Loucura escrita por Witch


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Bem, eu não planejava escrever a continuação, mas graças a uma certa pessoa eu escrevi.
Better now? x3



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Escuridão. Total ausência de luz. Lugar destinado a todos aqueles que fizeram o mal no mundo. Lugar de loucura. Lugar de tortura eterna. Solidão infernal.

Mas para ela... Naquele momento, era um lugar de paz e calma. Finalmente, silêncio. Por dois anos fora torturada por uma voz insistente e cruel presa na sua própria mente, mas não mais. Agora, era paz.

- Faça algo! – uma voz desesperada.

Fate não gostou daquilo. Voz era barulho e barulho era o inferno, não sua tão querida paz.

- Os batimentos estão diminuindo muito rápido! O coração vai parar!

- Façam algo! Ela está morrendo!

- Tirem ela daqui! Precisamos de sangue, mais sangue!

- Ela está entrando em choque!

- FATE-CHAN!

Calados! Calados! Por que ninguém parava de falar?! Por que ninguém respeitava o fato de que ela precisava do silêncio? Será que nenhum deles sabia daquela voz demoníaca que a atormentava? Será que não sabiam que se falassem demais ela poderia voltar?

- O coração está normalizando.

Calados.

- ótimo, temos que nos apressar.

Calados.

- Ela deu muita sorte... Mais um pouquinho e...

Calados!

- Investigadora, você vai ficar bem.

CALADOS! CALADOS! Ela queria o silêncio. A paz. A eterna escuridão. Por quê?

- Acabamos aqui. Parabéns, turma.

As vozes não cessavam. Mas tinha que cessar... Do contrário... Do contrário, Alicia também voltaria e isso não poderia acontecer. Jamais. Nunca. Alicia tinha que ficar em silêncio. Se não, se não... Precia poderia aparecer também... e só esse pensamento a enchia com um desespero tão grande que ela rezava, rezava para qualquer ser que, bom ou mau, permitisse que o silêncio continuasse... Sempre o silêncio.

Por favor, não deixe que Alicia volte. Por favor, não façam barulho. Por favor, me deixem morrer.

Como se respondendo a sua oração, as vozes pararam. Mas Fate não voltou a bela e pacifica ignorância da vida, ela não voltou a paz, não, agora ela tinha consciência da escuridão que a cercava.

Não estava mais desesperada, nem temerosa, nem mesmo lutando para entender o que houve até agora. Nada mais importava.

Mas, ela gostaria de voltar àquele estágio anterior às vozes. O pacifico não existir, não sentir, não pensar.

Malditas vozes. Maldito barulho... Maldita vida que não a deixava em paz. Não pedira para existir... Pelos deuses, ela nem sequer deveria existir, então por que era tão difícil deixar essa vida?!

Abriu os olhos. Olhou ao redor. Feliz, suspirou aliviada. Ainda estava cercada pela escuridão. Era só ela num lugar vazio e escuro. Pura e completa solidão.

- “Assim está bom, assim está perfeito.” – Iria fechar os olhos novamente e se deixar ser consumida pela massa negra que destrói tudo. Seria parte da escuridão. E pertenceria, finalmente, a algum lugar.

Mas... E o casamento?

Arregalou os olhos e levantou a cabeça. Felizmente, ninguém a encontraria por um tempo, então... Então, o casamento prosseguiria normalmente. Nanoha ficaria feliz. Sim, definitivamente feliz. Deitou a cabeça novamente. Não tinha estragado o melhor dia da vida de Nanoha, então não tinha por que se preocupar. Ninguém a procuraria tão cedo. Era como Alicia lhe dissera... Não! Não pense em Alicia! Jamais. Pare. Por favor, não pense nela. Volte a não-existência. Alicia vai voltar, não, não não, não volte!

Fechou os olhos. Não volte, Alicia. Por favor, não volte nem traga a mãe. Por favor, eu lhe imploro. Desista de lutar. Unir-se com a escuridão é bom. Não vai doer. Felicidade só serve para quem não conhece a morte.

E Fate a conhecia.

- “Eu morri”. – pensou e teve vontade de rir.

Morrer. Um verbo que não exige complemento. Uma pessoa morre e é só. Para de existir. É como se nem tivesse nascido. Uma simples palavra que faz milhões tremerem...

- Morrer não dói. Eu sei. Eu morri.

Aquela voz. Não, não não, não! Ela vai voltar. Voltar para atormentar. Não posso. Eu devo sumir. Escuridão, me devore. Una-se a mim. Vamos, me deixe desaparecer em você. Silêncio. Paz. Não-existência. Esquecimento. Solidão. Por favor, não volte.

De repente, não se sentia sozinha. Algo estava errado. Tinha mais alguém com ela?

Abriu os olhos por curiosidade e virou a cabeça para os lados. Bobagem, estava sozinha com a escuridão. Voltaria a dormir. Quem sabe poderia ter bons sonhos?

De novo a sensação. Irritada, abriu os olhos novamente e procurou ao redor. Pensou em falar, perguntando se existia alguém lá, mas calou-se. Alicia poderia ouvir. Isso não poderia acontecer, nunca, jamais. Alicia não deveria ouvi-la nunca mais.

Devia voltar a dormir. Fechar os olhos e ignorar a  sensação, mas...

- Está escuro aqui. – vozes. Voltando. Não, vão embora!

- Precisamos achá-la e rápido.

- Eu sei, eu sei. Não nos perdoaríamos se falhássemos.

- Eu não me perdoaria se falhássemos.

Calem-se! Por favor, eu lhes imploro. Calem-se!

Silêncio novamente. Mas a sensação continuava. Havia alguém lá.

Ignore. Volte a dormir. A escuridão te deseja tanto quanto você a deseja. É só se deixar levar. Deixar ser devorada. Vamos morrer.

- “Desculpe... Por minha culpa, você está aqui.”

Vozes inúteis. Calem-se! Parem de falar. Aqui não é lugar de barulho. Só silêncio. Só escuridão. Só morte. Calados!

- “Fate-chan... Volte.”

Cala... Aquela voz... Nanoha?! Por quê? Nanoha!

- “Eu quero tanto te xingar. Eu vou te dar um sermão tão grande e vou ficar com raiva de você também. Mas eu vou ficar tão aliviada.”

Gotas. Algo molhado pingando em seu rosto. Mas... Não deveria ter água aqui deveria?

Ignore. Volte a dormir.

Eu quero, eu quero, mas... É Nanoha. Não posso ouvir sua voz só mais uma vez antes de sumir?

Feche os olhos então. Escute a voz dela, mas não preste atenção nas palavras. São mentiras. Você não quer mais mentiras, quer?

Não, já tive demais.

Então, é só relaxar e se permitir sumir.

Corpo pesado. Ficava difícil deixar os olhos abertos. Vamos fechá-los só mais um pouco. Nanoha estava falando.

- “Sabia... Lindy-san está dormindo aqui do meu lado. Seus olhos estão vermelhos de tanto chorar, sabia disso? Chrono-kun chegou pela manhã e ele e Signum brigaram. Ele queria te acordar de todo o jeito. Acho que é muito para ele suportar. Agora mesmo, Amy o está tentando convencer a não envolver Investigadores nisso. Sabe, ele não acredita que você... fez aquilo... Não, ele acha que foi alguém que te obrigou. Ele chorou também.”

Lindy. Chrono. Amy. Palavras sem significado algum, mas então, por que seu coração doía?

Não, não, minha criança, durma. Seu coração não dói por que você está morta. Essas são lembranças querendo te torturar. Não deixe. Você já sofreu tanto nessa vida. Relaxa e una-se em mim pela eternidade.

“Arf não fala nada. Ela está deitada nos seus pés. É bobagem, mas ela se sente culpada e falava sem parar que devia ter ido mais cedo, ela sentia que algo estava errado, mas não foi por que confia demais em você. Hayate também. ‘Fate-chan nunca faria uma coisa dessas, ela pediria ajuda se necessário’... Mas você não pediu né, Fate-chan? Bem, Hayate-chan não está aqui. Ela saiu faz um tempo com Signum-san, Vita-chan, Rein-chan e Shamal-san. Ah, Signum-san chorou também. Mas se não fosse por ela... Você não estaria aqui, Fate-chan. Eu nunca fui mais grata a uma pessoa do que sou a Signum-san.”

A voz não vai embora. Por favor, eu não quero mais ouvir.

Ela vai, minha criança, é só ignorá-la. Vai dar tudo certo. Venha, eu vou ter absorver agora, o que acha? Vai doer um pouco, mas é melhor do que continuar nessa tortura.

Sim, qualquer coisa é melhor. Mais um pouco de dor não é nada. Eu aceito qualquer coisa, menos Alicia de volta, por favor.

Pela primeira vez desde que aquelas vozes a acordaram, Fate sentiu seu corpo. Moveu suas mãos, seus pés, inalou e sentiu o ar a preenchendo.

Venha.

Algo a envolveu e a arrastava. Mas ela não lutou. Não queria lutar. Iria ser absorvida pela escuridão. Tornar-se-ia um nada. Finalmente, paz e silêncio absolutos.

“ O casamento foi cancelado por enquanto.”

Espera. O que?!

“ Por tempo indeterminado. Eu não vou casar até que você esteja bem novamente.”

Nanoha! O que você está fazendo?! Isso não deveria acontecer.

Fate deveria morrer e só! O casamento deveria prosseguir. Nanoha e todos deveriam estar felizes. Felizes.

E eles estão... É um truque. Não caia nele, minha criança. Eu te quero tanto.

Estão felizes? Então o casamento foi um sucesso?

Sim, foi. Ninguém suspeita de você ainda, meu bem. Vamos.

O corpo ainda estava sendo arrastado quando a sensação voltou. Irritante. Vozes sumam!

“ Ne, Signum-san me disse que deve ter sido algo muito terrível para te fazer pular daquele jeito... Eu concordo. Fate-chan é tão forte. Sabe, Hayate acreditava que foi um coração partido, mas eu duvido, não é razão o suficiente é? Não, nunca será. Alguém pode ter partido seu coração, mas você sempre me terá, Fate-chan. Não duvide que eu faça de tudo por você. Somos uma só. E eu não agüentaria ter de continuar sem você. Nem mesmo Yuuno-kun me entende como você. Então, Fate-chan, se foi por isso, então eu te digo que ele não te merecia, mas se não foi, então volte e me diga. Diga para Signum-san e Arf-san. Nós vamos resolver isso. Vamos acabar  com quem quer que seja por você. Saiba disso: você é a pessoa mais especial para mim e ninguém, absolutamente ninguém, é mais importante para mim do que você. Então, volte, Fate-chan, eu lhe imploro.”

- Achei!

Era uma das vozes que ouvira mais cedo...

Sumam. Ela deve pertencer a mim.

- Não agora, nem por um bom tempo.

E então, luz. Uma luz branca brilhante e irritante. Seu corpo chocou-se contra o chão e alguém novamente o levantou.

- Vamos para casa, Fate-san.

 E nada. Um grande branco.

A primeira coisa que Fate percebeu quando abriu os olhos foi a claridade que machucava. Fechou-os novamente e lentamente os reabriu. Acostumando-se com a claridade pouco a pouco. O quarto estava bem claro e havia um passarinho bem irritante que cantava sem parar.

- “ Então... Eu estou viva?” – indagou para si mesma.

