Na manhã de sábado, Cecília estava pronta no horário marcado. Porém acordou várias vezes à noite. Era como se voltasse há ter seis anos e estivesse esperando por sua primeira excursão com a escola.

Ao ouvir a campainha tocar se despediu da mãe e saiu. Deparou-se com um Murilo ainda mais roqueiro do que o que estava habituada a ver na escola.

Ele estava com uma camiseta preta de uma banda que ela só pra variar não conhecia, calça jeans azul escura, com um cinto que pra ela parecia mais uma corrente, braceletes e o cabelo bagunçado com gel de sempre.

– Bom dia moça. Pronta pra me pagar uma aposta? – diz com as mãos nos bolsos.

– Estou né, fazer o que?

– Então vamos logo antes que lá lote.

Eles saem e vão rumo ao ponto de ônibus. Durante o caminho conversam normalmente, mas Cecília apresenta um comportamento estranho.

– Ta tudo bem com você mocinha? – pergunta Murilo.

– Ta sim, por quê?

– Você parece nervosa. Fiz alguma coisa?

– Não, ta tudo bem. É que nunca fui a um show de rock né, nem sei se estou com a roupa certa pra isso.

Cecília estava com uma calça jeans, baby look azul marinho e tênis, além do cabelo amarrado em rabo de cavalo, como sempre.

– Relaxa não se tem uniforme pra se gostar de rock. Eu me visto assim porque gosto. Fica de boa, você está linda.

Cecília sorri sem jeito.

Não demora muito a chegarem ao local do show. Durante o caminho ela vê várias pessoas vestidas de preto, garotas, rapazes, até algumas crianças, afinal era um show de censura livre. Observando as meninas até gostou do estilo de algumas delas.

– Está se sentindo muito perdida aqui? – brinca Murilo.

– Até que não, quero ver quando a música começar.

Murilo sorri enquanto olha em volta deles. Avista um lugar que parece ser bom para acompanhar o show.

– Ali está bom, vem antes que encha de gente – diz pegando a mão de Cecília e a guiando até o local.

Nesse momento ela sente um frio na barriga.

– Cecília, tem certeza que você está bem? Sua mão está gelada!

– To bem sim, verdade. – diz sem graça.

– Olha lá hein, não me inventa de passar mal aqui. Seus pais vão querer me matar se isso acontecer.

– Ta tudo bem, Murilo, relaxa. – diz rindo.

Eles sentam no chão e esperam até o show começar. Enquanto isso conversam normalmente. Cecília olha em volta observando cada uma das pessoas ali.

– Parecem muito estranhos pra você? – pergunta Murilo.

– Não. São normais como eu e você.

– E você me acha normal? – brinca Murilo.

– Podemos dizer que sim. – responde sorrindo.

– Mas é sério, todo mundo aqui é normal e faz coisas normais, tipo aqueles dois ali. – diz Murilo apontando um casal se beijando não muito longe deles. – Aquilo é normal não acha? Pelo menos pra mim...

Cecília fica sem graça e sua sensação de frio na barriga aumenta ainda mais.

– É normal sim, claro que é. – responde rapidamente.

– Ficou vermelha porque então? – pergunta olhando para o rosto de Cecília.

Ela não sabia o que responder, mas para sua sorte nesse momento alguém anuncia que as apresentações vão começar.

– Olha, vai começar. – diz se levantando rapidamente.

Murilo se levanta também. Alguns minutos depois as apresentações começam. Inicialmente o som incomoda Cecília, mas logo ela se acostuma e até tenta cantar algumas músicas ao perceber que eram as mesmas que Murilo havia lhe passado.

– Gostando? – pergunta no ouvido dela, já que o som estava bem alto.

– É, até que estou pena que não consigo ver nada.

O lugar que Murilo havia escolhido para ficar era afastado da multidão, porém havia muitas pessoas a frente de Cecília.

– Você pesa quanto?

– Que perguntinha pra se fazer pra uma mulher hein!

– É sério, quanto você pesa?

– Uns 55 kg acho.

– Ah, facinho.

Murilo se abaixa e coloca Cecília em seus ombros, levantando-a.

– Você ta louco Murilo? Eu vou cair me coloca no chão!

– Não vou te deixar cair não, fica tranqüila. Dá pra ver agora?

