Beastman escrita por Cicero Amaral


Capítulo 23
Capítulo 23




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Teen Titans é propriedade de Warner & DC Comics. Não minha. Se fosse minha, eu contrataria Sunyimaci (ou talvez Arioch) para transformar esta fic em um comic.

 

 

 

            A região exterior de Nevermore testemunhava um evento sem precedentes. Não o evento em si, pois reuniões entre Ravena e suas emoções eram algo que aconteciam de tempos em tempos. Hoje, no entanto, a novidade está em como a reunião está sendo feita.

            Em primeiro lugar, esta foi a primeira vez em que as emoções é que requisitaram o encontro. A empata não sabia ao certo o porquê disso, mas acreditava que seria importante: afinal, não é todo o dia que seu próprio subconsciente pede para falar com você, não é mesmo?

            Em segundo lugar, e talvez ainda mais surpreendente, era o fato de haver outra pessoa participando da reunião: muito embora não fosse a primeira vez que alguém conseguia entrar em Nevermore, era, com toda a certeza, a primeira vez que isso acontecia com convite. Convite não apenas para o interior da mente de Ravena, mas para participar de algo que poderá mudar a vida dela para sempre.

            A adolescente e suas emoções estavam posicionadas em círculo, uma circunferência multicolorida no meio da imensidão escura. E, largado a seus pés, havia algo. Algo que à distância poderia se passar por um saco, exceto pelo fato de se mexer. E, realmente, à medida que se diminuísse a distância, poderia se ver o contraste entre roxo, preto, marrom, branco e verde:

- MMMMMMMMMMMMMMMMNNNNFFFFFFFFF!!!! – Protestou Mutano, que, aparentemente, não estava gostando nem da corda e nem da mordaça.

- Sabe, Ravena, eu realmente acho que você deveria soltá-lo... até porque logo logo vamos precisar ouvir o que ele tem a dizer. – disse Sabedoria, que não parecia realmente perturbada, por ver o metamorfo se contorcer como se fosse um peixe fora d’água, na tentativa de se libertar.

- Concordo. – declarou Conhecimento, que segurava uma pena em uma mão e um rolo de pergaminho na outra. – Não posso registrar suas opiniões se elas não forem emitidas.

            A empata, a princípio, fingiu não ouvir, mas, diante da insistência das outras cinco emoções (Raiva sugeriu que Mutano fosse enterrado até o pescoço no chão), acabou libertando o metamorfo, ainda que relutantemente.

- Pô, já tava na hora! – protestou ele, assim que suas amarras se dissolveram. – O que foi que eu fiz para merecer isso?

            Essa pergunta fez com que seis das oito emoções virassem suas cabeças para Ravena, que esperava que seu capuz fosse capaz de esconder o vermelho que tinha tomado seu rosto. Rude e Coragem, no entanto, trocaram entre si um olhar de quem sabe das coisas, e apontaram um “V” de vitória para Afeição.

            O metamorfo ainda continuou resmungando por alguns minutos, enquanto as nove Ravenas à sua volta conversavam ou discutiam entre si. Até que, finalmente, Sabedoria pediu silêncio:

- Mutano. – disse ela, assim que as vozes à sua volta se aquietaram. – Você sabe por que está aqui?

- Eu? – o Titã verde respondeu, ainda meio distraído. – Não faço a menor idéia... não... espera... a Ravena falou que precisávamos falar com alguém.

- Ela estava se referindo a nós. – disse Conhecimento, fazendo um gesto para indicar a si mesmo e as outras sete emoções. – Mas você sabe sobre o quê precisamos conversar?

            Como resposta, o metamorfo balançou a cabeça de um lado para o outro, o que levou a emoção amarela a dirigir um olhar de censura para a empata, muito similar aos que ela própria emitia, quando achava que um certo alguém estava falando besteira.

- Não olhe para mim desse jeito. – defendeu-se Ravena. – Eu mesma ainda não entendi muito bem qual é o propósito disso tudo.

- O quê?! – Rude decidiu que era hora de abrir a boca. – Que desculpa mais esfarrapada e...

- É justo. Muito justo. – interrompeu Sabedoria. – Estamos prestes a fazer algo que jamais teve igual. Além disso, se já soubéssemos exatamente o que fazer, não estaríamos aqui, agora.

- Mutano, você se lembra do que disse para Ravena ontem de tarde? – Conhecimento estava retomando as rédeas da conversa.

            Mas não obteve uma resposta. O garoto verde estava distraído demais, vendo Felicidade brincando com um casal de bonecas, ao passo que, não muito longe dele, a verdadeira empata revirava os olhos: estava se lembrando por que preferia evitar reunir todas as suas emoções em um só lugar.

- Alô, Nevermore para Mutano, alguém na escuta, câmbio? – Chamou Coragem.

- Hã? – o metamorfo despertou de seu estupor, apesar de que a visão de Ravena, segurando uma boneca em cada mão, não iria abandoná-lo tão cedo. Independente de sua capa ser cor-de-rosa. – Tão falando comigo?

- Mutano, eu sei que deve ser difícil para você, estando despreparado em um lugar como este, mas nós REALMENTE precisamos de você concentrado. – a emoção de capa marrom repreendeu-o. – Nosso futuro pode muito bem depender disso.