Seu corpo estava pesado e doía. Sentia sua garganta dolorida. Lambeu os lábios secos e foi só então que percebeu a máscara de oxigênio. Estava com dor de cabeça, tanta dor.

- “O que houve? Como eu sobrevivi? ”

Isso não era bom. Não mesmo. Mas...

- “Minha cabeça está doendo tanto...”

Tentou levantar uma de suas mãos, mas como era esperado, todo seu corpo ardia só de pensar em se movimentar. Ainda estava fraca.

- “Por que eu ainda estou viva?” – indagou novamente para o nada.

Virou a cabeça e olhou ao redor. Estava num quarto branco e bem arrumado. Um quarto de hospital. Fate já esteve em hospitais uma quantidade significativa de vezes, portanto mesmo que ainda meio tonta, ela sabia exatamente onde estava. Usando os cotovelos como apoio, Fate tentou se levantar, ainda temia ver um certo rosto muito familiar.

O quarto continha quatro pessoas contando com ela. Lindy dormia num pequeno sofá, estava coberta por apenas um largo casaco; Arf, na forma de um pequeno lobo vermelho, dormia na outra extremidade da cama, soltava pequenos ruídos e parecia bem perdida em seus sonhos; Já a quarta habitante estava sentada numa cadeira ao lado da cama e dormia com a parte de cima do corpo apoiada na cama. Assim como as outras duas integrantes, Nanoha parecia estar num sono pesado.

Fate pensou em fugir. Pensou sinceramente, mas a porta abrindo acabou com seus planos.

- Você acordou! – exclamou surpreso o médico. Era um homem alto e aparentava em torno dos 40 anos. Tinha olhos gentis e cansados, a barba por fazer e o cabelo bagunçado indicavam que de fato ele trabalhava sem descanso.

A paciente não respondeu. Voltou a deitar quando sentiu seus braços doendo demais. O médico se aproximou com um sorriso gentil.

- Como se sente? Você nos deu um baita susto.

Tinha vontade de responder: “Não muito bem visto que eu queria morrer e vocês me trouxeram de voltar” ou “Minha cabeça está me matando. Eu arruinei o casamento da minha amiga e sinto que fui atropelada pelo Cláudia. Como você acha que estou?” Mas no fim, ainda fraca demais, preferiu o silêncio.

- Meu nome é Dracule Sartre. Eu junto com minha equipe prestamos os primeiros socorros a você.  – respondeu o homem não se sentindo ofendido pelo silêncio de Fate.

Ela o olhou ressentida. Então, ele era o culpado por isso certo? Ele era o culpado por tudo que poderia acontecer de ali em diante.

- Você cometeu um erro. – sussurrou. – Não deveria ter feito isso.

Ele escutou e franziu as sobrancelhas.

- Está vendo essas mulheres? – apontou para Lindy e Nanoha – Elas não saíram do seu lado nem um segundo. Tivemos que pedir aos seguranças para tirar a senhorita Takamachi da sala de cirurgia. Elas não dormem direito tem dias só esperando por você acordar. Então, não, não acho que fiz nada errado. Eu deveria estar lhe dizendo isso não?

- Você não entende. – fechou os olhos. Cansada demais para continuar. – Ninguém entende. –e adormeceu.

Sartre suspirou. Mas estava feliz apesar de tudo.

Barulho. Risos de criança. Uma  mãe avisando a sua filha para tomar cuidado. Um outro riso adulto.

- Ora, Alicia, tome mais cuidado.

Fate abriu os olhos imediatamente e se sentou. Olhou ao redor perturbada.

- Não...

Estava no Jardim do Tempo e não estava sozinha...

- Fate-chan...

- Ora, Fate.

Eram Alicia e Precia, ambas com olhares maliciosos para ela.

- Não...

-Então, você sobreviveu? – era Alicia. Seus olhos brilhavam e tal brilho sempre fez Fate tremer. – Seu monstro! – gritou e começou a rir.

- Mas ela sempre foi resistente. – começou Precia – É preciso mais do que uma queda para matá-la. Eu sei disso.

As duas se entreolharam e riram.

- Não tema, minha Alicia. – continuou Precia. Seu rosto se contorcia e um imenso sorriso cruel preenchia suas faces. – Agora, eu vou lhe ensinar como enlouquecer alguém a ponto de se matar, dessa vez sem falhas.

- É mesmo, mamãe?! – exclamou Alicia sorrindo animadamente para a mãe – Vamos fazer isso juntas, né? Depois, vamos nós três sumir na escuridão.

- Claro. Afinal, nunca deveríamos ter sido separadas.

Alicia a abraçou e Precia, com uma expressão que Fate só se recordava das lembranças de Alicia, a abraçou de volta.

- Não, não. – repetia Fate. Tinha que acordar desse pesadelo. Acorda. Acorda. Acorda.

- Tem certeza de que quer acordar? – indagou Precia com aquele sorriso cruel que era seguido pelas chicotadas. – Se você abrir os olhos, nós estaremos lá.

Fate tremeu e implorava mentalmente para fazerem aquilo parar. Lembrou-se de Sartre e o amaldiçoou. “Por sua culpa elas vão voltar! Por sua culpa todo aquele inferno vai continuar! Por que não me deixou ir em paz?!”

- Ninguém mandou você sobreviver, seu clone maldito. Alicia tentou fazer você sumir pacificamente, mas eu não vou fazer o mesmo. Eu vou te torturar dia e noite.

- Não...

- Até você se matar.

- Pare...

- Eu vou fazer você ter vontade de se matar da pior maneira possível. Eu não vou te deixar dormir, nem comer, nem conversar. Vou preencher seus dias e suas noites com tanto terror que nem mesmo na sua mente você estará segura. Vou te trazer tanta dor que aquelas chicotadas irão parecer caricias. Eu vou te enlouquecer tão completamente que nem mesmo sua “família” e “amigos” vão interromper da próxima vez.  Afinal quem vai querer cuidar de uma louca suicida? A resposta é: ninguém. Nem mesmo aquela garota irritante vai querer te salvar agora vai? Ela tem coisas mais importantes agora.

Fate tinha os olhos fechados e tremia muito. Agachava-se no chão pressionando a cabeça enquanto implorava para a escuridão a levar.

- Não adianta mais. – era Alicia – nem mesmo a escuridão te salvará de nós agora. Só a morte. Morra, Fate. Levante-se e se jogue da janela se preciso, mas morra!

O ambiente mudou para uma sala que Fate conhecia bem. Precia, com o chicote na mão, gargalhava sem parar.

- Vamos brincar, Fate. Deixe a sua mãe mostrar o quanto ela te ama.

E Fate gritou.

 Quando Nanoha acordou, a primeira coisa que fez foi olhar para Fate. Ao constar que a Investigadora ainda dormia, suspirou. Por um momento, achou que Fate estaria acordada e tudo estaria bem de novo, mas...

- Bom dia, Nanoha. – Era Arf que ainda estava deitada na cama.

- Bom dia, Arf-san. Dormiu bem?

- Tive pesadelos. – respondeu abaixando as orelhas – E você?

- Eu sonhei com o passado. Lembra quando viajamos para aquelas águas termais?

Arf soltou uma gargalhada.

- Lembro sim! Hayate tirou as toalhas da Fate e da Arisa!

- Sim! Elas ficaram tão vermelhas! – respondeu Nanoha rindo – Arisa estava gritando sem parar com todo mundo, enquanto... Fate... – seus olhos se entristeceram e olhou para o corpo adormecido – Fate ficou encolhida num canto vermelha de vergonha. Eu quis bater em Hayate por causa daquilo.

Arf continuou rindo.

- Foi tão engraçado! – continuou Arf. – Ne, Nanoha, quando Fate acordar, vamos todos de novo lá?

Nanoha se virou para Arf e abriu um sorriso.

- É uma ótima idéia! Vamos sim!

- wow, que felicidade é essa? Posso participar? – era Lindy que acabava de acordar.

- Bom dia, Lindy-san!

-Bom dia, Lindy!

- Bom dia, Nanoha-chan, Arf. – forçou um sorriso. Lindy estava com uma expressão cansada.

- Nós te acordamos? Sinto muito. – começou Nanoha.

- Não, estava na hora já.- respondeu Lindy se levantando. Ainda sem calçar, andou até a cama onde acariciou os cabelos de Fate – Bom dia, Fate.

Aquilo apertou dois corações naquele quarto.

- Eu vou comprar café. – declarou Arf mudando de forma para uma criança – Um chá para Lindy e café para você também né, Nanoha?

Ambas concordaram e Arf saiu correndo do quarto. Não suportava ficar muito tempo longe, era doloroso, então iria rápido e voltaria.

O silêncio englobou o quarto. Pelas últimas semanas, Nanoha e Lindy ficaram muito tempo sozinhas, então esse silêncio não era incomodo.

- Eu sinto muito pelo seu casamento. – disse Lindy – Eu deveria ter dito isso antes...

- Não, tudo bem. É só um casamento. – respondeu Nanoha com um pequeno sorriso. – Faremos outro dia. Agora, é essencial que Fate-chan acorde e se recupere.

Lindy sorriu.

- Você é uma boa amiga, Nanoha-chan. Mas essa sua bondade pode ferir às vezes.

- huh? – indagou confusa.

- Como Yuuno-kun está reagindo?

- Ah, ele está um pouco chateado com o casamento, mas está bem preocupado com Fate-chan também. Eu sai da cerimônia um pouco... de repente. – engoliu.

Verdade seja dita, quando recebeu a mensagem de Hayate, Nanoha não pensou duas vezes em ativar Raging Heart e sair voando. Não avisara a ninguém...

- Bem, pelo menos vai me dar mais tempo de fazer um voto decente.

Nanoha não escreva seu próprio voto como ela e Yuuno prometeram. Na verdade, ela esqueceu completamente disso, muito preocupada com os treinos e com Vivio.

- E Vivio-chan?

- Ah, ela está preocupada também. Vivio admira bastante Fate-chan.

- Ela não virá?

- Eu não quero deixar. – suspirou – Parte meu coração ver Fate-chan assim, eu não quero que o mesmo aconteça com ela... Não quero que ela tenha pesadelos com o que poderia ter acontecido se Signum não tivesse agido... – parou de falar e respirou fundo.

Lindy não forçou que Nanoha continuasse. Bondade demais também machuca. Lindy não era boba, muito pelo contrário, ela sempre soube do amor e admiração que Fate sentia pela sua melhor amiga e por muito tempo, ela achou que o sentimento fosse mutuo, entretanto quando o casamento foi anunciado, Lindy teve vontade de agarrar a instrutora pelos ombros e forçá-la a ver o que Fate sentia, mas se contentou com um “parabéns” para Nanoha e pedir Fate para passar uns dias com ela. Seu pressentimento maternal, como gostava de chamar, sabia que algo estava errado com a filha há algum tempo e com aquela noticia parecia que tudo estava indo de mal a pior. Quando noticia do ocorrido com Fate chegara a ela, sinceramente, teve vontade de gritar com Nanoha e culpá-la.

“É sua culpa! Minha filha te ama e você vai casar! Ainda sim, você não a deixa em paz! É sempre “Fate-chan vamos fazer isso” ou “Fate-chan vamos passar mais tempo juntas” ou até mesmo com todos aqueles abraços e as caminhadas de mãos dadas! É sua culpa! Você a iludiu! Se ela morrer, eu vou te odiar para sempre!”

