Agoraphobia escrita por Bonnie


Capítulo 1
Medo


Notas iniciais do capítulo

Quando escrevi essa fic pensei exclusivamente no Ruki narrando esse POV, e a pessoa a quem ele tanto se refere como sendo o Reita... Mas, como em momento algum eu cito nomes, podem ficar livres para imaginar quem quer que seja. rs



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O simples fato de o medo invadir minhas narinas me faz tremer, e mais uma vez assim eu perco todas as minhas chances de estar com você outra vez.


Eu me acho ridículo, esse medo ridículo, essa forma ridícula de temer os seres humanos. Para quem vê isso do lado de fora da coisa, deve achar que eu sou louco, pois para os que estão de fora tudo que eles não podem explicar facilmente é tratado como loucura. E se meu medo é loucura, então todos nós somos loucos.


Parece que você esqueceu desse meu medo. Pois semana passada você ligou me convidando para sair, dar uma volta, beber alguma coisa. É... Sinceramente você esqueceu do meu medo, ou você talvez só não entenda que eu não posso te ter aqui comigo.


É difícil para mim lidar com o fato de não conseguir por o pé para fora de casa. Eu sinto uma vontade louca de ver o brilho dos seus olhos novamente, de te sentir aqui comigo. Você parece ter esquecido dos meus medos, e eu pareço ter esquecido de mim mesmo.


Então acabe com isso logo, antes que isso acabe conosco.


Esperar que a minha indecisão tome coragem e se decida é o mesmo que ler um livro de olhos fechados, eu tento mas é mais do que impossível.


Eu me afastei de tudo, me afastei de mim mesmo. Eu não queria perder o que eu tinha na minha infância, mas o medo fez com que eu perdesse a minha vida. Eu a vi escorrer por entre meus dedos, mas simplesmente não podia fechar as minhas mãos, o medo atrofiou os meus músculos, me paralisando, me deixando desprotegido de mim mesmo.


Daqui de cima o asfalto tem uma cor muito interessante, daqui de cima, pular me parece uma saída muito atraente, mais atraente que a pele macia dos seus lábios tocando os meus.


Eu me escondi no 42° andar de um prédio qualquer, de uma rua qualquer, de um bairro qualquer, de um subúrbio qualquer, de uma cidade qualquer, de um estado qualquer, de um país qualquer, de um continente qualquer, do meu mundo. Eu me fiz refém de mim mesmo, e isso é o meu pior castigo.


O cheiro de mofo me embriaga. A mistura de sangue, cigarro, bebidas e medo, tomam conta dos apertados cômodos desse lugar. Eu estou entorpecido de mim mesmo. Em um estado letárgico de autodestruíção. Sinto como se vermes subissem pela minha pele, eu a coço, arranho, arranco e tento sucumbí-la em uma mistura barata de desinfetante e água potável.


Fez um mês desde a última vez que eu te vi, mas isso não vem ao caso agora, afinal, você esqueceu do meu medo, esqueceu do lugar onde morro, esqueceu de quem um dia você disse amar. Esqueceu como todos os outros. Esqueceu como se eu fosse as páginas amarelas de um guia telefônico antigo, usado como forro para a cama de um gato.


Pensando em tudo isso eu me arrasto por entre os móveis espalhados ao chão. Encosto-me em uma das paredes e deixo meu corpo pender para baixo, até me sentir tocar o chão imundo.


"Não, não dá. Lá, lá, lá. Você não pode me pegar, você não vai me pegar!"


Meus olhos parecem querer saltar de órbita e um sorriso psicótico paira sobre meus lábios. Meu corpo se movimenta, para frente, para trás, para frente, para trás. Eu não consigo parar, está frio aqui e eu não posso me levantar.


"Mamãe, mamãe! Eu não fiz nada demais, por favor, não me bate não fui eu! Nããããoo! Mamãe, eu te amo!"


Parem, parem! Vozes malditas me deixem em paz! Não eu não quero lembrar, vão em embora, pelo amor de Deus! Vão!