– Dá sim. – diz com um sorriso olhando para o palco e a multidão a sua frente.

Ela fica nos ombros de Murilo durante boa parte do show, até pede para descer quando um intervalo é anunciado.

– Viu, não te derrubei.

– É – diz rindo.

– Na próxima apresentação você que vai me segurar viu.

– Engraçadinho.

Murilo sorri e lá estava Cecília mais uma vez sentindo um frio na barriga.

– Ta com sede? – pergunta ele.

– Um pouco.

– Vem, vamos comprar alguma coisa pra beber. – diz Murilo segurando na mão de Cecília, para não perde-lá na multidão.

Ele compra um refrigerante para cada um. Cecília bebe com uma rapidez impressionante, o que a faz arrotar em seguida.

– Isso que é sede hein!

– Desculpa! Não deu pra segurar – diz com o rosto completamente vermelho pela vergonha que acabou de passar.

– Relaxa, acha que eu também não faço isso? – diz calmamente, procurando não deixa-la sem graça – Olha, vai começar a segunda parte, quer ver ou ir embora?

– Quero ver claro!

Murilo sorri e eles voltam para acompanhar o show, porém agora parecia ainda mais cheio que antes.

– Não vai ter como voltar pra onde estávamos, vamos ter que enfrentar a multidão aí.

– Ah não Murilo, vão me pisotear!

– Vão nada, acha que vou deixar? Vem. – diz segurando a mão dela enquanto abre caminho.

Murilo pára ao encontrar um espaço bem pequeno entre as pessoas.

– É, ta apertado, mas pelo menos daqui dá pra ver melhor o palco. – diz Cecília.

– Vamos ficar aqui mesmo então. – diz ele que estava ao lado dela.

O show recomeça e Cecília observa o palco. Agora era uma banda com um estilo de rock mais pesado e esse ela não curtia. Ficou com os braços cruzados apenas vendo a apresentação. Não demora muito até que um grupo de rapazes ao lado dela começassem com o típico “bate cabeça”, consequentemente esbarrando nela que distraída quase cai no chão. Murilo a segura e repreende os jovens.

– Oh irmão, dá pra ir mais devagar aí? Não ta vendo a menina não?

Os jovens se desculpam e se afastam. Murilo por sua vez traz Cecília pra mais perto dele, a deixando em sua frente. Involuntariamente a segura pela cintura.

Cecília que já estava mais habituada ao lugar sente um frio na barriga, mas diferente das outras vezes agora tinha certeza que estava assim por causa de Murilo.

Ela tenta prestar atenção no show, mas agora só consegue pensar nas mãos de Murilo a segurando. Ela está com medo de ele perceber alguma coisa, se é que já não havia percebido, mas ela não sabia o que fazer. Acabou sorrindo e balançando a cabeça num gesto de quem não acreditava no que estava acontecendo.

– Tudo bem? – pergunta Murilo em seu ouvido, ainda com as mãos na cintura dela.

– Tudo, é o som alto, só isso. – diz arrepiada.

– Som alto? Sei... – diz sorrindo pra si mesmo de forma que Cecília não ouça.

Depois de mais algumas músicas, o show termina e chega a hora de voltarem pra casa. A multidão sai em peso e para não perder Cecília, Murilo segura sua mão. Só dão conta que ficaram assim quando chegam ao ponto de ônibus.

Eles se entreolham sem jeito, mas não tem tempo de dizer nada, pois logo o ônibus passa. Quando chegam ao ponto que deveriam descer, Murilo desce na frente e estende a mão para Cecília. Ela aceita e eles vão de mãos dadas até a casa dela, mas sem dizer uma única palavra. Chegando no portão da casa dela que Murilo resolve falar.

– Curtiu?

– Sim. Foi melhor do que eu imaginava.

Murilo sorri e se aproxima do rosto de Cecília.

– Sabe o que falta pra ficar melhor ainda?

Ela não diz nada, as palavras não saem de sua boca por mais que ela se esforce. Murilo se aproxima mais um pouco colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha sussurrando em seguida:

– Você ganhar de mim no xadrez! – diz dando um beijo no pescoço de Cecília e indo embora em seguida.

Ela se arrepia e ri ao mesmo tempo. Enquanto o vê ir embora encosta no muro e diz pra si mesma:

– Já era Cecília. Você está apaixonada!