Mas se controlara. Fate não faria uma coisa dessas só por que Nanoha iria se casar. Não, tinha algo a mais nisso e ela iria descobrir! Jurava por tudo de mais sagrado que responsável por aquilo seria punido.

Não fora a única com essa intenção. Signum, no fatídico dia, empurrara Nanoha na parede e a ameaçara. “Se Testarossa morrer, eu te juro que...” Não completara a ameaça por que Hayate a ordenou parar.

Lindy sabia que Signum pensava a mesma coisa que ela. E ambas se olharam naquele terrível corredor com a mesma dor e o mesmo conhecimento.

“Fate amava Nanoha e isso a levou até o limite.”

Voltou seus olhos até a sua filha que ainda dormia.

Franziu as sobrancelhas e se aproximou de Fate.

- Nanoha-chan. Fate está tremendo.

A instrutora se levantou da cadeira rapidamente e constatou o mesmo. Fate tremia em seu sonho e suava demais.

- Parece que ela está tendo um pesadelo. – comentou Nanoha.

- Eu vou chamar o doutor Sartre. – disse Lindy e se virou.

Nenhuma das duas estava preparada para o que aconteceu depois.

Fate gritou. Um grito agoniado e dolorido. O grito de alguém que está sofrendo demais e precisa de ajuda. Um grito que assustou as duas mulheres.

Fate acordou gritando assustada e desesperada. Nanoha e Lindy mal tiveram tempo de reagir quando a loira pulou da cama e desorientada olhava ao redor com muito medo nos olhos.

- Eu tenho que ir. – balbuciava sozinha. – Elas vão vir. Não, não, não. Elas vão me torturar. Não posso deixar, eu tenho que ir. – e andava de um lado para o outro nem mesmo notando as presenças ali.

- Fate. – chamou Lindy assustada – Meu bem, calma, vamos conversar. Você acordou agora, está cansada... Venha, vamos conversar.

Fate estava com os olhos arregalados quando finalmente percebeu quem estava lá.

- Foram vocês... A culpa é de vocês! – gritou – Agora, elas vão vir atrás de mim! Elas me vão me torturar, mais! Por culpa de vocês! Eu devia ter morrido lá, mas vocês descobriram e arruinaram tudo! – passava as mãos desesperadas pelo cabelo. – Mas eu ainda tenho tempo, elas ainda não apareceram... Se eu fizer agora, talvez... Com certeza!

Antes que Fate pudesse fazer qualquer coisa, Nanoha já a tinha entre os braços.

- Não! Você não entende! – a loira se debatia, mas era impossibilitada de se libertar.

- Quem vai te torturar? – perguntava com calma. Inabalada. – Eu não vou deixar elas te machucarem.

Fate começou a rir. Uma risada de alguém que beira a loucura.

- E como vai fazer isso hein? Vai abrir minha cabeça e matá-las?!

Nanoha a afastou o suficiente para olhá-la no rosto.

- Quem?

- Elas! Elas! Você não sabe?! – estava histérica. – Eu tenho que morrer. Elas não vão me deixar em paz enquanto eu viver!

- PARA! – gritou. Lindy se assustou e Fate parou de falar e se debater.  – Você não vai morrer. Não me importa quem sejam “elas”, Fate-chan, elas não vão te tirar de mim! Te tirar de nós! Nunca mais! Nunca, me ouviu?

Fate assentiu fracamente.

- Mas elas vão voltar. Você não entende.

- Fate. – era Lindy – quem são elas? Foi por causa delas que você pulou?

- Não! Foi por causa dela, mas agora serão elas! As duas! – começou a tremer. – Elas prometeram me deixar doida e eu já sinto isso... Eu já estou louca!

- Não, você não está. – disse Nanoha – você está assustada e histérica. Acalme-se e conte para nós tudo que aconteceu. Conte quem é ela e elas. Nós vamos te ajudar.

- Não, não, você não entende.

- Então me explique. Fale comigo. Quem são elas, Fate-chan? O que elas querem?

Fate ficou em silêncio enquanto olhava ao redor. Estava ofegante e temerosa. Lindy também se aproximou.

- Elas são Alicia e Precia. – sussurrou -  e elas querem que eu morra.

- Foi por isso que você pulou? – indagou Lindy. – Precia te mandou?

Fate balançou a cabeça negativamente.

- Foi ela... Foi Alicia. Ela ficava me falando coisas, coisas ruins e terríveis. E eu não queria mais viver...

Agora era Nanoha quem tremia. Possessa, com uma raiva que nem ela sabia explicar, puxou Fate para si num abraço apertado.

- Shhh... Vai ficar tudo bem. Elas não vão te enlouquecer, eu vou te ajudar. Vai ficar bem.

Lindy não disse nada. Lágrimas silenciosas escorriam pelo seu rosto.

A situação era mais delicada do que parecia.

- Não vimos mais ninguém lá, mas se não tivéssemos intervindo... Fate provavelmente nunca mais acordaria.

- Você acha que ela se lembrará, Shamal? – indagou Hayate pensativa enquanto olhava para suas cavalheiras.

- Não, ninguém se lembra. Aqueles que acordam lutam contra aquela terrível escuridão e ganham, os que permanecem para sempre dormindo normalmente são devorados por ela. – respondeu a curandeira com os olhos abaixados.

- Então, por que estão tão tristes? – indagou Signum já não agüentando aquilo mais. Desde que Shamal e Rein voltaram, ambas, tem agido diferentes, tristes, como se houvessem falhado. – Testarossa vai acordar, não é? Então, é uma coisa boa.

Hayate assentiu. Também tinha percebido como as duas estavam agindo, aquilo a estava perturbando.

- É só que... – começou Shamal com a voz fraca – eu me pergunto se fizemos o melhor em salvar Fate-san.

Tanto Hayate quanto Signum, incrédulas, a olhavam esperando uma boa resposta para justificar tal frase.

- Deveríamos tê-la deixado morrer então?! – indagou Vita irritada – O que diabos você está dizendo?!

- Shamal, por favor, explique-se.

A médica suspirou e finalmente encarou sua mestre.

- E se ficar naquele lugar fosse o que Fate queria? E se lá, ela finalmente teria algum tipo de paz? Nós fizemos coisas muito erradas no passado,mas não temos fantasmas para nos assombrar, entretanto e se Fate tiver? E se algum lugar na mente dela, alguma coisa do seu passado a incomodasse todos os dias? E se morrer fosse a única coisa que a aliviaria do peso dado a ela por Precia e Jail?

- Está me dizendo que deveríamos deixá-la morrer por que morta ela não sentirá culpa?! – indagou Signum perdendo a calma.

- Estou dizendo que talvez ela fosse mais feliz assim! – respondeu Shamal – Eu não queria que ela morresse, nenhum de nós queria! Mas e o que Fate queria? E se a razão pela qual Fate pulou do precipício tiver voltado junto? E se a única coisa que fizemos foi alastrar o sofrimento dela? Meu deus, Signum, Nanoha vai se casar, Fate vai ser afastada do serviço! Só essas duas coisas são capazes de fazer muitas pessoas cometerem suicídio! Eu só não consigo parar de pensar que talvez fomos muito egoístas...

- Egoísta foi Testarossa que pulou daquele maldito precipício! Egoísta foi estar tão mal e ainda sim esconder tudo de nós! Somos amigos! Se Nanoha se casar, se Testarossa for afastada, não importa, nada disso importa, nós estaremos aqui e ela também! E isso é o suficiente, pelo menos deveria.

- Não discordo de você. Mas... – Shamal engoliu seco e prosseguiu – Ela não lutava contra a escuridão, talvez ela não quisesse voltar. Acontece... Será que Fate fez alguma coisa que ela realmente queria? Digo, seu nascimento, em si, foi uma coisa completamente controlada pela vontade de outra pessoa, seu treinamento, seu dispositivo, tudo! Até o fato de se tornar uma Investigadora foi conseqüência da vida que ela levou com Precia... Mas e se aquele pulo foi o que ela desejava há muito tempo e naquele dia, ela simplesmente o seguiu?

- Shamal, eu não estou entendendo aonde você quer chegar. – começou Hayate. Tanto Signum quanto Vita estavam irritadas com aquele conversa. Claro, que ela também.

- O que eu quero dizer Hayate é que talvez nós não nos comportamos muito diferente de Precia e Jail. Nós também agimos somente baseados em nossa vontade, não levando em consideração os sentimentos de Fate. O que eu quero dizer é que por isso, talvez, Fate nunca mais vá ser a mesma. O que nós trouxemos de volta pode ser simplesmente uma parte destruída da alma dela.

- Eu não quero mais ouvir isso. – declarou Signum saindo do aposento. Vita a seguiu.

- Shamal...

-Eu avisei que talvez não funcionasse, mas Nanoha foi bem persuasiva. Só que Hayate, não levamos em consideração se ela queria voltar. Se ela de fato não queria, então eu não sei o que trouxemos de volta. Talvez, essa ação vá trazer mais dor a Lindy-san, a Nanoha-chan e a nós, pois vamos ter o corpo de Fate vivo, mas a mente dela pode não ser a mesma.

- Você está dizendo que...

- Fate pode ter enlouquecido. Sim.  É o que eu estou tentando dizer. – os olhos de Shamal expressavam dor – Você entende agora, Hayate-chan? A Fate que conhecíamos pode não existir mais.

Hayate sentou na cadeira. Sua expressão pensativa.

- Você avisou que poderia dar errado, mas nós seguimos isso mesmo assim. Nanoha... Nanoha sabe disso?

- Eu tentei avisar, mas ela foi bem clara quando disse que era para fazer o que quer que fosse, contanto que trouxesse Fate de volta. Não importando o que.

- Nanoha-chan... – Hayate passou a mão em seus cabelos castanhos. Os olhos perturbados.

Por coincidência ou não, Rein interrompeu a conversa informando que Raging Heart estava solicitando uma chamada. Rein Zwei estivera em silêncio durante toda a conversa, mas pensava como Shamal, embora seu coração estivesse com Signum e Vita, sua mente concordava com a médica. Talvez o estrago tivesse sido feito muito profundamente e por muito tempo.

- Hayate-chan? – a tela com o rosto de Nanoha surgiu.

- Nanoha-chan! – exclamou Hayate tentando parecer bem. – Tudo bem? Aconteceu algo? Você está tão pálida e seus olhos...

Desde que Fate pulara, Nanoha passou por quase uma deterioração. O rosto estava muito pálido e abatido, e a tristeza que expressava seus olhos azuis era de partir corações.

- Fate-chan acordou.

Shamal e Rein foram para o lado de Hayate e encararam a instrutora.

- S-sério?! – exclamou Hayate com os olhos muito arregalados quase em lágrimas. – Como ela está? Fate-chan...

Nanoha hesitou e por um momento pareceu que iria começar a chorar, mas a japonesa se controlou.

- Ela não está muito bem, Hayate-chan. Fate-chan está delirando e vendo coisas. Ela acredita que Precia e Alicia a estão perseguindo. A situação não está boa. Nem um pouco.

- Ela está acordada? – perguntou Shamal.

- Não. Está dormindo novamente. Lindy-san a está observando.

Rein olhou para Hayate que olhava para Nanoha. Ficara tão pálida quanto a instrutora.

- Ela perdeu a sanidade então? – indagou Hayate olhando para Shamal – É isso?

