Pouco antes do Natal, minha mãe fez a cirurgia. Era um dia chuvoso e tinha cara de domingo, apesar de ser segunda. Levei um livro pra ler enquanto esperava.

Infelizmente, a cirurgia não foi rápida, pois o médico teve que retirar, além dos cistos, amostras de tecido do útero para averiguar a possibilidade de câncer.

Tive de autorizar a equipe médica a seguir com o material colhido da minha mãe dentro de um pote para a biopsia. O resultado sobre o estado dos tecidos só sairia em quinze dias.

Ainda íamos passar o Natal e o Ano Novo na dúvida de serem malignos ou não. Tive uma lembrança súbita. Doces de banana mergulhados em calda da fazenda do meu tio no interior. Eles eram guardados em potes que lembravam o que carregou restos da minha mãe. Não pude passar sem essa analogia cretina.

Um detalhe antes da operação me intrigou: no caminho pra sala de cirurgia, minha mãe, sob forte efeito dos sedativos, falou com uma voz sufocada e destoante, algo que eu não precisava ouvir naquele instante:

— Não me deixa ir...não confio neles. 

Pela primeira vez desde que ficamos sabendo dos cistos, avistei a possibilidade de sua morte, e isso doeu. Ela, a Morte, estava rondando aquela sala, pude sentir. Fiz força pra afastar sentimentos negativos, apertei forte sua mão e falei que ela estava enganada e iria acabar tudo bem.

No dia seguinte mencionei esse curto diálogo e ela alegou, surpresa, que não se lembrava.