- Mas... eu... ela... – ele apontou para Felicidade, que ainda estava ocupada com as bonecas, como se isso fosse explicação suficiente. No entanto, assim que viu a forma como Ravena e as outras sete emoções estavam encarando-o, percebeu que era melhor resignar-se. – Está bem... tem como repetir a pergunta?

- O. Que. Foi. Que. Você. Falou. Ontem? Pra Ravena? De Tarde? Ficou mais fácil entender agora ou vai precisar de um desenho? – Raiva decidiu responder no lugar de Conhecimento.

- Ontem de tarde? – o Titã mais novo parecia confuso. – Mas a gente...

- Por que se você quiser mesmo um desenho, a gente te arruma. É só colocar papel e lápis na mão de Felicidade que... hmmmMMMMFFF!!! – A emoção de capa vermelha tinha decidido interromper novamente, mas acabara com a boca vendada por uma faixa de energia negra, conjurada por uma Conhecimento com cara de poucos amigos.

- Pode continuar agora. – Declarou a emoção amarela.

- Bem eu estava dizendo que a Era e eu conversamos sobre um montão de coisas ontem de tarde. O que você quer saber? – Mutano estava se sentindo levemente intimidado: nunca imaginara que, um dia, iria achar que alguém usando óculos tão grandes poderia assumir uma atitude tão ameaçadora.

- Apenas pense. – explicou Conhecimento. – Foi a coisa mais importante que você jamais disse.

- Hmmm. – o metamorfo refletiu um instante. – Que eu não vou desistir da Rae, não importa o que aconteça?

            Essas palavras fizeram um grande efeito sobre o ambiente. A seriedade ali relaxou... consideravelmente.

- Não era bem isso que eu esperava ouvir, mas... – A emoção amarela estava revirando os olhos, mas havia um sorriso discreto em seu rosto.

- Mas, mesmo assim, é bom de se ouvir. – Completou Afeição.

- Você não está falando com Sabedoria agora, Conhecimento. – a voz de Ravena se fez ouvir novamente. – Acho melhor partir para uma abordagem mais direta.

- Abordagem direta? – Indagou o Titã verde, que estava desconfortável com a forma com que as Ravenas de capas verde, laranja e vermelha estavam observando-o. Por alguma razão, faziam com que ele lembrasse de Ciborgue na frente de um bife...

- Te perguntar logo de uma vez, ao invés de ficar enrolando com charadas. – Respondeu a empata.

- Aah, tá. – Mutano estava aliviado; talvez até mais do que deveria, conforme viria a se perguntar mais tarde.

- Ontem de tarde, você disse que é preciso sentir as emoções para poder controlá-las. O que estava tentando dizer? Você sabe que Ravena na verdade deveria se controlar para NÃO sentir, não sabe?

- Ora, você não pode ignorar um problema e esperar que ele suma sozinho. – o metamorfo achava essa resposta óbvia. – Se quer que um cachorro te obedeça, você tem que lidar com ele, não é mesmo?

- Cachorro? – Coragem e Raiva perguntaram ao mesmo tempo, e não pareciam exatamente satisfeitas com a comparação.

- Modo de dizer. – O garoto verde retrucou instantaneamente.

- Mutano, você sabe MUITO BEM que eu não estava ignorando nada. – Ravena respondeu irritada: pelo visto, este assunto ainda era espinhoso para ela. – Eu passava o tempo todo preocupada em me controlar; em não deixar que alguma coisa ruim acontecesse!

- É Rae, só que você queria ensinar um truque ao cachorro, mas mantinha ele amarado à casinha o tempo todo! E a cada vez que ele se sacudia ou reclamava, você ia lá e encurtava mais ainda a corrente! No final das contas, o coitado do bicho já estava literalmente sendo enforcado, e aí tinha que lutar para se soltar de qualquer jeito, se não quisesse morrer sufocado!

            A esta altura, as oito emoções já estavam prestando atenção no debate entre a empata e o metamorfo. Até mesmo Felicidade, que se entediava facilmente com esse tipo de discurso, largou as bonecas para observá-los.

- Mas acontece que, diferente do que você possa estar pensando, este “cachorro” não era um pequinês ou poodle inofensivo. – Ravena se levantou para falar, de modo a não precisar falar de baixo para cima. – E sim um pastor alemão, dos grandes, que destrói toda a mobília da casa, se por acaso for deixado solto.

- Engraçado você falar justamente dessa raça. – Mutano respondeu, e havia um estranho ar de superioridade em sua postura: esse era um assunto que ele conhecia bem melhor do que seus colegas. – Porque apesar do tamanho, o pastor é um cão muito dócil e obediente, especialmente com crianças.

- Mas não quando tem gente como meu pai influenciando ele, tentando fazer com que coma todo mundo!

- Problema resolvido, então. – retrucou o garoto verde, com o sorriso dos vitoriosos ornando seu rosto. – Você não literalmente chutou Trigon para fora deste universo, tempos atrás?

- Isso não muda o fato de o bicho tentar destruir tudo o que vê pela frente. – A empata, a esta altura, estava discutindo mais por teimosia do que qualquer outra coisa: afinal de contas, estava acostumada a ter razão, e tinha bastante orgulho disso. – De que é teimoso e desobediente!

- Não se a gente treinar ele direito, não é mesmo?

