Carta de nota musical
(Onpu no Tegami – Miyavi.)

Não sou bom ao piano, mas você ainda me ouviria?
Mesmo que eu seja amador, isto chegaria a você?

Eu subo as poucas escadas que separam nossas casas. De Escorpião para Aquário não é uma distância longa, mas o sol queima minhas costas e ainda tenho mais um fardo que arde ainda mais, em meu coração. Mas vou devagar, o rosto abaixado, quase como querendo me punir por esta dor. Engulo em seco quando vejo o portal de mármore antigo. Uma rápida prece e adentro o templo, que parece estar se auto-destruindo. Congelando gradativamente, se tornando um esquife que o próximo cavaleiro que herdar sua armadura terá que quebrar. Passo pelo campo de batalha, o salão principal, e vou direto as portas de pedra pesadas dos seus antigos aposentos pessoais. Com nenhum esforço as abro,mas paro para, de novo, fazer uma prece. Seu fantasma inexistente ainda assombra meus pensamentos, enquanto eu me dirijo a seu antigo quarto. Tudo aqui parece tão desolado e abissalmente frio sem você. Inclusive eu. Cubro a distância até seu armário e o abro, pegando um estojo em couro batido. O abro. Seu violino. Uma belíssima peça, entalhada em madeira vermelha muito escura, perfeita em detalhes, afinação e beleza. Assim como você. Balanço a cabeça e pego o arco, com receio. Será que você poderá ouvir este réquiem? Desconsiderando todo seu sarcasmo e correções quando tentava me ensinar a tocar, já estou com o rosto inclinado tocando a madeira gelada, o arco posicionado. A melodia sai, rouca, amadora, triste. Como se fizesse um esforço enorme para existir, criar asas e pairar, melancólica, preenchendo este templo, seu dever e túmulo.

Eu sempre, sempre tive algo que queria falar a você.
Mas sou péssimo com palavras, e isso me envergonha,
então pus em notas.

Ouça, esta é a minha declaração. Leia nestas notas as palavras que se entalaram e tropeçaram na minha língua antes mesmo de baterem em meus dentes, me calando. Ouça o "Eu te amo" em notas firmes, insistentes, que permanecem como um gemido estendido. Ouça o "Eu te desejo", como a sutil mudança da melancolia em raiva, desespero, ritmo, desafinação, batimentos de coração roucos na madrugada. Ouça a minha preocupação como esta nota insistente, que quebra o ritmo, mas ainda assim é bela por si própria e imortal. Tudo o que eu sempre desejei, tudo o que sempre amei, tudo, tudo, tudo foi você. E agora entendo a minha cruz, lembrando de suas notas no violino. Você também me amou. Você também me desejou. Você também se preocupou.

Mesmo que minha garganta se quebre, mesmo se eu ficar doente.
Eu continuarei gritando para você, para você, por toda minha vida.
Isso é o que eu decidi agora. Sim, eu decidi.

E é aqui que tudo acaba. Mas também onde começa. Começa meu infinito sofrimento, perdendo tudo o que era mais precioso para mim, perdendo meu coração e confiança. Meu melhor amigo. Eu me sento, ainda estou sustentando uma nota. E esta nota vai durar para sempre. Até que você volte para mim.