Heartless escrita por SemiForever


Capítulo 1
Heartless


Notas iniciais do capítulo

The Fray - Heartless
;*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/188000/chapter/1

Não julgaria este um vento forte, mas bem característico de uma tarde de outono. Confortável e o bastante para estar vestindo um simples agasalho de moletom no fim de tarde.

Atravessei a rua movimentada graças a gentileza de um taxista e parei na entrada no grande bosque.   

- Selena! Selena! – ouvi a voz infantil e familiar.

- Olá Katherine. – cumprimentei, rindo ao sentir os braços pequenos da menina em minhas pernas. – Cadê sua mãe?

Apontou o dedo indicador para uma mulher de idade média balançando um garotinho menor no balanço do começo do bosque.

- Deveria estar brincando com seu irmão. – sorri ao me abaixar até sua altura de cinco anos.

- Deveria, mas o que aconteceu com você? – perguntou parecendo preocupada. – Lembro de encontrar-la todos os dias aqui e, de repente, sumiu.

- Hm, problemas. – ajeitei o cabelo loiro sujo. – Diremos que tinha de... esquecer algumas coisas sobre esse lugar.

- Algumas coisas ou alguma coisa? – tornou a perguntar, o sorriso brincalhão voltou ao rosto delicado. – Melhor: alguém.

- Ok, chega de pirraça. – beijei-lhe a bochecha antes de levantar novamente. – Volte para sua mãe.

- Certo. – concordou relutante e correu pelo caminho de pedra cercado por arvores, parando no meio. – A propósito, ela já esta aqui.

Não esperou resposta minha, voltando a correr para o balanço ao lado no irmão de dois anos.

Suspirei, franzindo o cenho para a ultima frase.

Dei um ultimo olhar ao parquinho onde Katherine ainda sorria marota e segui para a outra opção de caminho.

O bosque era enorme, com a função de marcar o fim da cidade.

Uma pessoa poderia se perder facilmente em meio as arvores, principalmente seguindo meu exemplo: cortando as longas linhas de caminho forrados com pedregulhos por uma simples linha reta até o lago.

Sim, um lago. Gigantesco.

E, ai sim, era o fim da cidade. Se o atravessasse já estaria automaticamente sob ordens de outro presidente. Mas ninguém levava isso a sério, até porque nas tardes de verão as águas tranqüilas eram a atração principal.

Suspirei com saudade ao encontrar o banco de pedra que denominava meu.

Sentei-me diante da vista panorâmica de tinha do grande lago. Cada vez que vinha pensava estar maior e maior.

Apoiei a bolsa que pesava em meu ombro na pedra fria diante no clima nada instável, o que ainda me fazia ter alguma esperança. Coisa que me confundiu a fala de Katherine.

Katherine.

Uma doce garota que acompanhei crescer desde os dois anos e meio, quando começou a visitar o bosque constantemente. Mas demorou mais algum tempo para saber o porque de seus pais a distraírem tanto com passeios ao ar livre e sorvetes: é paciente de leucemia. Câncer, para mais fácil compreensão.

O que me fez ficar ainda mais perto de seu desenvolvimento.

Tirei o caderno profissional de desenho na bolsa de couro marrom, junto ao toco que ainda chamava de lápis 3B.

Passei as paginas com rapidez até encontrar o rabisco ainda não terminado.

Deveria fechar aquele maldito caderno e jogá-lo o mais longe possível, alegre por saber que estaria afundando até o grafite desaparecer. Mas algo me prendia ao objeto, ou melhor, a figura.

O final de tarde estava nublado, me fazendo pensar na hipótese provável que não encontraria o que precisava até que ouvi o som pacífico da locomoção de água.  

Meu olhar foi focado ao longe com uma felicidade que insistia em não admitir. E, lá estava ela.

Escondi um sorriso involuntário ao assisti-la praticar remo.

O barco pontudo deslizava sob a água pela força dos braços nos dois grandes remos de metal profissional.

Observei a roupa inapropriada para o clima, com o sorte marcando as coxas trabalhadas e a regata de material próprio para mergulho. O suor escorria mesmo com o sol escondido por nuvens cinza enquanto as pernas se movimentavam em sincronia com os braços, dando o impulso necessário para o esporte, e o cabelo preto preso num cabo alto.

O peito ofegante me indicava ter percorrido quase o lago inteiro.

Apertei o lápis em meus dedos, sabendo que estava passando rápido demais. E, como se tivesse ciencia de meus pensamentos: parou.

A canoa moderna planava na água limpa e tratada, quando assisti o corpo cansado ofegar mais forte. Os remos largados pendiam dentro na água abundante.

Era agora, sabia.