            As oito emoções estavam se comportando quase como se fossem a platéia de um campeonato de tênis; os olhares iam de um Titã para o outro, à medida que eles falavam. Até que, finalmente, Rude decidiu quebrar esse transe:

- Oook... sou eu a única que está entediada com a lengalenga daqueles dois ali? – Perguntou a emoção laranja, apontando o polegar para o casal que discutia.

- Não tem a menor graça. – Respondeu Felicidade, concordando.

- Talvez nós... devêssemos fazer alguma coisa... não é? – Sugeriu Timidez.

            Mal a emoção de capa cinza terminou de fazer essa pergunta, e Coragem já estava de pé, aproximando-se de Mutano e Ravena.

- Ei, vocês dois. – chamou ela, mas, ao ver que ambos a ignoravam... – CALEM-SE!!!

            Isso funcionou. Assim que os dois adolescentes se viraram para a emoção verde, ela simplesmente saiu de lado com uma mesura, abrindo espaço para Sabedoria se aproximar.

- Obrigada, Coragem. – agradeceu a emoção marrom. – Agora, se pudermos voltar para a razão pela qual nos reunimos todas aqui, eu gostaria de saber: Mutano, o que você está tentando nos dizer agora?

- É simples. – respondeu o metamorfo. – Eu só acho que a Rae aqui deveria se esforçar para controlar as emoções, ao invés de enterrar tudo no fundo do peito.

- Falar é fácil. – disse Ravena. – Conseguir fazer o que está propondo, não.

- Isso é verdade. – Reconheceu Sabedoria.

- Mas, Rae, você QUER sentir. – e, após alguns momentos de hesitação, o rapaz verde completou. – Você quer... não quer?

- Eu já sinto. Você se assegurou disso. – A empata falou num tom de voz... misto. Ela parecia estar agradecendo e censurando ao mesmo tempo. – Mas quero poder fazer isso sem pôr em perigo tudo o que estiver à minha volta.

            Um silêncio desagradável instalou-se então, enquanto ambos pensavam no que dizer. No entanto, o receio de dizer alguma coisa que ofendesse ao outro acabava fazendo com que os dois Titãs simplesmente ficassem parados, de boca fechada, olhando lados opostos da paisagem. Foi a voz de Conhecimento que, após vários minutos de tensão insuportável, que conseguiu faze-los recuperar o foco.

- Me diga uma coisa, Mutano. – perguntou a emoção de capa amarela. – Se a sua posição e a de Ravena estivessem invertidas, o que você faria?

- O quê? Cara, eu já tinha pulado dentro! Na mesma hora! – o Titã mais novo tinha achado essa pergunta absurda. Pelo menos, até sua mente superar a surpresa e voltar a raciocinar direito. – Só que, bem... eu não posso responder com 100% de certeza... porque, você sabe... eu não fui criado pelos monges de Azarath...

            E foi com imensa dificuldade que ele deixou de acrescentar um “Ainda bem!”.

- Mas o quê você faria? – Insistiu a emoção amarela.

- Ah, eu não sei, eu daria um jeito. Talvez eu... ei, espere aí. – o metamorfo calou-se, à medida que uma idéia se formava em seu cérebro. – Vocês não são estados de espírito da Ravena, ou coisa parecida? – Ele fez essa pergunta para Conhecimento, que estava achando estranha a intensidade com que ele parecia querer essa resposta.

- Não exatamente. Nós somos uma parte da personalidade dela, aspectos de sua mente. – era Sabedoria quem estava dando a resposta. – Mas seria mais correto dizer que somos personificações das emoções de Ravena.

- Emoções, emoções, emoções. - Mutano estava andando de um lado para o outro, sem parar, ao mesmo tempo que murmurava alguma coisa para si mesmo. Parecia estar extremamente ansioso, pois gesticulava sem parar, coçando a cabeça, o queixo, e movendo os dedos como se estivesse fazendo algum tipo de cálculo. Em nada se parecia com o jovem alegre e despreocupado de sempre agora. De fato, estava diferente o bastante para preocupar as pessoas a seu redor.

- Mutano, você está se sentindo bem? – Ravena estava começando a ficar alarmada com o comportamento bizarro dele.

- XIU! Eu tô pensando! – Respondeu o metamorfo, sem interromper o que estava fazendo.

- Taí a explicação para esse mau cheiro, então. - A voz de Raiva se fez ouvir, por trás das emoções reunidas.

- Eu disse que não tinha sido eu. – Retrucou Rude, que estava ao lado da emoção de capa vermelha.

            Esses comentários fizeram com que Ravena, Conhecimento, Sabedoria e Afeição se voltassem para as duas, indignadas. Será que não percebiam que a hora não era para piadinhas infames? Todas estavam reunidas para o que podia muito bem ser o dia mais importante de suas vidas! Se as duas não queriam ajudar, então por que pelo menos não ficavam quietas? Até Timidez as encarou com uma expressão de alguém que... NÃO parecia estar assustada.

            Mas essa revolta durou pouco. Mais especificamente, uns cinco ou seis segundos, o tempo que Coragem e Felicidade precisaram para acertar o par de malcriadas com as Bolas Fedidas que estiveram fazendo. As quais, diga-se de passagem, eram as verdadeiras responsáveis pelo odor rançoso que se espalhava.

