algo sério assim, mas pararam de olhar para ele como se tivesse uma cabeça extra depois que explicou que “Se os bandidos fugirem menos, a cidade fica mais segura e a gente ganha mais tempo livre, e eu podia jogar mais games com Ciborgue”. Claro que, após o choque inicial, a idéia foi aceita.

            O trabalho custou ao metamorfo dois dias inteiros, pois teve que farejar e examinar possíveis saídas ocultas, mas o resto do trabalho específico levou dois meses inteiros. Robin ficou responsável por preparar planos de contenção, Ciborgue instalou diversos dispositivos e atualizações eletrônicas, e Ravena tratou de preparar reforços místicos para o sistema penitenciário da cidade. Como Mutano e Estelar não podiam fazer nada disso, ficavam na Torre. E, dessa forma, ele continuou a freqüentar a biblioteca municipal sem ser notado. E, à noite, todos estavam cansados demais para procurar seu colega mais novo no último lugar onde achavam que ele estaria por vontade própria: a sala de treinamento.

            Quando não estava ocupado, ele agia como era habitual: aprontava das suas, jogava games com Ciborgue, tentava convencer os demais amigos a provar suas “maravilhas culinárias” feitas à base de tofu, continuava sua missão de tentar fazer a empata da equipe sorrir. Seu relacionamento com Ravena tinha voltado a um nível mais normal, mas, desta vez, os comentários sarcásticos a respeito de seu humor estavam menos ácidos, quando a empata gritava com ele por ser irritante, já não pegava tão pesado, e, quando ela o arremessava até a outra parede por invadir seu quarto fora de hora ou aprontar uma peça, já não fazia com força para machucar... muito. E, todas estas vezes, quando Ravena se certificava que ninguém estava olhando, se permitia um mínimo sorriso.

            Sim, essas semanas se passaram tão pacificamente quanto poderiam.

 

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            Mutano estava muito satisfeito.

            Tinha acabado de tomar um bom banho, e estava escolhendo uma muda de uniforme limpo para ir tomar o café-da-manhã com os outros. Não fora o banho que, embora tivesse sido muito agradável, que o deixara de tão bom humor, mas o que vira lá. Realmente, a imagem vislumbrada era tão boa, mas TÃO boa, que precisava de confirmação. Que o membro mais jovem dos Titãs iria obter agora.

            O metamorfo tirou as pilhas de roupa suja de cima do espelho de corpo inteiro que tinha no quarto, e começou a examinar a própria imagem refletida atentamente, sem perder nenhum detalhe.

            DESTA vez ele gostou do que viu. Os meses de dedicação estavam enfim mostrando seus resultados: Ainda era magro, mas nem de longe o pirralho franzino que era quase quatro meses atrás; agora havia musculatura facilmente perceptível por debaixo do uniforme, nada exagerado, mas os músculos novos estavam perfeitamente adequados a seu corpo, completamente proporcionais a seu novo físico. Os ombros estavam um pouco mais largos, ajudando a formar uma compleição atlética. Mas a diferença mais notável era a altura. Sim, seja devido à atividade física, seja devido a seus genes instáveis, ou mesmo uma combinação dos dois, o metamorfo tinha crescido muito nos últimos meses. A marca na parede mostrava o quanto ele tinha crescido: provavelmente estava quase da altura de Robin.

- Já não sou mais o membro mais tampinha da equipe. – Ele disse para si mesmo, enquanto descia o corredor para o café-da-manhã. O dia estava apenas começando, mas estava começando bem. Muito bem.

 

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            A cozinha da Torre Titã estava fervilhando de atividade como era usual. Ciborgue estava preparando pilhas de panquecas e waffles, as garrafas de xarope já colocadas na mesa. Estelar também estava preparando um artigo de culinária tamaraneana: ingredientes exóticos estavam espalhados diante dela, que neste momento tentava evitar que alguns deles fugissem. Robin se contentava com um suco de laranja enquanto as panquecas não ficavam prontas, e Ravena estava simplesmente esperando o fogão ser liberado, para que ela pudesse preparar seu chá de ervas habitual.

