Desinteresse escrita por Yuna Aikawa


Capítulo 1
Desinteresse




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– Não entendo como meu desinteresse pode atrapalha-lo tanto...
– É que você me irrita, Lucas.

    Todos silenciaram-se, a sala de aula inteira entreolhavam-se tentando conter os risos. O reflexo da careca do professor cegava qualquer um que a olhasse diretamente, a ponto que alguns "engraçadinhos" assistiam as aulas com óculos escuros. Graças ao Sr. M., alguns poucos alunos viraram crentes, aprendendo a rezar para que o sinal batesse mais cedo - ou para que ele tropeçasse no tablado.
    Era mais um dia monótono, chovia, o que ajudava no desânimo e distração da turma - até uma mosca ajudava... Qualquer coisa para poder ignorar aquela voz irritante e autoritária do educador mal-humorado - e era apenas a segunda aula de sexta-feira. Todos olhavam para os relógios e celulares, ansioso para o fim daquela interminável aula e pelo final de semana que estava por vir.
    Sr. M. sabia que sua aula era indesejável e que, se os olhos dos alunos estivessem brilhando, faltava pouco tempo para "socar" matéria no quadro-negro.

– Então este "que" também é um pronome relativo, pois...

    Era o som de um milagre. O professor foi bruscamente interrompido pela comemoração dos jovens ao ouvirem o tão aguardado sinal. Sr. M. apenas ficou mais emburrado, pegou seu material enquanto os alunos jogavam os livros nas mochilas, levantavam-se, choravam de alegria e riam, mas deixou uma tarefa - que ninguém iria perder tempo fazendo - de 5 páginas no canto do quadro-negro. (Note que o pronome "que" é uma oração subordinada sindética explicativa[?])
    Faltavam apenas quatro aulas para liberdade - pelo menos não iria demorar tanto quanto os últimos 2 minutos de Gramática - a fome já estava presente.
    Algumas horas depois tocou o "sino da liberdade", a melhor melodia de todas. A escola ficou vazia em poucos minutos, o ânimo só iria sumir domingo a noite e voltar, nostalgicamente, na segunda-feira, com "O que você fez no final de semana?" - clichê - e derivados.
    Fui um dos últimos a sair do colégio, passei sem pressa pelos "portões dourados", coloquei os fones e resolvi voltar a pé para casa, mesmo sendo longe. Meus dois dias de liberdade seriam vagarosos, como sempre, eu não havia planejado nada - talvez o passasse jogando Fatal Frame sozinho.
    Eu já estava na metade do caminho, encharcado pela chuva, ouvindo no último volume Face to Face, quando senti meu celular vibrando no bolso - o que era estranho, poucas pessoas tinham meu número. Era a Lilith.

– Hei, Lil! O que houve?
– Onde você 'tá, Luke?
– Indo para casa...
– Na chuva!? Vai ficar doente...
– Paciência... Onde [b]você[/b] 'tá?
– Na frente da sua casa, te esperando.
– "Na chuva!?"

    Era tão fácil falar com ela - e divertido também. Lilith era minha amiga de infância, nos conhecíamos a 11 anos, e era a única pessoa que eu fazia questão de manter contato. Ela odiava o nome - eu amava - laranjas e ver sangue, ou seja, meu Fatal Frame estava cancelado. Apressei o passo, queria vê-la.
    Quando cheguei, ofegante pela corrida, Lil estava sentada no degrau da porta, o único local seco da entrada. Eu morava sozinho.

– Você demorou, Luke!
– Sinto uma perturbação na Força, Léa.

    Rimos. Lil não parecia com a princesa Léa - Star Wars - com aqueles longos cabelos loiros, parecia mais o C3PO. Ela estava molhada, deveria ter pego tanta chuva quanto eu, o que fazia sua camisa vinho e jeans "colarem" em seu corpo. Abri a porta, já destrancada, e estranhei.

– Usei minha cópia.
– E por que não entrou para se secar?
– Não queria molhar a casa.
– Boba.

    Entramos. Lilith foi buscar duas toalhas, molhando o chão, e eu fui para a cozinha, preparar um almoço, depois de jogar a mochila no canto da sala. Lil desceu as escadas com uma de minhas roupas e a toalha na cabeça, jogando em mim uma outra. Agradeci enquanto me secava.

– Gostei da roupa.
– Eu achei muito larga.
– Ah... Me senti gordo agora...
– Não fique assim, Jaba... Te amo de qualquer jeito.
– Por que não usa o secador?
– Cabelo molhado é mais sexy.
– Não vale! Toda loira é sexy!

    Fiz bico, brincando. Ela me deu um "tapinha amigo" na bunda e ordenou que eu fosse para o quarto, mudar de roupa, enquanto ela preparava o almoço. Lati e, como um bom "cachorrinho", obedeci. Lil apenas riu. (rimou õ/)

– Bom garoto!
– Vou cobrar um biscoito Scooby depois, "dona".

    Sequei-me no quarto, vestindo um jeans e uma camisa preta. Deixei o cabelo úmido propositalmente e desci.

– 'Tô com fome.
– Ninguém mandou demorar...

