Naquela noite, eu estava com tanta pressa, que eu nem sei o que eu comi, mas algo me dizia que tinha uma bebida rosa e algo com gosto de camarão.

                - Ell, você sabia que engorda comer rápido? – Disse Nissa com as sombras celhas franzidas e o garfo na metade do caminho até sua boca.

                - Eu não me importo com isso, no momento.

                - Onde você vai com tanta pressa? – Nissa perguntou e depois levou o garfo com um pedaço de tomate a boca.

                Me acalmei e virei no banco para olhar para Nissa.

                - Vou encontrar Mark na floresta. – Falei em sussurros.

                - O que? – Ela limpou a boca com o guardanapo – Tem monstros lá fora a postos exatamente para isso.

                - E daí, tenho o Mark para me proteger. – Abracei meu corpo.

                - Você é a pior de nos. – Ela riu e tomou um pouco do próprio suco rosa que tinha pedido igual para mim.

                - Por que? – Tomei meu suco.

                Ele tinha gosto de limonada.

                - Porque você é a mais sonhadora, afinal não dá para passar 3 anos sem sonhar com alguma coisa, nem que seja durante a noite.

                Sorri e dei mais uma garfada no quer que eu estivesse comendo.

                ...

                Eu andei pela floresta sem saber para onde ir. Estava tão escuro, que nem com os meus novos olhos eu podia ver muita coisa. Mas meus ouvidos estavam apuradíssimos. Volta e meia eu ouvia algo correndo.

                Um braço forte surgiu do escuro e me puxou pela cintura. Ele me jogou na árvore, com o qual eu estremeci pela força. Minha cabeça latejava, mas o braço insistente continuava em minha cintura, logo senti uma mão.

                - Você veio! – O resto do corpo disse.

                - Mark?

                - Sim...?

                - Nada. – Sorri.

                Meus olhos já estavam se acostumando com a escuridão e pude ver o rosto de Mark tão perto que eu não sei como não sentia a sua respiração. Ele se aproximou mais de mim, nossos narizes encostando, agora eu podia sentir sua respiração acelerada, seu hálito de laranja e via seus olhos tão perto do azul.

                Sei que ele podia ver meu sorriso, e o desfez com um beijo. Foi acelerado, rápido e demorado. Sua outra mão estava no casco da árvore ao meu lado, e meus braços estavam jogados em volta de seu pescoço.

                Nos separei para respirar e voltei a beija-lo.

                - Tem alguém ai? – Ouvimos.

                Nossos lábios se desgrudaram e nossas cabeças viraram para o lado que a voz saiu, mas nossos corpos nem se moveram.

                - Corra! – Mark sussurrou sem olhar para mim.

                Sai de seu abraço e puxei sua mão, nos começamos a correr. As folhas farfalhando aos nossos pés e os animais nos olhando. Ouvimos um galope se aproximando e Mark me puxou para o chão atras de uma árvore, de forma que eu cai em cima de seu corpo. Esperamos o galope passar e eu soltei um risinho que o fez sorrir.

- Você vai me deixar toda roxa. – Ri.

Mark me segurou pela cintura e nos levantou. Voltamos para os chalés e devagar, ele segurava minha mão e parecia que todos os semideuses já tinham ido para os chalés.

- O que isso significa? – Perguntei olhando para nossas mãos.

- Que... Você é minha namorada? – Ele perguntou mexendo no cabelo sério.

- Sim. – Me aproximei dele e o beijei segurando as suas mãos

Soltei suas mãos e virei entrando no chalé. Mas acho que ele ficou um bom tempo lá fora.

- Chegou a margarida! – Disse uma de minhas irmãs que passou por mim.

                Ri e olhei para Nissa. Ela deu de ombros sorrindo e continuou a arrumar uma grande maleta roxa. Sentei ao seu lado e Nissa olhou pra mim.

                - Tá, vai. Conta. Eu não estou me aguentando! – Ela disse largando uma sombra dentro da maleta.