            Mutano entrou na cozinha feliz da vida: tinha no rosto um sorriso tão grande que seu rosto parecia prestes a rachar ao meio. Ele cumprimentou todos os seus colegas rapidamente e foi até o local onde guardavam o cereal, rapidamente enchendo uma tigela e começando a comer.

- Isso não é estranho? – Robin cochichou para Ravena. – Ele está comendo em paz, sem começar uma guerra com Ciborgue por causa de tofu ou coisa assim.

- É melhor aproveitar então. – Ela respondeu. – Acho que nunca mais vamos ter uma oportunidade de tomar um café com calma e tranqüilidade.

            Ravena então começou a examinar seu amigo verde. Ele estava irradiando satisfação, e, de alguma forma inexplicável, mantendo aquele sorriso gigante ao mesmo tempo em que comia. A empata não pôde deixar de sentir inveja; ele estava sempre tão contente e despreocupado, sempre pronto para ver e aproveitar o que a vida tem de melhor sem pensar duas vezes a esse respeito. Ela daria qualquer coisa para poder não se preocupar em suprimir toda e qualquer emoção, para poder ser uma garota normal como as outras. Poder, quem sabe, ter um n...

- Estou pensando o mesmo que você. – Disse o menino-prodígio, ainda murmurando.

            Ravena parou de sonhar acordada, alarmada. O que diabos Robin tinha em mente? Ela conseguiu manter a fachada serena e sem expressão, e simplesmente olhou para o líder da equipe, levantando sua tradicional sobrancelha questionadora.

- Quando o Mutano está feliz assim, é porque está aprontando uma das suas. – Ele fez uma breve pausa e continuou. – É por isso que você está vigiando ele desse jeito, não é?

- C,C-claro! – Ela respondeu, assustada. – Você não acha que eu estou olhando para ele, não é? O Mutano, de todas as pessoas?!?

            A maneira como a máscara de Robin se moveu revelou que desta vez foi ele quem levantou a sobrancelha questionadora.

- Eu vou examinar o meu quarto. – Ravena levantou-se, fazendo menção de sair. Isto estava fugindo ao controle. – Não quero correr o risco de ser pega por alguma peça estúpida.

- Ainda não, Ravena. Há algo importante a ser dito e preciso de todo mundo aqui. – O líder dos Titãs falou alto, imediatamente atraindo a atenção de todos para si.

- Bem pessoal, é o seguinte. Nas últimas semanas nós não tivemos nenhum problema com supervilões. – Ele fez uma pausa, examinando as expressões dos membros de sua equipe, e encontrou apenas concordância. – Mas isso não é desculpa para relaxarmos a vigilância. Por isso, hoje vamos fazer uma sessão na sala de treino para nos avaliarmos. Espero todos vocês lá às 10.

            O entusiasmo na sala parecia bem menor quando ele terminou de falar. Ninguém gostava dessas sessões de avaliação, e não costumavam esconder isso. Mas era algo que precisava ser feito, querendo ou não. Robin estava começando a sair da cozinha, resignado com a atitude se seus amigos, quando uma voz soou atrás dele:

- Cara, já era hora! Eu tava doido para saber quando íamos ter outra avaliação!

            Robin, Ciborgue, Estelar e Ravena não conseguiram acreditar no que tinham acabado de ouvir. Por um momento, pensaram que devia ser algum novo vilão, e se viraram na direção do dono da voz, prontos para chutar o traseiro dele até o outro lado do planeta. Mas sua percepção da realidade quase foi destruída quando identificaram aquele que proferira tão estranhas palavras.

            Mutano estava sentado em sua cadeira, esvaziando o conteúdo da caixa de cereal direto na boca, alheio ao fato de que esteve prestes a ser explodido em pedacinhos por seus colegas. Ao perceber o som de quarto queixos caindo no chão, simplesmente olhou para eles e perguntou; balançando a caixa de cereal vazia na mão:

- O quê? Vocês também queriam um pouco?

            Os quatro Titãs trocaram olhares entre si. Não havia mais dívidas. O que quer que o metamorfo esteja aprontando, é grave.

- Hum, pensando melhor, Titãs, a avaliação fica adiada para amanhã. Acabei de lembrar que tenho que limpar meu quarto hoje. – Robin disse, retirando-se apressadamente da cozinha.

