Sherlock Holmes não era uma pessoa de fazer barulho. Bom, pelo menos não quando não estava entediado, pois, quando isso acontecia, os barulhos de tiros eram coisas com as quais quem convivia com ele deveria se acostumar... Mas, tirando isso, o detetive não fazia muito barulho a não ser, vez por outra, falar sozinho, tocar o violino ou andar para lá e para cá no pequeno flat na Rua Baker.

Foi por esse traço do companheiro de John estranhou quando entrou na casa número 221 e ouviu o barulho de música alta vinda do segundo andar. Aquilo não era o violino e não era nada clássico, coisa que esperaria vindo de Holmes... Aquilo era um tipo de rock das antigas o qual ele tinha plena certeza que o outro não achava nada interessante.

Subiu as escadas devagar, preparando-se caso alguma coisa não muito boa o estivesse esperando na sua sala, mas, ao chegar lá encontrou apenas uma sala perfeitamente normal – o tabuleiro de Clue pregado na parede com uma faca, o crânio em cima da lareira, a papelada dos casos em cima da mesa, assim como seu laptop... – e um Sherlock deitado no sofá, de pijamas e roupão azul escuro, de olhos fechados e mexendo os dedos dos pés de acordo com a música.

“Sherlock?” o médico chamou, franzindo as sobrancelhas.

“Sim?” O outro nem se dignou a olhar para ele.

“O que... é isso?” disse John, erguendo a mão e apontando para o nada.

“Música, John.”

“Sim, mas... por que você está ouvindo isso?” perguntou Watson, aproximando-se do detetive e vendo que este finalmente o olhava. “Não faz... O seu tipo.”

“O meu tipo?”

“Sim... Clássico, ópera e essas coisas, não... Isso é Elvis?”

“Sim.”

“Você gosta de Elvis?”

“Sim,” disse Sherlock, erguendo uma sobrancelha.

“Bom...” John passou a língua pelos lábios, antes de murmurar mais para si mesmo do que para o amigo. “Isso é uma surpresa.”

“E posso saber a razão de ser uma surpresa?” perguntou Holmes. “Só porque eu toco violino, aprecio música clássica, estudei em colégios internos e não gosto de festas e outros tipos de agregação de seres humanos não significa que eu não possa gostar de rock.”

“Como eu disse: não é o que alguém espera vindo de você.” Watson sentou-se na sua poltrona e tamborilou os dedos sobre a sua perna. “É uma boa música... Boa para dançar.”

“Dançar?”

“Sim, quero dizer, quem nunca foi naquelas festas de colégios onde essas músicas tocavam?” John riu, mas logo ficou quieto ao ver como o amigo o encarava. “Ah, certo, você não...” O homem olhou em volta, prestando atenção em como Holmes continuava acompanhando a música com os movimentos de seus dedos dos pés, antes de se levantar da poltrona e ir até o outro, estendendo-lhe a mão.

“O que foi?” perguntou Sherlock, franzindo as sobrancelhas e pressionando os lábios um contra o outro.

“É impossível que você goste de rock e nunca tenha dançado isso,” disse Watson, agarrando a mão do outro e o puxando até que ele se levantasse do sofá. Antes que Holmes pudesse objetar, o médico arrastou-o até o centro da sala e segurou a sua outra mão também.  “Vamos, dance, Sherlock.”

“John, pare com isso...” disse o mais alto enquanto o outro mexia os braços em um tipo de dança desajeitava e o arrastava junto naquele movimento. “John.”

“Você quer dançar, Sherlock, admita isso!” Watson riu enquanto girava o outro, mesmo que com um pouco de dificuldade devido à diferença de altura entre eles. “Divirta-se, pelo amor de Deus.”

John ignorou o leve tom avermelhado que tomou conta do rosto do colega e continuou a dançar, ainda segurando as mãos do outro e o fazendo imitar os seus movimentos. Para a sua alegria – e surpresa – Holmes, depois de um bom tempo, permitiu-se fazer os seus próprios movimentos.

“Viu? Eu disse que você queria fazer isso!”

***

Domingos a noite são sempre entediantes, não importa se você é um mero funcionário do metrô de Londres ou se você é a personificação do governo britânico... Era por isso que Mycroft Holmes estava dando uma rápida olhada nas televisões as quais mostravam as câmeras de segurança dentro do flat de seu irmão caçula na Rua Baker. Aquels câmeras estavam lá desde que Sherlock se mudara – e, antes disso, elas estavam no quarto do dormitório do Holmes mais novo na universidade, depois de saírem do seu quarto em Eton. Seu irmão sabia que as câmeras existiam e nunca expressou nenhum desejo de não tê-las por perto, por isso Mycroft nunca sentiu-se mal por tê-las instaladas no lugar.

“Mas o que...?” Holmes murmurou, colocando de lado o copo de whiskey que tinha em mãos e se inclinando para observar melhor a cena que estava passando na câmera número 4... Sherlock e John Watson estavam em pé no meio da sala, de mãos dadas e... dançando? Sim, definitivamente aquilo era um tipo completamente desajeitado de dança. O homem não controlou uma risada quase que espalhafatosa que saiu de sua boca ao ver como seu irmão parecia se atrapalhar na dança, como se seus braços e pernas longos demais o incapacitassem de fazer um movimento sem parecer estar se debatendo.

Mycroft voltou a se encostar na cadeira, sem tirar os olhos da televisão, sorrindo. Talvez o que a Sra. Hudson havia lhe dito em sua última visita fosse realmente verdade: o médico baixinho realmente fazia bem ao seu irmão.