- Eu não sei. – respondeu Shamal – Mas pode ser que sim. Eu tenho que conversar com ela antes de qualquer coisa. – olhou para a instrutora - Nanoha-chan, estamos indo. Não saia de perto de Fate-chan.

Nanoha sorriu.

- Você acha mesmo que alguém conseguiria me tirar daqui agora?

E a tela sumiu.

- Bondade demais também é cruel. – comentou Signum da porta.

As outras três integrantes se voltaram para a espadachim.

- Signum! – exclamou Rein – Está ai há quanto tempo?

- Um pouco antes de Nanoha ligar. – disse Signum. – Então, acho melhor irmos. Vita está nos esperando.

Shamal assentiu e junto com Rein saíram da sala correndo. Hayate se levantou da cadeira e foi para perto da espadachim.

- Bondade demais é cruel, né? – repetiu.

- Ah... Sim. – respondeu.

- Ne, Signum... Acha que o melhor seria afastar Nanoha-chan por enquanto?

Sigum arregalou os olhos. Surpresa demais para responder.

- Eu acho que poderia ser a melhor ou pior coisa a se fazer. Talvez, Fate-chan não precise de alguém que a lembre o tempo todo do passado... Nem de Precia, nem do casamento...

- Mas...

- Mas, é Nanoha. Consegue pensar em quem Fate mais precisa num momento assim? Afastar Nanoha-chan não seria a pior coisa que poderíamos fazer? Não atrapalharia ainda mais Fate-chan ou será que ajudaria a superar tudo até agora?

- Talvez, deveríamos expor isso para Lindy-san e Nanoha. Melhor do que tomar uma decisão impensada.

Hayate riu.

- Com Nanoha-chan? Ela nunca aceitaria ficar longe de Fate numa situação assim. Não importa o que. Nós duas sabemos disso.

- Ah... Eu não consigo entender, então por que...

- Nem eu. Nem eu. – respondeu e também saiu da sala.

- Acorda, Fate.

Escutava aquela voz a incomodando bem perto do seu ouvido.

- Fate, vamos, acorde.

Era um sussurro, mas soava tão alto para Fate. Algo em sua mente insistia para que ela acordasse logo e que não deveria deixar aquela pessoa esperando, pois coisas ruins podiam acontecer. Mas seu corpo estava tão pesado...

- FATE!

Olhos vermelhos abriram assustados. Uma dor aguda percorreu seu corpo e ela gemeu. Olhou ao redor temerosa, quem tinha lhe chamado?

- Ah, até que enfim!

Olhos cinza vazios e cruéis. Longos cabelos negros. Era Precia. Fate tremeu. Queria sair correndo, queria gritar... Nanoha! Mãe! Arf! Alguém! Mas o quarto estava vazio sem nenhum sinal de vida.

- Oh, você está procurando alguém? Não há ninguém aqui há muito tempo...

- Mãe... – chamou. Fraca.

- Você está me chamando ou a Lindy Harlaown?

Fate sentiu seus olhos se enchendo de lágrimas. Por quê? Por quê? POR QUÊ?!

-Se for Lindy, ela está com a família em casa. Eles estão tendo um grande almoço para comemorar a volta de Chrono.

Mas, Lindy estivera ali mais cedo não? Quando Fate acordara, ela estava lá!

- Mentira. Você não acordou antes de agora, Fate e não há ninguém aqui.

- Eu vi...

Precia abriu um largo sorriso cruel.

- Eu fiz isso. Eu os fiz aparecer. São ilusões.

- Por quê?

- Para te enlouquecer, claro. – respondeu se aproximando ainda mais da cama. Debruçou-se sobre o corpo na cama, apoiou seus braços de cada lado da cabeça de Fate e começou a sussurrar. – Você não vai mais distinguir entre o real e o imaginário. Nunca mais. Eu posso fazer Nanoha abrir aquela porta agora, mas nada te garante que seja a verdadeira. Eu posso fazê-la te dizer coisas terríveis ou doces, e depois fazer amor com o noivo na sua frente... Bem vinda ao inferno, eu domino esse lugar.

Fate começou a se debater. Tinha que escapar! Precisava correr o mais rápido possível.

Gargalhando, Precia sumiu. Mas Fate não se acalmou, pelo contrário. Arrancou a máscara de oxigênio e com dificuldade se levantou. Olhou ao redor constatando que estava sozinha e com a decisão tomada se levantou. Seus músculos ardiam, mas a adrenalina já tinha começado a correr em suas veias. Puxou os cabos de soro e medicamentos.

- Eu tenho que fugir. – sussurrou para si mesma.

Estava sozinha. Demoraria até alguém voltar. Tinha que demorar.

Os ferimentos de Fate, em sua maioria, foram leves. Os graves foram em sua cabeça, que no momento estava enfaixada depois de uma complicada cirurgia para parar sua hemorragia, algumas costelas quebradas que perfuraram de leve os pulmões e claro, uma perna quebrada, que graças a magia e tecnologia, se encontrava praticamente curada.

- Fugir ou morrer. Eis a questão.

Fate parou um pouco antes da porta e soltou um gemido.

Não, tudo menos isso. Ela de novo não, não, não, não. Virou-se com cuidado e sentada na cadeira, que em seus sonhos pertencia a Nanoha, estava Alicia com seu sorriso cruel. Fate sentiu vontade de chorar.

- Quase, hein, clone. – começou Alicia – Quase escapa completamente de nós. Mas, a vida é cruel, não é? Parece que enquanto a minha vida foi tão fácil de ser tirada de mim, a sua, ao contrário, parece presa aqui. Deve ser por que você tem a minha vida colada a sua. Até disso você se aproveita, seu monstro.

- Calma, Alicia. Tudo ao seu tempo. Ela roubou a minha vida também, não é? – Precia tinha reaparecido atrás de Alicia. – Um clone que mata a própria mãe. Que tipo deturpado de ser é você?

Fate desesperou-se. Agarrou a maçaneta e girou rapidamente. Saiu do quarto correndo o máximo que seu corpo detonado conseguia. Mancava muito, mas isso não importava. Tinha que fugir. Vou fugir. Eu tenho!

No fim do corredor estava Nanoha e Yuuno. Nenhum deles tinha percebido a presença dela.

- Isso é bom. – sussurrou. Se as ilusões de Precia não a tinha notado, quer dizer que eles não a tentariam parar. Ela poderia fugir.

Mas, ainda sim doía. Yuuno sussurrou algo e abraçou Nanoha que chorava silenciosamente. Os dois abraçados no corredor.

- Que cena romântica! – ouviu a voz de Alicia a alcançando.

- Eu sempre soube que eles se dariam bem. – era Precia – Afinal, ambos são seres normais. Não abominações.

- CALADAS! – gritou e apressou-se mais. As ilusões estavam tão perto.

Imediatamente, Nanoha abriu os olhos e se desvencilhou de Yuuno. Seus olhos se arregalaram a ver uma Fate enfaixada mancando pelo corredor.

- Fate-chan?!

Fate não parou. Eles a capturariam e a levaria de volta  a Precia! Não, não! Eles fariam todas aquelas coisas que Precia tinha dito e Fate não conseguiria ver. Parem com isso!

- Não chegue perto de mim! – gritou parando.

Yuuno também se aproximou. Assustado. É, isso, fique assustado comigo.

Mais funcionário do hospital se aproximaram.

- Não se aproximem. – gritou novamente. – Vocês não vão me levar de volta para ela!

- Fate-chan! – chamou Nanoha novamente ficando desesperada.

Fate tremia e olhava ao redor como um animal acuado. Seus olhos vermelhos moviam-se sem parar procurando um jeito de escapar e não tinha um pingo de reconhecimento neles. Como se Fate não soubessem com quem ela estava gritando.

- Você não tem onde fugir. – era Alicia. – Você não pode escapar de nós. Afinal...

- Eu roubei sua vida, eu sei! – exclamou olhando para um ponto perto da janela.

Nanoha e Yuuno olharam para o mesmo lugar e não viam nada.

- Se eu fugir, eu vou morrer. Não é isso que você quer? – continuava a falar com Alicia – Me prender aqui faz te fazer que bem? Vamos ficar quites, certo?

- Você roubou nossas vidas e nos traiu. – era Precia em pé atrás de Alicia – como podemos acreditar que você vai se matar?

- Eu já tentei isso antes, não é? – indagou. Tremia demais e estava se sentindo tonta. – Eu posso tentar de novo. Não vou falhar dessa vez, eu prometo, mas me deixem em paz.

- Nunca. – responderam as duas.

De repente, tudo ficou negro.

- Outro ataque? – indagou Lindy quando voltou ao quarto.

Fate estava sedada e dormia profundamente. Arf estava deitada na cama e a olhava com muita tristeza.

- Sim. Ela fugiu do quarto. – começou Nanoha. Seus olhos estavam vermelhos. Seu coração ardia tanto, tanto.

Hayate estava sentada no pequeno sofá ao lado de Vita. Tinham chegado a pouco tempo, mas pela comoção de médicos e enfermeiros, elas sabiam que algo tinha dado errado.

- E como você não a viu se levantando? – indagou Signum que estava encostada na parede perto da porta. Seus olhos frios faiscavam quando olhavam Nanoha.

- Eu tinha saído do quarto só por uns minutos. Yuuno-kun tinha chegado e eu...

Um barulho forte. Signum tinha socado a parede.

- Shamal disse para não deixá-la sozinha, não disse?! Podia ter conversado com ele aqui dentro! – não gritava, mas seu tom era duro e áspero.

- Eu não queria acordar Fate-chan. – respondeu a Instrutora cansada da hostilidade para com ela. – Eu tenho outras... – parou de falar.

Todos a olharam.

- Tem outras coisas para fazer? – continuou Signum. – Ninguém disse o contrário. Você está certa. Tem os novatos, Vivio e seu noivo, então o melhor seria deixar quem não tem “outras coisas” para cuidar de Testarossa, não acha? Se não pode fazer algo, então seja sincera! E se ela tivesse conseguido escapar?

- Eu não estava longe. – continuou Nanoha se irritando muito. – Eu nunca ficaria longe desse quarto por muito tempo. E você tem razão, eu tenho outras coisas, mas é meu dever cuidar dela. Eu quem devo olhar por Fate-chan.

- Por que ela fez o mesmo por você? – indagou Signum – Não faça isso. Acha que Testarossa vai gostar de saber que você abriu mão da sua preciosa família para ficar com ela?

- Fate-chan faz parte da minha família.

- Não mais, Nanoha! Não mais! A partir do momento em que você aceitou casar, Testarossa virou uma amiga, só isso. Você faz parte de outra família agora e deveria agir como tal.

- Qual é o seu problema?! – Nanoha aumentou a voz. – Você tem agido comigo assim há meses, mas agora, desde que Fate-chan... – hesitou e engoliu seco – ... tem ficado pior. O que houve Signum-san?

- É que eu odeio a forma como você a machuca e nos machuca por sua bondade. – respondeu – se você prestasse um pouco mais de atenção ao seu redor, tudo ficaria claro, mas você insiste em se deixar na ignorância e eu odeio isso.

- Acho que isso está indo longe demais. – interrompeu Lindy.

- Concordo. Ninguém merece essa atmosfera tensa. Isso não vai ajudar Fate-chan! – disse Hayate olhando as duas.

Signum respirou fundo e fechou os olhos, mas Nanoha continuou a encará-la.