- A Ravena sempre nos disse que não devia sentir. – Mutano perguntou, sem parar de zanzar de um lado para o outro. Era difícil saber com quem ele estava falando, pois ainda parecia concentrado em si mesmo. – Isso significa que vocês são prisioneiras? Não, não, não, isso é idiotice. A Rae nunca faria uma coisa dessas...faria?

            A esta altura, todas as nove Ravenas já tinham parado com o que quer que estivessem fazendo, definitivamente surpresas (e, para falar a verdade, um pouco assustadas) com o comportamento do metamorfo. Sim, já o tinham visto concentrado antes, especialmente enquanto participava das maratonas de games com Ciborgue ou Robin... mas nada parecido com isto. Nada que lhes fizesse pensar... em um dos muitos cientistas malucos que já tinham posto na cadeia.

- Me diga uma coisa. – agora o Titã verde tinha parado de andar em círculos, e estava olhando diretamente para a emoção de capa marrom. – O que acontece quando, apesar de todas as precauções, Ravena sente alguma coisa? Significa que uma de vocês toma o controle, ou alguma outra coisa do gênero?

- De forma alguma. – Conhecimento respondeu no lugar de sua irmã de capa marrom. – Nenhuma de nós seria capaz de superar as outras sete emoções E Ravena. Seria extremamente difícil, para não dizer impossível.

- Mas então o que foi que aconteceu naquela vez em que eu e Ciborgue estivemos aqui? Na época eu não sabia, mas era o Trigon quem estava aqui. O que ele ficava gritando mesmo? – o garoto verde então fez uma pose de Frankenstein, achando que isso ajudava a ilustrar o que estava dizendo. – Raar! Ódio consome...! Ou alguma coisa parecida, sei lá.

- Aquela situação foi uma ocasião diferente, que seguia regras diferentes das atuais. – disse Sabedoria. – A única razão para uma única emoção, uma parte incompleta do todo, alcançar tamanho grau de influência sobre nevermore, foi o fato de Trigon energizá-la à distância, e corrompe-la a ponto de poder usá-la como se fosse uma marionete. Mas, mesmo assim...

- ... aquele desgraçado vai viver o bastante para se arrepender disso... – Interrompeu Raiva.

- ... mesmo assim, não teve chance contra a força combinada de nós sete e Ravena. Você se lembra disso, eu presumo? – Perguntou a emoção marrom, terminando sua explicação.

- Lembro. Lembro-me bem. – concordou Mutano. – Mas você ainda não respondeu à minha pergunta: o que acontece quando a Rae SENTE alguma coisa?

            Conhecimento e Sabedoria cochicharam alguns momentos uma com a outra. Como dar a resposta de uma maneira que o metamorfo entendesse?

- Quando Ravena sente alguma emoção, seu controle sobre sua energia enfraquece. E, à medida que mais e mais energia é liberada, maior a chance de que objetos sejam danificados lá fora, no mundo material. Estou certa de que você já testemunhou esse efeito antes. - A emoção de capa marrom começou a explicação.

- Mas aqui em Nevermore, significa que uma de nós, seja por uma escolha inconsciente de Ravena, ou simplesmente por ser impossível de se impedir, está conseguindo, em maior ou menor grau, se expressar e se fazer ouvir. – Concluiu a emoção amarela.

            Mutano pensou mais um momento, assimilando a informação que tinha acabado de receber. Ainda havia alguma coisa que lhe parecia... fora do lugar, incorreto... mas o quê poderia ser?

- Mas... o que aconteceria se ela aceitasse o que quer que estivesse sentindo? – perguntou o metamorfo, mais uma vez. – Sabe, se largasse de lado essa parada toda de não poder sentir, etcetera e tal... como naquelas vezes em que ela esteve com o uniforme todo branco?

- Isso foi algo que ocorreu em um número limitadíssimo de vezes. – respondeu Conhecimento. – Mas significa que Ravena e a respectiva emoção estão agindo em uníssono, de forma muito similar ao que fizemos anos atrás, para banir a influência que Trigon tinha obtido sobre Raiva. Quanto às vestes brancas, não sabemos nada. Podemos apenas supor que significam transcendência. Só isso.

- No entanto, haveriam conseqüências. – advertiu Sabedoria. – Quanto maior a intensidade da emoção, maior o risco de se danificar tudo o que estiver em volta. Não se esqueça que os poderes de Ravena originam-se de Trigon, e, assim sendo, são malignos por natureza.

            E era isso, percebeu o Titã verde, que estava errado. - Maligno por natureza uma ova! - pensou ele. Pelo visto, aquele lixo, que os monges de Azarath tinham passado anos derramando nos ouvidos de sua amada, tinha criado raízes. Raízes mais fundas do que ele gostaria.

- Besteira! – Ele exclamou de repente, gritando.

- Como? – Sabedoria e Conhecimento estavam um pouco espantadas com a explosão dele.

- Não tem como estar certo esse negócio! De os poderes da Rae serem malignos! Cara, onde já se viu uma coisa má CURANDO as pessoas? Já perdi a conta do número de vezes que ela usou o poder para remendar a mim e ao resto da galera! Malignos! Ah, me engana que eu gosto...!

            Essas palavras surpreenderam tanto à emoções, quanto a Ravena, que estava prestando atenção à conversa. Realmente, havia lógica naquilo que o metamorfo tinha dito.

