Valentines Dream escrita por Yuna Aikawa


Capítulo 1
Capítulo 1 - SaintAnne




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/19246/chapter/1

- As lendas de vampiros são muito antigas e presentes no imaginário de diversos povos. Talvez sua origem seja baseada em um antigo mito de que através do beijo seria possível apoderar-se da vida e da alma de outra pessoa. Drácula foi...

    Fui bruscamente interrompida pelo sinal do término da aula, mas como nem o professor de Sociologia nem meus colegas estavam prestando atenção, apenas suspirei e voltei ao meu lugar, arrumar meu material para ir para casa, como os demais. Meu colega, e amigo de infância, Éric - um jovem com 16 anos, cabelos castanho, repicados e curtos, alto, pálido e de olhos azuis - veio falar comigo.

- Puts... Bem no Drácula, hein?
- Bem quando eu ia começar a me empolgar.

    Rimos enquanto ele me ajudava a guardar os livros na mochila. Era muito fácil falar com Éric, estudávamos juntos há 10 anos, conhecíamos bem um ao outro. Desde o primário, todos estranhavam nossa amizade: Élric Albany era esbelto, engraçado e sociável, enquanto eu, Lilith Valentine, era uma garota sem graça, de estatura média, fechada, com cabelos medianos loiros e lisos, terminados com cachos definidos, pálida e com estranhas preferências ao desconhecido - completamente opostos.

- Quer que eu te leve para casa hoje?
- Oh! Que cavalheiro... Fugindo de mais uma declaração de amor, meu caro imã-de-garotas?
- Quase isso, minha cara repulsora-de-garotos.

    Era impressionante a quantidade de maninas que babavam, literalmente, pelo Éric e fomos discutindo isso até um pedaço do caminho.

- Clarisse?
- Já.
- Amy?
- Já.
- Paula?
- Já... Hei, quer cortar caminho pelo cemitério?
- Pode ser... Mary?
- Já.

    Eu adorava passa pelo cemitério Saint'Anne, era silencioso, vazio, escuro e gélido, o lugar perfeito para escrever, relaxar ou celebrar o halloween, meu oásis de paz. Eu conhecia cada lápide, planta, estátua e grão de terra daquele lugar, então, estranhei ao ver o velho coveiro, sr.Phil - um velho mal-humorado que sempre trajava um macacão verde-lixo e boné cinza - cavando com sua fiel, e enferrujada, pá. Não resisti, tive que interromper a interminável lista de Éric para ver os novos nomes em meu paraíso.

- Hei, Phil... O que tem para mim hoje?
- Um drama, Lil... Um drama.

    Aquilo foi estranho, eu conhecia poucas respostas do coveiro: Comédia para pessoas corruptas, Suspense quando não conhecíamos a pessoa, Terror para crianças, Aventura para suicidas, Ficção quando ele só estava arrumando um canteiro, West para policiais e Drama para aqueles que não mereciam, e fazia tempo que eu não ouvia tal resposta. Estiquei o pescoço por cima dos ombros sujos de Phil, para ler a lápide. As lágrimas vieram à tona, senti meu corpo tremer.

- Quando...? - Senti minha voz falhar.
- Hoje de manhã... Enquanto você estava na escola.

    Phil tirou seu velho boné, como sinal de respeito e pesâmes, Éric também leu a lápide e, pasmo, abraçou-me, mesmo eu estando sem reação, fitando o buraco na terra. Era um túmulo bonito, tenho que admitir, havia uma estátua de anjo, com uma expressão serena e traços delicados, e, aos seus pés de mármore escuro, dois nomes: Thiago e Jesse Valentine, meus pais.
    Como instinto, sai dos braços firmes que me cercavam e fui correndo para casa. Abri a porte, destrancada, com mais força que o necessário, ofegante pela corrida de 2km, encontrando uma cena chocante: o sofá partido ao meio, a estante branca no chão, com todos seus vasos, livros e aparelhos espalhados e sangue, muitas manchas de sangue por todos os cantos. Meus pais foram brutalmente atacados antes de morrer.
     Um policial local, Masashi Kishimoto, apareceu atrás de mim, visivelmente triste, e pousou a mão sobre meu ombro, numa tentativa de carinho. Passei a tarde com Éric, respondendo as perguntas bizarras dos oficiais enquanto limpavam e fotografavam a casa.

- Quer que eu durma aqui com você, Lil? - Éric esboçou um sorriso.
- Não. - Fui seca.
- Não é bom ficar sozinha agora, eu deveria te levar pra cas..
- Eu quero ficar sozinha!

