Sabe as promessas ridículas que o ser humano faz durante a vida? Pois é. Minha vida é recheada de promessas idiotas e vergonhosas a ponto de me colocar em situações constrangedoras até quando estou sozinho.
Ou no telefone e com platéia, se for o caso.
O meu problema chegou a proporções astronômicas e desafinadas quando eu estava no auge de minha empolgação para mais uma vez tirar sarro da cara do simpaticíssimo Senhor-Cinderella-Capitão-Kim-Heechul-Do-Sexto-Esquadrão-Narcisista. Sabe aquele tipo de pessoa que você não vai querer como babá do seu filho? Pois é. É ele.
Seria confortante saber que mais pessoas fazem promessas como a minha em público - como eu fiz, mas duvido muito que existam tantas cabeças preenchidas com excremento de ursos de pelúcia como a minha, capazes de fazer tal coisa assim, tão desprevenidamente.
Sou um asno. Uma anta de galocha amarrada num toco no meio do sertão paraibano no Brasil. Pelo menos meu senso geográfico não foi afetado.
A minha desgraça se deu quando num belo dia de sol, nuvens fofas rodeavam a paisagem... Do céu. Eu estava numa lanchonete, feliz da vida, tomando um suco e aturando os meninos do grupo.
Quem éramos nós? Ah, por favor! Um cento de gente! Sabe, o Leeteuk- o líder, mais velho e com alma de uma criança do pré, Yesung- se for mais fácil para você imaginar um autista com tara por tartarugas, fique a vontade; KangIn- aquele ser com voz de Bob Esponja; Hangeng- a flor da China, se não me engano; Shindong - que não é gordo, mas desprovido de massa corpórea saudável; Eunhyuk – menino macaco do capeta; Donghae - criatura estranha que vive aérea, Siwon- e não gosto de lembrar dele me mostrando como se faz abdominais, tenho convulsões; Kibum- não preciso fazer comentários sobre o doido do sorriso mais branco do que bicarbonato de sódio; Ryeowook – a tia de todo mundo; e o Kyuhyun - mas ele não conta, nem se preocupa em manifestar algum sinal de vida.
O assunto que me levou a desgraça era aquele mesmo.
– O Heechul é um imbecil metido a besta. As fãs que me perdoem - e sim, fui eu quem disse isso.
– Não fale assim da minha Cinderella! - um bolinho de arroz tingido de verde limão para quem adivinhar quem foi a pessoa feliz que disse isso.
– Cala a boca, Siwon. É só a verdade.
– Heechul hyung é uma boa pessoa, Sungmin- falou a Senhora minha tia. - Bem lá no fundo...
– Bem no fundo mesmo, então! Pessoa desagradável. É anti-social e não sabe conversar com ninguém sem que pareça que está dando ordens.
– Ele é bem gentil ao telefone, se você quer mesmo saber – disse Hangeng, esbanjando sorrisos.
– Só se o assunto base for a próxima novela das oito ou a última moda em penteados franceses.
– Não fale assim, Sungmin! O hyung ignora telefonemas que não sejam realmente importantes. Ele jamais atenderia um telefonema para assuntos banais assim.
– Que papo-furado. Aquele projeto de puto frígido desprovido de senso de humor não me agrada, e pronto. E aposto que ele atende qualquer telefonema só pra ter o prazer de mandar o pobre que o ligou ir ao quinto dos infernos fazer um chá para o diabo.
– Mas você gosta do Hangeng, e ele é muito próximo do Heechul - os comentários do Yesung são sempre tão desnecessários que me dão vontade de rasgá-lo em três partes e dar para um cachorro faminto morder.
– Hangeng está para Heechul como você está para o Mike Tyson.
– Sinceramente, Sungmin, - lá vem o Siwon defender sua donzela aflita. - você não conhece mesmo o hyung. Ele é muito rígido com pessoas irresponsáveis, sim. Tanto que evita atender telefonemas pessoais quando está trabalhando.
– Pois eu aposto a minha bunda como ele atende - eu poderia apostar algo assim, sendo que eu tinha plena consciência de que nenhum dos garotos em seus estados de juízo normais me entregaria um celular para que eu tirasse a prova. Mas quem disse que eles têm juízo?
– Não brinque com fogo!
– Onde está aquele seu celular ‘profissional’, Siwon? - botei minha melhor cara de zombaria nessa.
Ouvi alguns suspiros de desaprovação vindo de todo o ambiente, mas eu estava decidido. Alguém como o Heechul não perderia mesmo a chance de xingar alguém. Conheço bem aquele tipinho! Não foi ele quem me chamou para uma conversa a sós no quarto dele apenas para me pedir para que nunca mais o chamasse informalmente? Quem perde tempo com uma asneira dessas, perde tempo atendendo o telefone.
