Sem Palavras Para Descrever escrita por Grivous


Capítulo 2
Sem Palavras para Descrever — Prólogo


Notas iniciais do capítulo

A personagem central é Octavia.

O Universo e os Personagens vêm do desenho

My Little Pony: Friendship is Magic por Lauren Faust e Hasbro.

White Glove é um OC criado por mim, Grivous.



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Equestria – Canterlot. 12 de Fevereiro, noite.

Era um som natural, mas ao mesmo tempo artificial: Esse som não veio da natureza, nem de um choramingo de um cão pedestre; ou de uma súbita mudança do vento; ou mesmo de uma forma oral. Não é de nenhum som produzido pela vida urbanizada e civilizada que se encontrava ao redor daquele jardim.

Não. O que ouvimos foi uma triste nota de um Contra-Baixo, habilmente tocado e pronunciado com uma distinta melancolia. Este som de outro mundo, estranhamente, veio de dentro da casa.

Passando pela porta de entrada, ornamentada com madeira escura, vitrais coloridos e uma maçaneta oval dourada, nos deparamos com um sombrio corredor estreito; espaço suficiente para dois largos indivíduos passarem ao mesmo tempo. No fim do corredor, uma escada em espiral que levava para o misterioso segundo andar. À direita, uma batente que, em seu interior, possuía uma ampla sala, com uma lareira cheia de cinzas, umas poltronas baixas e algumas largas, um tapete grande e rupestre, uma longa prateleira de livros de música, algumas pinturas e um chamativo toca-discos num dos cantos. Uma sala como sempre deveria ser: Uma apropriada sala de estar. Qual também era uma sala de jantar: uma mesa comprida o suficiente para seis pôneis se sentarem — quatro pelos lados e dois nas pontas — estava no outro lado, perto de uma outra batente que ligava a cozinha.

De volta ao obscurecido corredor de entrada, à sua esquerda havia uma pequena sala, não tão maior quanto a sala de estar/jantar. Nela possuía com uma placa dourada localizada no topo da batente que dizia “Sala dos Troféus”. O pequeno cômodo, quase com um escritório, havia uma escrivaninha, papéis — inteiros, amassados, molhados, queimados e em pedaços — dentro de uma lixeira, mais quadros para preencher cantos vazios e uma prateleira gigantesca que cobria toda uma parede. Estava cheio de troféus e prêmios de todos os tipos. Todos estavam denominados com um título, entre eles havia “Melhor Música do Ano”, “Melhor Músico Estreante do Ano”, “Melhor Canção Solo do Ano” e muitos e muitos outros “Melhores do Ano” e de outros Anos.

Porém, podemos ver que há um troféu especial na prateleira. Conscientemente colocado no centro de todos os troféus. Por algum motivo, era muito importante e muito querido para obter um lugar de tamanho destaque entre os demais.

Uma fotografia.

Da dona desta modesta moradia, Octavia, como uma pequenina e jovem potranca. Ela estava abraçando um pequeno Contra-Baixo, seu mais precioso e único instrumento. Seus pais estavam ao seu redor, sentados e com um sorriso caloroso em seus rostos equestres. Todos estavam muito felizes; muito satisfeitos... ou apenas aparentavam ser. Ao lado da fotografia, uma espécie de papel velho e empoeirado estava sentado em aberto para todos lerem. Nele está escrito à boca:

“Querida Octavia,

Eu, diretora do Colégio Equestriano da Música(CEM), Loud Noise, tenho o orgulho e o prazer em lhe entregar esse certificado de autenticidade. Você, como proprietária desse certificado, foi provado que você está dedicado a viver e amar o mundo da música e da exuberante melodia. Nós, os professores da CEM, afirmamos através da sua dedicação à arte e ao conhecimento no campo da música, e estendemos a você nossos agradecimentos e nossos parabéns. Eu pessoalmente ofereço a você minha benção de que, um dia, você será conhecida e reconhecida como a grande musicista que és. Nosso conselho de despedida: Ame tua família e acredite naqueles que te cercam, sejam amigos ou colegas. Em algum lugar no meio destes, há sempre um casco amigo.

