Um dia,eu fui capturada por Desejo.

Eu fui muito amiga de Sonho por muito tempo,e ele me prometeu amizade se eu nunca me apaixonasse por ele. Mas,acho que já quebrei essa promessa há muito tempo...

Quem sou eu ? Na verdade,não importa,o foco dessa história não sou eu. Ou talvez seja.

Destino me aprisionou. Assim que Sonho soube foi,furioso,até o reino de Desejo. Foi seu primeiro e maior erro. Eu me lembro bem...

Estava presa no alto,no ar,segurada por algo que não sei o que era,mas me mantinha presa como Cristo na cruz. O reino de Desejo era confuso e as mesmo tempo muito simples. Não o consigo definir em palavras. Desejo aguardava Sonho sorridente,ao meu lado.

-Me solta,Desejo. – eu disse,com desprezo – Sonho não virá.

-Ah,ele virá sim. – Sorriu Desejo. Ele está perto.

Eu abri a boca para contrariá-lo. “Ele não me ama”, pensei. “Não há porque vir.” Mas, meus pensamentos não foram expressados. Me interrompi ao ver, longe, a sombra bruxuleante do alto homem usando um manto negro como a noite. Ele se aproximava cada vez mais com passos determinados.

-Solte-a, Desejo – Mais perto, pude ver: era pálido como a neve.

-Oh, Sonho ! – Sorriu Desejo – Que bom te ver !

-Cortemos os teatros desnecessários, irmã-irmão. Basta dizer o que quer, que pego a moça e vou embora.
-Sonho !! – Gritei, em Desespero. Penso que ela deve ter se divertido muito.  – Me deixe aqui e vá embora ! Não vale a pena !

-Cale a boca – Ele disse, frio. – Vim até aqui por você. Não volto de mãos abanando.  

-Você nunca me amou, não é ?! – Tive de dizer isso. – Perto de Nada e Calíope... eu não significo nada, não é ?! Não quero voltar com você ! Me deixe com Desejo e vá embora !!

-Já mandei calar a boca. Me diga seu preço, Desejo.

Desejo sorriu, maldoso. Senti nojo dele.

-Meu preço, caro Sonho, é o seu amor.

-Deixe as brincadeiras de lado, irmão.

-Falo sério – Desejo repetiu. – Quero que você durma comigo, Sonho, e deixo a garota ir.

Aquilo fora a gota d’água. Agora, não era mais só proteção à Sonho. Eu não queria que ninguém tocasse Sonho...como se ele fosse meu.

-Não, Sonho !! Vá embora !!! Deixe-me aqui !!!

Desta vez, Sonho me ignorou.

-Pois bem, Desejo. Só peço que nos arrume um quarto separado. – Vimos Desejo sorrir. – Só que... Você deve me jurar que vai soltar a garota.

-Eu juro. Não quero nada com ela, só a usei para te ter.

Satisfeito por ter a palavra – ainda que não muito confiável – do irmã-irmão, Sonho se virou para mim, com o olhar frio.

-Já volto. E você, não se atreva a dizer que eu não a amo depois disso.

Meus olhos banharam-se de lágrimas quentes, enquanto via Sonho se afastar, seguindo Desejo, até um quarto que surgira ali pertinho. Quando minha primeira e última lágrima tocou o chão, Sonho e Desejo já haviam desaparecido.

Daí pra frente, foi um inferno. Não demorou muito para eu começar a ouvi-los. Conseguia ouvir eles conversando baixinho, em murmúrios. Depois, pude ouvir os gemidos baixos de prazer vindos de Desejo.

“Eu deveria ter insistido um pouco mais”, me lamentei. “Talvez ele teria ido embora.”

Tentei ignorar, fingir que não podia os ouvir, mas os gemidos de Desejo se tornaram gritos. Ele clamava pelo nome do irmão Sonho. Este, por sua vez, gemia baixinho, provavelmente inaudível, mas ainda sim, eu o ouvia. Passou pela minha cabeça que eu só ouvia Sonho por vontade de Desejo; ele desejava que eu ouvisse.

Imaginava Desejo deitado em uma cama, desnudo, com Sonho deitado por cima de seu corpo quente. Desejo agarrando com força os lençóis de cetim ou de seda. Talvez, os lençóis fossem negros, em homenagem à Sonho. Ou talvez, fossem vermelhos, a cor do pecado, afinal, aquele era o domínio de Desejo, o mais pecaminoso dos Perpétuos. Mas, isso não fazia diferença.

Estava em um dilema. Queria que aquilo acabasse logo, para que meu Sonho fosse libertado, mas, ao mesmo tempo, queria que não acabasse nunca, para que eu não tivesse que fitar os olhos frios de Sonho, e para que ele não percebesse a pequena mancha molhada entre minhas pernas – fruto de minha imaginação fértil.

Ouvia os gritos mais freqüentes de Desejo, agora, não eram mais forçados, somente de puro prazer. Mas, o pior eram os gemidos de Sonho, os gemidos que fizeram tal atrocidade à minha calça jeans. Logo, a coisa piorou.

Então, pude ouvir as estocadas ! Cerrei os olhos com força por puro instinto, mas o terrível som do meu pesadelo martelava na minha cabeça. Eu não queria estar ali. Oh Deus, eu não queria estar ali !

Desejei que aquilo acabasse logo. Com todas as minhas forças, eu desejei que aquilo acabasse. Imaginei se, talvez, os desejos das pessoas passavam pela cabeça de Desejo, antes de serem atendidos, mas não quis saber disso. Se passassem, realmente, então eu encheria sua cabeça a ponto de interromper o sexo – até o orgasmo !

Não sei se meus pedidos foram atendidos, ou foi só coincidência, mas algum tempo depois eu ouvi o longo e prazeroso grito do ápice do prazer, vindo quase totalmente de Desejo, com exceção aos gemidos de Sonho. E depois, o silêncio.Quase pude ver o corpo nu e quente de Sonho abraçado ao de Desejo, envolto pelo calor do ato. Um beijo selaria o que acontecera e os dois voltariam a se odiar momentos depois.

Sonho finalmente saíra da cabana de amor deles, vindo inexpressivo em minha direção. Bem atrás de Sonho, Desejo saíra do local, ainda com o peito desnudo. Fitei-o diretamente por um longo tempo. Ele passou a língua pelos lábios, e sorriu.

O que quer que seja que me prendia no vácuo, me soltou, e eu caí no chão. Ao olhar para frente, vi os sapatos de Sonho, e quando levantei o olhar, ele me estendia a mão.

-Vamos ? – Disse ele, somente.

Eu segurei a mão dele, levantei-me e saímos dos domínios de Desejo...

De mãos dadas.