- E tem mais! Aquela ali não é a Ravena Corajosa? – Mutano estava apontando direto para a emoção de capa verde. – Se realmente houvessem “conseqüências” – ele agora estava fazendo aspas com os dedos – em se aceitar uma emoção, então por que é que nada de estranho acontece quando estamos botando os vilões na cadeia? Pior ainda! – Agora o metamorfo estava encarando Conhecimento. – Por que é que as coisas não se arrebentam todas quando a Rae fica a tarde toda com o nariz enfiado num livro? Aposto que nessas horas você está liberada para fazer o que quiser, não é mesmo? Porque você é a Ravena Inteligente ou coisa assim?

            Um silêncio mortal se seguiu a essas palavras, quebrado apenas pela respiração dos presentes. A lógica apresentada pelo Titã mais novo parecia ser inatacável. Parecia impossível que estivesse errada. Parecia... boa demais para ser verdade.

            Porém, para Ravena, era apenas isso o que essa lógica era. Isso porque ela, durante a infância, já tinha feito perguntas muito similares a Azar e aos monges que cuidavam de sua educação. Tinha perguntado tantas vezes que acabou decorando a resposta que recebia.

- Temo que as coisas não sejam tão simples assim. – A empata estava repetindo a resposta que os monges tinham lhe dado tantas vezes. – Nestas duas hipóteses, nada acontece porque se está com pleno controle da emoção. Só isso. Nada mais que isso.

- Exatamente! Exatamente, Rae! Você PODE sentir! – a expressão de Mutano era novamente a face de louca alegria que ele ostentava com muito mais freqüência. E havia algo mais ali: algo que a empata identificava como sendo simultaneamente alívio e triunfo. – Eu te disse, não disse?

            Mas a adolescente não respondeu. Sua mente estava distante, em algum lugar entre memórias que datavam desde sua entrada para a equipe. Ela estava se lembrando das inúmeras vezes em que o metamorfo tinha perturbado sua meditação ou interrompido sua leitura... e de como isso freqüentemente acontecia quando a diferença entre ficar sozinha e estar solitária se tornava tênue demais... de como, em algumas daquelas ocasiões, tivera a impressão de que aquele garoto meio burro, com problemas sérios de atenção, e sem o menor talento para ser comediante... a entendia melhor do que qualquer outra pessoa.

            E agora, enquanto olhava para seu colega de equipe, que se tornara, com toda a certeza, bem mais do que uma simples criança, a empata entendia que, aquilo que percebera naqueles momentos... tinham sido bem mais do que simples impressões. Sinceramente, ela ainda não sabia se gostava disso, ou não. Bem lá no fundo, sabia que isso deveria ser uma coisa boa, mas a novidade dessa nova certeza a deixava desconcertada: mesmo sabendo que nada de mal poderia advir por causa disso, não conseguia evitar uma sensação de estar exposta, como se tivesse deixado suas defesas baixar mais do que deveriam.

            As divagações da empata, no entanto, foram interrompidas quando ela percebeu que estava sendo sacudida para frente e para trás, por alguma coisa que estava segurando seus braços.

- A-lô-ou! Planeta Terra chamando Ravena?!? – era Mutano que, com uma sutileza digna de si, estava tentando chamar a atençdigna de si, estava tentando chamar a atena s brando ela percebeu que estava sendo sacudida para a frente e para trcrinaratendeão dela. - E então? Eu disse ou não disse?

            A adolescente se soltou das mãos dele, antes de responder. Mais tarde, muito mais tarde, reconheceria que estava simplesmente sendo teimosa; que não tinha gostado de ouvir Mutano, de todas as pessoas, usar suas próprias palavras para ganhar vantagem numa discussão:

- Na verdade, você já vem dizendo isso faz algum tempo. - retrucou a empata, de braços cruzados. - Mas se esquece de uma coisa: a emoção que você quer que eu experimente é, por sua própria natureza, incontrolável. Tornaria impossível conter meus poderes. Aposto como você não pensou nisso.

            Ainda que só semana depois Ravena viesse a entender que tinha dado essa resposta por teimosia, foi preciso apenas um instante para que percebesse o que estava realmente fazendo: tinha vindo com Mutano para este lugar para, juntos, encontrar uma solução para o perigo que seus poderes representavam, mas, na verdade, até o presente momento, ela estivera, sem se dar conta disso, apenas arranjando desculpas. Criando empecilhos para que ambos pudessem, enfim, ficar com o outro sem medo. A sua verdadeira intenção era agir com prudência, mas até que ponto ia a diferença entre ser prudente e simplesmente ser pessimista?

            Felizmente, porém, a empata não chegou a se debruçar sobre essa questão, pois o Titã mais novo rebatera sua resposta quase que instantaneamente:

-Não acho que vá ter algum problema. Seus poderes não estão ligados às suas emoções? - o tom de voz dele lembrava mais uma afirmação do que uma pergunta. - Se for uma emoção positiva que estiver mais forte que as demais, o que é que pode acontecer?