Boa sorte!

Loud Noise.”

O som de um Contra-Baixo encobria todos os cantos da casa. Se tivéssemos que sentir as paredes de madeira, sentiríamos a casa vibrar com o toque profundo das notas com os acordes do escandaloso Contra-Baixo. Cada nota, estava sendo tocado em maior tom. Dó maior, Ré maior, Mi maior. O ar estava pesado, espesso; uma sensação um tanto desconfortável que dificultava a respiração.

Subindo para o segundo andar, pela escada em espiral no final do corredor estreito, o som do Contra-Baixo ficava cada vez mais audível; estamos chegando perto da fonte do som. Chegando lá, as paredes e os ouvidos vibravam mais do que quando estávamos na Sala dos Troféus e a fonte dessa frenetização sonora estava vindo no quarto mais próximo da escada, pela direita de quem sobe.

Adentrando ao quarto com delicadeza, não havia nada de anormal nele. Mesinhas de cabeceira em cada das poltronas, um sofá simples, uma cômoda larga com utensílios ainda misteriosos, um armário de roupas. Praticamente um quarto normal; só que mais vazio e sem uma cama. Não era bem um quarto para se dormir, mas para apenas estar lá; existindo. Mas neste quarto, habitava uma pônei que seria muito difícil de classificar como normal.

Octavia. Sentada em uma cadeira baixa, tocando seu volumoso Contra-Baixo. Uma jovem e atraente pônei cinzenta. Seus cabelos longos carbonizados pareciam um tanto embaraçados; alguém não conseguiu dormir direito naquela noite sonolenta. Seus olhos de cores por enquanto desconhecidas estava fechados, demonstrando profunda concentração durante seu concerto particular.

Octavia é um perfeita imagem de postura e foco, uma pônei que não falava a menos que tinha algo relevante para dizer e, mesmo assim, quando as palavras não variavam ou eram insuficientes, ela procurava outros meios de transmitir seus pensamentos.

Um exemplo deste outro meio de comunicação que ela usaria é o seu precioso instrumento. Tocando notas altas e com mais fervor, ela desmonstraria felicidade; agitação; festa. Fazendo convidados festejarem uma comemoração sem importância ou animar indivíduos tristonhos e estressados, que mereciam uma fuga de realidade para fantasiarem seus sonhos por um momento. Mas com um tom mais baixo e numa frenetização mais lenta nas cordas, passa a demonstrar melancolia; tristeza; solidão. Por que deveríamos esconder nossas tristezas? E enganar quem nos importamos com falsas emoções? Vale a pena ser orgulhoso ou egoísta? Com notas ainda baixas mas com cascos mais ligeiros e fortes ao esfregar o arco sobre as cordas, sua esdrúxula emoção de tristeza passa a ser de uma selvagem raiva; ódio. Cordas sendo destroçadas e sacudidas com tanta força que assusta o instrumento inanimado e desperta um medo antes inexistente de torcer seu braço rústico, arrebentar as cordas tensionadas ou quebrar o esquelético arco.

Octavia estava sozinha no quarto mas era evidente de que ela não estava sozinha em seus pensamentos. Ela estava tocando intensamente, como se estivesse tocando em uma orquestra ou em um concerto. Mas ao invés para uma platéia, onde vários trabalhadores pagaram com suas suadas economias mensais para ver um espetáculo que dizem ser o único em suas únicas vidas, ela estava tocando para si mesma; para o instrumento; e para o nada.

Em frente a ela, havia dois retratos pendurados na parede. Abaixo deles estavam cravadas duas placas douradas, os títulos que denominavam os quadros nas placas foram escritos em letra de boca em alta temperatura. Estavam escritos nas duas placas em nítido contraste: “Srta. Minor” e “Sr. Major”.

Abaixo dessas placas, estavam sendo iluminadas por velas acesas, num típico ritual de honra e respeito... aos que não estão mais presentes. As velas eram a única fonte de luz mais abundante no quarto em uma noite estrelada sem Lua; estava obscurecida pelas densas nuvens negrescas. Não importa quantas velas estejam acesas no quarto, não expulsava a aparência fria e acinzentada do ambiente. O quarto estava mais cinzento que a própria Octavia, a combinação do ambiente com a cor da pelagem dela faziam-na camuflar-se perante o cinza da sala.