- Tenho que alimentar Silkie. – Disse Estelar, que voou para o corredor.

- Eu tenho que recarregar. – Desculpou-se Ciborgue, que também estava saindo.

- Meditação. – Falou Ravena, enquanto se teleportava para seu quarto.

            Todos os quatro gastaram o resto do dia investigando a Torre, tentando descobrir que tipo de brincadeira seu colega verde poderia ter aprontado. Infelizmente para eles, não era nenhuma peça a razão da alegria de Mutano. Todos eles desperdiçaram o dia em uma busca inútil, enquanto o metamorfo ocupou-se se sua rotina habitual. Biblioteca de tarde e musculação à noite.

 

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            No dia seguinte, os cinco titãs reuniram-se na sala de treinamento, após o café-da-manhã. Dois dos rapazes da equipe estavam ansiosos pelo teste: Robin acreditava que as sessões de treino e suas respectivas avaliações fariam a equipe trabalhar melhor em conjunto, ficando mais eficiente. Já Ciborgue, que ajudara a construir a pista de obstáculos, tinha um objetivo bem menos nobre em mente: como conhecia a pista de trás para frente, não teria dificuldade alguma em desafiar certo colega a superar sua pontuação, e conseqüentemente não lavar pratos por uma semana.

            As duas meninas não tinham nenhum entusiasmo além do normal. Não gostavam muito dos treinos insanos de seu líder, ou testes como o que estavam prestes a fazer, mas isso era algo necessário, e por isso se resignavam a participar e dar o melhor de si mesmas.

            E, por fim, havia o metamorfo da equipe. Este sempre gastava as horas anteriores às avaliações reclamando e choramingando. Ele as detestava e fazia questão de deixar isso bem claro. E o pior de tudo é que ele sempre perdia as apostas contra seu amigo metálico e acabava tendo que lavar os pratos sujos de (argh!) carne dele por uma semana ou mais.

            Mas não hoje.

            Mutano seguia seus colegas pelos corredores da Torre em direção à sala de treinamento, ocupado com uma atividade que pouco a pouco se tornava menos incomum para ele: pensar. E era sobre o teste que iria realizar em minutos que ele estava pensando.

            Ele queria muito fazer este teste. MUITO. Queria mostrar para todos do que era capaz, que era tão bom quanto qualquer um deles. Afinal, essa fora a segunda razão pela qual decidira se esforçar de verdade nos treinos habituais, e fazer musculação escondido à noite. E agora que o treinamento físico começara a mostrar resultados, estava louco para se exibir um pouco. Bem, talvez mais que um pouco.

            Mas na tarde do dia anterior, na biblioteca, o Sr. Smith tinha dito algo diferente: que o metamorfo deveria esperar mais para se revelar, que deveria aguardar até ter certeza que ia ser o melhor de todos. Mais que isso: superar a pontuação deles com tal intensidade que o deixasse humilhados. Dessa forma, concluíra o velho, ia causar uma impressão muito mais forte nos demais. E Mutano sabia que era verdade. Estava certo que sua marca na pista de obstáculos ia melhorar muito, mas muito provavelmente não ia superar Robin, que gastava a maior parte do dia na sala de treino, ou Ciborgue, que praticamente tinha construído a pista. Mas ele não conseguia segurar a própria excitação: também queria saber do que era capaz agora, o quanto havia realmente melhorado. No entanto, não tinha vontade de humilhar seus colegas. Exceto talvez Ciborgue, mas isso não vinha ao caso.

            Os cinco Titãs finalmente alcançaram seu destino. A porta abriu-se, revelando a sala de treino convertida em uma pista de obstáculos. Havia de tudo ali: armadilhas, robôs, armas montadas nas paredes e muito mais. Felizmente, nada ali tinha sido projetado para ser letal, mas nem por isso alguém podia se dar ao luxo de ser descuidado. Os perigos do teste podiam não matar, mas doíam. Bastante.

            Após os cinco fazerem um rápido aquecimento, era a hora do teste começar. O garoto-prodígio tomou a dianteira. Como líder da equipe, era sua obrigação ser o primeiro.