            Essa pergunta desencadeou uma reação que nunca tinha sido vista antes: Conhecimento, que, até aquele momento, estivera ocupada anotando a conversa dos dois, estacou como se tivesse sido atingida por um raio. A pena e o pergaminho que segurava caíram no chão, esquecidos, ao mesmo tempo em que a emoção amarela, com os olhos arregalados, balbuciava:

- Eu... eu sei. - Essas palavras foram pronunciadas apenas um segundo antes dela se teleportar. Para onde, ninguém sabia.

            Mutano e Ravena, assim como as outras sete emoções, estavam sem saber como reagir ante o comportamento da emoção de capa amarela. Sua partida, assim como suas últimas palavras, não parecia fazer o menor sentido. No final das contas, foi Coragem quem conseguiu dar voz ao que todos estavam pensando:

- Mas o que diabos deu nela? - Perguntou a emoção verde, que coçava a cabeça, confusa.

- Parecia até Rude quando a gente mostra um sabonete pra ela... - Comentou Felicidade, que estava igualmente perdida.

- EI!!! - A emoção de capa laranja não gostou da acusação, que era um pouco (e a palavra-chave aqui é "pouco") exagerada.

            No entanto, antes que as emoções começassem a discutir entre si, Conhecimento estava de volta, carregando dois livros em seus braços. O capuz estava caído, o rosto estava suado, e os óculos desalinhados. parecia que tinha corrido ou feito algo com muita pressa. Todos os presentes sabiam que, o que quer que ela estivesse prestes a revelar, seria de suma importância. Afinal, o que mais poderia inspirar tamanha pressa na emoção amarela?

            Ela colocou ambos os livros no chão, e depois abriu cada um em uma página específica, de modo que todos à sua volta pudessem ver.

- Estas são as memórias de ontem. - disse Conhecimento, apontando para o livro da direita. E então, apontando para o livro da esquerda. - E estas são de alguns dias atrás. Dêem uma olhada.

            Ravena se curvou para ler o conteúdo marcado no livro da esquerda. E, dentre as várias coisas ali anotadas, uma em particular lhe chamou a atenção.

- Então... – ela perguntou isso para Felicidade, perplexa. – Aquele livro estava REALMENTE pulando amarelinha?

- Eu estava contente, oras. – explicou a emoção cor-de-rosa. – Eu achava que a gente ia ao cinema, depois fazer um lanche, e aí quem sabe passear no parque de diversões... tive vontade de fazer alguma coisa, ué. Além disso, eu gosto de amarelinha.

            Mutano, por sua vez, estava de olho no livro da direita, que registrava as memórias de apenas um dia antes.

- Aí, olha só que maneiro. – ele chamou Afeição, para que ela também visse o conteúdo do livro. – Eu não sabia que foi você quem fez aquele chafariz de ontem.

- Era uma ocasião importante, Garfield. Finalmente, depois de tanto tempo, eu e você... quer dizer, você e Ravena... estavam juntos... eu tinha que fazer alguma coisa para comemorar, não é verdade?

- É, o chafariz era bem bonito mesmo. – comentou o metamorfo, sorrindo. - E deu o maior susto na Rae.

- Gostaria que ela não tivesse tanto medo de mim e Felicidade. – a emoção de capa lilás estava de braços cruzados, olhando para baixo, e era possível para Mutano perceber que havia ressentimento em sua voz. – Às vezes, acho que ela gasta mais energia prendendo nós duas do que qualquer outra de nós... até mesmo Raiva.

- Você não precisará se sentir assim por muito mais tempo, se tivermos sorte. – Conhecimento colocou-se entre ambos. Ainda parecia exausta, mas havia uma expressão de triunfo em seu rosto. - Sabem o que é que essas duas memórias têm em comum? – Ela perguntou isso em voz alta, para que todos pudessem ouvir.

            Como resposta, a emoção recebeu... silêncio. Ravena e Conhecimento simplesmente pareciam aguardar, em uma expectativa quase desinteressada. Todos os demais, no entanto, pareciam não ter a mínima idéia do que responder. Coçavam a cabeça, olhavam uns para os outros ou davam de ombros, incapazes de encontrar a resposta. Alguns, como Mutano e Timidez, até tentaram gastar algum tempo realmente pensando, mas sem sucesso.

- Ah, por favor, será que dá para vocês usarem a cabeça? Sabedoria, isso não é hora de deixar que os outros encontrem a resposta sozinhos! – Protestou a emoção de capa amarela, agora parecendo bastante irritada. Se havia uma coisa que ela não gostava, era de ver uma pergunta ficar sem resposta. Ou, pelo menos, uma teoria solidamente embasada em fatos e cálculos feitos sob condições adequadas.

- O ponto em comum entre ambas as memórias é o fato de mostrar que, embora os poderes de Ravena sejam necessariamente caóticos, não são obrigatoriamente perigosos ou destrutivos. – Respondeu então a emoção marrom, que nunca conseguia entender qual era a graça de se ver um enigma resolvido assim, de bandeja.

- ARRÁ!! Eu sabia! Sabia! – Mutano estava pulando feito um macaco, de tanta agitação; de fato, entre um pulo e outro, ele até mesmo ERA um macaco. – Ouviu isso, Rae? Agora que você não precisa mais ter medo de quebrar as coisas, a gente só precisa fazer um treino intensivo e pronto. Ce vai ver só, em menos de duas semanas vamos colocar todas essas emoções sob rédea curta e... e...

