Um Pardal Que Tinha Medo De Voar... escrita por Sweet Mia


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo foi escrito do ponto de vista do Lucas. Espero que gostem...



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POV Lucas

Observei-a a sair da biblioteca, imediatamente a seguir ao toque. Apesar das minhas tentativas para a acalmar, apresentando-me mas tentando ao mesmo tempo não invadir o espaço dela, a menina da biblioteca não tinha relaxado nem por um segundo durante todo o tempo que lá estivera. Mas reparei em algo que julgava impossível, quando a campainha tocou ela ficou ainda mais tensa. Depois de lhe dar um minuto de avanço, segui-a.

Ela caminhava devagar, com os ombros subidos como se tivesse medo do mundo e quisesse ocupar o mínimo espaço possível. Não demorei muito a perceber porquê quando um grupo de rapazes com ar de desportistas a entalaram entre eles e os cacifos, empurrando-a violentamente, enquanto se dirigiam para as respectivas salas de aula. As raparigas que passavam não ligavam muito mas as que reparavam pareciam achar graça ao espectáculo e ouvi uma delas elogiar o namorado depois. Senti uma onda de raiva febril e cega a inundar-me e foi com grande esforço que a controlei. Como é que era possível que ninguém fizesse nada? Ela era apenas uma rapariguinha indefesa e assustada, terrivelmente frágil e ignorada por todos. Infelizmente, devido à minha irregular transferência para aquela escola a meio do ano lectivo e ao carácter extraordinário da mesma, não me podia dar ao luxo de inaugurar o meu primeiro dia de aulas nesta escola com uma luta, por muito justa que fosse a causa.

Com um suspiro, reprimi a raiva que sentia, e dirigi-me para a minha aula de Biologia. Felizmente sou bom aluno, por isso, pude observar distraidamente a aula sem perder grande coisa. Já sabia a matéria e tinha coisas bem mais interessantes em que pensar. Nomeadamente nuns lindos olhos castanho-esverdeados, sombrios e assustados, que fitara somente por uns instantes, antes de serem escondidos por uma cortina de cabelo castanho que apesar de tudo não conseguiu ocultar o tom rosado que rapidamente cobriu as suas bochechas. Ela era bonita. Magra demais e bastante pálida, mas indiscutivelmente bonita de um modo frágil e vulnerável que me fez querer protegê-la no instante em que a vi. Não consigo explicar porque é que ela me fascina tanto. Simplesmente, desde o instante em que a vi que a sua postura me intrigou. Parece-me que ela não é feliz, que sofre e que está envolta nalgum mistério. Irene não entrou em detalhes sobre ela, sei que vai todos os dias para a biblioteca, aliás é a única visita da minha irmã mas que ela nunca lhe ouviu a voz. E duvida que alguém o tenha feito… Eu limitei-me a observá-la.

Será que ainda ninguém percebeu como aquela menina está assustada? Simplesmente aterrorizada, nem eu sei bem com o quê? Ela intriga-me tanto...Tenho de arranjar maneira de descobrir o que se passa. Gostava de a poder ajudar. E não me parece que alguém se tenha realmente apercebido de que ela têm um problema.

Ocorreu-me uma ideia, ligeiramente arriscada e bastante interessante. Vou segui-la até casa. Eu admito que pode parecer um pouco exagero de curiosidade, uma invasão de privacidade mesmo mas ninguém parece minimamente interessado em saber o que se passa com ela. E eu quero protegê-la o melhor que puder. Assim também evito que algum daqueles brutamontes a chateie no caminho porque aí já não tenho de evitar problemas para a defender. De facto, a ideia agrada-me. Ela pode ser apenas invisível ou um simples alvo de chacota para o resto do mundo, mas eu sei que algo se passa, que ela tem um problema e quero ajudá-la se puder.