            Ele transpôs a pista de obstáculos como era de se esperar. Movendo-se com agilidade, desviou-se quase casualmente dos disparos, ao mesmo tempo em que eliminava os perigos dos quais não poderia esquivar-se. Seus alvos, fossem bonecos de treino ou armas, eram desabilitados quase no mesmo instante em que emergiam de seu esconderijo no chão, paredes ou teto. Ele cruzou o final da pista e olhou para o cronômetro da parede. Dois minutos e onze segundos, o que pareceu deixá-lo satisfeito.

- Dois segundos! – Robin gritou para seus colegas informando-lhes o seu progresso. Todos eles comemoraram. Ravena contentou-se em concordar com a cabeça.

            Em seguida era a vez de Ciborgue. Ele tinha um sorriso confiante no rosto, e, de fato, tinha certeza que iria conseguir superar a marca de seu líder. Tinha memorizado cada um dos obstáculos da pista que ele criara, bem como seu funcionamento. Mal podia esperar podia esperar para ver a cara que Robin faria ao ser ultrapassado. Talvez até tirasse uma foto. Verdade, o que o homem metálico pretendia não era lá muito honesto, mas como deixar passar uma oportunidade dessas? Ele assumiu posição e se preparou para correr.

            Disparando com uma velocidade surpreendente para seu tamanho, Ciborgue começou a transpor os obstáculos da pista. Diferente do menino-prodígio, no entanto, ele não usava agilidade acrobática nem reflexos treinados, confiando nos dados que dispunha sobre a pista para poder evitar os perigos. E aqueles que não podiam ser evitados eram destruídos com pura força bruta, ou uma de suas rajadas sônicas. Na verdade, a pista não parecia páreo para ele. A linha de chegada estava cada vez mais próxima, e a vitória seria sua. Nada poderia estragar esse momento.

            Foi então que Ciborgue cometeu um erro. Um GRANDE erro.

            Convencido de que ia ter o menor tempo na pista, sua vontade de se exibir simplesmente superou seu bom-senso. Ele, antes de chegar ao final, virou-se para dar tchauzinho para os colegas. E se arrependeu disso no mesmo instante em que se virou novamente para a frente, pois um imenso braço mecânico o acertou em cheio no peito, derrubando-o e prendendo-o no chão. E, quando ele estava prestes a se libertar, as armas ainda ativas cobriram-no com uma barragem de disparos. A fumaça das explosões impediu a visão do Titã em perigo, e, por um longo período nada se pôde perceber, além dos disparos que continuavam a ser efetuados contra o local onde Ciborgue estava. Tudo parecia acabado.

            E então, com um rugido, uma figura emergiu de dentro da fumaça. Segurando o braço mecânico que há pouco o imobilizara, Ciborgue balançou-o como um porrete gigante, destruindo várias das armas que atiravam nele. As que estavam além do alcance foram desabilitadas por rajadas sônicas certeiras. Livre do perigo, largou sua arma improvisada e correu para o final da pista, jogando-se no chão para ganhar cada décimo de segundo possível.

- Quanto? Quanto? – Ele perguntou no momento em que terminou de deslizar no chão, olhando para os colegas.

- Dois minutos e trinta e quatro segundos, homem de lata. – Robin respondeu, com um sorriso sarcástico no rosto. – Você melhorou um segundo, mesmo com tchauzinho.

- Droga... – Ciborgue descansou a cabeça no chão, desapontado. Tinha perdido uma oportunidade de ouro para rir às custas de seu líder. – Bem, pelo menos ainda posso gravar a choradeira do verdinho quando ele chegar por último. – raciocinou ele, resignado.

            A terceira pessoa a enfrentar a pista seria Estelar, que até o momento estivera ocupada em torcer e animar Ciborgue e Robin enquanto eles faziam seus respectivos testes. Agora, no entanto, estava séria e preparada. Seus olhos e mãos emitiam seu característico brilho verde. E, assim que a pista ficou pronta, começou a voar na maior velocidade possível para o fim do percurso.