            E então o metamorfo calou-se, sua empolgação desaparecendo com a mesma velocidade com que tinha surgido. As palavras que tinha acabado de proferir fizeram com que ele percebesse algo. Algo que fez com que sentisse vergonha de si mesmo.

            Ele olhou para as oito emoções reunidas. As Ravenas de capas marrom e amarela estavam debatendo algum assunto entre si; as de capas laranja e rosa estava engalfinhadas numa espécie de cabo de guerra, brigando pela posse do que parecia ser um boneco ou coisa parecida, enquanto as demais estavam olhando diretamente para ele, cada rosto tomado pela expressão que ele aprendera a esperar de cada uma delas. O Titã mais novo olhou para cada uma delas. Tão iguais, e, ao mesmo tempo, tão diferentes.

            Foi aí que, a percepção que Mutano tivera alguns momentos antes, pouco perceptível e semi-inconsciente... transformou-se em entendimento. Aquelas Ravenas, mesmo sendo apenas parte da garota que amava, eram mais do que um obstáculo a ser superado. Elas pensavam. Sentiam. Sonhavam Ainda que incompletas, elas eram como se fossem... pessoas. E ele, há menos de dois minutos, estava falando em colocar rédeas nelas. Como se fossem escravas. Ou bichos.

- Meninas. – O Titã verde se dirigiu às emoções com a cabeça baixa: sentia que não seria capaz de olhar nos olhos de nenhuma delas. – Eu... eu quero que Ravena não precise mais se preocupar com os poderes dela. Que não precise se preocupar em não quebrar ou desarrumar as coisas em volta. – e então, reunindo alguma coragem, ele levantou o olhar. – Mas também quero que vocês fiquem bem. Que possam ser livres e se expressar na hora em que for preciso. Que você não precisem ficar isoladas do mundo.

            Houve silêncio novamente. As palavras das quais o metamorfo se arrependia nada tinham significado para as oito emoções, que, durante toda a sua existência, estiveram sujeitas à disciplina dos monges de Azarath, para quem seria melhor se não existissem, ou à de Ravena, onde só podiam manifestar-se durante as raras falhas no controle exercido pela empata. Mas o que ele tinha acabado de dizer agora... essa preocupação direta para com o bem-estar DELAS... era mais do que jamais tinham esperado. Era inédito. Era surpreendente. Era...

            Comovente.

- Por isso, eu queria propor uma coisa diferente. – continuou Mutano. – Se Ravena aceitar não prender vocês como se fosse numa panela de pressão, se ela concordar que vocês se expressem... vocês topam dar a ela uma força, para que os poderes não quebram tudo, e prometem não continuar tentando fugir?

            A resposta foi um pouco diferente daquilo que ele tinha esperado. Afeição, Coragem e Felicidade se atiraram em seu pescoço, num abraço triplo que por pouco não o levou ao chão. Conhecimento, sabedoria e Timidez, ainda sem saber se deveriam ou não acreditar no tinham ouvido, balançaram as cabeças para cima e para baixo, em uma condordância hesitante. E Rude, quem diria, foi a única a dar uma resposta mais ou menos baseada em lógica:

- Eu topo. Dá o maior trabalhão me espremer pelas frestas a cada vez que preciso dar uma escapadinha... – Disse ela, espreguiçando-se.

            Mutano, quase imperceptível por baixo das capas verde, rosa e violeta, sentia-se bastante contente. Tudo parecia muito bem. No final das contas, parecia que todo mundo iria conseguir o que queria, e se dar bem no final. Parecia até que estava num...

- Eu ainda quero saber por que eu deveria concordar com isso. – A voz agressiva de Raiva interrompeu os devaneios do rapaz verde. Estava sentindo o cheiro de solução pacífica, e ela detestava qualquer coisa relacionada à palavra “pacífica”.

            É, ele quase chegou a pensar que tudo aquilo parecia um conto de fadas.

            Separando-se das três Ravenas que o abraçavam, o metamorfo olhou atentamente para a emoção de capa vermelha. Não precisou de muito tempo para descobrir que, apesar de não gostar muito desta parte da verdadeira Ravena, ainda assim tinha algo a lhe provar. Que os dois NÃO eram iguais.

- Você não prefere ficar solta? – Perguntou o Titã verde, numa voz forçadamente calma.

- Acha que pode me enganar, idiota? – Raiva respondeu, apontando para Ravena. – Ela nunca vai me dar um grama sequer de liberdade! Por que eu deveria concordar com o que você está propondo, se não vai mudar em nada minha situação?

- Claro que vai. Melhor poder sair de vez em quando do que precisar fritar e brigar enquanto tenta fugir, ora bolas!

- Além de burro você é surdo? Não acabei de dizer que Ravena nunca vai me deixar sair? – a emoção vermelha estava quase gritando. – E além disso, qual é o problema com uma boa briga? Caso você ainda não tenha percebido, eu GOSTO de brigar.

- Pra isso é que servem os vilões da cidade! – retrucou Mutano. – É só deixar nossos amigos em paz!

            Esse raciocínio fez com que Raiva se calasse, pensativa. Realmente, parecia bastante provável que a verdadeira empata não se sentisse tão culpada por causa dela, se não precisasse passar noite e dia preocupada com os coleguinhas. E, se ela não se sentisse culpada, as chances de conseguir outro Overload 2.0 aumentavam consideravelmente... a emoção de capa vermelha percebeu que estava até salivando de expectativa.