- O que foi, Signum-san? Tem algo que queira me falar, não é?  Todos querem, mas só você faria isso.

- Nanoha, é melhor deixar isso para lá. – começou Yuuno – Todos estamos estressados pelo que houve. Brigar não vai ajudar Fate, muito pelo contrário.

- Não, eu quero saber e quero saber agora. Eu nunca machuquei Fate-chan. Eu não conseguiria viver comigo mesma.

- Então, sinto dizer, você já machucou muitas vezes.

- Signum! – Hayate a interrompeu.

- Deixe. – disse Vita. – Nanoha é minha amiga, mas Signum tem razão dessa vez.

- O que eu fiz de tão terrível?

- Você é uma das responsáveis por ela está assim.

Silêncio. Nem Hayate achava voz para repreender sua espadachim. Essa afirmação de Signum era o que todos pensavam. Talvez, Nanoha não fosse a única razão, mas era sem dúvida uma das principais.

- O que está dizendo? – sussurrou Nanoha com a voz fraca

O olhar de incredulidade quase fez Signum recuar. Quase.

- Testarossa é apaixonada com você. Sempre foi. Ela te ama provavelmente mais do que a própria vida. E você vai casar. Não é preciso ser um gênio para fazer as contas.

Nanoha não respondeu. Olhava para Signum com um olhar perdido e confuso.

- Signum-san. – Era Yuuno sério – Você não tem o direito de sair culpando as pessoas. Fate é forte, ela não faria isso só por causa do casamento, sem dúvidas. Se acha isso, é por que não a conhece! Ela faria de tudo para a felicidade de Nanoha e todos sabemos disso. Culpar Nanoha é golpe sujo!

Silêncio. Lindy queria falar algo, queria defender Nanoha ou acusá-la, mas não conseguia. Seu coração de mãe lutava contra o que ela sabia tão bem. E ela se sentia um monstro por isso.

- Você sabia? – indagou Nanoha para ninguém em particular. – Todo mundo sabia?

- Claro. Não me diga que você não!

- Signum! – exclamou Hayate. Assim como Lindy, ela queria mandar Signum parar. – Parem. Agora. Isso é doloroso demais.

- Eu sabia. – respondeu Nanoha ignorando Hayate. – Eu sempre soube.

- Então, por quê? – continuou Signum ignorando os outros presentes.

- Por que doeria demais tentar e perdê-la.

Pronto. Dito. A verdade finalmente.

Yuuno respirou fundo. Ele já sabia. Sempre soube. Nanoha lhe contara várias vezes.

- “ Eu aceito me casar com você, Yuuno-kun, mas você tem certeza de que quer isso? Você sabe que eu nunca amarei ninguém como amo Fate-chan.”

E ele dissera sim. Por que com o tempo e a convivência, Nanoha poderia mudar de ideia. Com o tempo e a distância, Fate poderia conhecer outra pessoa. No fim, tudo daria certo. Era só uma questão de paciência e Yuuno era muito paciente.

- Covarde. – declarou a espadachim e saiu do quarto. Precisava esfriar a cabeça.

- É, eu sei... – respondeu Nanoha e sem falar mais nada com ninguém, foi andando calmamente até a cadeira ao lado da cama, onde se sentou e ficou a velar o sono de Fate.

Os outros presentes se olharam. Vita não falou nada, mas se aproximou de Nanoha e juntas ficaram a olhar a paciente. Lindy sentou-se no sofá e fechou os olhos por algum tempo, não teria ido tomar banho se soubesse de todo esse problema. Hayate suspirou e foi atrás de Signum. Já Yuuno... Bem, ele se escorou na parede e ficou a olhar Nanoha e Vita.

- Shh... Você vai acordá-la, Alicia. – aquela voz...

- Awn, sinto muito, Linith. – respondeu Alicia rindo.

Linith. Gentil Linith. Sua mestra. A criadora de Bardiche. A familiar de Precia que desaparecera anos atrás, que a deixara sozinha para suportar tudo aquilo, a mulher que sabia do futuro de loucura que cairia sobre Fate e ainda sim, a iludiu com amor.

Não sabia se a odiava ou se a amava. Talvez ambas as coisas.

- Ah, Fate! – era Linith novamente com um grande sorriso.

- Linith. – tinha aberto os olhos e examinava o seu redor. – Mas o que?!

Estavam na escuridão. Ela, Linith e Alicia. Fate se levantou imediatamente e se afastou das duas.

- O que foi, Fate? – era a familiar mais velha – achei que ficaria feliz de me ver. Você sonhou tanto com o momento que eu retornaria.

- Você não é Linith. Não pode ser.

- Eu sou. – a familiar sorriu. – Mas eu não quero te prender aqui. Abra os olhos e eu prometo que assim como sua mãe e Alicia-chan, eu também estarei lá.

- NÃO! – gritou. Tinha realmente enlouquecido não é? – Elas querem me enlouquecer, Linith. Elas querem que eu me mate! Você também quer isso? Por favor, não.

- Shh... Eu estou aqui. – Linith tinha se aproximado e acariciava o rosto de Fate. – Elas fazem isso por que te amam.

- Quem ama não enlouquece outras pessoas!

- Quem ama não casa com outras pessoas, não é mesmo?

Nanoha iria se casar. Nanoha não a amava. Queria chorar.

- Eu sei que dói, mas vai passar. Fate, na loucura, na morte, na escuridão, esses são os únicos lugares, as únicas circunstâncias que nos permitirão ficar juntas. Se você morrer, nós juntos com Alicia podemos fazer sua mãe voltar ao que era. Não seria bom? Eu, você, Precia e Alicia. Uma grande família feliz. Não quer isso, Fate? Ser uma família junto a nós? Não é isso que você sempre sonhou?

- Sim, sim, mas...

- Ainda tem dúvidas? Meu amor, nós entendemos sua dor e te queremos aqui, com a gente. Mas eles? – soltou um riso – eles só querem te prender num mundo cheio de desilusões e dor. O que eles esperavam, meu bem? Que você fosse lá sorrindo? Ninguém é tão forte assim. Você, que ostenta tanta dor, muito menos. Eles vão te deixar, Fate. E nós, te queremos de volta.

- Linith...

- Nós te amamos, Fate. Venha para nós.

- Sim!

Abriu os olhos. O quarto estava escuro.

- “Deve ser de noite...” – pensou Fate enquanto olhava para os lados. Tentou engolir, mas sua garganta estava tão seca que ardia. Seu corpo estava pesado e dolorido. Tentou se lembrar de algo e imagens picadas surgiam em sua cabeça. Tentou mover as pernas... Mas estava difícil, doíam tanto.

- Fate? – indagou Arf se aproximando do rosto de sua criadora.

- A..Arf? – indagou olhando sua familiar pela primeira vez desde que tudo aquilo ocorrera.

- FATE!- Exclamou e se aninhou ao rosto de Fate, seus olhos cheios de lágrimas.

Logo, um par de preocupados e aliviados olhos azuis surgiram do nada e inundaram a visão de Fate.

- Fate-chan... – veio o sussurro aliviado, seguido de um imenso sorriso e lágrimas. – Que bom!

Desde que Fate acordara, essa foi a primeira vez que Nanoha viu lucidez e reconhecimento naqueles gentis e confusos olhos vermelhos. A instrutora rezava para que tudo aquilo ficasse no passado definitivamente.

- Fate! – a terceira integrante assim como Nanoha chorara e a abraçara meio desconfortável.

- Lindy... oka-san. – sussurrou Fate e tentou sorrir.

Claro que Nanoha não deixara passar o fato de que foi a única que não foi chamada pelo nome por Fate. Mas não importava, não agora, Fate estava bem e lúcida!

--

Fate parecia não se lembrar dos seus “ataques”. Ainda estava fraca e o seu sorriso era frouxo. Respirava com dificuldade e sua voz, sempre suave, saia como sussurros. Mas não importava, não para Nanoha. Fate estava bem, estava viva e lúcida, então nada importa. Não mais.

Ainda sim, uma certa tensão pairava no ar. A pergunta querendo ser feita.Todos estavam temerosos e incertos, sem saber o que aconteceria agora. Tudo aquilo ficaria definitivamente no passado ou tinham que ficar alertas para qualquer recaída? Fate estava realmente sã?

 Por duas semanas foi somente felicidade. Ninguém tocava no assunto principal e Fate foi melhorando pouco a pouco. Signum ficava sempre de olho, procurando por algum sinal de possível recaída, de que talvez Fate estivesse fingindo e algo não estava certo, definitivamente não estava certo.

Até que tudo pareceu cair com um comentário.

- Acho que já podemos remarcar o casamento, certo? – sussurrou Yuuno. Ele não queria que ninguém ouvisse.

O quarto de Fate estava cheio. Shamal instruía Lindy como prosseguir com certos medicamentos; Hayate estava sentada na cama com Arf e Vivio que enchia Fate de perguntas. Signum estava na porta tomando um refresco e Vita estava sentada no sofá entediada.  Yuuno tinha acabado de chegar e Nanoha foi recebê-lo.

Ele entrou tranquilamente e desejou melhoras a Fate com um sorriso sincero. Fate respondeu o gesto com a mesma sinceridade. Outros na sala só olhavam apreensivos.

- O que? Yuuno-kun, isso não é hora de falar em casamento. – respondeu Nanoha se irritando. O rapaz a tinha arrastado para um canto.

A voz de Nanoha foi um pouco mais alta do que ela pretendia e toda sala se calou. O casal se virou e encarou a todos. Signum estava irritada; Vivio ficou emburrada, enquanto Lindy e Arf olharam apressadamente para Fate; Hayate encolheu e se viu sem palavras. Shamal se calou e olhou para Nanoha balançando a cabeça negativamente.

- Casamento? – indagou Fate abrindo um grande sorriso. – Deve ser tão lindo! Eu não me importaria de ir.

Todos os olhos foram para a paciente. Até Vita a olhou assustada.

- Fate-chan? – indagou Hayate insegura. Seria mentira?

- huh? – indagou Fate de volta ainda sorrindo animadamente. – Eu fui em poucos casamentos na minha vida, mas sempre os achei tão lindos.- voltou seus olhos brilhantes para Nanoha – Você deve ficar tão linda no vestido de casamento e Yuuno tão cavalheiro. Seria o casal perfeito!

Yuuno não acreditava em seus ouvidos. Fate só poderia estar mentindo, usando uma máscara de felicidade para encobrir sua tristeza, mas... Ela parecia tão sincera.

Nanoha não disse nada, só olhava Fate com os olhos vazios.

- Fate-mama, - chamou Vivio quebrando o silêncio terrível do quarto. Fate a olhou reprovando.

- Vivio, o que eu disse sobre o “mama”? – suspirou – Já conversamos sobre isso.

Vivio encolheu os ombros e mudou a forma de tratamento, mas as palavras saiam amargas de sua boca.

- Fate-san.

A investigadora pareceu melhor e sorriu orgulhosa. Ela ignorava o silêncio terrível dos outros e até a tristeza nos olhos da menina que ela criou como sua própria filha.

- Sim?

- Mas, você não queria ir ao casamento. – disse Vivio com cuidado.

- Ah? – parecia confusa – Acho que deve ter confundido, Vivio. Por que eu não iria querer ir ao casamento de Nanoha? Ela é minha melhor amiga, eu nunca perderia o dia mais importante da vida dela!