É claro que no meu íntimo mais profundo eu desejava ardentemente que ele de fato não atendesse. O que eu diria se ele atendesse? "Olá, Severino, vamos tomar um Bacardi na taverna do Bartolomeu mais tarde?". Mas eu não seria Lee Sungmin se não mostrasse a todos o quanto eu desconfio da integridade moral de Kim Heechul.
– Seu celular, Siwon. Dá aqui - ele não me daria nunca!
E, é claro, também, que eu estava rezando para o imbecil do Siwon não ter a cara-de-pau de me emprestar o celular para que eu passasse um trote ao seu tão querido e amado hyung. Mas a vida é uma caixinha de surpresas...
– Toma, liga então.
– Como é que é? - eu preciso comentar sobre o quão surpreso, aturdido e assustado eu fiquei ao notar que o Siwon estava louco de vontade de ver quebrar a cara ligando e sendo ignorado pelo Heechul? - Ah, mas pensando melhor, Siwon, você é um dos preferidos dele, é claro que ele atenderia.
– Você apostou que ele atende. Eu digo que não. Se ele perder, eu passo um mês sem encher o seu saco com piadinhas idiotas e ainda lavo suas roupas.
Isso seria ótimo. Mas se ele não atendesse, eu teria de fazer o quê? Dar a bunda pro Siwon?
– E se ele não atender?
Um silêncio mortal e doloroso pairou na sala. Senti olhares pontiagudos cutucando o meu traseiro quando lembrei da aposta ao vento que lancei. Mas eu tenho bons amigos.
– O Sungmin entra no grupo de Starcraft estadual.
Não posso dizer que a alternativa do Kyuhyun fosse a mais feliz de todas as que passaram pela minha cabeça. No entanto era com certeza melhor que botar meu traseiro a prêmio.
– Fechado! - Eu não sou louco de esperar alguém lembrar da proposta anterior!
– Acho válido - concordou Siwon com um sorrisinho sacana.
De boa? Acho que todo mundo sabe que o Heechul não vai atender e eu vou ser obrigado a costurar a calça do Shindong toda vez que ele resolver se abaixar para alguma coisa. Mas, pensando bem, melhor mesmo que ele nem atenda. Não estou psicologicamente preparado para um diálogo telefônico com aquele ser.
Peguei o celular com tanta relutância, que eu parecia estar com medo do bicho começar a cuspir fogo ou morder meus dedos quando eu começasse a cutucá-lo. Siwon notou meu pânico e, prestativo como ele só, discou direto para a Cinderella. O tempo de espera foi insuportável. Uma, duas, três, quatro chamadas. E eu já ia todo serelepe dar pulinhos e dizer "Perdi! Perdi! Ele não atendeu!" E já estava conformado em ser o próximo nerd mor, ao lado de Kyuhyun. Mas como eu sou o humano mais azarado, macumbado e desprovido de dias felizes do mundo, eis o que eu ouvi:
– Se é para falar dos ensaios que eu faltei, o problema já foi resolvido. Se não, o que é?
E eu lá sabia o que era? Eu tinha acabado de ganhar a aposta. Ótimo. Siwon lavaria minhas cuecas e eu seria o Rei. Mas eu estava embasbacadamente mudo diante da voz do maldito Heechul. E timidez o caralho! Era a mais pura falta do que dizer mesmo.
– Ahn, não era pra ter atendido. - Depois de um milênio de mudez isso foi a única coisa que me veio à cabeça. É, é ridículo, eu sei. Mas quando você liga para uma pessoa com a intenção de não ser atendido isso costuma acontecer, sabe? A cabeça entra em curto e você a princípio só faz murmurar alguma porra sem sentido nenhum, como se um monte de gatos estivessem aprendendo a miar dentro do seu cérebro.
– O quê? Sungmin-ssi?
–Heechul, oi! - se eu fosse um avestruz, minha cara estaria enfiada no chão. Todos naquela sala me observavam como se eu tivesse um macaco saindo pelo meu nariz.
– Oi.
Perfeito. Ficamos ambos mudos, e aqui na Terra havia um monte de gente feliz rindo da minha simpática expressão de pânico.
– Então, pois é...
– Tem algo a dizer?
– Ah, não! Na verdade só liguei mesmo pra dar um oi.
– Claro. Então boa tarde.
– Boa tarde, beijo!
Beijo? BEIJO? B-E-I-J-O? Eu realmente mandei um beijo para o Kim Heechul? Um doce, molhado, caramelado e colorido beijo para Kim Heechul? Ó lua, caia sobre a minha cabeça e devolva minha sanidade!
Isso foi o cúmulo de todos os ridículos que já vivi. E o pior não é saber que ele ouviu. Não. O pior é lembrar que toda a manada de protéticos está me observando, só esperando a hora certa para cair matando - e rindo - sobre mim.
– Bom... - comecei. Só comecei.