                - Tá! – Deitei de bruços em sua cama – Nos fomos até a floresta, quando eu o encontrei, começamos a nos beijar. Até que Quíron apareceu! – Eu sussurrava.

                Ela arfou e colocou a mão em frente da boca.

                - É! E ai a gente começou a correr, até que nos escondemos e esperamos ele ir. Ai ele me trouxe aqui... Agora é oficial! Estamos namorando! – Gritei a última frase fazendo todos os meus irmãos me encararem.

                E então fizeram algo que eu nunca esperava: bateram palmas!

                Ri e Nissa sorriu.

                - Certo, gente. Dormir. – Nissa gritou para todos.

                Logo todos os semideuses no recinto foram para o banheiro.

                - Eu tô indo. – Falei sem encarar Nissa.

                Peguei uma das camisolas no bau e entrei no banheiro. Troquei de roupa, escovei os dentes em uma pia reservada para mim e deitei na cama. Não demorei muito a dormir e já estava começando a ter um sonho. Nele, eu estava com um vestido roxo purpura e um arco preto. Eu andava por um lugar que parecia feito de nuvens, tinha um cheiro tão bom e névoa por toda parte.

                Um pouco mais a frente, ouvi um barulho de discursão. Era um homem e uma mulher, eles tentavam falar baixo, mas era impossível não ouvir com o silencio que a aquele lugar tinha. A névoa em minha frente desapareceu e eu pude ver uma mulher alta, magra e ruiva sentada em uma cadeira em frente a uma mesa de mármore redondo. Em frente a ela, tinha um homem com cabelos pretos e enrolados, ele era alto e magro como ela, mas parecia forte também. Eu não podia ver seus olhos, pois estavam com os rostos virados de modo que eu não podia ver suas faces.

                A mulher alta e bonita brigava com o homem e ele olhava para ela com a cabeça baixa. Percebi que a mulher usava longas vestes de um tom rosa perolado. O vestido não tinha mangas e era pendurado em seu corpo por alças grossas que iam direto para o resto do vestido. Ele tinha um longo decote e uma faixa do mesmo tecido embaixo dos seios. O vestido era extremamente longo e seu cabelo ruivo caia pelas costas do vestido. O homem usava uma túnica grega até os joelhos e sandálias. Ele parecia tão majestoso e tão simples.

                A mulher parou de falar e olhou para mim, o homem fez o mesmo. Os olhos dela eram castanhos tão claros que quase eram verdes... Ou será que realmente eram verdes? Eu não sei dizer... Mas o do homem eram nitidamente azuis.

                Eles se levantaram rápido quase derrubando as cadeiras.

                - Helena? – A mulher tinha lágrimas nos olhos.

                - S-sou e-e-eu. – Gaguejei.

                - Está tão grande, tão bela! – Ela colocou as mãos na boca.

                - Que-em são você? – Perguntei.

                - Somos seus pais, querida. – A mulher deu um passo.

                - O que?

                Eu realmente não sabia o que estava sentindo, se era amor, ódio, raiva, alegria ou rancor. Era um sentimento novo, eu nunca o havia experimentado. E não sei se era bom.

                - Sim, eu sei que é um choque, mas é verdade... Você não mudou nada. – Afrodite se interrompeu.

                O homem, Eros pelo o que eu imaginava, parecia chocado, ele não se mexia nem falava nada. Pensei que ele estava triste, que eu não era o que eu esperava.

                - Eu... Eu... Seja bem vinda, filha. – Eros disse e sorriu. – Mas não temos muito tempo. Zeus logo ira descobrir, temos que conversar. – Seu sorriso sumiu.

                Afrodite e Eros se sentaram, eu me aproximei e pude ver nitidamente uma cadeira na minha frente. Sentei e olhei para eles.

                - Helena, temos que te contar uma horrível desventura. – Afrodite disse e olhou em meus olhos. – Quando você nasceu...

