Foi numa primavera precoce, e estava chovendo muito naquela tarde, lembro como se fosse hoje as pesadas gotas de chuva caindo uniformes do céu. Por isso, o cabelo dele, assim como o meu, e nossas roupas, ficaram molhados e pesados, mas cercados de um perfume muito bom de chuva. A terra continuava a girar ao nosso redor, silenciosamente, em seu eixo, ainda neste mundo, nossos corpos iam perdendo seu calor aos poucos. Num toque gelado entre respirações entrecortadas senti o gosto de seus lábios pela primeira vez. Buscamos o calor um no outro e voltamos a nos procurar nos dias posteriores.

Houve uma noite que fui chamado por ele. Ele era gentil como uma suave borboleta, lindo como todo amante deve ser, então foi estranho me descobrir amando-o mais do que seria sensato, mais do que eu admitiria para mim mesmo. Eu nunca admitiria. Não foi complicado deixar aquele sentimento de lado e seguir em frente.

Ele vivia sozinho e por fim eu estava mais na sua casa que na minha. Toda manhã, ele saia para trabalhar. Eu não sabia nada sobre o seu trabalho. No fundo eu não me importava, mas gostava de vê-lo arrumado quando saia do quarto. Seu cabelo era perfeitamente penteado para trás, o perfume, que emanava de seu corpo como se fosse uma delicada flor, era suave e penetrante. Ele me olhava e havia um sorriso discreto em seu olhar ao me contemplar jogado no sofá, afagava meu cabelo e dizia num sussurro:

- Estou saindo.

Mesmo após sua saída eu ainda sentia seu aroma pairando no ar como a grama recém cortada em uma manhã chuvosa.

Quando o verão chegou, não tínhamos nenhum compromisso real, nenhuma palavra, nada que nos ligasse verdadeiramente, então eu arrumei uma namorada. Uma garota fácil e fútil que abria as pernas e me deixava afogar toda a frustração que sentia em seu corpo delicado e macio. Ela era pequena, bonita e muito infantil, cheirava a maquiagem e algo tão doce que chegava a ser enjoativo nos dias mais quentes.

Eu ainda preferia ele, aquele homem adulto, com braços fortes, ombros largos e pele áspera como meu amante. Preferia seus gemidos roucos, suas coxas firmes, sua sincronia em ir cada vez mais forte e fundo. Não era algo que eu pudesse comparar.

Quando a garota começou a me pressionar por um compromisso mais sério eu a deixei sem nem olhar para trás.  

Numa manhã, quando a brisa fria já me fazia odiar quando seu corpo se separava do meu, ele recebeu uma carta e pela primeira vez eu o vi chorar. Por um longo tempo, ele deixou as lagrimas caírem e no meu desconcerto, tudo o que pude fazer foi afagar seus cabelos. Eu não sabia o que havia de errado. Eu não sabia nada sobre ele. Nunca me importei em saber. Eu só me importava com meus desejos e minha própria vida.

Ele sempre foi gentil, lindo e vivia com um sorriso sedutor nos lábios. Eu gostava de ouvir sua voz chamando meu nome, seus carinhos na minha pele e a língua que brincava com a minha.

Um dia quando a neve já caia lá fora, ele colocou o pesado casaco negro, que cobria todo seu corpo até quase os pés, um par de luvas de couro e saiu sem dizer nada. Ele tinha o perfume suave da neve, seus dedos eram bonitos, mas gelados. No céu as nuvens negras iam passando ao longe anunciando a tempestade. Eu nunca soube o que se passava em seu coração ou na cama que dividíamos. A neve absorvia todo o som do mundo, mas eu ainda lembro claramente do som seco dos seus passos na escada.

Eu nunca disse que o amava.

Ele nunca mais retornou.