Eu me levanto bruscamente. Os vasos sobre a mesinha de centro vão de encontro ao chão. Os porta-retratos na prateleira, da estante, vão contra a parede. Os discos, CD's, vão de encontro a televisão. As folhas rabiscadas tomam seu lugar junto aos ratos.


"Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de viva!"


Não, eu não gosto de aniversários, todas aquelas pessoas a minha volta. Eu não gosto dessas pessoas, elas não gostam de mim, elas querem me levar pra longe. Pessoas, feias, más e fedorentas, que pegam criancinhas pra fazer mingau...


"É big, é big, é big, é big. É hora, é hora. HA-TIM-BUM..."


Uma gargalhada. E mais objetos vão de encontro o chão.


O gargalo da garrafa de vodka barata vai de encontro aos meus lábios. Um gole, um gole certeiro, desce queimando a minha garganta e levando junto com ele todo o meu medo.


E esse meu medo. Esse meu maldito medo. Que fez com que eu me afastasse de todos que um dia eu gostei. Agoraphobia, esse maldito medo de lugares abertos, medo da vida. Graças a ele eu adquiri novos medos. Não posso chegar perto de algo vivo, pessoas, elas me dão medo.


Perdi minha consciência, minha sanidade mental. Perdi a capacidade de distinguir o certo do errado, o real do irreal. Sou obrigado a conviver com essas vozes, elas têm sido minha única companhia nos últimos 6 anos da minha vida.


"Vamos, só mais um gole, isso te fará bem!"


Sussurros.


Eu sempre ouso o que elas dizem, eu sempre faço o que elas mandam, eu vivo em função de seus caprichos.


Um gole, outro gole, mais outros goles. E líquido chega ao fim e eu nem sinto mais arranhar minha garganta. Outra garrafa, mais outro gole, até o seu fim.


"Os comprimidos, os comprimidos. Eles estão ali, vamos, tome-os!"


E eu as obedeço.


Cambaleando eu vou até a pequena mesa ao lado do sofá. Ali estão os malditos comprimidos. De um branco inigualável, de um branco angustiante, de um branco que me faz querer sentir o seu sabor. Logo eles descem por minha garganta, e mais um gole de vodka para ajudá-los a descer.


Sinto-me tonto, minhas pernas já não respondem aos meus comandos. Minha visão está turva, eu já não consigo mais sorrir.


Se eu pudesse ao menos por o pé para fora desse apartamento fétido eu teria a chance de te encontrar novamente, mas eu não posso, o meu medo não deixa, elas não me deixam sair.


Passo diante o espelho. Minha imagem embaçada, minha barba por fazer, meus olhos vermelhos, minha pálpebras dilatadas. Uma bela imagem de um fracassado que tem medo de si mesmo.


"Venha, venha! Vamos até a sacada, está um dia lindo lá fora! Venha...Venha...Venha..."


Junto as forças que ainda me restam e caminho vagarosamente até a sacada. Elas têm razão está um lindo dia, e o sol já está se pondo.


O medo, sempre ele, invade as minhas narinas, o asfalto já não tem mais o tom atraente. Eu estou com medo de cair.


"Suba, suba. Se jogue, e seu medo acabará por aqui!"


Tudo que eu mais quero é me livrar desse medo. Medo maldito.
Talvez não seja uma má ideia pular.


Me apoiando desastradamente eu subo no parapeito da sacada, é muito algo aqui de cima. 42° andar, é um ótimo andar para se escolher morar, eu sempre quis morar em um lugar alto.


Meu corpo pende para frente, eu já não posso mais me segurar. Eu fecho os olhos para não ver o asfalto se aproximar de meu rosto.
Tudo passa como um filme em minha cabeça. Você aqui comigo, todos, minha infância. O medo já não mais existe, e eu já não mais as escuto.


Não há mais o que temer.


E assim eu sinto o meu corpo colidir contra o tão desejado asfalto.


Acabou. Eu não mais sentirei o medo daqui para frente. E o inferno a partir de agora será minha nova moradia.


Em meu testamento, gravado em minha pele, deixo pra ti tudo de bom que ainda possa ter restado. Deixo minha vida, que era você, e meus sonhos não realizados.


Não há mais medo. Acabou.



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