– Você mora pertinho. – diz Cecília.

– Quase dentro do serviço, nem posso chegar atrasado, não tenho desculpas. – brinca ao abrir o portão e chamar Cecília para entrar.

Murilo entra e joga sua mochila no sofá. Cecília está atrás dele, meio perdida por ser a primeira vez que vai à casa de um garoto que mal conhece.

– Senta aí, fica a vontade, vou ver se minha mãe já chegou, mas acho difícil. – diz ele entrando em um cômodo qualquer da casa.

Cecília senta no sofá e espera por Murilo. Dá uma olhada em sua volta e vê algumas fotos em porta retratos. Em uma delas um casal com um bêbê que deduz ser Murilo.

– Não chegou ainda, são raras as vezes que ela chega antes de mim. – diz voltando para a sala.

– São seus pais? – pergunta mostrando a foto a Murilo.

– São sim. E o neném aí sou eu.

– Você parece bastante com sua mãe, mas tem os olhos do seu pai.

– Todos dizem isso. – diz ao olhar a foto com um semblante triste - Mas então, vamos começar?

Cecília sente que Murilo estava se esquivando de começar uma conversa, resolveu então começar com o que haviam combinado.

– Certo, quer ficar aqui mesmo?

– Por mim tudo bem. Por onde vamos começar?

– Trouxe todas as matérias ligadas a exatas. Nelas que você tem mais dificuldade não é?

– Isso mesmo, me enrolo todo.

– Vamos começar com matemática então, aproveitando os exercícios da aula passada.

– Aquela em que você teve uma crise de cólica e saiu correndo?

Cecília fica sem graça. Será que ele nunca iria esquecer aquilo?

– É, essa mesmo. Pega seu caderno e um bloco de fichário onde possa fazer anotações.

Murilo faz o que ela diz e eles começam. Cecília pacientemente tira todas as dúvidas de Murilo e o ajuda onde faz confusão. Ele presta atenção em tudo o que ela diz. Realmente está mostrando interesse.

– Bem, por hoje acho que já está bom, amanhã estudamos física.

– Nossa, amanhã vai ser bem mais complicado então. Além de odiar a matéria detesto aquele professor. – diz Murilo.

– É recíproco, ele também te detesta. – brinca Cecília – mas eu também não vou com a cara dele não.

– Você detesta só o professor ou a mim também?

– Porque te detestaria? Você é um cara legal.

– Acha mesmo?

– Acho. A primeira impressão que você passa chega a assustar, calado, cara fechada, mas depois que fui te conhecendo vi que você é da hora.

– Da hora? – diz Murilo com uma das sobrancelhas erguidas.

– É o que eu acho. – diz Cecília sem graça.

Murilo sorri.

– E você? Qual foi a sua primeira impressão sobre mim? – pergunta ela.

– Quer mesmo saber?

– Quero, provavelmente não vai ser diferente das demais pessoas.

– Achei você séria também, não tanto quanto eu, mas você é bem na sua. Estudiosa, mas não é metida a fresquinha por isso.

– Metida à fresquinha?

– É. Tem umas meninas que porque tem notas boas acham que podem pisar nos outros, se acham as melhores sabe? Você não é assim. Hoje mesmo, você parou de fazer o seu exercício pra me ajudar com o meu. Vi você ajudando sua amiga também. Isso é legal.

– Sou assim, é meu jeito mesmo.

– Continue assim. Gosto desse jeito – diz sorrindo.

– Posso fazer uma pergunta? – diz Cecília.

– Faça.

– Porque você não se enturma muito com os outros na escola? Fica sempre sozinho num canto, ouvindo música.

– Acho que o pessoal lá tem medo de mim. Até sua amiga lá a Fabiana é meio cismada comigo ainda. Só você e o Luis são mais próximos. Agora com o Luis ficando com sua amiga vai ser mais complicado, agora que vou ficar lá no meu canto sozinho mesmo.