A música que Octavia escolheu para tocar era uma das suas canções proclamadas como “Melhores do Ano”. Uma canção feliz, alegre, compenetrada. Por que ela o está tocando de uma forma triste e melancólica? Octavia não ia parar de tocar a música. Ela não podia; ela queria terminá-la. Ela precisava terminar aquele solo.

O ar do ambiente estava pesado e o eco das vibrações do Contra-Baixo incrustava nas paredes, no chão e no teto de sua casa. Pesado e triste. Seu rosto realizava uma intensa expressão enraivecida enquanto tensionava o próprio queixo, forçando as lágrimas que quase escorriam de seus olhos de continuarem seu caminho. Apesar de fazer o possível de esconder sua angústia, era inútil empurrar para dentro; era muito mais forte do que ela.

Ela mordeu o lábio e pressionou os olhos. Ela sufocou um suspiro, um soluço silencioso, mas não era o suficiente para interrompê-la de seu concerto: De um casco segurava o arco e do outro segurava o braço do Contra-Baixo. As lágrimas, que fluíam de seus olhos como uma nascente ininterrupta, ela tentava ao máximo retê-las e contraí-las.

Não... se atreva a chorar agora... — disse ela em seus pensamentos, — Este... é o ultimo refrão.

Como um pônei sendo torturado, seu corpo estava coberto de indesejadas tremulações. Mas ao contrário de uma tortura a base de dor, medo e desespero, com direito a ferimentos, cordas apertadas e ferros em brasa, esse tipo de tortura não podia rasgar aço, não podia cortar cordas, nem mesmo causar feridas. Eram os acordes do Contra-Baixo, quase vivo pelo som de suas notas executadas pela musicista.

Eram apenas Octavia e seu Contra-Baixo, sozinhos no quarto sob uma mortalha melodia. A tortura era em sua mente, em sua alma, uma verdadeira tortura psicológica. Sem dor. Sem objetos. Sem aberturas.

Octavia respirou estremecendo, quase como um gemido.

A última nota.

Octavia largou o arco em seu casco e começou a entrar em colapso com o chão, mas ela se pendurou sobre o Contra-Baixo; o instrumento a segurava de uma forma como seguraria um verdadeiro amigo.

Só agora a nascente podia escorrer livremente pelo rosto de Octavia. As lágrimas escorriam rapidamente pelas bochechas cinzentas dela. Algumas linhas aquosas bifurcavam pelo braço do seu precioso instrumento. Agora era o Contra-Baixo que chorava junto a ela.

Octavia tentou usar suas esgotadas forças para segurar-se no Contra-Baixo. Não para se levantar, mas para abraçá-lo. Ela o apertava pelo tronco do instrumento desesperadamente. Seu rosto esfregava em seu braço de madeira vernizado de uma forma carente e carinhosa. A situação ao qual ela se encontrava deve ser desconfortante para chegar ao ponto de abraçar um objeto frio e sem vida; abraçar um mero instrumento de madeira morta de um ser que já esteve vivo na natureza.

A pônei melancólica ergueu os olhos finalmente revelados para os dois retratos em frente a ela, já não mais iluminados pelas pequeninas velas; elas haviam se apagado. O quarto ainda estava tingido em um tom cinza, mas a Lua foi libertada das espessas nuvens do céu noturno para pratear o cômodo acinzentado ao invadir sua luz artificial pela janela envidraçada. Seus olhos púrpuras e profundos brilhavam e tremiam perante essa invasão lunar em seu recanto particular.

Mãe... Pai... — as palavras ecoavam em sua mente de forma clara e familiar... para a sua infelicidade. Ela soltou o peso de sua cabeça e deixou-a cair sobre os braços enrolados no cabo de seu Contra-Baixo. Ela voltou a chorar.

— Não funcionou de novo... — ela babulciou entre surdos soluços e voz falha — Ache-- Achei que ia dar certo dessa vez. Foi tão intenso... — fungou e esfregou o nariz — Mas... eu ainda reconheço eles...

