Os Quatro Sorrisos escrita por AnaC


Capítulo 1
Capítulo único




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Aconteceu em uma noite de inverno. Fazia frio. Eu estava encolhida debaixo das cobertas enquanto Jade bisbilhotava o meu guarda-roupa. Em ocasiões normais, eu teria pedido para que ela parasse. Mas naquele momento não. Éramos só eu e a Jade no quarto. E nada mais me importava.

– Por que será que a Cat está demorando tanto nesse banho? – falei, sem saber exatamente o motivo de ter falado.

– Está com medo de ficar sozinha comigo, Vega? – perguntou-me com um sorrisinho sarcástico.

Jade West tinha vários tipos de sorrisos. O sarcástico era o mais comum. Depois vinha o sorriso de deboche, de quando ela me imitava com uma voz que não tinha nada a ver com a minha (eu gostava muito deste, por incrível que pareça). E o terceiro sorriso era o de felicidade verdadeira. O mais raro e belo dentre todos.

– Claro. Você me intimida.

Falei em um tom completamente irônico, embora soubesse que Jade de fato me intimidava. Havia algo nela que me deixava tão insegura quanto uma criancinha encarando o primeiro dia de aula em uma escola nova. E apesar do meu temor, eu continuava me forçando a aproximar dela. Tipo um masoquismo.

Senti o corpo de Jade se deitar ao meu lado. Comecei a ferver. Um nervosismo que eu nunca havia sentido antes tomou inteiramente conta de mim. O cheiro dela penetrava meus pulmões e acelerava meu coração de uma maneira tão sinistra que provavelmente a casa inteira estava ouvindo. Foi como se todos os sentidos do meu corpo tivessem resolvido ressuscitar de uma vez.

Ela puxou as cobertas sobre si e me encarou. Senti o mundo girar violentamente. E olha que eu nem tinha bebido na festa...

– Eu nunca traí o Beck – disse ela, em um tom meio grogue. Jade claramente ainda estava sob efeito do álcool – e você?

– Não, até porque não sou a namorada dele...

Nós duas rimos. Apesar de Jade estar bêbada, senti uma espécie de forte conexão com ela naquele momento. Nossos rostos estavam próximos – tão próximos que fiquei perturbada – e a mão dela pousara sobre a minha. Provavelmente havia sido sem querer, mas ainda assim... me senti dela.

– Eu tô traindo o Beck.

– Mas você tinha dito que... – falei como se não tivesse entendido nada.

A mão de Jade apertou a minha, antes de se posicionar sobre a minha cintura. Por que os toques dela me faziam ter aquela sensação de que minha pele estava prestes a ser palco de um incêndio?

– Eu tô traindo o Beck agora.

O que veio em seguida foi, de longe, o momento mais intenso da minha vida.

Os lábios de Jade pousaram gentilmente sobre os meus. No começo, foi apenas um selinho. Ela afastou o rosto de mim, sorriu como quem pede permissão, e logo em seguida voltou a encostar seus lábios nos meus. Abri a boca, dando passagem à língua dela. E o beijo foi acontecendo.

Jade era macia e gentil. Completamente diferente do ardor que eu costumava imaginar. Nossas línguas se acariciavam de um modo tão doce que parecia até inocente. Logo percebi que seria impossível eu parar de beijá-la. Precisava manter aquela sensação durante máximo de tempo que conseguisse. Entrava em pânico só de pensar que aquilo não se repetiria...

Foi o melhor beijo que alguém poderia ter. Eu nunca havia sentido tantas sensações dentro um intervalo de tempo tão curto. Foi alegria, nervosismo, excitação, medo, triunfo... tudo ao mesmo tempo e tudo misturado.


Paramos ao ouvir o barulho do chuveiro cessar. Jade saiu rapidamente de baixo das cobertas, certamente estava preocupada com a reação que Cat poderia ter ao nos ver tão juntas. E quanto a mim... bem, eu juro que não consegui me mexer até o dia seguinte.



Não falamos sobre o beijo até a segunda-feira chegar. Eu sabia que a melhor opção que tínhamos era deixar o assunto morrer – visto que Jade continuava namorando o Beck – mas eu simplesmente não consegui ficar calada. Precisava falar sobre o assunto, e não podia ser com qualquer pessoa. Tinha que ser com a Jade.

Resolvi abordá-la enquanto ela guardava as coisas em seu armário. Ou melhor, enquanto jogava tudo dentro dele sem se preocupar com a organização. Mas isso não é um assunto muito interessante para se analisar agora.

- Jade... você se lembra... certo? – perguntei insegura. Senti meu músculo cardíaco começar a se manifestar.

Ela me olhou de uma maneira meio homicida. Quase dei meia-volta e corri para longe, mas era melhor aguentar tudo de uma vez. O máximo que ela podia fazer era chutar minha canela ou me imitar em falsete.

Mas não foi isso que aconteceu...

Jade suspirou. Suas feições ficaram mais leves, embora ainda estivessem um tanto malignas. Eu soube que dali não sairia coisas boas. Uma onda de tristeza tomou meu corpo. Precisei ser forte para continuar de pé.

- Sim. Você se arrepende?

Tô sonhando, né? Tive que beliscar minha própria perna para acreditar que ela não tinha me mandado ir tomar no cu. Desde quando Jade se importava com a minha opinião? E desde quando ela admitiria que havia beijado uma garota e, portanto, traído seu tão estimado namorado?

- Hm... acho que... não? – eu não tinha me arrependido de maneira alguma, mas preferi camuflar aquela informação – e você, se arrepende?

Foram dois segundos de espera. Jade deu um gole no café e outro suspiro antes de finalmente falar.

- Não – ela hesitou - não me arrependo – o olhar dela voltou a me parecer perigoso, como se estivesse com raiva de mim - de qualquer forma, Vega, nunca mais fale sobre isso. Nunca aconteceu.

Tomei coragem. Eu tinha que perguntar a ela...

- Então você não sente nada por mim?

Ela sorriu de um jeito diferente. Aquele era um quarto tipo de sorriso, digamos assim. Eu nunca tinha visto Jade me olhar daquela forma... era um misto de sarcasmo, mistério e alegria.

- Eu disse para nunca mais falar sobre isso.

Ela bateu a porta do armário, virou de costas e caminhou para longe.



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