Prólogo  
O amarelo das folhas secas que cobriam a calçada era a única cor naquele mar de cinza e preto, o ar trazia consigo o fétido aroma das ruas úmidas da chuva que nada lavou. O calor era quase insuportável mas ela já se cansara de tentar secar as gotas de suor que nasciam na sua testa e escorriam por todo o rosto desmanchando o resto da pintura feita há tanto tempo que ela mal se lembrava quando fora.        
O vestido justo na cintura e de saias largas realçavam seu corpo e ela estaria muito elegante se não estivesse descalça, pois fazia horas que não se equilibrava mais nos saltos, decidira então tira-los antes que os pés, já magoados, criassem bolhas. Agora estava um pouco embriagada mas a garrafa de vodca a muito havia sido tirada de sua mão e ela resolvera sair para as ruas encarando a madrugada tão úmida e quente que não apenas sufocava como também consumia.         
Andou até avistar aquela catedral de construção gótica que outrora lhe parecera imponente e majestosa agora era apenas mais um prédio sem vida e sem valor como tantos outros emergiam das sombras. Adentrou as portas de cedro sentindo o frescor do ar que a envolvera, respirou fundo como se fosse aquela sua última salvação. Olhou para os lados a procura de algo, não fora capaz de distinguir muita coisa, o breu que cobria a enorme sala de pedra e ouro fazia com que tudo se tornasse espantoso demais, como uma porta para outra dimensão. Ela sorriu de sua idéia e pareceu-lhe tentador se entregar aquele momento de rara alegria.         
Logo seu sorriso transformou-se em uma máscara de agonia, subiu no altar ajoelhou-se fronte a uma imagem de Nossa Senhora e quando as lágrimas começaram a ficar incontroláveis ela sussurrou “Se for essa tua vontade, minha deusa, que assim seja.” Alguém abriu as portas da catedral, ela não se deu ao trabalho de olhar para trás, já sabia quem era o autor daqueles passos. A única coisa que lhe restava era aguardar o inevitável.