Alguém bateu a porta. Octavia estremeceu e, num sobressalto, ergueu-se do Contra-Baixo. A pônei cinzenta olhou para a porta.

— S-sim? — ela gaguejou, — Porcaria! — resmungou em seguida enquanto massageava a garganta.

Srta. Octavia? — uma voz masculina veio do outro lado da porta, — Tenho vossa permissão de adentrar em seu recanto particular?

Octavia esfregou o máximo que pôde seus cascos nos olhos para tentar enxugar suas lágrimas. Ela não queria que ninguém a visse nesse estado embaraçoso e em meio as trevas deste cômodo mal-iluminado. Ela deu um longo suspiro, tentando controlar seu tom de voz, prejudicado com gaguejos e soluços. Silenciosamente deixou o seu instrumento deitado no chão e foi cambaleando até o interruptor. Girou a chave para cima e o quarto iluminou-se. Seus olhos acostumados com a escuridão cinzenta irritaram-se um pouco com a luz meramente forte, mas ela logo se recompôs. Voltando a cadeira, Octavia ergueu seu Contra-Baixo, pegou o arco caído no chão com o casco livre e o empunhou para as cordas de seu instrumento, voltando a tocar uma melodia qualquer para fingir estar ocupada.

Octavia limpou a garganta antes de pronunciar — “... Sim, tem minha permissão.” — ela virou o rosto contra a porta, com o corpo em frente à parede emoldurada.

A maçaneta gritou no quarto. O som da porta se abrindo e fechando ecoou de uma forma patética, em comparação as notas do Contra-Baixo. Um pônei adulto cor de creme adentrou-se no quarto de Octavia. Ele percorreu o cômodo com seus olhos azuis, avaliando o local, e encontrou sua patroa no meio dele, tocando seu único amigo-postiço instrumento de corda e madeira. Aquele corcel cremático estava vestindo um terno preto simples; seus trotes eram precisos e sérios.

Era o seu mordomo, White Glove. A preocupação alastrou-se em seus olhos celestes enquanto escutava uma respiração irregular e ofegante de sua patroa, apesar de ela estar com o rosto virado contra ele por algum motivo. Mas ele continuou com sua rotina e dever de perguntar somente o necessário, sem intrometer-se na vida de seus contratadores de serviços.

— Minha senhora? Novas cartas estavam no correio. Algumas delas pode ser algo importante, para serem entregas durante o período da tarde. Gostaria de lê-las?

Havia uma mochila nas costas do mordomo. Octavia olhou para o saco pelo canto do olho ligeiramente e voltou a olhar opostamente ao mordomo. Ela não queria encará-lo, seus olhos púrpuras estavam vermelhos e irritados de tanto molhá-los e esfregá-los. Ele não precisava saber; ela continou a tocar seu melodia aleatória.

O mordomo observou para a nuca negra de sua patroa e, sem mover a cabeça, moveu os olhos para a parede em frente a Octavia: as velas estavam apagadas e em todas só restavam rastros de fumaça. Suspeitosamente as velas estavam sob os quadros dos dois indivíduos importantes para ela: Sr. Maior e Sra. Menor.

— Eu posso voltar mais tarde, se preferir, Srta. Octavia. — White Glove girou o seu corpo para a saída e começou a trotar para fora.

Octavia girou sua cabeça e lançou o casco bruscamente em direção ao mordomo, pedindo para esperar. No meio disso, ela soltou um rouco, — Não!

O mordomo parou. Octavia aspirou e virou seu rosto contra a porta novamente. Seu rosto cinzento tingiu-se de vermelho, — Idiota! Que estúpido “não” foi aquele?! — ela se perguntou com o casco entre os dentes.

— P-pode deixar as cartas aí mesmo, White Glove. — Octavia tentou disfarçar continuando a conversa. Ela voltou a tocar uma melodia qualquer, sem olhar diretamente para ele. — Obrigada por trazê-las para mim... Mais tarde, antes de dormir, ler-as-ei ao terminar essa melodia. Está um pouco difícil de concluí-la, pode demorar um tempo.