Assim que acabam as aulas, vejo-a junto ao portão. Tal como eu calculava ela não tem actividades extracurriculares e vai directamente para casa. Vira em direcção aos bairros mais pobres e entra num prédio cinzento-escuro, com escadas exteriores perto de uma velha fábrica abandonada. Eu entro na fábrica e apercebo-me de que uma das suas torres tem janelas exactamente ao nível das janelas do prédio em frente. Dedico-me a subir até ao terceiro andar e monto o meu poiso com relativo conforto. Uma mensagem para a minha irmã a avisá-la de que devo chegar tarde, uma sandes para o caso de ter fome, os trabalhos de casa e os binóculos. Sim, eu sou o género de pessoa que anda com binóculos na mochila...nunca se sabe quando vamos precisar de ver alguma coisa com mais atenção ou se vai aparecer algum pássaro interessante. Considero-me um rapaz relativamente normal mas gosto de observar pássaros, não sei explicar porquê mas acho-os fascinantes. Costumo comparar as pessoas a pássaros. Na escola são um monte de pombos, inúteis ratazanas do ar, sempre em bandos. Ela é um pardal, é pequena, frágil e trata da sua vida sem incomodar ninguém. Ninguém repara nos pardais...e ninguém repara nela. Excepto eu...nunca encontrei um pássaro com o qual me identificasse e talvez seja por isso que gosto de os observar, para um dia saber qual é o meu.

O apartamento em que ela entrou tem pouca mobília mas está extremamente asseado. Não demoro muito a perceber porquê visto que ela assim que chega começa a limpar. No entanto está mais tensa do que nunca. Através dos binóculos consigo perceber que está muito cansada e mal aguenta a vassoura que tem nas mãos. O que se passa? Ela parece doente e ainda assim continua a limpar como se não pudesse parar e mal se atreve a tossir apesar de eu perceber que tem muita vontade. Porque é que a cada minuto que passa ela parece mais tensa, como se antecipasse a chegada de um furacão ou de qualquer catástrofe semelhante? Não demorei muito a perceber a razão. Depois de ela ter limpado, esfregado, lavado e polido todas as superfícies do apartamento chega alguém a casa.

É uma mulher que não é, de certeza, mãe dela. Tem feições duras e músculos definidos, cabelos escuros e uma voz que, percebo eu, utiliza sem meiguice na sua potência máxima. Quase que posso ouvi-la daqui. Percebo que quer que a rapariga prepare o jantar. A menina treme e deixa cair um pouco de arroz no chão. A megera agarra-a pelo ombro e atira-a ao chão, esbofeteia-a e começa a dar-lhe pontapés nas costelas e nas costas com força, violência e eficácia...uma autêntica profissional. E eu expludo de raiva incontida, por ver uma cena tão degradante. A pobrezinha deve ser leve que nem uma pena e mal pode chorar pois quanto mais chora mais a outra lhe bate. Dou um soco na parede de tijolo que já se está a desfazer e magoo um pouco a mão, mas o que importa isso se do outro lado da rua estou a assistir a um crime que deixa todos indiferentes como se fosse uma cena demasiado banal para alguém lhe prestar a mínima atenção. Ela nem sequer é muito silenciosa, os vizinhos estão em casa e a sua placidez, mais do que qualquer outra coisa, mostra que esta cena é normal, quotidiana e tão banal que se torna desinteressante.

Depois, tão depressa como começou, a tempestade passa. A rapariga cozinha o jantar para a megera e não toca num único grão de arroz. A outra vai para o quarto do qual apenas consigo vislumbrar uma cama cheia de mantas e menina deita-se num colchão na sala...com a roupa da escola. E vejo-a abafar o choro e a tosse até adormecer de pura exaustão.

Reparo um pouco chocado, que eu também tenho lágrimas a escorrer pela cara. Já vi demasiadas cenas semelhantes mas havia sempre uma certa igualdade, havia uma certa resposta, um desafio mudo ao agressor. Nunca tinha visto tamanha rendição nem ninguém tão indefeso. E ao deitar um último olhar, ao rosto pálido banhado pelo luar no qual brilhava ainda uma lágrima solitária, fiz um juramento.

" Podes ser invisível para o mundo mas eu vejo-te. E hei-de salvar-te e dar-te aquilo que mereces. Juro por todo o meu sangue".

Depois, segurando a mão por causa dos dedos que esfolara no tijolo, afastei-me da rua que passara a odiar e dirigi-me para casa. A minha irmã vai-me dar um pequeno sermão, por ter desaparecido e ter sido tão vago na mensagem que lhe mandei mas isso não me incomoda. Preciso de encontrar uma maneira de salvar o meu pardalinho. Mas há que estabelecer prioridades...Primeiro convém-me saber o nome dela.



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