Emoticontos escrita por Palas


Capítulo 6
O Vendedor de Desastres




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O vendedor de desastres estava sentado calmamente em sua escrivaninha quando o próximo cliente, uma menininha loira de uns dez anos de idade, entrou no escritório.

Não sei por que essa cara de quem não sabe do que estou falando. Desastres não se fazem sozinhos, sabe? São pessoas com comportamentos bastante parecidos com os nossos - jogam lixo na rua e fazem de tudo para aparecer na televisão. Não é? A diferença é que eles nascem em uma casta, com um destino já traçado e uma vontade irresistível de cumpri-lo. Depois se aposentam - têm uma vida boa, acho.

Acontece que em algum momento o mercado de trabalho passou a exigir especialização e financiamento, então um homem misterioso prontamente se apresentou para agenciar todos os desastres da Terra, dando todo o suporte possível e depois sendo pago com direitos de imagem e uma cota de 5% em possíveis transferências para o exterior.

"Ora, ora.  " - ele disse - "Você é uma das mais novas que já passaram por aqui! Deve ser um Furacão. Vocês sempre vêm tão pequenos. Enfim, como sabe, fui padrinho de casamento da Etna e do Vesúvio. Posso ajudar?"

A menina tirou as mãos do bolso do macacão e só as abriu quando terminou de despejar todas as moedas na mesa. O vendedor de desastres riu como se ri do sobrinho pequeno que cai do sofá, fez um sinal de "Peraí" e foi até um cômodo muito escuro atrás do escritório, de onde voltou com um livro gigantesco que jogou na mesa, mesmo sabendo que ia fazer a garotinha tossir o estômago por causa da poeira.

"Não funciona assim.  " - ele explicou - "Eu que financio você, cuido de você. Você me paga depois, só, conforme o que conseguir. Mas gostei de você, tem atitude - acho que vai longe. Além disso, já treinei muitos furacões " - o vendedor de desastres abriu em uma página aleatória onde tinha umas fotos dele segurando o chapéu na cabeça - "São os melhores, vocês. Esse aqui é o Andrew - acho que ele cumpriu seu trabalho uns anos antes de você nascer. Graças ao nosso treinamento, ele atingiu 165 milhas por hora!"

"...Quanto dá isso em quilômetros?  " - a menina perguntou, não parecendo muito impressionada.

"É esse tipo de coisa que você tem que aprender pra ser um bom furacão  "

"Não posso só... chegar em algum lugar e destruir tudo?  "

"Mas é claro que não.  " - o vendedor de desastres nunca tinha ouvido nada tão estúpido. - "Você tem que aprender como se faz, desenvolver seu potencial, agir com ~multi e interdisciplinaridade~."

De qualquer forma, a garotinha aceitou a proposta. Logo ela foi para a escola mais elementar, onde teve que conviver com terremotos tímidos e inundações extremamente folgadas, do tipo que colocavam o cotovelo delas na sua mesa. Todos estavam extermamente ansiosos para aprender a cumprir seus respectivos deveres. Cada um tinha a sala separada de acordo com a função, então a furacoazinha só tinha aula com outros furacõezinhos - o que era ótimo, porque então todos poderiam comparar seus desempenhos nas provas e tentarem desesperadamente se auto-afirmar na turma. Claramente o maior trunfo do sistema educacional.

E imagine você sendo um furacão. Como você poderia matar pessoas - seu propósito de vida - sem saber contar quantos mortos você faz? E como poderia saber contar mortos propriamente sem saber elaborar tabelas e gráficos no Excel? A garotinha esperava que, em suas aulas de Estatística, fosse ter algo como testes de personalidade e "para que casa de Hogwarts você iria?", mas o que ela achou foi muito mais excitante.

Mesma coisa na aula de sociologia - nada ajuda mais um furacão a prever onde as pessoas se escondem em caso de desastre do que um gigante e instrutivo texto escrito por algum alemão que morreu antes mesmo de furacões terem nome. E como você ia querer causar ventos devastadores sem saber o que é uma tensão de cisalhamento? COMO?

Não sem surpresa para o tutor (o próprio vendedor de desastres), a menina se saía mal nos exames. Quando a chamou para conversar sobre seu desempenho, ele pediu que ela viesse com mochila.

"Deixa eu ver seu caderno.  " - ordenou, assim que a garota entrou pela sala alisando as maria-chiquinhas.

"Pra quê?"

"Eu quero saber se está acompanhando as aulas direito. Seus professores estão reclamando. "

A pobre coitada abriu o zíper da mochila tremendo e quase deixou o caderno cair, pois estava pegando com o mesmo prazer de quem pega um sanduíche do Bob's. O homem, muito solene, abriu o material com o respeito de um pastor à Bíblia, para então descobrir que ela estivera desenhando o tempo todo. Tinha histórias em quadrinhos, na maior parte, mas também havia rascunhos de cidades e pessoas.

"Posso saber " - trovejou o vendedor de desastres - "o que é isso?"

"É como eu faço minhas anotações." - A garota disse, catando toda a arrogância que ainda tinha dentro de si.

"Você chama isso de anotações? Isso aqui é um ambiente acadêmico, mocinha. Temos que fazer as coisas do jeito correto. Olha, vou te levar para um congresso, pra ver se você se inspira. Até pra ver se relaxa um pouco, deve mesmo ser estressante para alguns." - O "alguns" soou extremamente ofensivo - "É sobre metodologia para o estudo dos desastres na Antiguidade. Quando voltarmos, trate de estudar. "

"Quer dizer que vão falar sobre desastres legais e que mataram muita gente? "

"Não, quer dizer que vão falar sobre teorias fascinantes sobre como se deve pesquisar um desastre antigo. Vai ser muito divertido e no exterior. Em Nova Orleans, conhece? Já vou até comprar sua passagem aqui. Desculpe, só esqueci seu nome inteiro. Qual é, mesmo?"

Katrina não conseguiu disfarçar o riso.


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