- De acordo. – foi a resposta. – Com a condição de que eu não seja tratada pior do que minhas irmãs.

            Então o metamorfo voltou-se para a única pessoa que ainda não tinha lhe dado uma resposta. Cuja opinião era, sem sombra de dúvida, a mais importante de todas.

- Rae? – chamou ele, cheio de expectativa. – Ravena?

            Até aquele momento, a empata estivera apenas observando, dividida entre sentimentos contraditórios. Por um lado, achava absurdo o fato dele se arrogar o direito de dar palpite sobre como os diferentes aspectos de sua mente deveriam se comportar. Mas por outro, estava imensamente feliz, por ver o quanto ele estava decidido a lhe dar algo muito desejado: liberdade emocional.

            E, no final das contas, foi isso que determinou a resposta da jovem. Muito embora a proposta do rapaz verde tivesse enorme potencial para o desastre, ela acabou decidindo enfrentar os riscos.

            Porque queria não viver com medo de que o menor descontrole destruísse tudo à sua volta.

            Porque queria ser capaz de verdadeiramente sentir aquilo que o Titã mais novo nutria por ela.

            Mas, acima de tudo, porque Ravena queria ser capaz de retribuir o que ele sentia. Sem temor. Sem restrição.

- Está bem. – respondeu ela. – Posso tentar.

- BE-LE-ZA! Então agora só precisa... – Mutano começou a falar, mais feliz do que se sentia há muito tempo, mas foi interrompido:

- Mutano, há uma coisa que você precisa manter em mente. – Conhecimento decidira que precisava intervir. – Não importa o que aconteça, Ravena sempre vai precisar de controle emocional.

            Essa declaração fez com que o metamorfo ficasse pensativo por um instante. Aquilo fazia sentido, afinal. Ele deveria ter imaginado que seria preciso algum tempo para que a empata pudesse aprender a lidar com tanta coisa nova.

- Não tem problema! – exclamou ele, que tinha acabado de ter uma idéia. – Com os poderes das DPAs, a Rae vai se acostumar a sentir num instante!

- Dê... pê... as? – Perguntou Felicidade, confusa.

- Demonstração Pública de Afeto, é claro. – Mutano ignorou Timidez, que parecia prestes a desmaiar. – Se você tem que fazer um treinamento, tem que fazer nas condições mais duras possíveis, não é mesmo?

- É verdade. – Concordou Coragem.

- E só tem uma maneira certa de se fazer isso. – Ele falou isso num tom de voz sério, quase solene, enquanto voltava-se para sua colega.

            Ele aproximou-se da empata e, sem tirar seus olhos dos dela, pegou ambas as mãos nas suas. E então, após um instante de silêncio, perguntou:

- Ravena. – Mutano sorria enquanto segurava as mãos dela. No entanto, era impossível não levá-lo a sério, naquele momento. – Quer namorar comigo?

- Oh, Garfield...! É claro que... – Afeição não demorou nem um segundo para começar a responder, mas Sabedoria usou ambas as mãos para tapar sua boca.

- Não cabe a você responder essa pergunta, irmãzinha. - Sussurrou a emoção marrom.

            Pergunta essa que tinha pego a empata de surpresa. Ela não se importava muito com formalidades, reservando juízos de valor para aquilo que realmente importava. Mesmo assim, não podia negar que esse pedido... agradava. A adolescente podia sentir a vontade de esquecer o autocontrole, para então se jogar nos braços do homem que segurava suas mãos.

Só que ela também se sentia... sem jeito. Era-lhe impossível saber de onde vinha esse jorro de timidez, mas era como se, de repente, estivesse frente a um grande desconhecido, uma estrada, cujo destino era impossível de se prever. Ravena fechou os olhos por um instante, com medo de tomar uma decisão.

            Mas ela lembrou que alguém segurava as suas mãos agora. Alguém que, não importa aonde ela fosse, não importa onde ela estivesse, nunca mais a deixaria sozinha. E isso, talvez até mais do que qualquer outra coisa, deu à empata a resolução de que precisava para responder.

            Ravena colocou suas mãos para o rosto do metamorfo, e, suavemente, acariciou sua face e seu cabelo... apenas um momento antes de levar seus lábios de encontro ao dele. Durante vários minutos, a existência se resumiu apenas a eles, um casal apaixonado entre as fronteiras do Multiverso.

- Por que você faz uma pergunta da qual já sabe a resposta? – Questionou a empata, após o longo beijo que, para ambos, tinha sido tão curto.

 

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Uma hora mais tarde.

            Conhecimento estava de volta a seu reino, trabalhando um uma mesa carregada de pergaminhos e cadernos em branco. Mutano e Ravena já tinham deixado nevermore, e sua visita tinha sido proveitosa: a emoção de capa amarela tinha muito o que registrar.

- Fase três concluída? – A voz de sabedoria ecoou pelas paredes da biblioteca.

- Concluída. – a pena foi depositada na mesa. – E com um aproveitamento superior às expectativas, se minha opinião puder ser levada em conta.

- Eu manteria a pena de prontidão se estivesse no seu lugar. – comentou a emoção marrom. – Os próximos dias serão movimentados.

- Para todas nós, irmã. Para todas nós.


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