Abaixei minha cabeça para o desenho que continuei no caderno apoiado em minhas pernas.

Escondi mais ainda meu olhar, sentindo o seu em mim.

Era agora que ela sempre encontrava meus olhos, crescendo um sorriso simpático no rosto pálido. E não queria. Só o que desejava era terminar esse desenho para minha faculdade de artes, mas era impossível sem ela.

Me sentia tão idiota por pensar assim. Ela era uma completa estranha.

Nunca cheguei perto o bastante da pessoa ou mesmo dirigi uma palavra, só vinha aqui toda tarde assistir o esporte ser praticado até cometer a estupidez de dentar retratar. Na tentativa de que se tivesse a figura em casa não precisaria perder um tempo que poderia ser investido ao vir aqui.

O problema foi que desde o começo do desenho percebi não ser o esporte o que me atrai, então desisti do desenho. Fazendo-o inacabado, o que me irritou profundamente.

Então aqui estou, tentado provar a mim mesmo ser capaz de ficar acabar o retrato da garota misteriosa do lago sem nenhum ressentimento. Provando ser somente o fato de não terminar o desenho a me aborrecer.

E quase falhando também.

Contei os segundos que sabia ainda ser possível alguma troca de olhares e voltei a visão para o lago, no objetivo de mais um flash para a continuidade de meu desenho. Mas quase engasguei ao focar a figura bonita da garota ainda olhando para mim.

Um sorriso divertido brincava na carne vermelha dos lábios bem desenhados.

Apertei o pequeno lápis mais forte nos dedos nervosos.

Quem estava querendo enganar?

Tinha me apaixonado por um desenho. Um desenho de Deus, que tentava retratar em meu caderno de folhas brancas que não fazia jus ao cenário.

Tinha me apaixonado por uma completa desconhecida e agora estou com medo do que seu sorriso brincalhão me dizia.

Assisti a mão, delicada demais para alguém que trabalha em remos, dar-me um aceno simpático, que retribui hesitante. Ainda assustada demais para um sorriso.

Sorriu mais largo, tendo a certeza de estar sendo observada.

Fechei meus olhos com força ao perceber ter dado uma confirmação tão obvia e ao abrir-los vi o que parecia um riso. Logo após, a mesma mão do aceno foi esticada para cima em sinal de pausa.

Então a vi pegar um caderno um pouco maior que o meu e escrever algo.

Desapertei o toco de madeira em minha mão quando percebi estar machucando, mas tornei apertá-lo inconscientemente quando ergueu o bloco onde a tinta preta dum canetão brilhava em desta que a folha branca: qual seu nome?, perguntava.

Congelei na duvida se respondia ou não. Mas sabia que era mais uma tentativa minha de fingir lutar contra o que queria.

Selena, e o seu? – respondi aproveitando a frase curta para uma curiosidade minha.

O sorriso nunca deixava o rosto pálido, mesmo que a cada momento expressasse coisas diferentes.

Demi. Porque sumiu?

Se era possível me assustar mais, faria agora.

Meus olhos percorriam a frase como se negasse aceitar o significado.

Ela também me observava.

Sorri envergonhada, sentindo as bochechas corarem.

Complicado. – escrevi por fim.

Não tenho pressa. – incentivou dando de ombros.

Falta de tempo. – resumi, com uma estranha sensação de estar mentindo. O que sabia não fazer. Talvez omitindo, mas não mentindo.

E vai me mostrar seu desenho? – perguntou.

Talvez. Mas como? – retornei, começando a me sentir a vontade na conversa estranha.  

Num encontro. – sorri ao observar a ultima palavra sublinhada.

Isso é um pedido? – perguntei, percebendo o riso permanente em meus lábios.

Sim. Aceita? – senti minhas bochechas esquentarem novamente perante sua segurança.

Adoraria. – respondi, não contendo o impulso de sublinhar a palavra, imitando seu ato.

Queria ouvir seu riso mas a distancia não deixava.

Assisti os dentes brancos desaparecerem aos poucos ao olhar no relógio de pulso, até sobrar apenas um puxão de lábios.

Tenho que ir. – “disse”, fazendo um aperto começar em meu peito.

Acenei a cabeça com compreensão, enquanto acenava um adeus.

Até nosso encontro. – escrevi sorrindo, observando o riso novamente na boca convidativa.

Então ela se foi, a remadas precisas e rápidas para adiante no rio.

Tinha um nó na garganta mas não pude deixar de sorrir largo com o acontecido, fechando o caderno para guardá-lo. Mas não antes de notar algo: o desenho não tinha sido acabado.

A solução era voltar amanhã.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Já estou com saudade de World Of Chances. Um One-Short pra compensar ;*
Obrigada.
Review ?