Coisas Devem Fazer Sentido. escrita por Heloisa


Capítulo 3
Diário Antigo




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21/de Abril de 2005
Quero viver e esquecer aqueles que me afligem.
Quero aceitar o jeito que sou, deixar de ser a menina boba.
Quero investir em min.
E deixar que ilusões da minha cabeça me persigam.
Vou sorrir para o Sol e sonhar com a Lua.
Relaxar com o vento e sentir o prazer úmido da chuva.
Por fim.
Quero sorrir sem me preocupar...
Recomeçar é uma nova medida, mudar e um novo conceito, ser você mesmo é uma prioridade!

Escrevi estas palavras naquela noite chata, no qual não consigo esquecer. De fato era sim para ter uma mudança, e aconteceu. Lenta, mas aconteceu.
Depois de uma semana em casa percebi que essas lembranças guardadas me machucam. Corroem-me, me ferem... Por isso estou jogando fora cada folha que me lembra dias tristes de um diário antigo.
Era um terça chuvosa e triste, o dia inteiro havia ficado nublado e a noite a chuva caiu como se o céu chorasse pelo mundo. Como se a dor se desmanchasse em cada gota. Eram 19h30min quando meu celular tocou. Era Marisa querendo saber das novidades. Lhe contei o que aconteceu a cada detalhe.
– Não se irrite muito com o Edu, ele passou muito tempo falando de você, ficou muito bravo quando foi viajar sem se despedir... De um lado ele tem razão.
– Sei mas...
– Ele também não está passando por um momento fácil compreenda.
– Me parece que você esta do lado dele. – instiguei
Marina bufou e continuou:
– Não estou do lado de ninguém, mesmo que tivesse um lado nenhum dos dois me conta o que aconteceu antes!
– Marisa...
– Marisa, o que?! Desde que somos amigos vocês vivem de segredos comigo, ajudo os dois, dou meu ombro a ambos, mas na hora de me contar o que realmente acontece todo mundo foge!
– Você também está brava?! – esbravejei
– Estou sim! – retrucou ela
– Ótimo!- disse
– Ótimo! – disse ela batendo o telefone na minha cara.
Era só o que faltava, havia brigado com mais amigo por um motivo do passado. E estranho como o passado pode fazer parte de um futuro-presente. Também é curioso como as pessoas reagem a ele, principalmente em feridas. Marina sempre gostou muito de Eduardo. Nos éramos o tipo caso do trio de amigos que gostavam um dos outros. Mas ate então ninguém nunca havia dito nada, mas naquela sexta meus sentimentos já estavam insuportavelmente cansados. Era seguir em frente com ele ou não.
A única coisa que me arrependo foi de não ter sido sincera com Marisa, a minha única amiga.
‘’Somos feitos de faces, ninguém é o seu verdadeiro eu, ninguém no sonho eterno... ’’
Nunca escrevi nada que as pessoas pudessem entender, principalmente no antigo diário, nele há tantas lembranças, a maioria ruins, porque nunca tive ninguém com quem conversar. Já que sempre fui do lema ‘’ Os problemas são meus, ninguém deve se incomodar ouvindo-os.’’ Mas... Ultimamente meus problemas são tão fúteis, são sentimentos que tarjei infantis, que eles realmente não merecem ser lembrados.
Voltei a observar a chuva e as pequenas gotículas que escorriam pelo vidro, por mais que tentasse a sensação de estar fazendo tudo errado me bateu. Nessa mesma noite o meu celular voltou a tocar e era o meu chefe. Estava me propondo férias em outro estado do Brasil, onde iria há alguns trabalhos durante um mês, mas o restante seria para o descanso. Disse que iria pensar na proposta, já que mal havia voltado e já estavam me propondo saída novamente. Fui à cozinha fazer um café para ligar os nervos, e me deparei com papel grudado na geladeira, em instantes uma noite toda me voltou a cabeça, ali estava escrito o telefone de Felipe, me lembro dele exigir que ligasse.
Puxei o pequeno papel amarelo e o fitei, peguei o telefone na bancada da cozinha e disquei. Parece que nessas horas um segundo se transforma em minuto; minuto em hora. Chamou seis vezes ate cair na caixa postal, hesitei e não deixei nenhum recado. Não que esperava que ele atendesse, mas sei lá... Caminhei ate o som e peguei um cd que há tempos não ouvia, coloquei-o no pequeno aparelho e descobri batidas pesadas e letras rimadas. Como pode uma musica bela ser tão triste? Como a vida tende a ser tão cruel? Questões que levantei em menos de meio refrão. E o telefone tocou apressado e urgente, como todos são... As lagrimas em meu rosto já escorriam e a única coisa a dizer foi:
– Alô...
– Oi, foi você que me ligou? - perguntou
– Foi... – disse meio constrangida e um tanto menos triste. – Me desculpe é que...
– Está tudo bem com você?
É estranho que certas palavras podem soltar sentimentos guardados há tanto tempo. Sei que fiquei mais de três horas conversando com Felipe, e sei que em uma dessas horas eu chorei. Havia contado grande parte de lembranças passadas minhas. E por incrível que pareça ele me ouviu, me fez perguntas, e me deixou melhor. Em um momento ele contou um pouco sobre si, que era descendente de indígenas e sua terra natal era Goiânia; que sabia cozinhar e que tinha como sonho ser um grande chefe e ter um restaurante. Eram assuntos tão simples e comuns, mas que possuem tanta importância em meu espírito que mal sei explicar. Sei que depois trocamos números de celular, e conversamos mais algumas besteiras de como as comidas chinesas são gostosas. Ele chamou para sair e aceitei, sabendo que só o vendo poderia agradecer o apoio.