– Bem vindo ao clube então. Por mais que ela fale que não, sei que agora vai querer ficar o tempo todo com ele e eu vou sobrar. Mas se é pra ver a minha amiga feliz, tudo bem pra mim.

Murilo sorri e Cecília acaba fazendo um comentário espontâneo:

– Você devia sorrir mais sabia?

– E por quê?

– Você fica muito bonito quando sorri.

Cecília não entendia o porquê falou aquilo, mas era a verdade. Murilo ficava tão diferente do cara carrancudo da escola quando sorria...

Ele não diz nada. Abaixa a cabeça e sorri novamente, mas de uma maneira que Cecília não veja. Ao levantar a cabeça olha para ela e faz uma pergunta.

– Você tem hora pra chegar em casa?

– Só não posso chegar muito tarde, se não meu pai pode me encher o saco.

– Entendi. Está tarde pra você agora?

– Na verdade ainda não, por quê? Quer tirar mais alguma dúvida?

– Não, ia perguntar se você quer jogar uma partida de xadrez.

– Eu quero! – diz empolgada.

– Certo, vou pegar o tabuleiro, já volto.

Murilo vai ao seu quarto e volta com o tabuleiro de xadrez. Parecia antigo, mas não tanto quanto o da escola.

– Ainda não peguei o jeito. – diz Cecília.

– Relaxa. O nosso trato não foi esse? Você me ensina as matérias e eu te ensino xadrez?

– Verdade. Mas vou ficar tão boa quanto você.

– Duvido! – diz Murilo rindo.

– Ah é? Deixa eu pegar as manhas pra você ver. Não vou perder uma!

– Veremos. Agora vamos começar.

Eles iniciam o jogo. Cecília está um pouco melhor do que na primeira vez, mas quando tem dúvidas olha para Murilo que lhe mostra se está certa ou não.

– É você está melhor, mas eu ganhei de novo. – brinca Murilo.

– Vai curtindo agora, logo o seu reinado acaba ta! – diz Cecília olhando o celular – Agora já é tarde, tenho que ir.

– Tudo bem, eu levo você.

Durante o caminho vão conversando, agora de uma maneira mais natural, mais solta. Já existia um laço de amizade entre eles.

Depois de alguns minutos de caminhada chegam à casa de Cecília.

– Pronto moça, está entregue. – diz Murilo ficando de frente para Cecília, que encosta-se ao portão.

– Obrigada por ter me trazido.

– Eu que agradeço pela aula e pela minha brilhante vitória no xadrez – diz sorrindo.

– Você é muito convencido! Mas tudo bem, na hora certa te dou o troco, pode esperar. Tudo tem a hora certa para acontecer.

– Se você diz... Vou indo. Nos vemos na escola amanhã.

Murilo vai se despedir de Cecília com um beijo no rosto, mas fica sem jeito. Ela percebe, então resolve fazer antes dele.

O beija no rosto e se despede.

– Até amanhã então. Boa noite. – diz entrando em sua casa.

Sua mãe está na sala assistindo televisão e vê quando a filha chega.

– Já filha? Pensei que fosse demorar um pouco mais.

– Não mãe, disse que não ia demorar lembra?

– Tudo bem. Seu pai já está a caminho, jantaremos quando ele chegar, tudo bem?

– Sim senhora, vou pro meu quarto, quando ele chegar me avisa por favor.

Cecília vai para o quarto e senta-se diante do computador.

Inicia uma busca por “Como aprender a jogar xadrez”.

– Você vai ver Murilo, ganhar de você agora é uma questão de honra! – diz pra si mesma.

Cecília estava tão empolgada procurando uma maneira de vencer Murilo no jogo que nem se deu conta que não pensou em Mateus uma única vez durante aquela noite. Sem perceber estava alcançando seu objetivo, não pensar nele.

Aquelas aulas eram apenas o começo de muitas surpresas que o destino já havia lhe reservado. Mas como ela mesma citou para Murilo, tudo tem a hora certa para acontecer.