Calmamente o mordomo virou a cabeça, — Tem certeza, Srta. Octavia? — E então, gentilmente — A senhorita parece... realmente ocupada. Eu posso deixá-los lá embaixo em seu escritório--

Não, está tudo bem. — ela respondeu de imediato — Pode deixá-las aí mesmo. Pouco importa onde ou quando: eu as lerei do mesmo jeito.

Octavia mordeu seu lábio e apertou os olhos, sem parar de tocar — Afe, sua idiota! Pare de ser grossa com ele! Não precisa ficar nervosa!

— ... Muito bem, então. — disse White Glove calmamente.

O mordomo virou seu corpo novamente e trotou em direção a sua patroa. Ele puxou com os dentes duas pilhas grandes de cartas amarradas de sua mochila e as empilhou ordenadamente perto dela.

Octavia suspirou por um momento, respirando mais devagar agora. Ela ainda não parou de tocar, mas sua melodia estava repentina e lentamente mudando de tonalidade. Para um tom mais grave; mais triste. Uma lágrima estava surgindo de seus olhos conforme ela devaneava, lembrando-se de seu mais recente e falho concerto melancólico neste quarto. Ela rangiu os dentes, irritada — Isso tinha que voltar agora?! Sua boba! —. Octavia começou a respirar discretamente pela boca, para evitar qualquer fungação nasal e fez o que pôde para não interromper sua falsa melodia para enxugar seus olhos úmidos. Por algum motivo, ela não queria que ele a visse desse jeito. Ela precisava que ele saísse daquele quarto imediatamente, mas sem parecer grosseira.

— Há algo mais em que eu possa fazer para a senhorita? — seu mordomo finalmente perguntou.

Foi uma pergunta padrão mas ele precisava perguntar mesmo assim. Mau ele saberia que essa pergunta seria a salvação divina para sua patroa! Graças a Celestia, ela pensou aliviada. Octavia aproveitou a chance.

Ela limpou a garganta, garantindo que sua voz não falhasse — Não, White Glove. Já pode ir.

O mordomo acentiu com a cabeça — Como quiser, senhorita. — e pediu licença.

White Glove se virou e trotou até a saída do quarto de sua respeitosa patroa. Ele silenciosamente fechou a porta do quarto atrás dele, deixando-a mais uma vez sozinha em seu recanto particular.

Octavia ainda estava tocando seu Contra-Baixo, estava esperando alguns pequenos segundos para ter certeza de que ela estava sozinha. Ela parou rudemente de tocar e entrou em colapso novamente. Largou seu arco e abraçou seu instrumento. Cobriu o seu rosto com os cascos, tentando segurar e esconder as lágrimas soltas de seus olhos. Mas não pôde conter seus curtos e abafados soluços. Ela fungava e esfregava seu rosto molhado, mas só irritava sua pele cinzenta e seus olhos púrpuras, deixando suas cores naturais para uma cor vermelha superficial.

Droga! Não pára, simplesmente não pára! Por que eles não param de escorrer?! Malditos!

Essa luta já estava se tornando inútil; elas não vão parar de escorrer desse jeito violento. Ela olhou ao redor e procurou desesperadamente por algo que pudesse resolver esse malefício. Sentada no meio do cômodo, ainda segurando o Contra-Baixo em seus braços, ela olhou para as paredes; para o armário; para as cômodas; para as velas; para a janela. Não encontrava nada e as lágrimas continuavam; sua visão já estava ficando embaçada e ficou mais difícil de enxergar. Como último recurso, ela olhou para o chão e em volta dela. Ela já estava perdendo as esperanças.

Para a sua surpresa, ela encontrou algo inesperado. Em cima das duas pilhas de cartas, havia o que se podia dizer um pedaço grande de lenço branco. Ela não sabia se era um lenço de verdade ou se era uma de suas cartas, mas ele brilhou em luz e faíscas como ela nunca havia visto antes. Sem pensar duas vezes, agarrou e apalpou-o em seus olhos e rosto. Era macio e cheiroso. — Um lenço! Que bom! — O lenço absorvia a água de seu rosto como esponja e sua pele já estava deixando de ficar irritada. Ela apalpou o lenço mais suavemente; aos poucos, as lágrimas que escorria descontroláveis de seus olhos ficaram secas; até parar finalmente. Incrível! Foi questão de segundos! Um milagre!

