Mais escura que as outras noites, aquela tinha algo em especial. Talvez fosse o fato de a lua e as estrelas se recusarem a brilhar por causa das nuvens que as cobriam, poderia ser também por causa das duas figuras que, surgindo das trevas, se direcionavam a um mesmo local.

Ambos tinham os cabelos compridos, mas seria essa a única semelhança. O primeiro, que naturalmente guiava o outro, causava choque até na escuridão que o cercava. Era gracioso e, com passos lentos, parecia iluminar a terra com a luz que a lua e as estrelas lhe haviam negado. Os cabelos loiros e com ondas leves se dispersavam a cada brisa fresca que passava pelo corpo magro, andrógino... Quase completamente feminino. Os olhos, apesar de escuros, transbordavam pureza e cuidado. Parecia extremamente gentil, e é verdade que sua aparência denunciava por completo o seu caráter. Bondoso, agradável. As pessoas que o viam sempre só cometiam um pequeno engano, que era achar que o rapaz tinha de frágil tanto quanto tinha de bonito.

O segundo rapaz era arrogante, parecia ser mais velho também. Seus longos cabelos eram negros e pareciam sugar a falta de luz que havia em volta, que ficava para trás. Soberbo, sempre acreditou que era e que podia ser mais do que todos os outros, o que depois de um tempo acabou se tornando verdade. Suas qualidades não se limitavam à beleza e à sedução, mas estas ultrapassavam os limites que pareciam impostos às pessoas comuns. Mais alto que o primeiro, tinha os ombros mais largos e uma postura agressiva. Portava um sorriso no rosto que parecia desenhado por anjos e, da fenda que seus lábios finos abriam, era possível notar as pontas agudas e reluzentes de seus dentes afiados... Só Deus sabia o que poderiam cortar. Uma vez o haviam dito que Deus punia os soberbos mas, acreditando estar fora dos limites das mãos de Deus, não deu importância alguma àquela frase. Sem falar que talvez até Deus temesse o vermelho que escapava das pequenas aberturas que eram seus olhos, sempre estreitos, sempre reprovadores... Apesar de manter aquele sorrisinho no rosto.

A bela criatura que estava na frente parou, séria, olhando para uma das casas que não se diferenciava em nada das demais. Era uma casa comum e pequena, com um andar térreo e um superior, com uma varanda. Os tons eram claros e tinha detalhes pintados em verde musgo. A escuridão quase a engolia.

- Chegamos.

E é assim que a nossa história começa.