Assustada escrita por pedro atalah
Amy estava no quintal da sua casa sentada à sombra de uma árvore olhando para o nada, afundando no tédio que parecia imortal. Pensou em compor algo no seu piano, mas seu pai estava em casa, e a idéia de ficarem sob o mesmo teto lhe dava náuseas. Pensou em subir para o seu quarto e dormir, mas não restara mais uma gota sequer de sono que pudesse apagá-la por várias horas. Por que as férias simplesmente não acabavam logo? – pelo menos teria onde ficar longe da sua casa.
Amy tinha dez anos e sua pele não via o sol há séculos – seu cabelo negro entrava em contraste com seu rosto. Ela era alvo de piadas na escola, do tipo “olha quem resolveu aparecer... o fantasma da escola”, mas nunca se importou muito.
Já se cortou uma vez, mas percebeu que a dor física não superava a emocional. Matar-se não adiantaria muito, de qualquer modo permaneceria sozinha, para todo o sempre.
Olhou para o lado e viu a bola verde que seu irmão deixara ali antes de ir para uma excursão da escola, onde sofrera um acidente e não resistiu – foi a partir desse dia que Amy se sentia sozinha no mundo, a não ser pelo seu pai, que a ignorava desde então.
Pegou a bola e conclui que talvez fosse legal brincar um pouco na rua.
Chegando lá, parou e refletiu como iria brincar sozinha.
Arremessou-a para cima e a pegou. O tédio permanecia como uma doença incurável.
Soltou e a chutou, voando até o jardim da casa à sua frente.
Permaneceu parada, e depois de um tempo, caminhou até lá intensamente.
Abaixou-se e pegou a bola. Logo sua atenção se voltou para a porta frontal da casa. Sentiu algo a arrastando até lá.
Amy subiu os três degraus cuidadosamente, temendo destruí-los devido ao longo tempo que a casa permanecia ali intocada.
Viu suas mãos tocarem a maçaneta da porta e a abriu. Três passos depois já estava dentro da casa. Soltou a bola e olhou em volta – os móveis estavam desorganizados, cobertos por poeira. Havia um quatro na parede à sua frente, coberto por um pano branco.
Caminhou até lá e puxou o pano. A poeira se espalhou pelo ar, fazendo-a espirrar. Olhou para o quadro e reconheceu aqueles cabelos negros... aquela pele pálida... era o seu rosto que estava no quadro, pintado cuidadosamente.
Sentiu seu coração batendo rapidamente contra sua costela. Engoliu em seco, virou-se e correu para a porta, esquecendo-se completamente da bola do seu irmão.
Mas a porta não estava mais ali.
Virou-se novamente e correu para o lado direito, aflita, ofegante.
Atravessou o corredor e entrou em outra sala, e percebeu que era a mesma na qual estava anteriormente. O quadro estava no mesmo lugar, mas estava coberto novamente, dessa vez por um pano preto.
Não conseguiu se segurar. Foi até lá e puxou o pano, e poeira tornou-se a encher suas narinas, mas dessa vez ela não espirrou. Olhou para o quadro e se deparou com o rosto do seu irmão. Estava borrado em algumas partes, mas podia reconhecê-lo facilmente.
Uma lágrima brotou no seu olho. Tornou-se a correr, e depois de revirar o primeiro andar da casa, percebeu que não havia porta por onde ela poderia sair.
Encostou-se no canto da parede e escorregou até o chão. Escondeu seu rosto em suas mãos e começou a chorar.
Nove anos depois ela parou de chorar e olhou para cima, e viu que tudo estava escuro, mas ainda podia ver o quadro com o rosto do seu irmão.
Ao seu lado havia um sanduíche com atum, o suficiente para mantê-la viva.
Podia ouvir longas palavras sendo sussurradas em seu ouvido, e até conseguia identificá-las, mas preferia fingir que não as ouvia.
Dessa vez, ela estava vestida com roupa de trabalho, mas sua cabeça ainda doía e se afundava em desesperança.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!