Sorriso congelado  

    Eu era pequeno e andava no meio da multidão. Tinha medo de ser pisoteado, tinha medo do escuro e do frio que tentava me exterminar. Mas ainda esperava...

      Fazia-se dois anos que começara a viver assim, uma vida sem a vida. Ele era apenas uma sombra para as pessoas. Recebia restos, era um animal de estimação. Mas o intrigante é que quando as pessoas passavam por cima dele, o humilhavam e o maltratavam, seu sorriso, congelado desde a morte de seus pais, se mantinha. Apesar de estar em frente à morte, ele sorria.

       Um dia um estranho, sem entender e sem reações, após transferir um chute ao menino, ficou intrigado, ele continuava com seu sorriso gelado, nem o sangue quente que escorria por sua boca poderia descongelá-lo. Perturbado perguntou:

- Porque ainda sorri? Porque transfere um sorriso carinhoso aqueles que te maltratam? Porque?

      O menino sorria ainda mais. Era como se estivesse chegado a sua hora, como se esse momento ja fosse esperado, talvez essa pergunta fosse a única certeza que ele tinha de que se Deus existisse ele o perguntaria, olhou-o nos olhos e disse:

- Senhor, o senhor tem os olhos iguais aos meus.

      Ele não entendia que tipo de resposta era essa. No entanto sentia agora um sentimento diferente, um que o fazia sorrir. Era saudável esse novo sentimento, sentia seu corpo quente apesar de estar nevando ao seu redor. Estendeu a mão para o menino involuntariamente. A mão dele era fria, igual ou mais que a neve, mas o calor que se acendera dentro do homem era tão quente quanto aquele frio. Ele o esquentava e vice-versa.

      Levou-o para casa, deu a ele um lar e um pouco de carinho. Não era mais um animal e sim um ser humano. 

      Apesar do tempo, ele nunca fora capaz de entender o significado daquela resposta, sua mente simplesmente não processava aquilo, mas seu coração parecia entender profundamente. Seu coração a aceitava, junto com todas as indecisões do mundo.

     Era apenas o fogo para o frio, assim como o frio para o fogo. Uma instabilidade, que se tornara uma vida que ja existia, mas nunca antes vivida.