                - Eu conto. – Eros a interrompeu. – Quando dissemos que você iria nascer, Zeus ficou louco, ele disse que um herdeiro do amor, seria algo impossível de resistir. Todos... Todos iriam se apaixonar por você, assim como aconteceu em Troia. Zeus não queria que o erro cometido por Afrodite, acorresse novamente.

                - Espere, Troia?

                - Sim, era a minha vinda para o Olimpo, convidamos todos os deuses, menos um...

                - Eris.

                - Sim, Eris. Ela se vingou, jogou um pomo de ouro com as descrições “A mais bela” na mesa. Eu, Hera e Atena começamos a discutir pela posso do pomo, Zeus nomeou Hermes como quem desempataria, mas Hermes passou o caso para a mão de Paris. Se Paris escolhesse Atena, ela daria a ele a sabedoria. Se escolhesse Hera, teria o poder. Se me escolhesse, teria o amor da mais bela mulher... Ele me escolheu, eu fiz Helena de Esparta se apaixonar por ele. Porem, antes de Helena se casar com Menelau, todos os pretendentes de Helena, juraram fidelidade ao casal. Entao, Paris fugiu com Helena, tornando-a Helena de Troia. A beleza que abençoei Helena, era tão grande que aconteceu uma guerra de 10 anos. Mas não só a beleza, mas o amor que eu a fiz emitir. – Afrodite contou – Os deuses nunca me desculparam. Eu também não.

                Ficamos em silencio em memoria de Troia e de todos os mortos.

                - Era esse erro que Zeus não queria que fosse cometido novamente, então, fizeram uma votação. Queriam te matar. Mas sua mãe não deixou. Entao... Amaldiçoaram você, Helena. – Eros disse sem me encarar.

                - Como?

                - Sim, você nunca poderá amar ninguém... – Afrodite disse.

                Eros e Afrodite trocaram olhares confidenciais e olharam para mim.    

                - Ah não ser...  – Afrodite começou, mas não acabou a frase.

                - Ah não ser que você encontre sua alma gêmea. – Eros completou.

                Não consegui evitar, soltei uma risada.

                - Sério?

                - Estamos falando sério. – Afrodite disse ofendida. – A muito tempo, no inicio da era... Os homens tinham quatro braços, quatro pernas. Eles viviam com suas almas gêmeas, eram literalmente um só. – Ela sorriu. – Mas Zeus teve inveja, cortou-os ao meio. Agora, em toda reencarnação, devem encontrar sua outra metade. – Os olhos de Afrodite mudaram de cor. EU juro! Ficaram tão escuros quanto os meus eram, isso me lembrou algo.

                - Entendo... Por que quando vocês me reclamaram, eu mudei?

                - Como assim? – Eros de aproximou.

                - Você sabe... Fisicamente.

                - Você não mudou. Você assumiu sua verdadeira forma.

                - Assim que você soube quem era, seu corpo também soube. – Afrodite, já recuperada, sorriu. – Helena, você é filha de dois deuses.

                - Dois deuses poderosos, deuses que lidam com algo que nenhum outro lida. – Eros disse sério.

                - Não sei se percebeu, mas... Você é diferente. Você não é uma semideusa comum, você é uma deusa.

                Senti meus olhos se arregalando com as palavras de minha mãe. Era muita coisa para um sonho só, eu não era capaz de tudo isso, de sentir tudo isso. Eu arfava e suava, meu coração batia forte em meu peito, e minha cabeça doía.

                - O que?

                Eles disseram algo, pareciam preocupados, mas eu não conseguia ouvi-los. Meu corpo e minha mente estavam sendo levados dali. Eles iam se afastando... Não, eu ia me afastando. Não conseguia ouvir o que diziam e sua forma ficava tremula. Mas consegui ouvir algo, uma pequena frase. A voz, era aquela da outra noite. E ela falou:

                - Lembre-se ira ficar tudo bem. Hermes cuidara de você.

                E então tudo voltou. Eu sentei na cama assustada e suada. Meus olhos estavam fixos na parede.

                - Está tudo bem, Helena? – Nissa perguntou.

                Olhei para ela e balancei minha cabeça negativamente.

                Ah, não!