Julho de 2002

Ele se sentou no banco do shopping depois de receber a notícia de que tudo ao redor estava alagado e de que ele não poderia sair dali dirigindo.

-Merda. - disse uma garota, olhando para a fivela quebrada de sua rasteirinha e sentando do lado de João.

Ela tremia. Provavelmente de frio, já que estava toda molhada da tempestade do lado de fora. E chorava.

-Tá tudo bem? - tentou João.

-Parece estar tudo bem? - ela respondeu, grosseira, e bufou.

Ele encarou ela com um pouco mais de atenção.

Ela não usava nenhuma maquiagem. Caso usasse, estaria toda derretida agora. Ela estava com o cabelo preso, mas bagunçado de alguma forma e todo molhado. Ela vestia uma calça legging azul e uma camiseta branca que, molhada, deixava ver o sutiã de bolinhas vermelhas. Ela estava com os olhos inchados e vermelhos do choro.

E ela parecia maravilhosa.

Ele quase riu ao notar isso.

Ela cruzou os braços com mais força, tentando se aquecer.

Ele tirou a jaqueta e colocou nos ombros dela, a surpreendendo.

-Obrigada. Meu nome é Maria. - ela respondeu, olhando ele nos olhos.

-De nada. O meu é João.

-Você foi a primeira pessoa a ser legal comigo hoje. - ela disse, sem pensar.

Eles não quebraram o contato visual em nenhum momento.

Um vento entrou pela porta automática quando alguém entrou e os dois se arrepiaram,mas não sentiram frio.

O contato visual entre eles era quente demais para permitir isso.

Maio de 2003

-Rosas são vermelhas, violetas são azuis, eu sou João e a Maria me seduz – ele declamou numa pedra no meio do parque, na frente de um monte de crianças que começaram a rir do “tio”.

-Seu bobo. - ela disse, puxando ele de cima da pedra e ele lhe deu um beijo.

Ele adorava beijá-la. Era como ouvir a melhor música de todas. Para ele, ela era a personificação de Vênus. Ela era perfeita em cada detalhe.

Ela sabia que deveria estar trabalhando em sua monografia, mas estava no parque, beijando o namorado. Ela não ligava. Nada importava enquanto estava com ele. Não havia nada que a impedisse de estar ali. Ela queria estar. Ela queria sentir. Ela queria viver. Com os braços dele em sua cintura. E não sabia (nem queria saber) por que.

Por mais tempo que fosse possível.

Maio de 2005

-Qual é o seu sonho? - ele perguntou, olhando as nuvens do parque, com a cabeça dela apoiada em seu braço.

-Não sei. Já terminei minha faculdade. Já tenho um trabalho em que ganho bem. E tenho você. Acho que já realizei todos meus sonhos. - ela respondeu, apesar de estranhar a pergunta.

-Você já teve algum sonho estranho? - ele insistiu.

-Vários. Desde cobradora de ônibus, até guia turístico. - ela respondeu. Eles riram um pouco juntos. - Mas o mais estranho mesmo foi ser piloto de avião.

-Sério? - ele se apoiou nos cotovelos para enxergar aquele rosto que ele tanto amava. - Você já quis ir ao céu?

-Não zoa. - ela disse, ficando vermelha.

-Meu sonho ainda não se realizou. Quer casar comigo? - ele disse. Ela arregalou os olhos e se sentou.

Ele pegou uma caixinha no bolso e os olhos dela brilharam com as lágrimas.

-Estou no céu agora. - ela sussurrou. - Sim.

Ele colocou o pequeno anel dourado com uma única e pequena pedra azul no dedo anelar da mão direita dela.

As lágrimas escorreram dos olhos dela para os dedos dele, enquanto ele a beijava.

Eles viveram até 2064. E morreram juntos, enquanto dormiam abraçados.