Octavia terminou de se livrar do incômodo ao assoar o nariz, expulsando os males do corpo que a prejudicava. Ela apertou os olhos e empurrou, e empurrou com todas as forças. E, finalmente, aspirou e suspirou longamente.

Que alívio... — ela pensou.

Octavia nunca se sentiu tão bem. Suas narinas estavam livres e seus olhos e pele não mais vermelhos e irritados. Para ela, sinceramente, foi um alívio prazeroso. Ela aspirou e suspirou lentamente, sentindo seu corpo inflando e esvaziando. Pouco importava os cheiros e a poeira, ela queria apenas sentir seu organismo pulsando vividamente. Respirando e expirando longa e repetidamente fazia com que o coração batesse mais freneticamente pois a quantidade de oxigênio era grande e ele precisaria bombear ao máximo para levar todo esse ar para o corpo, fazendo o sangue circular mais rápido. E o sangue, quando circulava mais rápido, aquecia os vasos sanguíneos, que também aquecia e relaxava seus tensos músculos. Ela estava entrando em um estado zen de sensação.

Octavia descançou o pesado Contra-Baixo no chão. Ela relaxou os músculos e abaixou os cascos para o colo, ainda segurando o lenço com os dois cascos. Ela respirava e expirava repetidamente. Aquele lenço foi a sua salvação; expurgou toda sua tristeza e outros malefícios anteriormente, foi como mágica.

— Este lenço... — disse ela baixinho para si mesma, olhando agora para o lenço em seu colo. — ... não é meu. Ele não estava aqui antes. Alguém o deixou aqui... — e, então, virou os olhos para as duas pilhas grandes de cartas ao lado dela. — ... e de propósito.

Octavia compreendeu o quê aconteceu; fechou os olhos suavemente e suspirou com um leve sorriso no rosto — Não o culpo por preocupar-se comigo. Ele está apenas fazendo o seu trabalho. Mas foi muito gentil. Obrigada.

Ela esfregou um pouco a testa úmida, tentando descontrair a tensão.

— Daqui alguns dias... minha carreira como-- — ela soluçou, — ... como musicista irá finalmente se extinguir...

Octavia olhou para o seu tronco e começou a respirar fortemente. Ele estava “vazio”. Não existia nada naquele flanco. Estava cinzento e vazio.

Ela enxugou uma lágrima que acabara de escorrer em seu rosto, — Acho que... esta é a melhor coisa a fazer... Não consigo mais viver dessa maneira... E eu não deveria estar chorando aqui como uma idiota. Foi uma decisão minha e eu já a tomei. Não posso voltar atrás. E nem deveria. Afinal... não era o meu destino.

— Mas ainda assim... — ela suspirou tristemente — Sinto como se eu estivesse fazendo uma escolha errada. Porquê me sinto assim? Porquê não me sinto feliz com isso? Porquê eu me sinto triste com qualquer escolha que eu faço?! Por que isso? O quê eu faço? — ela esfregou o lenço em seu rosto; afogando-se em lágrimas uma última vez naquela noite enfadonha.

Do lado de fora do quarto, atrás da porta, permanecia uma figura suspeita. O corredor estava escuro demais; seu rosto estava coberto por uma sombra, o que impedia de identificá-lo. Ela olhava por um buraco de fechadura. Num instante, a figura sombria ergueu sua cabeça e, sem nenhum ruído, trotou para a escada em espiral, descendo suavemente. Ela abaixou a cabeça tristemente. Ela não podia fazer nada para ajudá-la. Com toda a clareza em sua mente, ela podia vê-la: O rosto de Octavia, encharcado de lágrimas. E ela lutando para contê-las, sem nenhum êxito. Mas não havia ninguém com um lenço para seu socorro.

Fim do Prólogo



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Notas finais do capítulo

Ainda há muita coisa para o desenrolar da história e pode ser que a faixa etária fique aumentando cada capítulo.



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