            A tamaraneana podia ter a vantagem tática de poder voar, mas isso não a ajudava contra os perigos da pista. Armas diversas disparavam uma espécie de cola verde que endurecia em contato com o ar. Alguns disparos a atingiram, diminuindo sua velocidade. Antes que pudesse se livrar da cola, que se tornava uma massa cristalina em sua perna esquerda, Estelar foi atingida mais vezes por essa arma, ficando inteiramente coberta por uma substância que parecia cristal verde translúcido. Ela caiu no chão com estrépito, enquanto um enorme martelo descia de um compartimento na parede, pronto para esmagar sua vítima indefesa.

            Recorrendo à sua força alienígena, ela conseguiu estilhaçar a massa esverdeada que a prendia, bem a tempo de conseguir segurar o gigantesco martelo com as duas mãos. Com uma rajada de seus olhos, partiu o cabo do martelo que a segurava, e em seguida começou a voar de novo. Mas, desta vez, em vez de simplesmente avançar em linha reta como antes, seguiu um curso espiral, disparando seus discos verdes contra os alvos que a ameaçavam. Poucos metros antes do fim da pista, uma parede desceu do teto, bloqueando o caminho da tamaraneana. Mas ela simplesmente atravessou a parede de concreto com um soco, reduzindo-a a uma pilha de destroços e segundos depois terminando a pista.

- Dois minutos e vinte e cinco segundos, Estelar. Quatro segundos a menos do que na última vez. – Robin falou, satisfeito. Até agora, todos os Titãs tinha apresentado melhora em seus desempenhos.

- Glorioso! Amigos, estou melhor do que antes! – Ela gritou, batendo palmas para... bem, para si mesma. Parecia uma garotinha que acabara de ganhar uma boneca nova, feliz como estava. Era difícil acreditar que ainda a pouco estava destruindo obstáculos mecânicos com um fervor de fazer inveja a qualquer guerreiro.

            Mutano estava pensando. Agora ia ser a sua vez de encarar a pista de obstáculos, mas ele tinha tido uma idéia observando Ciborgue. Uma idéia que ele achava ser a melhor dos últimos meses. Mas, para colocar tal idéia em prática, precisava ganhar alguns minutos, para poder coletar um item absolutamente necessário para o que tinha em mente. Por isso, quando ouviu a voz de Robin, anunciando que era sua vez, respondeu:

- Huh, cara? Preciso ir no banheiro.

- Você o quê? – Robin questionou, incrédulo. – Não dava para ter ido antes? – Pelo visto, o velho Mutano estava de volta, com suas desculpas esfarrapadas para não treinar.

- Desculpe, cara, mas você sabe como é. A natureza chama e você atende. – O metamorfo fez o máximo para parecer desesperado para usar o toalete.

- Está bem, pode ir. Só não demore. – Robin autorizou. – Ravena, assuma posição.

- NÃO!!! – Mutano gritou. – Digo, não pulem a minha vez.

            Os quatro titãs se olharam de soslaio, sem realmente entender o comportamento de seu colega.

- Por que não? – Ravena perguntou, impassível.

- Porque... Porque eu... Olha, é importante para mim e... bem, a pista já está toda programada para me testar, certo? Só me esperem cinco minutos, OK? – E, antes mesmo de ver se os demais Titãs concordaram ou não com o pedido, Mutano transformou-se em um guepardo e disparou para seu quarto. Uma vez lá começou a revirar tudo em busca de um pequeno objeto.

            Enquanto isso, na sala de treinamento, Robin não estava nem um pouco inclinado a atender ao pedido de seu colega mais novo. Ravena, por sua vez, não via sentido em adiar sua própria avaliação, e por isso preparou-se para enfrentar a pista. Estava prestes a começar quando ouviram a voz de Ciborgue.

- Ei, não íamos esperar o Mutano voltar?

- Amigo Mutano disse que era muito importante para ele atender ao chamado da natureza. – Disse Estelar de forma desaprovadora. – Nós deveríamos honrar esse pedido.

            O garoto-prodígio suspirou. Estelar tinha um sério problema com figuras de linguagem. Mas não estava disposto a explicar o significado desta, pelo menos não na frente de todo mundo.

- E, de qualquer forma, não dá para pular a vez do verdinho. – Ciborgue falou. – A pista já está programada. O teste da Ravena só vai começar depois que o do Mutano terminar.