- Fate. – interrompeu Signum lívida – Você sabe por que está aqui?

- huum...- pensou – A minha missão no armazém deu errado não? – piscou confusa – Agora que você disse... A minha memória está estranha.

Shamal respirou fundo percebendo o que houve.

- Mas não importa. – sorriu novamente – Em todo caso, deveriam remarcar o casamento! Eu logo sairei daqui e eu vou poder ir! – empolgada. – Ne, Nanoha, eu posso ajudar com o vestido?

A instrutora nem sequer respondeu, virou e saiu do quarto, sem responder a ninguém.

- Eu disse algo errado? – indagou para Hayate.

--

Nanoha não parou de andar mesmo com Hayate a gritando. Não queria parar de andar, se possível gostaria de sumir.

- Nanoha! – gritou Hayate finalmente a alcançando e agarrando seu ante-braço.

A instrutora parou de andar, mas seu corpo termia.

- Nanoha. – sussurrou de novo.

Não houve respostas, mas o corpo de Nanoha começou a tremer mais.

- Vamos lá, olhe para mim... Não é tão ruim assim.

Nanoha se virou. Lágrimas escorrendo por seu rosto sem parar.

- Ela me odeia? – indagou Nanoha entre soluços.

Hayate suspirou. Era tão mais complexo do que isso.

- Quando falamos para Shamal fazer o possível para trazer Fate de volta, lembra que ignoramos os avisos dela? – parou um pouco – Talvez deveríamos sentar não?

- Hayate, o que houve? Vocês sabiam que isso iria acontecer?

Suspirou novamente.

- Shamal disse que, na melhor das hipóteses, ela iria perder a memória de algumas coisas.

 - E na pior?

- Ela perderia a sanidade. Quando ela teve aqueles ataques, achamos que era esse o caso, mas felizmente erramos.

- Então, ela só esqueceu de mim?

Hayate encolheu os ombros, incomodada, e largou Nanoha.

- Não, ela se lembra de você, Fate-chan só não se lembra mais da forma que ela te amava.

- E isso é bom?! – exclamou.

- Sim, para Fate-chan é. Nanoha-chan, você vai se casar, lembra?

--

- Fate.. – ouviu os sussurros.

Abriu os olhos com dificuldade. Estava tudo escuro. Levantou-se da cama e olhou ao redor. Satisfeita, sorriu, estava sozinha, finalmente, em semanas. Sem nenhum dos olhos desconfiados sob ela.

- Linith.

A familiar sorriu.

- Você demorou a acordar.  – comentou com a expressão preocupada.

Fate  ignorou o comentário.

- Onde estão Alicia e... – hesitou – minha mãe?

Linith sorriu gentilmente.

- Estão vindo. – sentou-se na cama – Como se sente, minha criança?

- Melhor. – sorriu – Logo, tudo vai dar certo. O casamento foi remarcado ontem. Será daqui a duas semanas. Peça para minha mãe e Alicia agüentarem só mais um pouco.

- Temos paciência, embora preferíssemos que você ficasse conosco mais do que fica com eles. – olhos tristes – Sentimos sua falta, Fate.

- Eu sinto falta de vocês também, Linith! – exclamou Fate se entristecendo. Levou uma das mãos ao coração que doía com o olhar triste da familiar que por um tempo foi a única família que já conheceu – Eu não agüento mais mentir. Falar que estou bem quando não estou, que não vejo mais vocês quando eu vejo, sorrir para Nanoha sendo que eu quero chorar. Com vocês, eu posso ser eu mesmo não é? Eu posso ser a Fate assustada e perdida ao invés da filha responsável e obediente. Eu quero ir com vocês, agora se eu pudesse, mas se eu levantar... As enfermeiras e os médicos me olham como se eu fosse louca. – deu um sorriso insano – De certa forma, eu sou louca.

- Vai ser no dia do casamento novamente?

- Sim, sim, só que dessa vez eu irei ao casamento. – riu do rosto confuso de Linith – Foi ideia da minha mãe. Veja, eu tecnicamente irei. Trocarei de roupa, me arrumarei toda e estarei ao lado de Nanoha quando ela se tornar esposa do Yuuno-kun. Depois terá uma festa. E eu irei sumir nessa festa. Pegarei meu carro e... – riu – quem sabe o que vai acontecer?

- Huum, é uma boa ideia. Signum não vai suspeitar? – indagou Linith – Ou Arf ou até mesmo Nanoha?

Fate abriu um imenso sorriso.

- Signum pode até ficar de olho em mim, maaaas – ficou animada – Carim e Hayate quando bebem ficam terríveis, ela com certeza vai ficar de olho em sua mestra. Quanto a Arf, ela vai ser a responsável por olhar os gêmeos e isso a distrai até demais. Já Nanoha...

- Ela vai ser a noiva. – disse Linith entendendo. – Mesmo que ela perceba algo errado, ela não terá como te impedir. Nenhum deles terá, pois de tão distraídos só perceberão tarde demais.

- Exato! Minha mãe é um gênio!

Toques na porta.

A expressão de Linith mudou completamente, ela lembrava Precia na verdade. Cruel e furiosa.

- Pode entrar. – disse Fate olhando a expressão sombria no rosto da familiar. Sempre que eram interrompidas, Linith ficava com essa expressão terrível, depois se levantava e ficava um tempo no quanto do quarto, depois sumia.

- Fate-ma... Fate-san?

Era Vivio. Entrava timidamente no quarto com a mochila escolar. Olhava para o chão. Estava nervosa.

- O que foi, Vivio? Sua mãe sabe que está aqui?

Vivio tremeu, ainda não acostumada a ser tratada desse jeito por Fate. Não que a investigadora a tratasse mal, mas era tão diferente da “Fate-mama” que ela conheceu e amava.

- Desculpe interromper. – começou Vivio – e não, mama não sabe que estou aqui.

- Ora, então deveria avisá-la.

- Ela está com Yuuno-kun e eu queria ficar com você um pouquinho. Eu vou avisá-la, prometo.

Fate suspirou. A outra parte do plano era se distanciar de todos para que ninguém tentasse impedi-la novamente. Fingir se esquecer do que sentia por Nanoha tinha funcionado para afastá-la, então um a menos.

Agora tinha que cuidar de Vivio. Quando a pediu para parar de chamá-la de “mama”, a garotinha tinha ficado tão triste que Fate pensou em retirar aquilo, em abraçá-la e esquecer de tudo, mas o olhar fixo de Alicia a fez permanecer firme em sua resolução.

- Tudo bem. Está voltando da escola?

- Sim. – assentiu – mas eu estou com dificuldades em algumas matérias. Você me ajudaria?

Ah, como dizer não para aqueles esperançosos olhos verdes e vermelhos? Como?

- Ah, Yuuno-kun é muito melhor nisso do que eu. – respondeu Fate – Seria uma boa ideia para você conectarem não é? Afinal, em alguns dias, ele será seu papa.

- Ele será o marido da minha mãe. – respondeu Vivio seriamente – Eu gosto mesmo do Yuuno, mas eu não consigo vê-lo como algo mais do que um tio.

- Entendo, isso vai levar um tempo, mas você vai se acostumar com a ideia. Logo, logo, ele será Yuuno-papa.

As palavras saíam amargas de sua boca. Como se tivesse comido cinzas...

- Podemos não falar sobre isso? – pediu Vivio.

- Claro! Desculpe, vamos ver, no que você tem dificuldade?

Vivio tirou o caderno e alguns livros da mochila e a tarde mais tranqüila de ambas, desde que Nanoha e Yuuno começaram a namorar, aconteceu.

Já começara a anoitecer quando Raging Heart entrou em contato com Vivio e Nanoha a mandara embora.

- Desculpe, Fate-chan, você precisava descansar. – disse Nanoha se sentindo culpada.

- Não tem problema. Eu gostei do dia.

- Mesmo assim, Vivio. – continuou a instrutora – Vá até Yuuno-kun da próxima vez, não incomode tanto Fate-chan, ela precisa de calma.

A garota reclamou e prometeu pensar em procurar Yuuno depois.

- Vivio, me faça um favor.

Vivo não gostou do tom, mas fechou a mochila e olhou para Fate.

 - Suporte mais a sua mãe com relação ao Yuuno-kun. Passe mais tempo com ele, ela vai adorar.

- Mas...

- Me prometa? Depois do casamento, eu vou te levar onde quiser, mas até então, passe um tempo maior com eles, está bom?

Relutante, a garota concordou.

Durante alguns dias, Fate esteve na companhia de Lindy e Arf, até que finalmente recebeu alta. Três dias antes do casamento. Falava com Nanoha e Vivo só às vezes pelo monitor, e as visitas das amigas estavam mais esporádicas. Todos concordaram em dar espaço a Fate, mas a contatando sempre para mostrarem que se importavam.

As visitas de Precia, Alicia e Linith ficaram mais freqüentes. As três elaborando formas e criando mentiras para Fate contar. Cada uma elaborando como  será o inferno com as quatro lá.

Fate já não tentava lutar. Sentia-se uma intrusa e estrangeira quando estava com todas aquelas pessoas, nenhuma delas entendia o que passava em sua mente. Ninguém entendia a pressão que sentia da sua família para se matar logo, não era algo fácil! Manter expectativas não é uma coisa fácil, será que ninguém  entendia?!

Sentia falta como nunca da escuridão e todas as vezes que fechava os olhos, rezava para qualquer poder além do seu para não acordar, para ser acolhida naquela escuridão e desaparecer. Estava cansada de absolutamente tudo, nem sequer sentia-se triste quando lembrava do casamento.

Tentava se controlar para não gritar e pular pela janela quando ficava sozinha com Precia e/ou Alicia, só Linith a acalmava o suficiente para não destruir sua atuação em frente a Lindy e Arf. Só Linith.

- Fate. – chamou Lindy – É Nanoha-chan.

Fate sentiu seu coração doer. Precia sorriu malignamente enquanto Alicia continuou com aquele sorriso inocente, Linith acariciou seu cabelo.

- Vai dar certo. Estamos quase lá, agüente só mais um pouco. Só mais dois dias para ficarmos juntas.

Fate concordou. Sua cabeça doía e seu coração também. Não tinha ficado sozinha com Nanoha nenhuma vez desde que acordara, essa seria a primeira vez. Maldição.

- Fate-chan. – chamou Nanoha entrando no quarto.

A investigadora tremeu quando ouviu a risada de Precia.

- Nanoha! – exclamou. Forçava um sorriso. – Como vai? Ansiosa?

A instrutora não estava bem. Nanoha estava pálida e com a aparência cansada, como se não dormisse há dias, mas assim como Fate forçava um sorriso.

- Estou cansada. Os preparativos para o casamento estão me sugando demais. – forçou um riso.

- Eu posso imaginar! – exclamou – Sente-se. Ficar em pé perto da porta só vai te deixar mais cansada ainda.

Nanoha sorriu e sentou-se na cama. Seus olhos se encontraram.

- Como você está, Fate-chan?

A loira balançou os ombros.

- Estou bem, claro. – respondeu. – Acho que me preocupo mais com você, tem certeza de que é só cansaço?

- Não, não é só isso.

- huh?

Nanoha hesitou. Alicia escolheu esse momento para pular na cama e sussurrar para Fate.