E naquela noite deitei em minha cama, mas não consegui dormir, havia uma ansiedade e uma paz e meu peito que mal podia me controlar, meus pés se mexiam agitados como se não fizessem parte de mim. Já estava quase adormecendo quando meu celular vibrou, nele havia uma mensagem um tanto simples me desejando Boa Noite , o que me fez dormir de certa maneira mais feliz.
●●●●
Eram 12h30min estava arrumando as minhas malas novamente, ajeitava tudo calmamente, para que não desse a impressão de que estava fugindo. No dia anterior havia passado o dia com a minha mãe e ouvi uma bela bronca por ficar fora tanto tempo. Meus pais desde muito pequena foram sempre muito protetores comigo e com os meus outros três irmãos. Lembro que quando resolvi sair de casa e tentar enfrentar o mundo sozinha e meu pai deu a condição de que só sairia se minha conta bancaria tivesse dinheiro o suficiente para pagar seis meses de aluguel. E foi o que aconteceu, mas tirando tudo isso meus pais sempre foram um exemplo em questões de trabalho e conquista profissional. Mas à questões sentimentais sou tão ruim quanto eles.
Fechei a mala quando a campainha tocou, sabia quem estava para chegar e mal contive a minha respiração regularmente, quando abri a porta ele sorriu e me entregou um buque de lírios cor laranja. Olhei para o seu rosto que sorria e agradeci.
– São lindas. Obrigada. – Adorava lírios ainda mais por serem bonitos e durarem tão pouco, assim damos mais valor, já que coisas boas vão embora cedo... O convidei para entrar e de leve, ele me deu beijo na testa. Não é uma coisa que esperamos, mas meu olhar se encontrou com o dele em agradecimento. Ele sorriu novamente e já estava me viciando com aquele gesto. Um sorriso.
– Está melhor? – ele me perguntou com um olhar mais serio.
– Estou sim obrigada e me desculpe por onte... – ele me interrompeu e quando pude perceber os nossos lábios já estavam juntos. Labios quentes e com convicção. O tempo passou rápido e o ar em meus pulmões havia se esgotado. Ele sorriu novamente sem dizer nada.
– O que foi? – perguntei
– Você conseguiu.
– Como...? Consegui o que...?
- Tornar os seus lábios viciantes.
O sentimento que me tomou foi tão diferente que mal sei explicar. Logo ele se ofereceu a cozinhar, mesmo negando que seria feio da minha parte não fazer nada. O observei, costas largas, alto, e braços compridos, e rosto estranhamente bonito meio quadrado feições duras que só mentiam mostrando uma personalidade bruta. Eu o conhecia tão pouco, certamente alguém sensato não se entregaria ou daria tanta confiança a um estranho. Não. ele não era mais um estranho, estava mais para alguém que entendia meus olhares.
Felipe manejava a cozinha muito bem, enquanto eu gastava trinta panelas apenas para fazer um arroz, ele fazia com perfeição uma refeição completa gastando apenas o necessário.
– Aonde aprendeu a cozinhar tão bem? – perguntei enquanto provava um molho de tomate. Felipe tirou a colher da minha mão e voltou a mexe-lo.
– Aprendi com meu tio em minha cidade natal, lá ele possuía um restaurante de comida caseira, e todas as tardes quando pequeno eu aprendia uma receita diferente com ele.
– Mas...? – perguntei porque parecia que havia algo a mais.
– Ai ele acabou perdendo o restaurante e nunca mais cozinhou e desde daquele tempo prometi a ele, e a mim mesmo que iria abrir o melhor restaurante do país, mesmo que demorasse toda a minha vida.
–Nossa... Mas você vai conseguir.
– Não tenho muita certeza. – disse ele me dando um rápido olhar de duvida. - Mas e você quais são os seus planos?
– No momento não sei ainda.
– Não... Digo os de vida. O que você planeja?
Sempre fui muito levada pela maré quando resolvi ser designer pensei uma coisa e no final o resultado foi outro. Mas o que eu planejo agora...?
– Sinceramente, gostaria de viajar pelo mundo, mas não a trabalho. Conhecer a cultura de cada povo mesmo que ainda eu seja meia caseira. Mas também não ligaria se criasse raiz em algum lugar, não me importaria.
– Não me pareceu caseira naquele dia do bar. – zombou Felipe. O silencio tomou mas que foi cortado ele olhou para o meu rosto.
– Nesse dia fui comemorar a minha volta, mas no final não acabou sendo do jeito que queria.
– Seu amigo não parecia muito feliz. – comentou.
– Eu sei. Ele não está passando por um bom momento.
E assim encerrei a conversa não queria lembra-me de Eduardo, não tão cedo. Almoçamos com a mesma calma do dia, era um final de tarde tão caloroso que sentamos na pequena varanda.
– Só não perca as esperanças nas pessoas Ana. O mundo pode ter sido cruel, mas você não tem que desistir.
Sabia do que estava falando alguns dias atrás havia contando os acontecimentos mais chatos da minha juventude, desde quando era pequena onde passei grande parte da infância internada e depois na adolescência no qual meu pai tinha problemas com bebida. Sabia muito do sentimento que ele informava, mas mesmo que quisesse não iria desistir.
– Eu sei... Mas só que as vezes cansa, só as vezes... – Voltei a olhar o pôr-do-sol encoberto por nuvens e as pequenas luzes dos prédios se acenderem gradativamente.
– Deve ser mesmo. Eu queria te fazer uma pergunta.
– Claro.
– Você gostaria de ir embora da cidade comigo?


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Notas finais do capítulo

^^



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