- Então eu tenho que ficar aqui parada até ele voltar e fazer o teste dele? – Perguntou a empata, um pouco irritada. O titã metálico simplesmente deu de ombros.

- Basicamente.

- Vou buscar um livro, então. – A empata levantou-se. Obviamente isto vai demorar um bocado.

            Mas não teve a oportunidade. Mal Ravena alcançava a porta, ela abriu-se ruidosamente, revelando um Mutano ofegante.

- CHEGUEI! Me dá um minuto para recuperar o fôlego e eu começo. – Disse o Titã verde.

            Ravena começou a se dirigir novamente para o local onde estava, mas ouviu uma voz às suas costas:

- Rae, preciso te pedir um favor. Quando eu terminar o meu teste, tenho que falar com você. – Não era um pedido, e sim uma afirmação.

- O que você quer? – A empata estava levemente intrigada: por que ele iria pedir ajuda depois de fazer o teste? E por quê desta vez ela NÃO tinha um mau pressentimento sobre o que quer que o metamorfo estivesse planejando?

- Te falo assim que eu acabar meu teste. Deixe-me falar antes de começar o seu, está bem? – Respondeu o Titã verde, no mesmo tom de antes. Ravena deu de ombros, um movimento que Mutano interpretou como “Que seja”.

            Cinco minutos depois, o Titã mais jovem estava pronto para correr. Ao ouvir o sinal, transformou-se em um colibri e avançou pela pista, em uma velocidade espetacular. Graças ao tamanho a agilidade da forma escolhida, podia desviar sem dificuldade dos disparos feitos contra ele. Mas logo uma rede, fina o bastante para apanhá-lo, abriu-se em seu caminho. Sem hesitar, Mutano transformou-se em um elefante e deixou seu tamanho e peso rasgar a rede antes que ela o prendesse, sem parar de correr nem um só instante. Logo, uma jaula caiu sobre o paquiderme, com o objetivo de prendê-lo. Mas nem ao menos pôde atrasá-lo, pois as grades não puderam impedir uma abelha verde de sair dali de dentro. A abelha imediatamente se transformou em um guepardo, disparando para o final da pista, evitando disparos por milímetros, desviando-se com precisão felina. O último obstáculo foi o mesmo que Estelar, uma parede de concreto que emergiu do solo, bloqueando o caminho. O metamorfo a transpôs assumindo a forma de um triceratops e, com o impulso que já havia acumulado, pondo a parede abaixo. Terminado seu teste, Mutano reassumiu sua forma original, e, ofegante, aguardou o resultado.

- Dois minutos e vinte e cinco segundos. – declarou Robin distraidamente. – Melhora de... – O garoto-prodígio perdeu a fala, parecendo surpreso como se os segredos do universo estivessem impressos no seu cronômetro.- ... três minutos e um segundo?!?

- O QUÊ??? – Ciborgue não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir. – O verdinho superou minha marca? Deixa eu ver isso aqui! – O Titã cibernético arrancou o cronômetro das mãos de seu líder, examinando nervosamente os dados que o dispositivo oferecia.

            Enquanto os outros dois rapazes brigavam pela posse do cronômetro, Mutano estava parabenizando a si mesmo. Realmente, as semanas de musculação noturna, bem como o fato de ter passado a se esforçar nos treinos matinais, compensaram. As armadilhas, as armas e os demais perigos da pista pareceram estar em câmera lenta. Ele, por sua vez, certamente estava mais rápido e mais forte. O metamorfo já estava feliz com a altura e os músculos extras, mas o preparo físico adicional era mais do que bem-vindo. Verdade, ele não tinha conseguido a melhor colocação, mesmo se esforçando ao máximo, mas a melhoria em relação à última pontuação era surpreendente. Ele se lembrou de algo que o Sr. Smith tinha lhe dito no dia em que se conheceram: “Você tem um potencial ilimitado”, e, diante do resultado do teste, Mutano estava se sentindo assim. Sem limites.

            O metamorfo só parou de sonhar quando ouviu a voz de Robin ordenando a Ravena para começar seu teste (pelo visto o menino-prodígio tinha conseguido manter as mãos metálicas de Ciborgue longe do cronômetro). Lembrando-se que precisava pedir algo à empata, saiu correndo em direção a ela, gritando a plenos pulmões.