    Fui estúpida com meu único amigo de verdade, mas ele entendeu, abraçou-me e disse que era para chamá-lo para qualquer coisa que eu precisasse. Forcei um sorriso, ele beijou meu rosto e partiu junto com os policiais. Fiquei sentada no chão da sala, agora vazia e limpa, chorando sozinha e enrolada num cobertor.
    O enterro foi na tarde seguinte, onde os amigos de meus pais, alguns parentes e Éric, que não soltou minha mão, apareceram. Os caixões de eucalipto escuro estavam fechados, ouvi sussurros que os corpos estavam mutilados e sem sangue, seguido de risinhos - queria acertar o rosto dos infelizes, mas não identifiquei as vozes.
    Enquanto procurava a fonte dos cochichos, presenciei algo estranho: um homem, com no máximo 30 anos, pálido, com olheiras, cabelos negros realçados pelo terno de grife e olhos cinza-azulados, estava olhando fixamente para mim e, quando percebeu que eu o notei, sorriu calmamente, mantendo um tímido olhar de luto, mas eu não o reconheci.

- Vamos embora, Lil.
- Uhn?

    Fui puxada de volta para a realidade com o comentário de Éric, perdendo aquele desconhecido de vista. O enterro havia acabado, todos estavam partindo, mas, mais uma vez, pedi a compreensão de meu amigo, eu queria ficar ali mais um pouco. Éric se voluntariou para ficar comigo, mas o mandei para casa e, mesmo hesitando, ele beijou minha mão e foi.
    Sentei-me na grama, apoiada na lápide de um filme de Terror - Nayara Mayer - 1982 - 1989 - fitando as coroas brancas que cobriam os nomes de meus pais. Quando finalmente engatinhei, afastando as flores para exibir a lápide, notei que não estava sozinha.
    Um jovem, tão belo e pálido quanto o homem que eu vira algumas horas antes, de cabelos igualmente escuros e olheiras, mas com um sobre-tudo estiloso e, aparentemente, caro, estava sentado na lápide da senhora Himnton - Suspense - observando vagamente a lua. Levantei num pulo, mais um desconhecido no meu oásis, mas, como ele estava pensativo, fui embora para deixa-lo só.
    Durante 10 noites seguidas, minhas noites de luto em que eu deixava duas rosas brancas aos pés do anjo de mármore, ele estava lá, no mesmo lugar, com a mesma expressão vazia e sempre de preto. No décimo primeiro dia, ele não estava, estranhei e, involuntariamente, fui procura-lo, precisava saber pelo menos o seu nome, mas não o achei. Sentei-me na lápide dos Himnton e, ironicamente, comecei a olhar a lua.
    Voltei à realidade perto das 3 da manhã, finalmente entendendo o porquê da indiferença daquele jovem. Suspirei e, quando levantei, esbarrei com a minha sina.

- Sinto muito!
- ...

    Ele apenas manteve a expressão calma e piscou para mim - era inacreditável como ele era mais bonito de perto - e, com suas mãos frias, ajudou-me a estabelecer o equilíbrio.

- Você torceu o tornozelo.

    Sua voz era tão perfeita quanto o restante, mas a dor veio à tona quando ouvi aquilo. Ele sorriu, exibindo seus dentes brancos e retos, sentou-me novamente na lápide e enfaixou meu tornozelo com a manga preta do casaco que trajava. Desculpei-me por dar trabalho a um estranho, mas ele apenas manteve o sorriso. Senti meu coração bater mais forte.

- Meu nome é Ville, Ville Katahn. - Foi cordial.
- Lilith Valentine.
- Então, senhorita Valentine, o qu...
- Lil. - Interrompi.
- "Lil"... O que faz aqui a esta hora? - Sorriu educadamente.

    De repente estávamos conversando, como se nos conhecêssemos a anos, sobre a minha vida e a minha recente e misteriosa perda. Percebi que estava falando muito, me senti egocêntrica, não conversava assim nem com Éric, e que, no fim, no havia descoberto o nome dele, mas, ao perceber isso, ele falou um pouco sobre si. Ville morava sozinho, perdeu a família num acidente de carro quando tinha 8 anos, não ia ao cinema a 2 anos - foi um convite? - e, assim como eu, tinha preferências ao desconhecido.
    Era minha nova rotina: ia para aula, almoçava, dormia, tomava banho, me arrumava e ia ao Saint'Anne, passar a noite conversando com meu novo amigo e, quando faltava poucos minutos para o sol nascer, Ville partia e eu ia andando para a escola, ansiosa pelo anoitecer. Numa certa noite, começamos a falar de Drácula.
    Drácula foi capturado pelos turcos, que o ensinaram a torturar e empalar pessoas. Ele apreciava especialmente a execução em massa, onde várias vítimas eram empaladas de uma vez, e as estacas içadas. Como as vítimas se mantinham suspensas do chão, o peso de seus corpos fazia com que descessem vagarosamente pela estaca, arrombando seus órgãos internos. Para melhor apreciar o espetáculo, Drácula ordenava um banquete em frente às vítimas, e era um prazer para ele comer entre os lamentáveis sinais e ruídos das pessoas morrendo.
    Isso me fez voltar a imaginar como mataram meu pais.

- Você tem que ir.
- Por quê?
- Apenas vá.

    Seus olhos quase vinho estavam frios, ele estava sério, então obedeci. No caminho para casa, fiquei me questionando se falei algo errado, talvez o tivesse aborrecido com a história de Drácula. Arrisquei, não podia deixar a situação como estava, voltei ao cemitério, mas me arrependi.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Continua O:
Reviews? :3