- Ela não parece estar bem. Será que Yuuno está fazendo alguma coisa? Será que ele a está machucando de alguma forma? Ou será que ela não quer mais ficar longe dele, afinal por sua culpa, o casamento foi adiado por semanas...

Fate se mexeu desconfortável. Não podia responder Alicia agora, do contrário seu plano iria por água a baixo! De novo!

- Eu sinto sua falta, Fate-chan. – sussurrou.

- Ora, mas eu estou sempre aqui, Nanoha. Você que é sempre tão ocupada...

- Não, Fate-chan, não é isso.

Corações batendo fortes. Uma querendo falar e a outra não querendo ouvir. Os três fantasmas no quarto decidiram agir. Precia, Alicia e Linith se reuniram ao redor de Fate.

- É mentira, Fate. – começou Precia – ela está mentindo. A única coisa que Nanoha liga é para o casamento, lembre-se disso.

- Se ela mentir dizendo que liga. – começou Linith – ela acha que vai te impedir de tentar de novo e estragar o casamento, mas depois, ela não vai ligar mais. Não deixe seu coração ser tão facilmente enganado.

- Nós vamos ficar juntas, não é Fate? – disse Alicia com a voz chorosa.

- Entendi. – disse Fate mais para seus demônios. – Nanoha, desculpe, eu sou sua melhor amiga e eu nem mesmo estou te ajudando com o casamento! Eu deveria ser mais presente. Me desculpe, eu prometo que vou te ajudar no que for possível agora em diante. Você poderia me desculpar?

A instrutora balançou a cabeça negativamente.

- Não é isso! Eu sinta falta de você, sinto falta do que éramos antes de tudo isso!

- Antes do meu acidente?

- Não, antes do casamento e muito antes do Yuuno.

Os fantasmas estavam com raiva e Fate sentiu isso.

- Eu não estou te entendendo, Nanoha. Não mudamos em nada.

- É por que você não se lembra. E eu estou tão cansada...

- Então, descanse! – abraçou Nanoha – Durma aqui um pouco e depois você me diz o que está pensando. Você está confusa, Nanoha.

Nanoha não lutou. Abraçou-se a Fate e aquele cheiro tão familiar a acalmou como nunca, aquela presença era tudo que a instrutora precisava para se sentir bem e... Feliz. Fechou os olhos e se aconchegou nos braços de Fate. Em poucos minutos tinha dormido, coisa que não fazia há muitos dias.

Os três fantasmas sumiram. Fate olhou ao redor assustada quando não sentiu a presença delas e assim ficou até que Nanoha fora embora.

Fate não conseguiu dormir. A falta que sentia de seus demônios era terrível,  e a culpa por ter gostado de Nanoha em seus braços durante a tarde a comia viva. E se sua família a odiasse agora? E se elas não a quisessem mais? Não, não, não.

- Por favor, - pediu durante a madrugada – apareçam. Mãe, Alicia, Linith.

Não houve respostas e ela pediu novamente. Sussurrava. Mas nada. Com lágrimas nos olhos, adormeceu e só então viu seus demônios pessoais.

- Fate. – era Precia. Novamente, seus olhos expressavam ódio. – Por quê?

Estava presa. Seus braços estavam presos por correntes. Viu Alicia chorando nos braços de Linith e a familiar a olhava com tanto pesar nos olhos.

- Eu não... Me desculpe. – pedia Fate.

Precia deu puxão no seu chicote.

- Você fez Alicia chorar, você prometeu que ficaria com ela, mas você mentiu!

O rosto contorcido pelo ódio. Fate o tinha visto antes. Muitas e muitas vezes.

- Me desculpe! Eu não menti.

- Mentirosa.

O chicote estalou e Fate gritou.

- Não menti. Eu vou ficar com Alicia, eu juro.

Novamente o chicote estalou. De novo. De novo. De novo e ainda mais uma vez.

- Nunca mais faça Alicia chorar novamente.

- Eu juro. – disse entre lágrimas.

Fate gritara muitas vezes naquela noite ainda.

- É um aviso. – disse Precia pela última vez. – Não nos traia.

E assim, acordou. Com o corpo dolorido e olhos cheios de água.

--

Era o dia do casamento.

Nanoha estava se arrumando. Sua irmã e mãe a estavam ajudando. Miyuki não parava de falar quanto ela estava linda e o quanto Yuuno era sortudo. Já sua mãe não falava nada, só a olhava como se soubesse de algo e estivesse triste com isso.

- Yuhuu. – chamou Hayate entrando no quarto. – Meu Deus, você está linda!

Já tinha visto Nanoha no vestido de noiva antes, mas isso não a fazia menos deslumbrante.

- Obrigada, Hayate-chan. – respondeu Nanoha sorrindo pela primeira vez no dia – Você viu Fate-chan? Ela já chegou?

Até Miyuki parou de falar.

- Eu não a vi. – respondeu Hayate – Mas Signum vai trazê-la junto com Lindy-san e Arf. Me parece que ela ainda está com dores nas pernas.

- Ah sim, claro. – respondeu aliviada e todas perceberam.

A noiva voltou a olhar-se no espelho. Por um momento, esqueceu-se de todas naquele quarto e era só ela, vestida de noiva, se olhando... Então, por quê? Por que tinha uma expressão tão miserável no rosto?

- Você tem certeza? – indagou Miyuki.

Nanoha a olhou confusa.

- Digo, é o seu casamento! – exclamou com os olhos cheios de lágrimas – Mas o clima é de um enterro. Você não tem que fazer isso se não quiser. Eu sou sua irmã e a sua felicidade é muito mais importante do que qualquer outra coisa.

Momoko assentiu. Se Nanoha quisesse desistir, tudo bem, ninguém a culparia. Era obvio que o casamento a estava deixando miserável. Hayate engoliu seco enquanto ouvia a discussão, rezava para que elas conseguissem colocar algum sentido na cabeça de Nanoha. Por favor, ela pedia, que isso funcione.

- Eu...

Houve batidas na porta. Era Shiro dizendo que estava na hora. Ele também tinha o rosto mais sombrio.

- Já está na hora então. – respondeu Nanoha sorrindo. – Vamos.

Com o desabafo de Miyuki ignorado, Hayate só pôde suspirar chateada. Novamente, eles voltaram a estaca zero.

--

A igreja se calou quando Nanoha apareceu na porta. Yuuno segurou sua respiração e não foi o único. Fate, que estava na primeira fila, também prendeu a respiração. Nanoha estava magnífica. Os dois sorriram. Um orgulhoso, a outra desejosa.

- Logo. – sussurrou Linith.

Fate fechou os olhos e respirou fundo.

- Está tudo bem, querida? – perguntou Lindy preocupada.

- Sim, desculpe. – abriu os olhos e sorriu.

Signum, ao lado de Lindy, nada disse, mas a olhava com cuidado. Ela sabia que tinha algo errado.

A marcha começou e Nanoha adentrou a igreja. Ouvia alguns sussurros, mas não ligava para eles. Seus olhos se encontraram com Fate e Vivio na primeira fila. Sua filha estava praticamente grudada em Fate que sorria.

- Você está linda. – sussurrou.

Nanoha escutou e sorriu.

- Obrigada.

Vivio tinha lágrimas nos olhos. De felicidade ou não, só a pequena sabia.

Chegou ao altar e se virou para Yuuno. Ele estava emocionado.

- Você está linda. – ele disse também.

- Obrigada. – respondeu com um pequeno sorriso.

O sacerdote começou a falar. Agora já não tinha mais volta, tinha?

- Oka-san. – sussurrou Fate – Eu estou com muita dor de cabeça. Acho que vou lá fora um pouco.

- Eu vou com você. – respondeu a mãe preocupada. Sinceramente, não queria continuar na igreja por muito tempo.

Signum também queria sair, mas permaneceu apenas por causa do olhar de Hayate. Vivio sentia a mesma coisa, suspirou e ficou olhando o altar.

Pela primeira vez desde que chegaram nesse lugar terrível, Fate respirou fundo e se seu coração deixou de ficar tão apertado. Doía muito mais do que ela esperava, doía mais do que as chicotadas de Precia, doía muito.

- Fate? – indagou Lindy.

- Estou bem. – respondeu sem fôlego. Estava difícil respirar. – Oka-san, poderia pegar um pouco de água para mim?

- Tem certeza?

- Sim, eu estou bem.

Lindy concordou e voltou para dentro da igreja onde estava sua bolsa para procurar algum remédio para dor e levar junto com água para Fate, mas a loira não iria esperar. Desceu as escadas rapidamente e ainda com dificuldade de respirar, entrou no seu carro, o que tinha emprestado para Signum, e o ligou. Apertou o acelerador e sumiu daquele lugar.

Tudo doía. Sua cabeça ainda pulsava, estava difícil respirar e seu coração estava tão apertado. Tinha que sair dali. Precisava de Linith, Alicia e deus, até Precia! Só elas entendiam a dor, só elas.

- Está na hora. – ouvia a voz de Linith na sua cabeça. – Vamos acabar com isso agora.

--

Yuuno estava dizendo seu voto, mas Nanoha não conseguia se concentrar. Seu olhar ia sempre para a primeira fila. Fate tinha saído da igreja com Lindy, pouco tempo depois Lindy voltara, mas logo sairia novamente e há poucos minutos, ela entrara apressada e sozinha, falara algo com Signum e as duas saíram correndo.

Hayate também percebeu a comoção.

- O que está acontecendo, Hayate-chan? – perguntou Nanoha telepaticamente.

- Eu não sei Nanoha-chan, eu vou perguntar para Signum.

O rapaz tinha escrito quase um livro, mas isso era bom, dava mais tempo para Hayate saber o que houve e lhe contar. Quando a comandante ficou com o rosto completamente pálido, Nanoha sentiu seu coração parar.

- Hayate?!

- Não é nada demais, Nanoha-chan! Parece que Fate-chan não está se sentindo muito bem, mas não tem problema. Vai dar tudo certo. Oh viu? O Yuuno terminou!

Não estava convencida, nem um pouco. Sorriu para Yuuno e ele retribuiu.

Hayate precisava sair correndo, mas se Nanoha visse... Droga!

- Signum. – chamou – Vão atrás de Fate-chan, agora!

- Estamos na sua frente. – respondeu a espadachim – Eu e Lindy já estamos num carro. O problema é que não fazemos ideia de onde ela pode ter ido.

- Talvez o mesmo lugar de antes, não?

- Pode ser, mas e se errarmos?

Hayate engoliu seco.

- Se errarmos, então que enfrentaremos a fúria do White Devil.

--

Fate parou o carro e saiu. Precia, Alicia e Linith a esperavam. Estava no mesmo precipício. Era esse seu destino, morrer como Alicia e Precia morreram.

- Fate. Vamos, rápido, antes que eles percebam. – apressava Linith.

Alicia estava sorrindo completamente feliz e até Precia parecia em paz.

- Não nos traia. – repetiu Precia.

- Não vou. Estou aqui não? – olhou para o céu e respirou fundo.

O mesmo precipício, mas num lugar diferente de da última vez. Nesse lugar, a queda era menor, só que em compensação, as pedras eram mais afiadas. Era morte certa, impossível sobrevivência.

- Vamos, vamos. – apressou Alicia. – Não queremos ser interrompidas novamente.

- Não, não queremos.

Nesse momento, Signum e Lindy tinham acabado de chegar ao mesmo lugar que Fate tentara pular da última vez e desesperados viram que ela não estava lá.