- Ravena! Pára! Calma aí! Não começa ainda!

            Ravena lançou-lhe um olhar irritado; esperava poder fazer logo seu teste, e esperava que seu amigo verde tivesse esquecido do favor que pedira.

            Mutano a alcançou e cochichou alguma coisa no ouvido dela. Por um instante, os olhos de Ravena arregalaram-se em surpresa, mas rapidamente voltaram à expressão irritada de antes:

- Você sabe que isso é trapaça, não sabe? – Ela disse olhando direto nos olhos do metamorfo.

- Não é não. – Mutano respondeu, sustentando o olhar dela.

- É trapaça sim. – Ravena repetiu. Tem algo de diferente nele... o que será? – ela pensou.

- Não é trapaça não. – Sustentou Mutano, fazendo um esforço de vontade para não desviar o olhar.

- É sim. – Ravena continuou, percebendo o que estava errado com ele. Ele está mais alto que antes. – Ela pensou.

- Não é não. – Mutano insistiu, determinado a não se encolher como costumava fazer antes.

- É sim. – Ravena falou, rolando os olhos. A forma como o metamorfo a olhava estava deixando-a sem jeito.

- Não é trapaça, Ravena! Por acaso o menino-pássaro ali do lado falou que não podia?

            Essa pergunta deixou a empata perplexa. Não, realmente Robin não havia feito nenhum tipo de restrição à idéia do garoto verde, mas quando foi que Mutano aprendeu a raciocinar dessa maneira?

- Só porque Robin não DISSE para não fazer, - a empata falou calmamente, como se falasse com uma criança. – não significa que eu deva. Não é assim que esperam que eu faça meu teste.

- O teste foi feito para testar a cada um de nós em todos os aspectos, mas principalmente testar a forma como usamos nossos poderes. - O metamorfo respondeu como se estivesse ministrando uma palestra. – Seu objetivo é fazer o melhor possível para cruzar a pista no menor tempo possível, ou seja...

- Já entendi, Mutano.- disse Ravena, achando estranhíssima a maneira como seu amigo acabara de falar. – Mas acontece que eu prefiro fazer do modo mais difícil, pois é melhor treinar assim.

- Olha, Rae, só vai levar um segundo. Literalmente! Se você ainda quiser, é só fazer o teste de novo do seu jeito. Além disso... – o metamorfo aproximou-se, com os olhos brilhando de expectativa, balançando as sobrancelhas daquele jeito que fazia. - ... eu sei que você quer ver a cara que o homem de lata e o cérebro de passarinho vão fazer.

            A Titã pensou por um momento. Fazia sentido. Realmente, não ia gastar mais do que poucos segundos atender ao pedido dele, e, verdade seja dita, lá no fundo (BEM lá no fundo), Ravena tinha uma curiosidade em ver a reação de Robin e Ciborgue. Mas ela sabia que essa não era a forma como esperavam que fizesse seu teste, e nem tinha intenção de participar das brincadeiras infantis de seu amigo verde.

- Olha, Mutano... – Ravena estava prestes a explicar a ele porque não iria atender seu pedido, quando gritos a interromperam:

- Aí, eu detesto interromper os dois pombinhos, mas será que dava para terminar o teste primeiro? – Robin gritou do outro lado da sala, apontando para o cronômetro em sua mão.

- É, tem lugares melhores para se declarar um ao outro. – Ciborgue entrou na onda. – Vocês sabem: cineminha, algodão doce, passeio no parque à noite...

            Estelar, como era de se esperar, estava dando pulos de alegria. A garota alienígena não entendia as sutilezas do sarcasmo e da ironia.

- Maravilhoso! Finalmente nossos amigos Mutano e Ravena confessaram os sentimentos que têm um pelo outro! Devemos celebrar esta ocasião!

            Evidentemente, os dois adolescentes alvos destes comentários comportaram-se da maneira como se esperava; Mutano estava coçando a nuca com um sorriso envergonhado no rosto, ao passo que Ravena estava achando a parede da sala interessantíssima naquele instante. Passaram-se alguns segundos nessa situação desconfortável até que a empata continuou o que estava falando:

- ...Esteja preparado. – Ela sibilou para o Titã verde, enquanto se posicionava para transpor a pista.

