A Criança Da Ponta Da Calçada escrita por Joearmstrong


Capítulo 1
Acredite




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Parecia um dia como outro qualquer.

Tínhamos ido almoçar em um restaurante no centro da cidade, pois neste dia não se tinha feito comida em casa. Além de a empregada ter ido visitar seu filho no hospital, minha mãe andava muito cansada por conta de suas longas jornadas de trabalho.

Ultimamente eu qualificava minha vida como péssima, e para isto eu tinha vários motivos.

Fazia pouco mais que uma semana que minha namorada havia terminado comigo, e por isso eu tenho passado todos os dias infeliz comigo mesmo, porque ela havia me dito que eu não era bom o suficiente. Algumas notas do colégio não estavam acima da média, mesmo eu passando noites acordado lendo longos livros.

Eu não tinha tudo aquilo que queria, meus livros eram de segunda mão, meu guarda-roupa não tinham todas as roupas estilosas que eu gostaria e meus pais não se interessavam por mim, pois viviam preocupados com o trabalho e principalmente com meu rendimento escolar.

Sentia-me só e incompleto. Certamente eu era a pessoa mais triste e sofria mais do que muitos no mundo.

Após o almoço, enquanto voltávamos para casa, pegamos um engarrafamento por conta da hora do rush. Aproveitando o ócio de um trânsito caótico, meu pai falou:

– Bom, já que estamos aqui sem fazer nada que tal batermos um papo? Faz tempo que não conversamos, os três!

Minha mãe sorriu com os olhos e concordou com uma face muito simpática. Logo, os dois olharam para mim, e eu os respondi:

– Ora, vão encher o saco de outro. Minha vida já não é ruim o suficiente? – Disse, mal olhando para eles e fixando meus olhos na janela e no mundo lá fora.

Passando certo tempo, o carro parou próximo ao sinal de trânsito.

Foi neste momento que vi uma cena que me tocou profundamente. Uma flanelinha. Mas não qualquer uma, uma criança flanelinha, uma menina que ainda carregava uma chupeta entre seus lábios, mostrando que a juventude de cinco a sete anos de idade.

Sentada na ponta da calçada, cabeça baixa, cabelo mal arrumado e roupas sujas e rasgadas. Estava próximo a outras meninas, mas de uma idade bem mais avançada. Segurava em sua pequena mão uma garrafa com a ponta furada, era o seu instrumento de trabalho.

Passei um tempo encarando a figura de uma criança à ponta da calçada. Com a sua infância perdida, sonhos frustrados, vida frágil. Mas que ainda insistia em encontrar o caminho certo, ou uma oportunidade que a fizesse ser a criança que ela era, sem o trabalho sob o sol quente, em meio aos carros e os perigos. Esperava com esperança por uma pequena chance de viver como as crianças da televisão, do cinema e dos desenhos animados. Porém, tudo o que ela vivia era a vida de uma parte escanteada da sociedade, tentando encontrar ajuda em casa janela de carro. Vendo sua vida passar como as velozes motocicletas nessa avenida, esquecida e indesejada, sentada na ponta de uma calçada, de costas para seus sonhos e suas perspectivas.

Estava sensibilizado e vidrado enquanto o carro permanecia parado no interminável engarrafamento.

Até o momento em que uma das garotas maiores chegou próximo a ela e disse algo no seu ouvido em seguida dando-lhe um abraço. A menina sorria feliz levantando-se e pegando da mão da maior uma boneca do tamanho de um dedo polegar, suja, quase sem cabelo, da qual, pelos gestos que a menina maior fez, havia encontrado dentro de um lixo.

Era notável a alegria da pequena criança em frente àquela boneca, que pelo seu estado, mais parecia um pedaço de lixo que nenhuma criança se quer a tocaria. Mas para ela, a partir de agora, iria se tornar sua melhor amiga e o seu tesouro mais precioso.

Tirei os olhos da cena e perguntei-me: Como?

Como? Como alguém pode se contentar com tão pouco?

Como ela pode sorrir diante de uma vida triste e de sofrimento?

Eu não entendia como alguém pudesse se sentir feliz mesmo na pior situação de todas.

Parei um tempo para pensar de cabeça baixa.

Quando olhei de volta, a criança abraçava fortemente a garota maior, a qual tinha os olhos levemente molhados.

Peguei um pacote de biscoitos que tinha comprado no restaurante e ofereci de longe a pequena menina. Ela, com intensa alegria, pegou o pacote e pediu obrigado. Sorri com benevolência.

Pouco tempo depois o trânsito abriu e o tráfego melhorou. Olhei como que pela última vez para a criança.

Fiquei pensando nisso por um tempo. Até que cheguei a uma conclusão.

Mesmo ela vivendo na pior situação, tendo seus sonhos pouco a pouco destruídos pelo mundo, perdendo a cada dia a sua infância e lutando a cada dia para poder sobreviver, ela nunca deixaria de sonhar novamente, pois se um sonho dela fosse destruído, ela contruia outro, se sua infância fosse roubada ela tentaria ao máximo fazer o resto de sua vida valer a pena, mesmo que não conseguisse. E mesmo ela não tendo absolutamente nada, ninguém a faria desistir de sua primeira conquista, que era a vida.

E quanto a boneca? Como algo tão velho e sujo poderia reacender nela todas suas expectativas?

Isto só pode ser resumido em uma palavra: acreditar. Mesmo a boneca sendo usada, suja, jogada ao lixo, ninguém impediria aquela criança de que a boneca era uma linda princesa, de longo vestido e um cabelo brilhoso parecido com o amanhecer. Nada a impedia de acreditar que ela era a mais bela boneca de um reino que vivia a espera de um príncipe encantado. Pois aquela boneca era tudo que ela precisava para continuar acreditando que nos piores momentos da vida encontramos as maiores surpresas, e que apesar de seu triste destino, ela aproveitaria o máximo os momentos bons que ele a reservava.

Aquelas cenas haviam me impressionado de tal forma que eu cheguei a levá-las para minha vida.

Minha vida era realmente terrível? Será que eu realmente sofria? Será que eu não tinha mesmo nada?

A resposta era não.

Eu tinha saúde, tinha pais maravilhosos que passavam horas e horas trabalhando para me dar uma vida e um futuro digno. Estudava em uma boa escola, e se eu tinha notas baixas eu precisava estudar mais, me esforçar, prestar mais atenção. Se um relacionamento havia terminado, eu tinha que aceitar, nem tudo na vida é como queremos mas eu sei que eu era bom o suficiente. Afinal, quem faz as coisas serem boas ou más somos nós mesmos.

Somos nós quem decidimos quando devemos ficar tristes ou alegres, somos nós quem decidimos os próximos passos e cabe a nós lutarmos por aquilo que queremos, mesmo parecendo distante ou até impossível. Talvez você não consiga, mas você poderá dizer que tentou e se algo deu errado não foi por falta de garra e coragem.

Finalmente, percebi que tenho um vida maravilhosa.

Sorri com o canto da boca e pensei que naquele momento eu tinha resolvido todos os meus problemas. Porque a partir de hoje eu decidi que todas as coisas seriam boas e que acreditar seria minha palavra chave.

Com a cabeça mais leve, falei em tom alto dentro do carro:

– Bom pai e mãe, quanto aquela conversa que devíamos ter, que tal começarmos falando do que eu pensei em ser quando crescer? (...)


Tudo parecia dar certo, e sim, eu tinha tudo o que queria porque quem acredita, alcança.



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Notas finais do capítulo

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