Na igreja, o casamento tinha terminado. Hayate cumprimentou os recém-casados e se aproveitando da quantidade de pessoas os rodeando, saiu correndo o mais rápido que podia junto com Rein. Chrono foi logo atrás, seguido de Vita e Shamal. Ninguém mais suspeitava.

Nanoha sabia que tinha algo errado, seu coração doía como nunca. Sentia-se como se tivesse cometido um erro imperdoável e olhou para Vivio que sentia o mesmo.

- Mama, tem algo muito errado.

Yuuno as olhou preocupado.

- Eu também sinto isso, Vivio.

--

- Ela não está ai?! – indagou Hayate para Signum.

Chrono dirigia o mais rápido que podia ignorando leis e sinais.

- Não, não fazemos ideia de onde ela pode estar.

- Liguem para Shari. – ordenou – Mande-a localizar Bardiche, rápido!

- Hayate. – chamou Rein – Shari está no casamento, lembra? Ela teria que voltar para a base afim de localizar Bardiche, até então seria tarde demais.

Ninguém sabia o que fazer.

- Continuem procurando. – disse Chrono. – Não parem. Não importa o que!

--

- O inferno não vai sobreviver a todas nós. – comentou Precia sorrindo.

- Não importa. Estaremos todas lá. – respondeu Fate.

Olhou para o carro aberto. Bardiche estava lá, tinha gravado uma mensagem para todas explicando o por que faria isso.

- Elas vão entender. – comentou para si mesma e se aproximou mais da beirada. Sentia a brisa forte.

Era melhor morrer do que ser atormentada por seus demônios, não?

- Vamos terminar isso. Logo. – fechou os olhos e seu corpo caiu.

Precia, Alicia e Linith pularam também. As três desapareceram pouco antes do terrível barulho que o corpo fez quando se chocou com as pedras.

--

Hayate, Lindy, Signum e Nanoha pararam.

Hayate deixou se corpo cair no chão. Signum se encostou nas pedras. Lindy desmaiou e Nanoha... Nanoha gritou. Daqueles gritos terríveis e angustiantes que parou toda festa.

- Nanoha!

- Mama!

Ajoelhada no chão, ela soube. Seu coração parecia teria sido sugado por um buraco negro e ela ficou lá, sem se mover, sem falar, parecia ter ficado inconsciente.

Tinha acontecido afinal. Fate.

As lágrimas desceram sem ela perceber. Mas, ela não ligava. Fate tinha morrido. Ela vivia num mundo em que Fate não mais existia. Sentiu seu estomago embrulhando e sem se controlar, vomitou o pouco que tinha comido naquele dia.

Estava se sentindo vazia, vazia e terrivelmente solitária.

Fate!

--

Quando Signum finalmente viu o carro de Fate aberto, ela soube que tinha sido aquele lugar. Se ela tivesse chegado minutos atrás, teriam impedido novamente, mas dessa vez, ela falhara.

Mancando, ainda tonta sentou-se no carro e ficou olhando o nada, tentando, sem sucesso, entender tudo aquilo. Testarossa estava bem, não? Então, por quê? No fim, tudo seria por causa de Nanoha mesmo?

Um brilho dourado chamou sua atenção e assim que o tocou, Bardiche começou a exibir um vídeo.

--

Não tinha ninguém rindo. Estavam todos estáticos e olhando para o nada esperando por Signum e Lindy. Ninguém falava também.

A festa tinha sido cancelada. Yuuno levou Nanoha para o apartamento que eles dividiam. Vivo tremia e chorava baixinho enquanto Nanoha continuava conectada numa freqüência que ninguém conseguia atingir.

Quando Hayate chegara com Chrono, Vita e Shamal, ele soube então que algo realmente estava completamente errado. Hayate, sem palavras, abraçara-se a Nanoha e juntas choraram. Shamal abraçara Vivio sussurrando que estava tudo bem, mas não estava, jamais estaria.

Chrono e Vita sentaram no sofá e ficaram calados, só ouvindo e esperando.

Pouco tempo depois, ou muito, dependendo da pessoa, Signum e Lindy chegaram. A espadachim segurava Lindy, que tonta, mal conseguia andar. Não houve cumprimentos.

- Ela está morta. – sussurrou Signum. Ninguém queria ouvir aquilo. – Mas ela deixou algo para nós.

Todas a olharam, até Lindy. Menos Nanoha que continuava perdida.

- Bardiche, - ela chamou o pequeno dispositivo dourado – poderia exibir o vídeo novamente?

O dispositivo não respondeu, mas obedeceu. Uma tela surgiu e o rosto de Fate apareceu. Lindy começou a chorar novamente, os outros tentavam manter-se fortes, mas muitos olhos estavam cheios de lágrimas.

A voz começou e Nanoha se virou para a tela.

- Bem, são um pouco mais de três da manhã e eu não consegui dormir. – começou Fate coçando os olhos – Eu estou exausta, mas não consigo dormir. Eu não estou muito bem aqui – indicou a própria cabeça. – Eu menti. – ela riu – Eu ainda vejo Precia, Alicia e até Linith. Elas não me deixam em paz. Falam comigo o tempo inteiro e me fazem duvidar não apenas da minha sanidade, mas de todos vocês. Deus, se continuar assim, eu vou acabar num hospício como uma louca paranóica. – soltou uma risada – Eu fingi que esqueci Nanoha também.

 Nanoha levantou-se e olhou incredulamente para a tela.

- Fate. – sussurrou.

- A verdade é que o resto de sanidade em mim quer fazer o possível para me afastar de vocês. Assim, eu posso partir sem machucar ninguém. -  parou de falar e suspirou – Eu não conseguiria viver mais. Não com esses meus demônios a me atormentarem dia e noite. É perigoso por que o que elas me dizem está fazendo sentido, eu estou começando a realmente acreditar que tudo que vocês fazem e me dizem são mentiras e eu não quero viver assim. Vocês são minha família e a minha própria cabeça quer me tirar isso. Eu só não posso. Eu não mais me controlo.

Ela chorava agora, e os seus espectadores também.

- Pensei em tomar remédios, mas isso não adiantaria. Eu tentei. Eu fecho os olhos e não importa o que, lá estão elas de novo. Eu já estou louca. A única coisa que me ajudaria seria ficar trancada num hospital sendo vigiada e isso seria pior do que a minha morte. Elas querem que eu morra e eu também quero isso, elas me fizeram querer isso. Sinto muito... Vai acontecer no dia do casamento. Quando eu souber que não tem como eu estragar o casamento de novo. Durante a festa, quando todos estiverem felizes, ou pelo menos, eu vou tentar ao máximo prolongar para essa hora.

Fate parou de falar e fez uma expressão de dor. Massageou suas têmporas.

 - Sinto muito pelo que eu vou fazer e por deixar essa mensagem só para quando vocês já não puderem me impedir. É mais forte do que eu. Eu nem sei como estou conseguindo falar normalmente aqui. Mas obrigada, eu não fiz o que fiz por que eu não os amava, eu fiz por que pela primeira vez na minha vida, eu quis ser egoísta. Não mais agüento mais, estou cansada de lutar contra minha própria mente.

- Mãe, me desculpe, mesmo. Nada que eu fale pode compensar por tudo; Signum, obrigada por se preocupar e por me salvar da última vez; Hayate, Vita, Shamal, obrigada também e eu sentirei falta das discussões; Chrono cuide de mamãe por mim e de Arf também; Vivio, cuide de Nanoha okay? Eu sei que você é contra muitas coisas que ela faz, mas ela é sua mãe, e ela precisa de você. Nanoha... – forçou um sorriso – Seja feliz e fique bem. Yuuno-kun é um bom rapaz, ele vai te fazer muito feliz, eu sei disso. E cuide bem de Vivio. – riu – Vocês são muito parecidas, então Yuuno-kun vai ter um trabalho grande em conciliar as brigas. Eu amo a todos, muito, e por enquanto é só. Minha cabeça está doendo muito e Alicia está chorando, logo Precia e Linith vão aparecer. Eu não terei paz por um tempo.

Ela sorriu mais uma vez e a tela sumiu.

Novamente, houve silêncio. Impressionantemente foi Nanoha quem falou.

- Toque de novo.  – pediu – Por favor, Bardiche.

O dispositivo exibiu a tela novamente.

Os outros não conseguiram ficar na sala e pouco a pouco eles saíram. No fim, só ficaram Nanoha, Vivio e Hayate. Lindy começou a se sentir mal e Chrono a levara embora.

- Acho que é melhor irmos. – chamou Signum para Hayate.

Hayate olhou para as duas e se levantou.

- Conversamos amanhã, ta?

Não houve respostas e ela não esperava que tivesse.

--

Havia alguém chamando por ela.

- Fate.

E ela abriu os olhos. Tinha sobrevivido de novo?

- Sinto muito. Por minha culpa... – essa voz...  – Fate, acorde.

E ela abriu os olhos.

- Você pode me perdoar, algum dia?

Era Precia e Fate sentiu seus olhos enchendo de lágrimas.

- O que houve?- ela se levantou. Não estava na escuridão, nem no hospital. Era um lugar muito branco.

- Acabou.

- O que acabou?

- Nada. Tudo começa o tempo todo.

- Você não está fazendo sentido.

- Talvez não.

- O que houve com você?

Precia estava  numa longa túnica branca e sua expressão de nada se assemelhava ao terrível ser que conhecera e que a atormentara durante tanto tempo.

- Eu vi tudo. – continuou Precia – todos esses anos desde que eu morri. Vi tudo que você fez, tudo que conheceu, tudo que amou. Eu vi quando sua própria mente se voltou contra você e eu chorei. Te pedi perdão muitas vezes, Alicia também e Linith, minha pobre Linith.

- Eu morri então.

Precia concordou.

- Você me perdoa? Por tudo que fiz?

Fate sorriu.

- Te perdoar pelo que? Jamais senti nada diferente de amor por você.

E Precia chorou.

--

Quando uma pessoa morre, independente das causas, aqueles que ficam nunca mais serão os mesmos. As cicatrizes são diferentes, mas doem sempre e por muito tempo.

- Mama?

Nanoha se virou para Vivio.

- Você está linda.

Vivio sorriu e rodopiou.

- Eu adorei o vestido!

- Eu sei! Fate o usou em formatura e ainda sim, continua do mesmo jeito.

Vivio riu encantada.

- Você acha que Fate-mama está feliz agora?

Nanoha levantou do sofá e segurou o rosto de Vivio.

- Fate-chan sempre foi feliz. Ela só estava doente.

- Eu sei...

- Então, ela está feliz sim. Principalmente, por que ela deve estar vendo o quão linda você está.

A campainha tocou. As duas sorriram.

- Animada?

- Demais!

Uma limusine a aguardava. Vivio deu um abraço apertado na sua mama e desceu as escadas da casa. Olhou para o céu e viu uma estrela cadente. Uma brisa passou por ela.

- “Vai.”

E sentiu um leve empurrão. Olhou para trás surpresa e tudo que viu foi Nanoha na porta acenando para ela. Segurou o choro para não estragar a maquiagem e correu para o carro.

Por muitas vezes Vivio jurava que estava sendo observada e protegida. E aquilo a fazia sorrir para o céu sem motivos aparentes, por mais terrível que seus dias fossem.

Fate estava ao seu lado, então estava tudo bem.


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