    Lilith colocou a toalha na lavanderia, deixando seus fios dourados molharem a camisa vermelha. A mesa estava arrumada, tinha ravióli, com um molho estranho, e o suco de morango que ela gostava, ao fundo estava tocando Goldfinger. Sentamo-nos, comemos e lavamos a louça, brincando com a água como duas crianças.

– Opa...

    Ela escorregou e eu a agarrei pela cintura.

– É uma atrapalhada mesmo...
– Desculpa...
– Uhn... Acabamos nos molhando novamente...
– Tsc tsc... Esses jovens.. Não podem ver água...
– ... Tão bobinhos!

    Rimos, ainda abraçados, mas fomos interrompidos pelo telefone. Atendi, queriam falar com uma tal de Nayara, ou seja, engano.

– Quem era no telef...?

    Nunca vi alguém tão distraída como a Lil. Ela mal saiu da cozinha e já tropeçou, dessa vez na barra mal dobrada da minha calça - minhas roupas realmente ficavam largas nela - e me derrubou no sofá. A abracei, rindo enquanto ele corava. Beijei sua testa.

– Luke.. Lucas...
– Desculpe-me... Tive que rir.
– Não... Eu que peço desculpas.
– Por ser uma monguinha desequilibrada?
– Também, mas mais por isto.
– "Isto..."?

    De repente estávamos sérios, com os rostos próximos e levemente corados. Ela mordeu o próprio lábio após um espirro, cortando o clima na mesma velocidade que surgiu, eu sorri, sussurrando em seu ouvido: "Saúde.". Continuamos em silêncio, abraçados, olhando-nos nos olhos. Deslizei uma das mãos pelas costas dela, até chegar na nuca, acariciando-a.
    Ela fraquejou, encostou seus lábios nos meus, sem desviar o olhar. Fechei os olhos lentamente, tentando deixa-la mais a vontade enquanto iniciava um beijo - felizmente correspondido e sem espirros. Ficamos ali, depois de anos de amizade, conhecendo cada canto da boca um do outro. Acabei me empolgando, enquanto acariciava sua nuca, a outra mão acabou deslizando por seu quadril e parando em suas costas, por baixo da camisa, encostando diretamente em sua pele quente.
    Senti-me abusado, entretanto Lil não pareceu se importar. Finalizamos o beijo, mas estreitamos o abraço e continuamos deitados por horas, ouvindo a insistente chuva na janela. Estava tudo tão perfeito que parecia um filme, ou um sonho do qual eu não queria ser acordado tão cedo, acabei adormecendo no calor do seu corpo.
    Quando abri meus olhos - graças ao despertador do celular - era segunda-feira. Havia pilhas de caixas de pizza vazias, copos, garrafas de refrigerante, vinho, vodca e rum, roupas, cobertas e papéis de bala espalhados no chão, o vídeo-game estava ligado, no pause, num jogo de corrida e, para me provar que eu não havia feito tudo aquilo sozinho, Lilith estava dormindo ao meu lado, com minha camisa preta.
    Olhei para janela, estava garoando. Eu não fazia nem idéia do que fiz nos últimos dois dias, também não me importei, cobre minha Lil, roubando-lhe um selinho, e fui tomar banho. Havia um "[L.]²" tatuado no meu pulso. Suspirei. "O final de semana deve ter sido bem divertido.", pensei.
    Quando voltei para o quarto, com o jeans aberto, sem camisa e cabelos molhados - recebi um assobio, Lil estava jogando Final Fantasy VII.

– Ganhando?
– Não... (AVISO! SPOILER!) O Cloud acabou de despertar o tyu Sephiroth...
– Seja corajosa, Padawan.
– Sim, mestre Luke...

    Sentei-me ao seu lado para vê-la jogar, mesmo já tendo zerado aquele jogo quatro vezes.

– Hei, Lil?
– Uhn?
– O que fizemos nesse 'findê?
– Uhn.. Não saímos de casa.
– O tinha naquele molho?
– Algo que terá no seu café...
– ...
– Está bravo comigo?
– E não deveria? Só estou tentando entender...
– Queria tê-lo só 'pra mim...
– Lil! Sua mimada!
– Mas...

    Eu a abracei, dei-lhe um longo selinho e sussurrei.

– Eu sempre fui seu, boba.

    Pisquei após ouvir longas desculpas, armei a mão em forma de garra e rugi. Ela riu, foi fácil.

– Ah! Já são 7h!? Desculpa, Léa, mas tenho que partir... Mestre Obiwan ficará triste com a minha ausência... Pena que não poderei ser honesto quando me perguntarem o que eu fiz desde sexta...
– Quer que eu te lembre? Ou Obiwan ficará muito bravo? Prometo deixa-lo sóbrio dessa vez.
– Sa.fa.di.nha.... Por que demorou tanto para oferecer?

    Rimos, voltando a jogar Final Fantasy ao som de Sum41. Só posso dizer que nenhum de nós foi para aula naquela semana.

– Hei, Lucas! Por que faltou semana passada? Tava doente, cara?

    Apenas sorri para meu colega, anotando a matéria de Álgebra II. Droga... Quero voltar para casa.


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Notas finais do capítulo

*liga o sabre de luz* Reviews ou... :x