            Assim que recebeu o sinal para começar, Ravena fez aquilo que Mutano tinha pedido: deixou-se envolver pelo seu ego espiritual, afundando no chão,e re-emergindo no outro lado da pista. Todo o processo de teleporte levou...

- ZERO VÍRGULA SETE SEGUNDOS?!!? – O líder dos Titãs gritou, surpreso como jamais estivera na vida. Ciborgue, por sua vez, parecia estar em estado catatônico: não movia um músculo, exceto pela sobrancelha de seu olho humano, que tremia incontrolavelmente.

Click.

            Robin olhava da pista para Ravena, de Ravena para o cronômetro, e do cronômetro para a pista em rápida sucessão, seu cérebro incapaz de absorver o fato que acabara de acontecer. Ciborgue ainda estava imóvel, mas emitiu um som estranho. Aparentemente seu sistema estava reiniciando.

Click.

            O Titã cibernético sacudiu a cabeça, reativado. Olhou para um menino-prodígio ainda chocado, e depois para a empata da equipe, que encarou ambos com um ar de indiferente superioridade.

Click.

            Os dois rapazes recuperaram o controle da fala juntos:

- Ah, fala sério, garota! – queixou-se Ciborgue.

- Ravena, isso é trapaça. – acusou Robin.

- Não. – a empata falou no tom monótono de sempre.

            O garoto-prodígio e o homem metálico foram mais uma vez tomados pela surpresa. Incrédulos, por vários segundos não puderam fazer nada além de olhar para os rostos uns do outros, e depois para a menina que os confrontava, repetidamente.

Click.

            Depois de vários segundos tensos, os dois adolescentes recuperaram a voz, unidos em uma dívida, a qual soou em uníssono pela sala de treino.

- COMO ASSIM, NÃO É TRAPAÇA?!? – gritaram os dois ao mesmo tempo, mas Ravena não se deixou intimidar.

            Você não proibiu ninguém de se teleportar, Robin. – Disse ela. Ele, por sua vez, abriu a boca para responder, mas percebeu que ela estava certa. Essa percepção fez seu queixo literalmente cair até encostar o chão.

Click.

- Além disso, a pista foi feita para testar a forma como usamos nossos poderes. – Continuou a empata. – Não é minha culpa se o projetista da pista não levou teleporte em consideração.

            Ciborgue não se mexeu. Sem eu olho podia-se ler a palavra “TILT” em caracteres negros contra o fundo vermelho.

Click.

- Amigo Mutano, por que você está tirando tantas fotos dos amigos Robin e Ciborgue? – Estelar perguntou, aparentemente sem motivo algum para isso.

            Os dois Titãs mencionados pela princesa alienígena acordaram de seu transe, percebendo novamente o mundo à sua volta. Olharam bobamente para a cara um do outro, e em seguida, para a fonte dos “clicks” que ecoavam pela sala. Mutano estava tirando foto atrás de foto de ambos os Titãs. E então a compreensão os atingiu: se o pestinha verde os estava registrando desde o teste da Ravena, então tinha material o bastante para fazê-los pagar mico pelos próximos dois anos ou mais.

            E, pela segunda vez nessa manhã, Robin e Ciborgue viram-se unidos em um só propósito, o qual soou em uníssono pela sala de treino.

- PEGA ELE!!! – Gritaram os dois, iniciando a caçada ao titã verde.

            Com isso, a sala de treinamento da Torre Titã viu-se subitamente silenciosa, os três rapazes tendo esquecido lá uma Estelar muito confusa e uma Ravena portando um pequeno, quase inexistente sorriso nos lábios.

- Ravena, amiga, por que os meninos estão correndo pela Torre? A avaliação não consistia em correr pela pista à nossa frente? – Perguntou Estelar, que ainda não entendia as peças que seus colegas homens costumavam pregar uns nos outros.

- Coisa de menino, Estelar. – respondeu a empata, suprimindo outro sorriso. - Estou indo para o meu quarto.

- Às vezes... – a princesa alienígena falou consigo mesma, seguindo sua amiga para fora da sala. – acho que nunca vou entender os costumes da Terra...


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