Acabo de acordar e o céu ainda está escuro. Mas eu gosto assim, aprecio levantar-me antes do grande astro.

            Espreguiço-me lentamente antes de me levantar. Só então caminho para o banheiro, onde faço minha higiene pessoal.

            Voltando ao quarto, sento-me em minha penteadeira de mogno antiga, a única herança que me resta de um tempo sem ilusões.

-Hoje será um dia difícil. – Disse ao meu reflexo enquanto repassava mentalmente os compromissos do dia.

            Lentamente abro a gaveta da penteadeira e, com um brilho de tristeza nos olhos, admiro minha coleção de máscaras. Todas impecáveis em suas personalidades imutáveis.

            Selecionei três dentre as várias que possuo. Agora, sobre a penteadeira, fitava-as indecisa. A máscara do sarcasmo retribuía-me o olhar, firme em sua decisão; a ironia disfarçava uma piedade que não lhe cabia e a indiferença mal se dirigia a mim.

            Mas era outra máscara que sempre me prendia a atenção. A máscara que eu mais gostava escondia-se no fundo da mesma gaveta. Ao seu lado: um porta-lente e um frasco de perfume.

            Com a ajuda do espelho, coloquei-a sobre meu rosto limpo, e instantes depois, um belo sorriso o iluminava, falso, mas perfeito em seu propósito.

            Em seguida coloquei as lentes de contato cor caramelo. Elas aperfeiçoavam o rosto angelical que estava disposta a usar naquele dia.

            Eu realmente a adorava, afinal o quê melhor do que o sorriso encantador de uma bela garota para atingir seus propósitos. O sorriso que pairava deslumbrante em meu rosto era o responsável pela estabilidade que eu conseguira.

            A máscara do sorriso, em particular, servia com exímia precisão ao meu propósito: proteger-me.

 Uso-as há tanto tempo que nunca, nunca saio de casa sem uma dessa.

            Finalizei com a maquiagem e borrifei o conteúdo líquido do frasco em meu pescoço nu. O aroma, uma especiaria exótica do extremo Oriente, harmonizava-se perfeitamente com o sorriso e as lentes caramelo.

            Já com as portas de meu guarda-roupa abertas, escolhi um vestido com estampas florais, na cor azul e branca. Combinaria com meu rosto.

            E não estava enganada. Ao retornar ao espelho, via diante de mim uma bela garota, com ar de inocência, rosto angelical e um estonteante sorriso em seus lábios rosados.

            Gabriel odiava-as. Todas elas. Mas a atração que exercem sobre mim, iguala-se a dependência de um viciado em drogas. Era impossível resistir a elas.

            Gabriel, explicando-me melhor, é meu amigo e o único capaz de enxergar por trás de minhas obras de arte. Mas aviso-os de antemão que poucos são os capazes de tal proeza.

            Eu o admiro e o odeio por isso. Admiro-o, pois dentre todas as pessoas que conheço, ele é o único capaz de me desarmar. Odeio-o, pois sem a reconfortante proteção de minhas máscaras, sou obrigada a ser quem eu sou, dizer a verdade e, claro, perder o chão.

            Educado, como o belo cavalheiro que era, sempre insistia para que eu não desfrutasse mais de tal artifício.

-Jamais me exporei, Gabriel. –Respondo-lhe todas às vezes.

            Afinal, o que ganho com isso? Gosto de me sentir segura e reclusa em minha essência. É assim que encaro a dolorosa realidade da vida: escondendo-me.

            Não por medo, que isso fique claro, mas por precaução. O preço de se abrir com uma pessoa, de dizer o que realmente pensa é tão elevado que chega a não valer à pena. Pelo menos para mim.

            Também não pensem que nunca desfrutei de tal experiência. Em ambas às vezes em que tentei, fui violentamente dilacerada, o que me fez, claro, retroceder.

            Minhas máscaras não me impedem de ver a realidade ou interagir com ela. Apenas me protegem da dor que a cerca.

            Olho-me no espelho uma última vez antes de colocar minha bolsa no ombro e sair de casa. O mundo espera ansioso pelo belo sorriso de minha máscara.

Fim.