As gargalhadas ganharam o ambiente. O Siwon ria menos... talvez por lembrar que ele é quem cuidaria da higiene de minhas roupas, mas o resto ria como se o Barney estivesse dando piruetas ao meu lado e me chamando de Meu Amor. O Ryeowook evitou rir, mas parecia bem inteirado sobre a desgraça que é mandar um beijo para o Heechul.
– Certo, Sungmin. Você ganhou - Siwon pegou o celular das minhas mãos e limitou-se a soltar um sôfrego suspiro de decepção. - O hyung vai querer saber por que deixei você usar meu celular. Capaz até de ligar para perguntar.
– Relaxa, Siwon! - recuperando um pouco do meu orgulho, da auto-estima e da idiotice comum à minha pessoa, eis que ferrei linda e sedutoramente com a minha reputação. - No dia que o Heechul ligar querendo falar de mim ou comigo, juro, canto Coisinha Sexy pra ele no telefone.
Das duas, uma: ou Deus está de sacanagem comigo ou eu sou a pessoa mais idiota do mundo para fazer promessas idiotas. Ou ambas as alternativas, sei lá. Só sei que em qualquer que seja a situação quem se ferra sou eu.
Por quê?
Simples.
Por que o Heechul ligou quase que imediatamente depois de eu prometer esse absurdo.
Você tem noção do que é a música Coisinha Sexy? Não? Sorte a sua. Sorte mesmo. Até hoje não sei por que cargas d'água eu aprendi a cantá-la. E, por todas as casas do Zodíaco, nunca foi tão ruim conhecer uma música tosca.
–Sungmin, atenda você! E cante como somente uma diva cantaria!
Você consegue imaginar o Kim Ryeowook dizendo isso? Nem eu. Mas foi o Leeteuk quem disse e eu achei tão natural que nem fiquei chocado. Porém só imaginar a mim mesmo vestindo roupa indecente, bota de couro e uma peruca loira, cantando e dançando ao lado de caras musculosos que me ergam no alto e me chamem de rainha, tudo isso ao som da música Coisinha Sexy... Céus. Nem o apocalipse poderia ser mais desastroso.
– Eu não vou atender coisa nenhuma! Quem garante que eu sou o assunto central deste telefonema feliz em plena tarde de domingo?
– Homens de verdade cumprem suas promessas...
– Isso é muito interessante vindo de um maníaco que assedia tartarugas, Yesung!
E o telefone tocando...
– Alô? - Siwon atendeu, conversou por uns instantes com o Heechul e eu já me sentia um campeão por não ter ouvido meu nome. Às vezes eu gosto do Siwon. - Sungmin, o hyung quer falar com você.
Só às vezes.
– Comigo?
– Você é Lee Sungmin, não é?
Sinceramente? Nessa hora eu preferia ser o dedo mindinho perdido do presidente do Brasil.
– Oi, Heechul...
– Cante.
Não é preciso ser um gênio para saber o quão indignado, desesperado e aflito eu fiquei. O Siwon tivera a cara-de-pau, a audácia, a falta de princípios e equilíbrio mental para informar ao Kim Heechul sobre a minha vã promessa tola?
É.
– Cantar? - se eu desafinei ou não, nem me lembro. Só sei que não sou de voltar com o que digo e voltar atrás naquele momento seria chamar o Heechul de Senhor-Supremo-que-deixou-Lee-Sungmin-no-chinelo. E eu definitivamente não queria isso.
Aí foi só encarar uma última vez os rostos que se voltaram para mim, subitamente interessados e brincalhões. E, acredite, foi a visão mais pavorosa que eu já tive na vida até hoje.
Aí eu cantei.
Queria que você tivesse uma mísera noção do que é cantar Coisinha Sexy via telefone para alguém que realmente deixa você tremendo só por existir. É, como posso dizer, assustador. Não que tenha sido uma experiência ruim como chupar cupim numa noite de inverno debaixo de uma choupana. Mas, convenhamos, o homem do outro lado da linha limitava-se a ouvir e fingir não rir da minha cara e, pasme, no auge da cantoria eu me interrompi e berrei:
– Já chega!
E o que o infeliz diz?
– Falta o refrão.
Não. O Heechul não é gente.
Achando pouca a minha humilhação de estar cantarolando uma canção de índole duvidosa diante de uma multidão de cantores, dançarinos e humanos bizarros que se divertem com a desgraça alheia, ainda quer que eu cante o refrão! É claro. Coisinha Sexy.
O que vou prometer da próxima vez? Se ele me chamar para sair eu dou pra ele?
Melhor não prometer mais nada na vida.
Nunca se sabe o que se passa pela cabeça de alguém que deseja ouvir Coisinha Sexy pelo celular. É doentio. Claro que prometer cantar tal coisa não é algo que uma pessoa normal deva fazer, mas aí aceitar a provocação?
Piedade.
Só orando mesmo.